Processo nº 896/2020
Data do Acórdão: 29OUT2020
Assuntos:
Recurso jurisdicional
Suspensão de eficácia de actos administrativos
Inidoneidade do procedimento preventivo
Ónus de alegar e provar
Expressões vagas e conclusivas
SUMÁRIO
1. Cabe ao requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado no artº 121º/1-a) do CPAC, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação;
2. Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente, não obstante a instrução do requerimento inicial com os vários documentos, pretensamente demonstrativos da situação económico-financeira do requerente, o certo é que o carácter vago e conclusivo da alegada fraca situação económico-financeira nem sequer é suprível pela simples junção desses documentos, quando não acompanhados da alegação dos factos concretos que os tais documentos têm a pontencialidade de demonstrar.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 896/2020
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de suspensão de eficácia, que correm os seus termos no Tribunal Administrativo sob o número 176/20-SE, de que é requerente A Limitada, foi proferida a seguinte sentença indeferindo o pedido:
I. Relatório
Requerente A LIMITADA, melhor identificada nos autos, requereu,
A Suspensão de Eficácia
Dos despachos do Presidente do Instituto de Habitação, n.º 56/IH/2019, 58/IH/2019, 59/IH/2019, 60/IH/2019, 136/IH/2019, 142/IH/2019, 147/IH/2019, 27/IH/2020, 54/IH/2020 e 88/IH/2020, que lhe determinou a aplicação das multas pela violação das obrigações de condóminos estatuídas no disposto do artigo 16.º do DL n.º 41/95/M, de 21 de Agosto.
Com os fundamentos constantes a fls. 20 a 28 e v dos autos.
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Contestou a Entidade requerida, pugnando pela não autorização da providência, pela verificação das excepções obstativas – incompetência do Tribunal Administrativo e erro na forma de processo, e pelo não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121.º do CPAC.
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A digna Magistrada do M.º P.º emitiu o parecer, promovendo o indeferimento da providência requerida, com base na verificação da incompetência do Tribunal Administrativo por força da norma do artigo 19.º do DL n.º 41/95/M, que obste ao conhecimento da questão de mérito, com os fundamentos constantes de fls. 74 a 76 dos autos.
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II. Pressupostos processuais e Saneamento
Começamos pela apreciação da excepção da incompetência do Tribunal Administrativo, assinalada pela Entidade requerida na contestação.
No seu entender, tratando-se dos actos da determinação da aplicação da multa pelo Presidente do Instituto de Habitação, por causa do incumprimento das obrigações dos condóminos, a impugnação judicial dos mesmos deveria ser feita perante o Tribunal Judicial de Base com competência derivada expressamente da norma do artigo 19.º, n.º 4 do DL n.º 41/95/M.
Vejamos se lhe assiste razão.
As regras disciplinadoras da administração dos condomínios dos edifícios construídos no regime da habitação económica encontram-se estabelecidas no DL n.º 41/95/M, de 21 de Agosto, onde se definem, com clareza, as obrigações inerentes ao estatuto dos condóminos, as consequências do seu incumprimento, e além disso, as competências fiscalizadoras atribuídas ao Instituto de Habitação.
Dispõe, em especial, o artigo 18.º o seguinte:
“Artigo 18.º
(Sanções aplicáveis aos condóminos)
1. Os condóminos estão sujeitos à aplicação das seguintes multas:
a) Pelo incumprimento do disposto nas alíneas a), b), e), g), h) e l) do n.º 2 do artigo 16.º a multa de 1 000,00 patacas;
b) Pelo incumprimento de outras disposições do presente diploma a multa de 500,00 patacas.
2. Se o incumprimento respeitar a obrigações pecuniárias, o montante da multa é igual ao valor da importância em dívida.
3. Pela violação continuada das obrigações de não fazer a multa é diária até cessar a conduta violadora ou for reposta a situação a que estavam obrigados em não fazer.
4. Sem prejuízo das multas devidas, os infractores são responsáveis pela reparação dos danos causados aos outros condóminos.”
No que respeita à tramitação do procedimento sancionatório, encontra-se regulado no artigo 19.º o seguinte:
“Artigo 19.º
(Processo de aplicação e pagamento das multas)
1. Recebida a participação ou verificada qualquer infracção ao presente diploma, o IHM notificará o infractor para apresentar a sua defesa, no prazo de dez dias, sobre os factos constantes da participação.
