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Processo nº 717/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Outubro de 2020

ASSUNTO:
- Factos instrumentais
- Factos essenciais
- Princípio dispositivo

SUMÁRIO:
- São factos instrumentais aqueles que se destinam “a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
- São factos essenciais “os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes”.
- Os factos que permitem enquadrar que foi a Ré quem, sob instrução da empreitada principal, incumbiu à Autora realizar os trabalhos de remodelação de 6 alpendres, bem como os pequenos trabalhos adicionais, são factos essenciais e não instrumentais.
- Sendo factos essenciais, carece da alegação e comprovação pela própria Autora.
- Não pode, em nome de considerar factos instrumentais, exigir o Tribunal suprir o ónus processual das partes, sob pena de violar o princípio dispositivo.
O Relator
Ho Wai Neng



Processo nº 717/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Outubro de 2020
Recorrente: A Limitada (Autora)
Recorrida: Empresa Construtora B, Limitada (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 18/02/2020, julgou-se improcedente a acção interposta pela Autora A Limitada e, em consequência, absolveu-se a Ré Empresa Construtora B, Limitada dos pedidos formulados pela Autora.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A tese da Recorrida na Contestação era a de que, apesar de ter recebido instruções da C nesse sentido, nunca aceitou contratar a Recorrente para a execução de obras na fachada do D.
B. A Recorrida confessou a falsidade dessa tese nas alegações de direito.
C. Só o fez relativamente ao objecto inicial do contrato de subempreitada (concepção, fabrico, fornecimento e instalação de 4 alpendres na fachada do D), relativamente ao qual existe prova inequívoca e indisputada da aceitação, por parte da Recorrida, do orçamento apresentado pela Recorrente.
A saber:
(i) a carta enviada pela Recorrida em 9 de Julho de 2014, junta a fls. 107;
(ii) a mensagem de correio electrónica enviada pela Recorrida em 9 de Julho de 2014, às 9h:50m, a fls. 181 dos autos; e
(iii) o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida, Senhor E (Recorded on 14-Nov-2019 at 17.49.22 (2ZB%F)G01020319), dos minutos 02m:00s a 03m18s).
D. Está, portanto, assente nos autos, e não é disputado entre as partes, que existiu um contrato de subempreitada entre a Recorrente e a Recorrida.
E. Uma vez que o referido contrato não foi formalizado por escrito, o Tribunal a quo concluiu que o acordo foi logrado entre a Recorrente e a Recorrida do seguinte modo:
(vi) A C enviou à Recorrida uma instrução para contratar a Recorrente para executar a obra (resposta ao artigo 3.º da base instrutória);
(vii) A Recorrida solicitou à Recorrente o envio de orçamento (resposta aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória);
(viii) A Recorrente preparou e enviou um orçamento (alínea C) dos factos assentes);
(ix) A Recorrida aceitou o referido orçamento (resposta aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória);
(x) Tudo isto sob a referência Sub-Contract Instruction (SCI) No. C2624-SCI_SC010 - D Casino Renovation Works (conforme consta dos documentos de fls. 106 a 108, e 181 a 191, tidos cm consideração pelo Tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto, a fls.381).
F. O mesmo procedimento foi seguido na adjudicação à Recorrente dos trabalhos adicionais.
G. A acção foi julgada improcedente pelo Tribunal a quo não obstante terem sido dados como provados todos os factos constitutivos do direito de crédito da Recorrente levados à base instrutória, e de não ter sido dado corno provado qualquer facto impeditivo modificativo ou extintivo.
H. O Meritíssimo Juiz concluiu, relativamente ao primeiro conjunto de trabalhos adicionais, que (sic) “não fic[ou] provado com quem a Autora concordou para a realização de tais obras [a execução dos trabalhos de renovação de 6 alpendres]”, e, relativamente ao segundo conjunto, que não ficou provado (sic) “quais foram os pequenos trabalhos adicionais e quem solicitou à Autora proceder a esses trabalhos”.
I. Tal assim sucedeu única e exclusivamente porque o Tribunal a quo desconsiderou toda a prova produzida nos autos sobre factos que relevam, de forma inequívoca, que o objecto do contrato de subempreitada foi ampliado.
J. Dispõe a parte final do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, que “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.”.
K. O Tribunal a quo tinha o poder-dever de tomar em consideração os seguintes factos instrumentais relativamente aos trabalhos de remodelação de 6 alpendres executados na sequência da instrução SCI No. C2625-SCI-SC010-006:
(i) A recorrida aceitou a instrução remetida pela C em 29 de Setembro de 2014, com a referência SCI No. C2625-SCI-SC010-006.
