打印全文
Processo nº 903/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 29 de Outubro de 2020
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 27/05/2020, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B a pagar ao Autor A a quantia de MOP$249,566.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatário remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7. De onde, resultando provado que entre 10/10/2003 a 31/12/2008 (descontados os período de férias anuais e de dispensas ao trabalho) o Autor prestou 1782 dias de trabalho efectivo – que corresponde a 254 dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$130,810.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$65,405.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Acresce que,
8. Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração;
9. Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância - nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um "acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base;
10. Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 30 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$22,500.00 a título do triplo do salário - e não só apenas de MOP$15,450.00, conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
11. De onde, também por aqui deve a douta Decisão ser substituída por outra que atenda ao pedido de condenação da Recorrida nos termos e com base nas fórmulas de cálculo avançadas pelo Autor na sua Petição Inicial e idênticas às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 173 a 180, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Entre 10/10/2003 até ao presente, o Autor está ao serviço da B, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
- O Autor foi recrutado pela C, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a D, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003, aprovado pelo Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003. (Cfr. fls. 17 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (B)
- Até Julho de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (D)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (E)
- Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (F)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré e ou do seus directos responsáveis. (1º)
- O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. (2º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 07/10/2004 e 30/10/2004 (24 dias), entre 03/11/2005 e 26/11/2005 (24 dias), entre 11/11/2006 e 05/12/2006 (25 dias), entre 06/10/2007 e 30/10/2007 (25 dias), entre 04/11/2008 e 27/11/2008 (24 dias) e entre 03/11/2009 e 28/11/2009 (26 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (2º-A, 3º e 5º)
- Entre 10/10/2003 e 31/07/2010, o Autor prestou trabalho para a Ré (B) em cada um dos sétimos dias que se seguiram a seis dias de trabalho consecutivo prestado, sem prejuízo da resposta aos quesitos 2º-A, 3º e 5º. (4º, 18º e 19º)
- Entre 10/10/2003 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (6º)
- Entre 10/10/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 01 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 01 de Maio e 01 de Outubro, sem prejuízo da resposta aos quesitos 2º-A, 3º e 5º. (7º)
- Durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (8º)
- Desde o início da prestação de trabalho até 30 de Abril de 2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (9º)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (10º)
- Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (11º)
- Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (12º)
- Entre 10/10/2003 a 31/12/2008, o Autor sempre compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta aos quesitos 2º-A, 3º e 5º. (13º)
- A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (14º)
- Entre 10/10/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (15º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (16º)
- Entre 10/10/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (17º)
- A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (20º)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
Em relação aos feriados obrigatórios, a fórmula é a seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 3, para além do salário-base já recebido.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$130,810.00, e a título da compensação pelo não gozo dos dias de feriado obrigatório, a quantia de MOP$22,500.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
*
Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 29 de Outubro de 2020.

_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
_________________________
Tong Hio Fong
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que durante a vigência da relação laboral o Autor já recebeu da Ré o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de o Autor, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Quanto ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Assim, tendo o Autor recebido, durante toda a relação laboral, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo as fórmulas adoptadas pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, devendo negar-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.



9
903/2020