2. Se a defesa apresentada contraditar a essencialidade dos factos, o IHM procederá a averiguações no sentido de apurar a verdade material.
3. A aplicação das multas é da competência do presidente do IHM e as decisões que as aplicam são susceptíveis de impugnação judicial por parte dos infractores ou da pessoa contra as quais se dirigem.
4. É competente para conhecer e decidir do recurso referido no número anterior o Tribunal de Competência Genérica de Macau.
5. Às multas não pagas, no prazo de dez dias a contar da data para o seu pagamento, aplica-se o regime do processo civil de execução por custas e multas, servindo de título executivo a certidão do despacho que as aplicar.” (sublinhado nosso).
A conclusão imediata que se pode extrair, em consonância com as supracitadas normas, é que a impugnação das decisões sancionatórias a respeito da matéria em causa deveria ser deduzida no Tribunal de Competência Genérica de Macau, ou actualmente, no Tribunal Judicial de Base (em consonância com o disposto do n.º 3 do Anexo IV da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação)). Isso é verdade.
A razão de ser desta opção legislativa não se consegue aqui afirmar assertivamente, a qual poderia residir na natureza “verosimilmente” civilística da infracção cometida, que estaria sujeita ao poder de fiscalização do Instituto de Habitação, exercido em pé de igualdade com os condóminos infractores.
Se antes era sempre assim, as ditas normas não devem deixar de ser interpretadas diferentemente com a entrada em vigor do DL n.º 52/99/M que veio a estabelecer o “Regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento”, se destinando, por este modo, a introduzir um regime geral e uniforme para os ilícitos “cuja sanção principal é a multa administrativa, têm actualmente regimes diversos e, por vezes, contraditórios”, como referenciado no preâmbulo deste diploma legal.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 52/99/M, prevê-se o seguinte:
“Artigo 2.º
(Noção de infracção administrativa)
1. Constitui infracção administrativa o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para o qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada multa.
…”
No caso dos autos, o ilícito – o incumprimento das obrigações do condómino – praticado pela ora Requerente não tem natureza de contravenção. E para o tal, é cominada uma sanção pecuniária de multa.
Por outro lado, as disposições legais do DL n.º 41/95/M que estatuem as ditas obrigações a cumprir pelos condóminos e a consequência da sua inobservância têm manifestamente os contornos de direito público administrativo – sendo vocacionadas para disciplinar as relações jurídicas de desigualdade entre os entes públicos e os particulares em que aqueles aparecem numa posição de supremacia, actuando no exercício do poder de autoridade e que estes numa posição subordinada (veja-se, neste sentido, J. Bapista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 65, e Diogo Freita do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume I, pp. 123 a 124).
O que parece ser ainda corroborado pelo aludido no preâmbulo do referido DL n.º 41/95/M, conforme se transcreve no seguinte: “…o presente diploma define, de forma mais clara e em certos aspectos inovadora, as atribuições da Administração Pública na missão de controlo da regularidade da administração dos condomínios, nomeadamente quando tem de intervir como julgadora das infracções cometidas quer pelos condóminos quer pela entidade que exerce funções de administração ou ainda sobre as regras financeiras e orçamentais.”
Nesta perspectiva, as infracções alegadamente cometidas pela Requerente no caso dos autos, têm a natureza de ilícito administrativo. A partir daí, a nova qualificação jurídica da infracção em causa como administrativa, introduzida pelo DL n.º 52/99/M, leva, necessariamente, a uma nova definição da competência jurisdicional anteriormente fixada no artigo 19.º, n.º 4 do DL n.º 41/95/M, uma vez que, nos termos do artigo 30.º, n.º 5, alínea 5) da LBOJ, “compete ainda ao Tribunal Administrativo, no âmbito do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, conhecer …dos recursos dos actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa…”.
Ou seja, em face disso, tal norma que atribuía ao Tribunal Judicial de Base a competência para dirimir o litígio emergente nesta matéria, deve-se considerar tacitamente revogada.