O documento de fls. 367 está assinado e carimbado pela Recorrida, com a menção (sic) “Receipt and acknowledged by the Subcontractor [nesse contexto, a Recorrida]”.
A testemunha arrolada pela Recorrida, Senhor E, confirmou a autoria da referida assinatura atribuindo-a ao Senhor F (transcreveu-se o trecho relevante do depoimento: Recorded on 14-Nov-2019 at 17.49.22 (2ZB (O46101020319)_PT_PR_QC_VL_ TRC202003241413CR”, entre as 00h:24m:54s e 00h:25m:53s), que, conforme resulta de abundante prova documental junta aos autos, é funcionário da Recorrida.
(ii) A instrução da C era de que a Recorrida contratasse (directamente) a Recorrente.
Remete-se para o teor do documento de fls. 109 dos autos (“you are instructed to employ A to carry out the work”).
(iii) A Recorrida actuou em conformidade com a referida instrução e contratou a ora Recorrente.
Remete-se para o teor do documento de fls. 367 (“ficam instruídos para levar a cabo os trabalhos descritos na SCI-C2625-SCI-SC010-006, em anexo”).
(iv) O pagamento da Recorrente estava apenas sujeito à condição de manter todos os documentos de suporte das suas facturas.
Remete-se para o documento de fls. 367, donde consta a observação de que “a. É da responsabilidade do subempreiteiro manter todos os registos e documentos de suporte”.
A Recorrida replicou essa obrigação no contrato de subempreitada com a Recorrente, conforme evidenciado no documento de fls. 197, com a seguinte cominação: “se vocês o não fizerem, nós só vos pagaremos quando formos pagos”.
A Recorrente e a Recorrida acordaram que o pagamento da obra apenas ficaria dependente de provisionamento por parte da C (“pay when paid basis”) se a as facturas da Recorrente não tivessem suporte documental; esta a excepção e não a regra.
L. O Tribunal a quo tinha o poder-dever de tomar em consideração os seguintes factos instrumentais relativamente aos pequenos trabalhos adicionais executados na sequência das instruções SCI No. C2625-SCI-SC010-017, C2625-SCI-SC010-018, C2625-SCI-SC010-019, C2625-SCI-SC010-021 e C2625-SCI-SC010-022:
(i) A C deu instrução expressa à Recorrida para contratar a Recorrente para a realização deste segundo conjunto de pequenos trabalhos adicionais.
Remete-se para o teor das instruções que se acham juntas a fls. 368 (SCI n.º C2625-SCI-SC010-017), fls. 369 (SCI n.º C2625-SCI-SC010-018), fls. 355 (C2625-SCI-SC010-021) e fls. 357 (SCI n.º C2625-SCI-SC010-022).
Trata-se de instruções, nos mesmos termos, com o mesmo formato e sob a mesma referência de obra das instruções recebidas relativamente aos trabalhos anteriores.
(ii) A natureza e os concretos trabalhos executados pela Recorrente acham-se devidamente detalhados, quer nas referidas instruções da C, quer nos orçamentos e na factura preparados pela Recorrente.
Remete-se para o teor dos documentos de fls. 116 a 118, bem como para os documentos de fls. 354, 356 e 377, bem como para as instruções juntas a fls. 368, 369, 355 e 357.
(iii) Os orçamentos foram enviados à Recorrida, que os aceitou, incorporando-os na sua proposta à C.
Remete-se para o teor dos documentos de fls. 352 e 374, que são mensagens de correio electrónico em que a Recorrida remete à C os orçamentos da Recorrente (relativos à execução destas instruções), acrescidos de 15% ou 20% para si a título de (sic) “O&P” (ou seja, overhead and profit).
Transcreveu-se o trecho relevante do depoimento da testemunha E (Recorded on 14-Nov-2019 at 18.17.03 (2ZB(ERBG01020319)” aos 00h:01m:18s a 00h:05m:29s).
A Recorrida aceitou os orçamentos da Recorrente, incorporando-os na sua proposta à C.
A Recorrida aceitou cumprir a instrução da C pelo preço de 15% ou 20% calculados sobre o preço a pagar à Recorrente.
(iv) A C aprovou a conta dos pequenos trabalhos adicionais.
Remete-se para a resposta ao quesito 6.º, bem como para os documentos de fls. 11 a 118, 120 e 124.