À mesma conclusão chega-se numa outra perspectiva que não seja a da natureza do ilícito em causa: como vimos, o exercício dos poderes de fiscalização pelo Instituto de Habitação tem fundamento directo na norma do direito público (cfr. art.º 4º do DL n.º 41/95/M). As multas determinadas pelos entes públicos, alicerçadas nas normas de direito público, constituem uma estatuição autoritária e unilateral, com a produção dos efeitos agressivos na esfera jurídica concreta dos particulares. Trata-se, portanto, dos actos administrativos, em conformidade com o conceito preceituado no disposto do artigo 110.º do CPA, configuráveis como objecto da providência da suspensão da eficácia.
Assim sendo, a competência do Tribunal Administrativo em razão da matéria também afere-se pelo disposto do artigo 30.º, n.º 5, alínea 3) da referida Lei, onde se diz: “…compete ainda ao Tribunal Administrativo, no âmbito do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, conhecer…dos pedidos de suspensão de eficácia dos actos administrativos de cujo recurso contencioso conheça e dos demais incidentes relativos a recurso nele pendente ou a interpor…”
Pelo que, deve-se improceder a excepção de incompetência do Tribunal Administrativo suscitada pela Entidade requerida.
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No que concerne a outra excepção do erro na forma processual, julgamos que não tem razão a Entidade requerida pelos motivos acima assinalados.
Aliás, estando em causa os actos administrativos de aplicação da multa sancionatória, são estes, em abstracto, susceptíveis de constituir objecto da providência de suspensão da eficácia. Resta saber se para o seu decretamento, estão reunidos ou não os respectivos pressupostos legais.
Improcede assim esta excepção invocada.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou outras questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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III. Fundamentação
1. De facto
Considera-se documentalmente provada a seguinte factualidade pertinente:
1) Pelo Despacho n.º 56/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 4 de Julho de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP1,000.00, pela violação da norma do artigo 16.º, n.º 2, alínea g) do DL n.º 41/95/M (vide fls. 117 dos autos n.º 2936/20-ADM).
2) Pelo Despacho n.º 58/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 9 de Julho de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP500.00, pela violação da norma do artigo 16.º, n.º 2, alínea i) do DL n.º 41/95/M (vide fls. 117v dos autos n.º 2936/20-ADM).
3) Pelo Despacho n.º 59/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 9 de Julho de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP500.00, pela violação da norma do artigo 16.º, n.º 2, alínea j) do DL n.º 41/95/M (vide fls. 118 dos autos n.º 2936/20-ADM).
4) Pelo Despacho n.º 60/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 9 de Julho de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP500.00, pela violação da norma do artigo 16.º, n.º 2, alínea c) do DL n.º 41/95/M (vide fls. 118v dos autos n.º 2936/20-ADM).
5) Pelo Despacho n.º 136/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 20 de Novembro de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP49,500.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e i) e 18.º, n.º s 1 e 3 do DL n.º 41/95/M (vide fls. 119 dos autos n.º 2936/20-ADM).
6) Pelo Despacho n.º 142/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 26 de Novembro de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP4,000.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea c) e j) e 18.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 41/95/M (vide fls. 119v dos autos n.º 2936/20-ADM).
7) Pelo Despacho n.º 147/IH/2019 da Entidade requerida, datado de 12 de Dezembro de 2019, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP42,000.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e i) e 18.º, n.º s 1 e 3 do DL n.º 41/95/M (vide fls. 120 dos autos n.º 2936/20-ADM).
8) Pelo Despacho n.º 27/IH/2020 da Entidade requerida, datado de 28 de Fevereiro de 2020, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP84,000.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e i), e 18.º, n.º s 1 e 3 do DL n.º 41/95/M (vide fls. 120v dos autos n.º 2936/20-ADM).
9) Pelo Despacho n.º 54/IH/2020 da Entidade requerida, datado de 8 de Abril de 2020, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP97,500.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e i) e 18.º, n.º s 1 e 3 do DL n.º 41/95/M (vide fls. 121 dos autos n.º 2936/20-ADM).
10) Pelo Despacho n.º 88/IH/2020 da Entidade requerida, datado de 13 de Maio de 2020, foi determinada à Requerente a aplicação da multa no valor de MOP43,500.00, pela violação das normas dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e i) e 18.º, n.º s 1 e 3 do DL n.º 41/95/M (vide fls. 121v dos autos n.º 2936/20-ADM).
11) No dia 15 de Junho de 2020, a Requerente apresentou o recurso contencioso contra dos referidos despachos sancionatórios (vide fls. 2 dos autos n.º 2936/20-ADM).
12) No dia 30 de Julho de 2020, a Requerente requereu a suspensão dos referidos despachos sancionatórios, junto a este Tribunal.
2. De direito
Face aos factos apurados, cumpre-nos decidir.
Desde logo, os actos administrativos de aplicação da multa, sendo de natureza sancionatória e impositiva, têm conteúdo positivo, cuja eficácia pode ser suspensa nos termos do art.º 120.º, alínea a) do CPAC.
No que diz respeito aos requisitos da providência de suspensão, o disposto do art.º 121.º estabeleceu o seguinte:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No caso vertente, não se tendo verificado as situações excepcionais previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 da norma citada, a solução do caso passa por saber se a Requerente alegue e prove os requisitos cumulativos de todas as três alíneas do n.º 1 da norma citada.
No tocante ao primeiro requisito - “prejuízos de difícil reparação” aludido na alínea a), trata-se de um conceito indeterminado que tem sido objecto da constante densificação nas jurisprudências dos tribunais superiores de Macau, conforme se cita nos seguintes termos:
“…o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, tais como os casos ‘em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis’, os prejuízos ‘decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais livres’ bem como consistentes ‘na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares’…” (cfr. Acórdão do TUI, 27/9/2018, Proc. n.º 69/2018 ).
“…Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto…” (cfr. Acórdão do TUI, 4/11/2009, Proc. n.º 33/2009).
“Só os prejuízos que não possam ser satisfeitos com a utilização dos meios legais (em execução de sentença ou por via de acção de indemnização) é que se devem considerar de difícil reparação.” (cfr. Acórdão do TUI, 29/6/2016, Proc. n.º 35/2016).
Segundo a Requerente, existem “prejuízos de difícil reparação” no caso dos autos, pelo facto de as multas aplicadas são de valor substancialmente elevado que ascende às MOP323,000.00, tendo em conta a actual situação financeira da Requente – “designadamente parco dinheiro que tem em caixa e as perdas muito consideráveis que tem vindo a sofrer nos últimos meses” e “a actual situação económica criada pela pandemia do COVID-19, que implica o fecho de fronteiras e atinge inevlutavelmente os negócios virados para os visitantes”, e “a suspensão requerida os actos administrativos recorridos logrará salvaguardar a existência da Requente” (conforme se alega nos artigos 45.º a 53.º na p.i.).
Com o devido respeito, consideramos que não foi demonstrada a irreparabilidade ou a difícil reparabilidade dos prejuízos que ela possa vir a sofrer com a execução coerciva dos actos. Ou seja, ainda tratando-se da aplicação das multas de valor extravagante, da qual advenha o prejuízo considerável para a Requerente, não deixamos de estar perante os prejuízos reparáveis com a utilização dos meios legais (em execução de sentença ou por via de acção de indemnização), como foi assinalado nas jurisprudências acima citadas.
Por outro lado, nos convence menos o que argumentou a Requerente com base na sua expectativa de que o decretamento da providência terá efeito de dissuadir a Entidade requerida de praticar na pendência do recurso contencioso dos novos actos sancionatórios, para evitar assim a multiplicação dos actos derivados dos actos recorridos (conforme se alega nos artigos 40.º a 43.º da p.i.).
Se é verdade, tal como entende a Requerente, que os actos sancionatórios posteriormente praticados são sempre autónomos em relação aos actos anteriores que já foram objectos do recurso contencioso, e que a sua prática não se enquadra nas situações da modificação objectiva contempladas nos artigos 79.º a 81.º do CPAC. Então a concessão da suspensão da eficácia dos primeiros actos nunca desonera a Requerente de requerer de novo a suspensão dos actos posteriores se pretende evitar a execução coerciva destes. Assim, o decretamento desta providência nunca poderá ter aquele impacto dissuasivo tal como pretendido, não sendo idóneo para evitar a ocorrência dos prejuízos nos termos alegados.
Aqui chegado, julgamos que o requisito da alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC não está demonstrado pelo que temos de concluir pela improcedência da providência.
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IV. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Indeferir o pedido de suspensão da eficácia formulado pela Requerente.
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Custas pela Requerente, com taxa de justiça em 5 UC.
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Registe e notifique.