Transcreveu-se o trecho relevante do depoimento da testemunha E (Recorded ou 14-Nov-2019 at 17.49.22 (2ZB%F-)G01020319)” aos 00h:01m:18s, a 00h:05m:29s), da testemunha G (Recorded ou 14-Nov-2019 at 17.19.27 (2ZB$HZ)W01020319)” aos 00h:12m:36s a 00h:15m:08s).
A referência na resposta ao quesito 6.º a que “foi acertada a conta final entre a C e a Recorrente” deve interpretar-se no sentido de que a C confirmou que todos os items inseridos pela Recorrente na conta final estavam correctos e validou a factura.
M. O Tribunal a quo tinha o poder-dever de considerar que a Recorrida aceitou a conta final apresentada pela Recorrente e confirmou, por escrito, que procederia ao respectivo pagamento caso a C não tivesse qualquer dedução a fazer, por conta de atrasos ou defeitos de obra.
Remete-se para o documento de fls. 339, que é uma mensagem de correio electrónico de 2 de Junho de 2016 às 17 horas e 18 minutos, enviada pelo Senhor F (aí identificado como Contracts Manager da Recorrida).
Não foi alegado que a Recorrida ou a C tivessem apresentado qualquer reclamação junto da Recorrente por qualquer atraso ou defeito da obra.
N. Os factos elencados nas conclusões K), L) e M) demonstram que a Recorrente e a Recorrida acordaram na modificação do objecto do contrato de subempreitada e, ainda, que:
A Recorrida actuou em conformidade com as instruções à semelhança dos trabalhos iniciais a Recorrida recebeu da C, incluindo a instrução expressa de contratar a Recorrente;
A factura relativa aos trabalhos adicionais foi validada pela C;
A Recorrida declarou expressamente não ter qualquer objecção à conta final e que a mesma seria paga logo que obtivesse confirmação de que a C também não tinha qualquer objecção.
O. O Meritíssimo Juiz a quo não deu cumprimento ao poder-dever de considerar os referidos factos instrumentais no julgamento da causa, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
P. O pagamento dos trabalhos iniciais foi efectuado directamente pela Recorrida à Recorrente e não estava dependente de provisionamento pela C (a Recorrida não o alegou).
Q. Não ficou provado que a Recorrente e Recorrida tivessem acordado na modificação dos termos em que devia processar-se o pagamento à Recorrente dos trabalhos adicionais.
R. A Recorrida apenas comunicou à Recorrente que o pagamento ficaria dependente de provisionamento pela C em 3 de Março de 2017 (documentos de fls. 134), muito depois da adjudicação e conclusão integral da obra.
S. A Recorrida não gozava da faculdade de modificação unilateral do contrato de subempreitada (vide o n.º 1 do artigo 400.º do Código Civil, que consagra o velho princípio Pacta Sunt Servanda).
T. Dispõe o n.º 1 do artigo 228.º do Código Civil que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder contar com ele”.
U. Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 209.º do mesmo diploma, que “a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
V. Cita-se o Ilustre ensinamento de Paulo Alexandre da Mota Pinto, relativamente à teoria consagrada no nosso ordenamento jurídico quanto à interpretação da declaração negocial.
W. A actuação da Recorrida gerou a confiança junto da Recorrente de que os novos trabalhos eram contratados, executados e pagos, ao abrigo do mesmo contrato de subempreitada e, portanto, nos mesmos termos e condições em que o foram os trabalhos adicionais.
X. A ora Recorrente refere-se aos seguintes actos:
(vi) Os trabalhos em causa foram objecto de instrução da C à Recorrida;
(vii) As novas instruções da C continham a referência ao mesmo Projecto da obra inicial, ou seja Sub-Contract Instruction (SCI) No. C2624-SCI SC010 - D Casino Renovation Works;
(viii) A Recorrente apresentou o seu orçamento à Recorrida, que o remeteu à C;
(ix) Os trabalhos foram aceites e a factura final validada para C.
(x) A Recorrida confirmou também não ter qualquer objecção à conta final.
Y. Acrescem os seguintes comportamentos (concludentes):
(i) A Recorrida pagou a quantia de HKD$2.352.000 directamente à Recorrente, conforme confirmado pela testemunha arrolada pela Recorrida (Recorded on 14-Nov-2019 at 17.49.22 (2ZB%F-)G01020319)_PT, aos 00h:17m:26s a 00h:19m:45s)
Não ficou provado que tal pagamento estivesse sujeito a qualquer provisionamento pela C, nem a Recorrida alegou que tal tenha efectivamente sucedido.