Notificada e inconformada com a sentença indeferindo o seu pedido de suspensão, veio a requerente, interpor o presente recurso jurisdicional da mesma para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
1.ª O presente recurso vem interposto da sentença que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia, assente fundamentalmente no entendimento de que não se mostra preenchido o requisito do prejuízo de difícil reparação, nos termos consagrados no art. 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC.
2.ª O douto Tribunal a quo considerou que o prejuízo de difícil reparação não se mostrou comprovado, fundamentalmente porque qualquer prejuízo pecuniário que venha a ser causado - ainda que extravagante - pode ser eventualmente reparado pela administração.
3.ª O Tribunal adopta no fundo a posição que o prejuízo deve ser de difícil reparação para a administração: dispondo o interessado de meios adjectivos para reclamar contra quaisquer danos em que entretanto tenha incorrido, nunca este se achará desprotegido, porque a administração sempre terá capacidade para o ressarcir de quaisquer prejuízos patrimoniais.
4.ª Adoptando a perspectiva consignada na sentença recorrida, nunca os prejuízos pecuniários poderiam consubstanciar um pedido de suspensão de eficácia; de facto, sendo sempre indemnizáveis no futuro, nunca poderiam ser considerados de difícil reparação.
5.ª Porém, nem a jurisprudência em que o Douto Tribunal se baseia para sustentar a sua posição adopta uma interpretação tão finalista do preceito legal, nem seguramente tal terá sido intenção do legislador, que facilmente poderia ter deixado consignada na letra da lei tal intenção.
6.ª O Tribunal a quo alicerçou a sua posição em jurisprudência do Tribunal de Última Instância da RAEM, especificamente os acórdãos proferidos no âmbito dos Processos n.º 69/2018, n.º 33/2009 e n.º 35/2016.
7.ª Embora não seja a regra, a jurisprudência de facto admite situações em que prejuízos pecuniários podem consubstanciar pedidos de suspensão de eficácia, porque podem provocar prejuízos de difícil reparação para o requerente.
8.ª Não é difícil descortinar situações em que a não suspensão dum acto administrativo possa pôr em causa a subsistência duma pessoa colectiva ou singular, seja por implicar a falência daquela ou a impossibilidade da satisfação das necessidades básicas e elementares desta.
9.ª O Tribunal recorrido ponderou expressamente o facto de a suspensão dos actos administrativos poder ser necessária para salvaguardar a subsistência da recorrente, mas não ofereceu preponderância especial ao argumento.
10.ª A verdade é que os danos serão dificilmente reparáveis para a requerente, senão mesmo irreparáveis, se a execução dos actos puser em causa a sua subsistência - ou, noutras palavras, a sua existência.
11.ª Como resulta de simples contas aritméticas, a execução dos actos recorridos na pendência do recurso contencioso implica o pagamento de multas diárias no valor de MOP$1,500.00, que ascendem a MOP$45,000.00 mensais e a MOP$547,500.00 anuais.
12.ª A actual situação financeira da recorrente, designadamente o parco dinheiro que tem em caixa e as perdas muito consideráveis que tem vindo a sofrer nos últimos meses,
13.ª Resultando de - e em conjugação com - a actual situação económica criada pela pandemia do COVID-19, que implica o fecho de fronteiras e atinge inelutavelmente os negócios virados para os visitantes,
14.ª Aliada à demora natural da tramitação processual e da obtenção duma decisão final e irrecorrível no âmbito dos autos de recurso contencioso,
15.ª Implicará que apenas a suspensão dos actos administrativos logrará salvaguardar a existência da Recorrente.
16.ª Não se deve perder de vista que as multas ascendem já a MOP$513,000.00.
17.ª De facto, o órgão requerido começou a contabilizar as multas aplicadas no dia 25/09/19, tendo até ao momento decorrido 342 dias, sendo também verdade que o recurso contencioso se encontra ainda numa fase embrionária.
18.ª É fácil de ver que a simples insistência no pagamento das multas devidas até hoje vai implicar a falência da recorrente, a perda todos os seus activos e que tenha de cessar por completo a sua actividade.
19.ª A não suspensão da eficácia dos actos implicará, em última análise, a extinção da recorrente enquanto pessoa colectiva, como consequência da falência que se afigura inelutável (art. 315.º, n.º 1, al. h) do CCom).
20.ª Pelo simples facto de a recorrente entrar em estado deficitário, nem sequer poderá assegurar a continuação da defesa dos direitos que legalmente lhe assistem, pois esta sempre implica dispêndio a nível de custas judiciais, para não falar de honorários com advogados para a representar em juízo.
21.ª A recorrente tem plena confiança de que lhe será reconhecida razão no recurso contencioso que ora decorre no Tribunal Administrativo, mas tem de se precaver para poder estar viva no momento em que tal acontecer, ou tal reconhecimento será completamente inútil.
22.ª Não se percebe, de resto, como pretende a administração reverter os efeitos duma falência, que terá consequências não só a nível da sociedade (mormente a sua extinção) como até pessoalmente na esfera jurídica da sua administradora.
23.ª A situação financeira da recorrente foi comprovada documentalmente, os efeitos perniciosos da pandemia actual são notórios e em momento algum a factualidade alegada foi sequer contraditada pelo órgão requerido - pelo que deverão todos estes factos ser tomados em consideração na apreciação do presente recurso jurisdicional.
24.ª De facto, no primeiro semestre de 2020, a sociedade apresentou resultados negativos na ordem das MOP$982,754.00, os quais contribuem para o balanço actual na ordem das MOP$695,319.00, do qual apenas MOP$162,254.00 estão disponíveis em caixa, visto que os outros activos estão investidos em mercadoria perecível ou em depósitos de contratos de arrendamento a que a recorrente não tem acesso.
25.ª A sentença recorrida incorreu em erro de direito, ao não dar como comprovado o pressuposto previsto no art. 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC, quando todos os elementos dos autos apontavam nesse sentido.
26.ª A requerente advertiu no seu requerimento inicial dos efeitos perniciosos (para si, desde logo) da aplicação de ulteriores multas, as quais não se podem integrar nas situações previstas nos arts. 79.º, 80.º ou 81.º do CPAC.
27.ª Na verdade, sendo actos de execução de alguns dos actos recorridos, tais actos em princípio não são em princípio sequer impugnáveis autonomamente (art. 30.°, n.º 1 do CPAC) , e seguramente os pecados originais relativos aos actos exequendos apenas a estes se podem imputar, contenciosamente (art. 138.º, n.º 4 do CPA, a contrario).
28.ª Ao contrário do que concluiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, a forma adequada de evitar a aplicação de ulteriores multas é exactamente a suspensão da eficácia dos actos de que aquelas são desenvolvimento.
29.ª Não há qualquer dúvida que os mais recentes actos praticados pelo órgão requerido são actos de contabilização das multas aplicadas nos anteriores.
30.ª Se porventura a recorrente logrou (ou lograr no futuro) identificar nos actos de execução vícios autonomizáveis dos actos exequendos, não deixa de ser ponto de partida essencial que tais actos são desenvolvimento dos anteriores.
31.ª A suspensão dos actos anteriores não só dissuadirá como de facto proibirá o órgão requerido de continuar a contabilizar ou promover a execução das multas no futuro, até que seja proferida decisão final no recurso contencioso.
32.ª Na verdade, o mero efeito da suspensão provisória imposta pelo art. 126.° do CPAC impede neste momento o órgão requerido de contabilizar ou promover a execução de quaisquer multas.
33.ª Eventual execução indevida poderá implicar responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos dos arts. 128.º e 187.º do CPAC.
34.ª O provimento do pedido de suspensão da eficácia dos actos implicará, nos termos do art. 130.º do CPAC, a extensão de tal proibição até ao trânsito em julgado do recurso contencioso a que respeitam e obrigará o órgão requerido a adoptar as providências necessárias à neutralização da execução já realizada e à eliminação dos efeitos já produzidos.
35.ª A sentença recorrida não se consubstanciou na existência de qualquer lesão para o interesse público para indeferir o requerimento de suspensão de eficácia apresentado pela recorrente.
36.ª Não obstante, não poderá a recorrente deixar de tecer algumas considerações, tendo em conta que tal aspecto poderá eventualmente ser determinante no desfecho do presente recurso jurisdicional.
37.a O órgão requerido aventou que muito embora não lhe faça diferença receber as multas no presente ou futuramente, mostra-se preocupado, porém, com o efeito negativo que pode resultar da sua actuação na percepção pública, se não insistir na sua aplicação ou parecer estar a compactuar com uma situação ilegal.
38.a Desde logo, ninguém está a pedir ao órgão requerido que perdoe a aplicação de quaisquer multas - apenas que explique se o interesse público será de qualquer forma afectado pela suspensão dos actos.