(ii) Todos os trabalhos foram facturados pela Recorrente em nome da Recorrida e nem a C, nem a Recorrente suscitaram qualquer objecção.
Remete-se para os documentos de fls. 370, 371 e 372, bem como para o depoimento da testemunha H (Recorded on 14-Nov-2019 at 15.24.23 (2ZA{OFKW01020319)_PT, aos 00h:10m:10s a 00h:11m:02s), da testemunha G (Recorded on 14-Nov-2019 at 16.53.46 (2ZB#K{0W01020319)_PT, aos 00h:05m:38s a 00h:07m:41s) e da testemunha E (Recorded on 14-Nov-2019 at 18.24.11 (2ZB(O46101020319)_PT, aos 00h:00m:13s a 00h:00m:29s).
(iii) A Recorrente interpelou formalmente a Recorrida, pelo menos três vezes, desde 20 de Maio de 2016 (documentos de fls. 120 a 133), e só em Março de 2017, muito após a conclusão das obras, é que a Recorrida pretendeu modificar os termos do pagamento dos trabalhos.
A testemunha da Recorrida confirmou nunca ter informado a Recorrente de que o pagamento da obra dependia de provisionamento pela C (Recorded on 14-Nov-2019 at 18.24.11 (2ZB(O46101020319)_PT, aos 00h:00m:35s a 00h:01m:01s).
(iv) A Recorrida pagou à Recorrente HKD$711.167 a mais do que o valor facturado relativamente aos trabalhos iniciais.
Até à presente data a Recorrida nunca solicitou o reembolso dessa quantia, designadamente por via de dedução de pedido reconvencional nestes autos.
Z. Não é verosímil ou crível que a Recorrida tivesse aceite ser apenas um agente de pagamentos da C, mas estivesse regularmente em contacto, pessoalmente e / ou por correio electrónico, com funcionários da ora Recorrente, requerendo e aprovando orçamentos.
AA. Também não é minimamente verosímil que a C estivesse disponível para pagar à Recorrida 15% ou 20% do valor da factura, apenas para esta dar à Recorrente acesso ao estaleiro.
BB. Em face de tudo o exposto, aos olhos de um qualquer destinatário normal, a contraparte contratual da ora Recorrente sempre foi a Recorrida;
CC. Sobretudo quando colocado na posição do real declaratário (a Recorrente), ciente de que existe um contrato de subempreitada, e recebe um pedido de orçamento (i) da mesma entidade que contratou os primeiros trabalhos (a Recorrida), (ii) para a realização de trabalhos do mesmo tipo dos primeiros, (iii) no mesmo local (fachada sul do D) e (iv) em momento temporalmente coincidente com os primeiros.
DD. Um declaratário normal, colocado na posição da Recorrente, interpretaria o comportamento da Recorrida (que, recorda-se, recebeu instruções da C para empregar a Recorrente) como uma proposta de inclusão dos trabalhos no contrato de subempreitada, sujeito aos mesmos termos e condições de pagamento dos primeiros (à falta de indicação, expressa ou tácita, e de acordo quanto a outros termos);
EE. Interpretaria a declaração da Recorrida de fls. 367 (relativamente à remodelação dos 6 alpendres), como uma proposta de alteração do âmbito objectivo do contrato de subempreitada celebrado entre si e a Recorrente;
FF. Tal como interpretaria as comunicações da Recorrida juntas a fls. 352 e 274 (em que a Recorrida remete os orçamentos da Recorrente à C, acrescidos de um sobre preço de 15% ou 20%), como aceitação dos orçamentos da ora Recorrente, sujeitos apenas a uma aprovação final do cliente (seja, da C), que ocorreu;
GG. E interpretaria, ainda, o documento de fls. 339 como confirmação de que era a Recorrida quem se havia obrigado a pagar a obra à Recorrente, e que apenas assim não seria se a C não aceitasse a obra, por conta de atrasos ou defeitos.
HH. Por tudo o exposto, a Recorrida gerou na ora Recorrente a confiança de que os novos trabalhos seriam adicionados ao contrato de subempreitada, e que os mesmos seriam pagos directamente pela Recorrida (tal como os primeiros), desde que aceites pela C.