39.a Não está seguramente ninguém preocupado nem aparentemente interessado na aplicação das multas de que foi alvo a recorrente - à excepção da recorrente, claro está.
40.a Não crê, porém, a recorrente que a percepção pública esteja tão ávida de que o órgão requerido promova a aplicação de multas que insista inclusive na sua aplicação independentemente da razão.
41.a Seguramente estará mais interessada que a administração adopte comportamentos que se insiram dentro dos trâmites da legalidade e poderá compactuar com a espera que implica a apreciação atempada do caso pelo TA.
42.a Acima de tudo, quer-nos parecer que a percepção pública estará mais preocupada que a administração prossiga efectivamente o interesse público e actue em conformidade com a lei.
43.a Por outro lado, se de facto o que move o órgão requerido é o interesse público e a correcção das ilegalidades existentes, então que tome as providências adequadas para tal efeito e que não insista em perseguir cegamente a recorrente.
44.a É importante frisar que a recorrente nunca poderia ter sido enquadrada no conceito de condómina do edifício, desde logo devido à situação irregular da loja, o que implica que nunca poderia ter sido alvo das multas aplicadas pelo órgão requerido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41/95/M.
45.ª Se o órgão requerido pretende corrigir as situações que identifica como ilegais, deve efectivamente exercer a sua actividade fiscalizadora contra os condóminos que se encontram de facto sob o seu jugo.
46.ª A recorrente não tem sequer a possibilidade de se conformar com os comandos do órgão requerido, pelo que a insistência na perpetuação das multas nunca poderá perseguir outro objectivo do que a ruína da recorrente.
47.ª Se órgão requerido pretende verdadeiramente salvaguardar o interesse público, persiga os verdadeiros responsáveis pelas situações que identifica, ou proceda de facto - coercivamente se necessário - à correcção de tais situações anómalas; a recorrente em nenhum dos casos será afectada.
48.ª A sentença recorrida violou a norma do art. 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC, ao não dar por verificado o pressuposto de prejuízo de difícil reparação para o requerente.
TERMOS EM QUE, contando com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e decretar-se a suspensão da eficácia dos respectivos actos administrativos.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seguinte parecer, pugnando pela improcedência do recurso:
1. Do recurso jurisdicional
Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, a recorrente soli-citou a revogação da sentença em escrutínio e a concessão da suspensão da eficácia dos correlativos actos administrativos, arrogando a verificação in casu do requisito previsto na alínea a) do n.º1 do art.121º do CPAC.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que se forma caso julgado a sentença recorrida na parte de julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Administrativo suscitada pela entidade requerida/recorrida. Portanto, resta-nos a apreciar tão-só o mérito do supramencionado recurso jurisdicional.
Repare-se que no actual ordenamento jurídico de Macau, a doutrina e jurisprudência pacíficas vêm constantemente propagando que são, em princípio geral, cumulativos os pressupostos previstos no n.º1 do art.121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes, em virtude de que o deferimento depende de e exige a verificação cumulativa de todos os três pressupostos e estes são independentes entre si. (a título exemplificativo, Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ 2015, pp.340 a 359, José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ 2013, pp.305 e ss.)
O requisito da alínea a) do n.º1 do art.121.º do CPAC (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requeren-te ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto administrativo tenha a natureza de sanção disciplinar. (cfr. Acórdãos no TUI nos Processos n.º33/2009, n.º58/2012 e n.º108/2014)
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do mencionado n.º1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º799/2011 e n.º266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosí-mil de razões convincentes e objectivos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º1106, do TUI nos Processos n.º33/2009 e n.º16/2014, do TSI no Processo n.º266/2012/A)
Bem, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os pre-juízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º1123, do TSI nos Processos n.º17/2011/A e n.º265/2015/A)
Bem, verifica-se prejuízo de difícil reparação quando a execução imediata do acto suspendendo que impunha prestações pecuniárias causar a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades elementares e básicas. (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º6/2001, n.º37/2013 e n.º117/2014)
Voltando ao vertente caso, ressalvado todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, a atenciosa ponderação dos elementos constantes dos autos deixa-nos a impressão de que a requerente/recorrente não apresenta prova e argumentos que possam, cabal e convincentemente, demonstrar a existência de prejuízo de difícil reparação.