II. O Tribunal a quo não interpretou devidamente os comportamentos declarativos da ora Recorrente, com o que violou o estatuído no n.º 1 do artigo 228.º do Código Civil.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 560 a 578 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à concepção e construção de estruturas de exposição, toldos e alpendres, bem como à elaboração de projectos e obras de remodelação e decoração. (alínea A) dos factos assentes)
- A Ré é uma sociedade comercial que explora indústria de construção desde 1982. (alínea B) dos factos assentes)
- A Autora apresentou à Ré um orçamento no valor de HKD$1.640.833,00 pela execução da Obra, composto pelos seguintes segmentos (cfr. doc. 3) :
* 1 unidade de alpendre horizontal (A1) – HKD$468.750,00;
* 1 unidade de alpendre horizontal (B1) – HKD$431.641,00;
* 2 unidades de alpendres horizontais (semelhantes ao item A1) – HKD$740.442,00
Total : HKD$1.640.833,00. (alínea C) dos factos assentes)
- A data de conclusão da Obra estava prevista no contrato de empreitada principal entre esta e a C para o dia 15 de Julho de 2016. (alínea D) dos factos assentes)
- A Autora apresentou à Ré a conta final da Obra por carta com data de 20 de Maio de 2016, correspondente ao montante total de HKD$4.781.424,00, do qual é deduzida a quantia de HKD$2.352.000,00 que já havia sido liquidada. (alínea E) dos factos assentes)
- A Autora interpelou a Ré por carta datada de 2 de Março de 2017 para proceder à sua liquidação de HKD$2.429.424,00 (doc. 10). (alínea F) dos factos assentes)
- A Autora voltou a solicitar o pagamento do valor id. em F) por carta de 21 de Março de 2017 (doc. 11). (alínea G) dos factos assentes)
- A ambas interpelações da Autora, a Ré respondeu (por e-mails de 3 e 21 de Março) que aguardavam pagamento da empreiteira principal C, e que esta, por sua vez, não respondia à suas interpelações. (alínea H) dos factos assentes)
- No âmbito da sua actividade de construção, a Ré, na qualidade de subempreiteira num projecto de obras de reparações da fachada do Casino (“South Casino”) do D, sito na Rua Cidade de Sintra, Macau (doravante designada por “Projecto”), solicitou à Autora, e esta aceitou, para proceder à concepção, fabrico, fornecimento e instalação de 4 alpendres na referida fachada. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- … tendo para o efeito sido acordada entre A. e R., em 9 de Julho de 2014, a cotação id. em C) para a execução da Obra. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A contratação da Autora pela Ré resultou de instrução da empresa de construção C Contrators (Asia) Limited, na qualidade de empreiteira principal do Projecto (doravante designada apenas por “C”). (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Por instrução da empreiteira principal C, comunicada à Ré por carta com data de 10 de Novembro de 2014, a Ré foi ordenada a executar trabalhos adicionais para a renovação de 6 alpendres instalados, no valor total de HKD2.082.035,00. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Por esta parte da Obra, a Autora apresentou o orçamento, sendo a mesma composta pelos seguintes segmentos:
* Renovação de 5 alpendres semelhantes aos alpendres A1 (HKD$342.774,00 por unidade) – HKD$1.713.870,00;
* Renovação de 1 alpendre semelhante aos alpendres B1 – HKD$368.165,00;
Total : HKD$2.082.035,00. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Por e-mails trocadas entre a Autora e a empreiteira principal C, datada entre 09 de Maio e 11 de Maio de 2016, foi acertada entre a Autora e a empreiteira principal C a conta final relativa aos pequenos trabalhos adicionais no valor de HKD$1.058.556,00, conforme consta do orçamento anexo ao referido e-mail (Doc. 7). (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- A Autora concluiu os trabalhos supra aludidos pelo menos, em 15 de Julho de 2016, nessa sequência enviando à Ré a conta final id. em E). (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
*
III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Preceitua-se o disposto do artº1133º do C.C. que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
   Segundo o Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “o elemento distintivo do contrato de empreitada é a prestação característica do empreiteiro, que corresponde à realização de uma obra A realização de uma obra pode abranger não apenas a construção, mas também a modificação, reparação ou demolição de uma coisa e refere-se tanto a coisas imóveis como móveis. Para além disso, a obra tem quer ser realizada mediante um preço”.
   ***
   Conforme os factos assentes, vem comprovado que a Ré solicitou à Autora para proceder à concepção, fabrico, fornecimento e instalação de 4 alpendres na fachada do casino do D e que foi acordado entre elas o preço de HKD$1.640.833,00.
   Ora, o objecto desse acordo é a realização de obras relativas a 4 alpendres por parte da Autora com o pagamento de preço acordado por parte da Ré, assim, esse acordo enquadra-se no conceito de contrato de empreitada.
   Tendo a Ré na qualidade de subempreiteira e não dono da obra, não há dúvidas de que entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de subempreitada no que respeitante a 4 unidades de alpendres.
   Alega a Autora que o contrato de subempreitada é extensivo dos seguintes trabalhos adicionais: 1) renovação de 6 alpendres instalados e 2) outros pequenos trabalhos adicionais.
   Vejamos se sobre os referidos trabalhos adicionais alegados foram objecto do acordo da Autora e Ré.
   Conforme os factos assentes, vem comprovado que, por instrução da empreiteira principal C, comunicada à Ré por carta de 10 de Novembro de 2014, a Ré foi ordenada a executar trabalhos adicionais para a renovação de 6 alpendres instaladas, no valor total de HKD$2.083.035,00. Por esta parte da obra, a Autora apresentou a orçamento – renovação de 5 alpendres semelhantes aos alpendres A1 (HKD$342.774,00) por unidade – HKD$1.713.870,00; renovação de 1 alpendre semelhante aos alpendres B1 – HKD$368.165,00, no total de HKD$2.082.635,00.
   Por e-mails trocadas entre a Autora e a empreiteira principal C, datada entre 9 de Maio e 11 de Maio de 2016, foi acertada entre a Autora e a empreiteira principal C a conta final relativa aos pequenos trabalhos adicionais no valor de HKD$1.058.556,00, conforme consta do orçamento anexo ao referido e-mail.
   A Autora concluiu os trabalhos supra aludidos pelo menos, em 15 de Julho de 2016, nessa sequência enviando à Ré a conta final id. em E).
   Desses factos apuradas se resulta a única coisa clara é que as obras de renovação de 5 alpendres semelhantes ao alpendre A1 e outra de renovação de 1 alpendre semelhante ao alpendre B1 foram realizadas e concluídos pela Autora pela menos, em 15 de Julho de 2016.
   Mas, não está claro quem incumbiu à Autora a realização de tais obras de renovação – a empreiteira principal C ou a Ré?
   De facto, os factos demonstram que a Ré foi ordenada pela empreiteira principal C para executar trabalhos para a renovação de 6 alpendres instalados, no valor total de HKD$2.082.035,00, no entanto, não foram alegados nem provados factos se a Ré aceitou essa instrução, o que impediu concluir que a Ré assumiu a obrigação de executar essas obras. Já por parte da Autora, consta dos factos assentes que a Autora apresentou o orçamento no mesmo valor indiciando para as mesmas obras, nada foi alegado nem provado a quem foi apresentada o orçamento pela Autora, nem a aceitação do orçamento por alguém.
   Ou seja, de matéria fáctica só temos que a C ordenou à Ré a execução das obras de renovação. A Autora apresentou o orçamento relativa é essas obras e a Autora concluiu essas obras. Mas, não ficaram provados com quem a Autora concordou para a realização de tais obras, com a Ré ou com a C? O que é fundamental para suportar a existência do contrato da empreitada.
   Na ausência desses factos essenciais, não se permite concluir que existiu acordo entre a Autora e a Ré em relação às obras de renovação nem que esta tinha a obrigação de pagar àquela remuneração pela realização dessas obras.
   ***
   No que tocante aos pequenos trabalhos adicionais, consta dos factos assentes apenas que foi acertada entre a Autora e a empreiteira principal C a conta final sobre os pequenos trabalhos adicionais no valor de HKD$1.058.556,00.
   Mas nada consta dos factos assentes quais foram os pequenos trabalhos adicionais e quem solicitou à Autora a proceder esses trabalhos. Dos factos de a Autora acerar a conta com a C, se permite traduzir, no máximo, que a realização dessas obras foi solicitada pela C e nunca pela Ré.
   Em suma, os factos apurados apenas demonstram que a Autora celebrou com a Ré contrato de sub-empreitada relativa às obras de 4 alpendres no valor de HKD$1.640.833,00. Em relação aos trabalhos adicionais, não se demostram que existe acordo entre a Autora e a Ré sobre essas obras.
   *
   Cumprimento por parte da Ré
   Provado está que a Ré celebrou o contrato de sub-empreitada com a Autora para a execução das obras de 4 alpendres e vem comprovado a Autora já concluiu os trabalhos, a Ré tem a obrigação de pagar o respectivo preço.