Bem, a todas estas luzes, não podemos deixar de concluir que não se descortina, no caso sub judice, o pressuposto consagrado na alínea a) do n.º1 do art.121.º do CPAC, pelo que cai na incurável descabimento o pedido de suspensão de eficácia da Requerente.
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2. Do incidente da execução indevida
No seu Requerimento de fls.181 a 182 verso, a requerente pediu a declaração da ineficácia do Despacho…….
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Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do recurso jurisdicional e ainda pela improcedência do pedido da declaração da ineficácia do Despacho n.º188/IH/2020.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não há questões de conhecimento oficioso.
Conforme se vê na sentença recorrida, para além de julgar não idóneo o presente procedimento preventivo para obter a providência judicial, pretendida pela requerente, de dissuadir a entidade requerida de praticar na pendência do recurso contencioso dos novos actos sancionatórios, o indeferimento do pedido de suspensão da eficácia dos actos ora em causa fundou-se na inverificação do requisito previsto no artº 121º/1-a) do CPAC, isto é, a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
E assim, independentemente de quão abundantes serem os argumentos, as razões jurídicas e os raciocínios, só trazidos pela ora recorrente na motivação do presente recurso, a única tarefa que temos de cumprir é analisar se, face ao que foi alegado pela requerente no requerimento inicial e de acordo com elementos existentes nos autos no momento da sentença, são censuráveis a conclusão pela inidoneidade do presente procedimento de suspensão de eficácia para dissuadir a entidade administrativa de lhe aplicar as sucessivas multas diárias e o juízo valorativo nela consubstanciado de que in casu se não verificou o requisito de que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
Para nós, ambas as questões foram devidamente apreciadas e decididas na sentença recorrida, onde foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a inidoneidade do presente procedimento preventivo para o efeito pretendido e a improcedência do pedido da requerente.
Ao que nos limitamos a acrescentar, no que diz respeito aos invocados prejuízos de difícil reparação, a jurisprudência doutrinária unânime que temos vindo a seguir, ora citada pelo Ministério Público no seu Douto parecer emitido em sede de vista, que é justamente a seguinte:
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do mencionado n.º1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º799/2011 e n.º266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosí-mil de razões convincentes e objectivos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º1106, do TUI nos Processos n.º33/2009 e n.º16/2014, do TSI no Processo n.º266/2012/A)
Em boa verdade, o que foi alegado pela requerente, no que diz respeito aos invocados prejuízos de difícil reparação, não passa de ser vago e conclusivo, pois, não obstante a notoriedade do impacto na economia de Macau criado pela pandemia do CONVID-19 e a indicação do valor das multas aplicadas, a requerente limitou-se utilizar, quanto à sua situação económico-financeira, expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente, tais como “o parco dinheiro que tem em caixa e as perdas muito consideráveis que tem vindo a sofrer nos últimos meses” para tentar convencer o Tribunal, que, face ao teor do requerimento inicial, nem sequer sabia a quê tipo de actividades comerciais em concreto a requerente se dedica, de que estava na eminência de falência.
A última nota que temos de apontar, para reforçar a nossa concordância com o juízo de não demonstrados os exigidos prejuízos de difícil reparação, é a de que não obstante a instrução do requerimento inicial com os vários documentos, ora juntos aos autos a fls. 44 a 57, pretensamente demonstrativos da situação económico-financeira da requerente, o certo é que o carácter vago e conclusivo do alegada fraca situação económico-financeira nem sequer é suprível pela simples junção desses documentos, não acompanhados da alegação dos factos concretos que os tais documentos têm a pontencialidade de demonstrar.
Assim, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, ex vi do artº 149º do CPAC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da requerente e confirmando a sentença recorrida.
Concluindo:
3. Cabe ao requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado no artº 121º/1-a) do CPAC, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação;
4. Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente, não obstante a instrução do requerimento inicial com os vários documentos, pretensamente demonstrativos da situação económico-financeira do requerente, o certo é que o carácter vago e conclusivo da alegada fraca situação económico-financeira nem sequer é suprível pela simples junção desses documentos, quando não acompanhados da alegação dos factos concretos que os tais documentos têm a pontencialidade de demonstrar.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6UC.
Registe e notifique.
RAEM, 29OUT2020
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Lai Kin Hong Mai Man Ieng
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
Proc. 896/2020-1