   Vem comprovado que a Ré liquidou a quantia de HKD$2.352.000,00 para com a Ré, mais do que aquilo que é devido pelo contrato de subempreitada, cumprindo a obrigação de pagamento da totalidade do preço acordado, já não tendo obrigação de pagar mais quantia à Autora.
   Pelo que, o pedido de Autora não poderá proceder.
   ***
IV) DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e em consequência, decide:
   - Absolver a Ré Empresa Construtora B Limitada de todos os pedidos formulados pela Autora A Limitada.
   *
   Custas pela Autora.
   *
   Registe e Notifique…”.
Para a Autora, ora Recorrente, o Tribunal a quo não interpretou correctamente os factos assentes e provados, bem como não atendeu, violando assim o disposto do nº 2 do artº 5º do CPCM, os factos instrumentais resultantes da instrução e discussão da causa.
Na óptica da Recorrente, o Tribunal a quo deveria tomar em consideração os factos instrumentais seguidamente transcritos relativamente aos trabalhos de remodelação de 6 alpendres:
(i) A recorrida aceitou a instrução remetida pela C em 29 de Setembro de 2014, com a referência SCI No. C2625-SCI-SC010-006.
(ii) A instrução da C era de que a Recorrida contratasse (directamente) a Recorrente.
(iii) A Recorrida actuou em conformidade com a referida instrução e contratou a ora Recorrente.
(iv) O pagamento da Recorrente estava apenas sujeito à condição de manter todos os documentos de suporte das suas facturas.
Em relação aos pequenos trabalhos adicionais, entende que o Tribunal a quo deveria atender aos seguintes factos instrumentais:
(i) A C deu instrução expressa à Recorrida para contratar a Recorrente para a realização deste segundo conjunto de pequenos trabalhos adicionais.
(ii) A natureza e os concretos trabalhos executados pela Recorrente acham-se devidamente detalhados, quer nas referidas instruções da C, quer nos orçamentos e na factura preparados pela Recorrente.
(iii) Os orçamentos foram enviados à Recorrida, que os aceitou, incorporando-os na sua proposta à C.
(iv) A C aprovou a conta dos pequenos trabalhos adicionais (A referência na resposta ao quesito 6.º a que “foi acertada a conta final entre a C e a Recorrente” deve interpretar-se no sentido de que a C confirmou que todos os items inseridos pela Recorrente na conta final estavam correctos e validou a factura).
Além disso, defende ainda que o Tribunal a quo deveria considerar que a Recorrida aceitou a conta final apresentada pela Recorrente e confirmou, por escrito, que procederia ao respectivo pagamento caso a C não tivesse qualquer dedução a fazer, por conta de atrasos ou defeitos de obra.
Quid juris?
Nos termos do artº 567º do CPCM, o juíz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artº 5º.
É o princípio dispositivo que está em causa.
Este princípio tem as suas raízes no antigo Direito Romano, “ius utendi, fruendi et abutenti” (direito de usar, fruir e de abusar)1.
São consequências deste princípio:
- o processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a petição inicial (“nemo judex sine actore”);
- as partes é que decidem do objecto do processo, ou seja, da matéria a decidir pelo tribunal;
- o desenvolvimento do processo tem de ser continuamente estimulado pelas partes; e
- as partes podem pôr termo ao processo (desistência do pedido ou da instância) e determinar até o conteúdo da sentença de mérito (confissão, transacção e desistência do pedido).
Com o Código de Processo Civil de 1939, foi introduzido o princípio inquisitório, como contrapolo do princípio dispositivo.2
Segundo este princípio, o processo não está apenas na disposição da vontade das partes, mas sim da vontade do juíz.
Assim, na sua raíz pura e absoluta, o juíz tem toda a liberdade de fazer diligências necessárias para a descoberta da verdade, bem como condenar em mais do que foi pedido ou em objecto diverso.
A sua razão de ser é justamente considerar o processo como uma forma de realização da boa administração da justiça e da paz social.
O Código de Processo Civil de 1939 assentou em um sistema de colaboração entre as partes e o tribunal, tendo este lugar predominante já que é órgão da justiça – e as partes, gozando é certo da iniciativa processual, apenas cooperam na preparação dos elementos úteis à decisão3.
Conferiu assim ao juíz os poderes de:
a) remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que, sem prejuízo da iniciativa e do impulso processual das partes, se mostre necessário para o seguimento do processo;
b) realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer;
Além disso, estabelece-se que o juíz não está sujeito à vontade das partes quanto às soluções de direito e às questões de índole processual.
Neste campo, o juíz só é limitado pela lei, não pela vontade das partes.
As partes não podem, nem de comum acordo, alterar o esquema ou a marcha normal do processo.
Por outro lado, quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa que produzam a convicção segura de que as partes se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, o juíz deve decidir no sentido de obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes.
Este é o sistema geral que se seguiu no Código de Processo Civil de 1961, até à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de Macau de 1999.
Hoje, apesar de o objecto do processo civil continuar a ser um litígio de interesses privados, a sua finalidade mediata é uma realização da justiça. Tende, assim, a tornar-se predominante na doutrina e na legislação uma concepção publicística, e não privatística, do processo4.
Razão pela qual o novo Código de Processo Civil de Macau (CPCM) vem acentuar a ideia de inquisitoriedade, conferindo mais poderes ao juíz para tornar pronta a justiça.
Assim, no campo da atendibilidade dos factos, o juíz pode fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes.
O artº 5º do CPCM prevê que:
“1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
   2. O juíz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
   3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”.
Feita a breve introdução sobre a evolução histórica dos princípios dispositivo e do inquisitório, urge agora apreciar se o Tribunal recorrido violou ou não o nº 2 do artº 5º do CPCM.
Para o efeito, é necessário saber o que são factos instrumentais.
Segundo o ensinamento do Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (in Comentários ao Código de Processo Civil (Portugal), 2004, 2ª edição, Tomo I, pág. 252), “os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa” ao passo que os factos essenciais “são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes”.
Neste contexto, os factos que permitem enquadrar que foi a Ré, ora Recorrida, quem, sob instrução da empreitada principal C, incumbiu à Autora realizar os trabalhos de remodelação de 6 alpendres, bem como os pequenos trabalhos adicionais, são factos essenciais e não instrumentais.
Sendo factos essenciais, carece da alegação e comprovação pela própria Autora.
Não o tendo feito, há-de suportar as respectivas consequências e nunca pode, em nome de considerar factos instrumentais, exigir o Tribunal suprir o ónus processual das partes, sob pena de violar o princípio dispositivo.
No caso sub justice, a factualidade apurada, que não foi objecto de qualquer impugnação, não permite o Tribunal formular, sem qualquer margem de dúvida, a conclusão de que foi a Ré que incumbiu à Autora para realizar tais trabalhos e que aceitou os respectivos orçamentos.
É certo que existe um contrato de subempreitada entre a Autora e a Ré.
Contudo, tal contrato de subempreitada visava para proceder à concepção, fabrico, fornecimento e instalação de 4 alpendres.
Ora, a existência deste contrato de subempreitada não implica necessariamente que os trabalhos de remodelação de 6 alpendres, bem como os pequenos trabalhos adicionais, também são realizados no âmbito do mesmo contrato.
Ficou provado apenas que a empreitada principal C solicitou a Ré para realizar tais trabalhos.
Não foi alegado, muito menos provado, que a Ré, na sequência da solicitação da empreitada principal C, incumbiu à Autora para os realizar e aceitou os orçamentos apresentados por esta.
Não ignoramos que a Autora apresentou orçamento para a realização dos trabalhos em causa.
No entanto, como bem notou a sentença recorrida, não foi alegada a quem os orçamentos foram apresentados e se os mesmos foram aceites.
A factualidade resultante do quesito 6º indica que houve contacto directo entre a Autora e a empreitada principal C na acertação da conta final relativa aos pequenos trabalhos adicionais, o que é, a nosso ver, contra senso e fora da normalidade, se não existir justificação plausível para o efeito, visto que entre a Autora e a empreitada principal C não existe qualquer relação contratual de subempreitada para os trabalhos em referência.
Este facto até pode levar a pensar que a realização dos trabalhos adicionais em causa seja incumbida directamente pela empreitada principal C à Autora e não pela Ré.
Assim sendo, já não permite tirar a ilação judicial no sentido de que foi a Ré que mandou à Autora executar os trabalhos em causa e que aceitou os respectivos orçamentos.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Autora.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 22 de Outubro de 2020.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
1 DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS EM PROCESSO CIVIL, Helder Martins Leitão e Manuela Neto, Editora ELCLA, 1994, pág. 25
2 PROCESSO CIVIL I, José João Baptista, Editora Universidade Lusíada, 1993, pág. 38

3 Fernando Luso Soares, obra citada.
4 DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 1º VOLUME, João de Castro Mendes, Edição da Associação Académica, pág. 183 e 193.
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717/2020