Processo nº 41/2020 Data: 10.07.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Processo disciplinar.
Pena de demissão.
Guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Princípio da proporcionalidade.
SUMÁRIO
1. As condutas previstas no artigo 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau são punidas apenas com a pena de demissão.
2. A aplicação de penas disciplinares dentro das espécies e molduras legais, é insindicável contenciosamente, ressalvando-se os casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
3. A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 41/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os sinais dos autos, recorreu do despacho do SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA datado de 01.12.2017 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão; (cfr., fls. 2 a 19 dos então Autos de Recurso Contencioso n.° 34/2018, do Tribunal de Segunda Instância, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, por Acórdão de 28.11.2019, decidiu-se conceder provimento ao recurso, anulando-se o acto administrativo impugnado; (cfr., fls. 58 a 75-v).
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Do assim decidido, para esta Instância recorre agora a entidade administrativa referida, alegando para, em síntese, afirmar que o Acórdão recorrido viola o “princípio da legalidade”, padecendo do vício de “violação de lei”; (cfr., fls. 85 a 89).
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Decorrido o prazo para as alegações do recorrido sem que fossem estas apresentadas, vieram os autos a este Tribunal de Última Instância.
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Após exame preliminar, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 99 a 100).
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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O Acórdão recorrido indica e elenca como “provada” a factualidade seguinte:
“Desde 1996 o recorrente exercia funções no CPSP e actualmente como guarda de primeira. (vd. fls. 35 a 37 dos autos administrativos)
No período entre 28 de Dezembro de 2016 e 12 de Março de 2017, bem como 17 de Abril e 12 de Junho de 2017, o recorrente apresentou ao CPSP os atestados médicos por causa de faltas por doença. (vd. fls. 8 a 22 dos autos administrativos)
O recorrente foi submetido ao exame médico realizado pela Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017, pelas 09H00, mas o recorrente esteve ausente deste. (vd. fls. 5 dos autos administrativos)
No dia 11 de Maio de 2017, após ter recebido o contacto do serviço a que pertence, o recorrente, no 12 de Maio de 2017, apresentou ao serviço o original da guia de apresentação e uma declaração cujo teor é sobre o consumo de sonífero na noite do dia 27 de Abril de 2017, que lhe causou letargia grave, razão pela qual no dia seguinte (28 de Abril) não conseguiu apresentar-se à Junta de Saúde para receber o exame. (vd. fls. 3 a 5 dos autos administrativos)
Só até ao dia 12 de Junho de 2017, o recorrente voltou a receber o exame da Junta de Saúde.
O CPSP determinou instaurar processo disciplinar contra o recorrente por não se ter apresentado à Junta de Saúde em 28 de Abril para receber o exame. (vd. fls. 3 dos autos administrativos)
No dia 7 de Julho de 2017, o Comandante do CPSP proferiu despacho considerando que não foi provado o facto alegado pelo recorrente de sofrer letargia por ter consumido medicamento na noite de 27 de Abril de 2017, pelo que não foi aceite a sua justificação para a ausência da Junta de Saúde. (vd. fls. 26 dos autos administrativos)
No dia 11 de Outubro de 2017, o instrutor responsável pela instauração do processo disciplinar elaborou o relatório final onde foram feitas as sugestões seguintes: (vd. fls. 129 a 133 dos autos administrativos)
“(1)
A fim de dar cumprimento ao despacho do Comandante deste Corpo, datado de 7 de Julho de 2017, proferido no processo disciplinar n.º146/2017, foi instaurado o presente processo contra A, guarda de primeira n.ºXXXXXX deste CPSP (daqui em diante “arguido”) pelo “acto irregular”. (vd. fls. 26 dos autos)
(2)
O arguido pertence ao Serviço de Migração/Comissariado de Posto Alfandegário do Terminal Marítimo da Taipa.
(3)
De acordo com o conteúdo da Comunicação Interna do Comissariado de Posto Alfandegário do Terminal Marítimo da Taipa n.º400471/PFTTSM/2017P, no dia 11 de Maio de 2017, pelas 12H10, o Comissariado foi notificado pelo Departamento de Gestão de Recursos de que A, guarda de primeira n.°XXXXXX não compareceu à Junta de Saúde conforme a data e hora marcada (dia 28 de Abril de 2017, pelas 09H00), e em seguida, o pessoal daquele Comissariado contactou o guarda de primeira. Depois, no dia 12 de Maio de 2017, pelas 15H10, o guarda deslocou-se ao Comissariado para apresentar o original da guia de apresentação e uma declaração cujo teor é sobre o consumo de sonífero na noite do dia 27 de Abril de 2017, que lhe causou letargia grave e razão pela qual ausentou-se da Junta de Saúde em 28 de Abril.
(4)
O presente processo foi instaurado com base no processo disciplinar do Gabinete de Justiça e Disciplina deste CPSP n.º146/2017, principalmente envolvendo a ausência do arguido da Junta de Saúde. Concluído o trabalho de averiguação, face à justificação feita pelo arguido sobre a sua ausência da Junta de Saúde, o Comandante deste CPSP não a aceitou proferindo o despacho seguinte:
1. O arguido necessitou de apresentar-se à Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017, mas o mesmo não compareceu a ela nesse dia. Segundo os atestados médicos apresentados pelo arguido devido às faltas por doença relativas ao período entre 28 de Dezembro de 2016 e 12 de Março de 2017, bem como 17 de Abril e 12 de Junho de 2017, os quais mostram que o arguido não necessitava de permanecer em casa para descanso, ou seja as lesões por si sofridas não lhe causam a perda da capacidade de movimentação.
2. Pela importância da Junta de Saúde, devia o arguido tomar medidas adequadas, no sentido de assegurar a sua presença a tempo na Junta de Saúde, mas finalmente não compareceu o arguido. Também não ficou provado o facto por si alegado de sofrer letargia por ter consumido sonífero, pelo que não foi aceite a justificação do arguido para a ausência da Junta de Saúde.
3. Nos termos do art.º 104.º, n.º4 do ETAPM, é considerada como falta injustificada a não comparência do trabalhador na Junta de Saúde, a partir da data em que deveria realizar-se a mesma.
4. Uma vez que o arguido sempre faltava ao serviço desde 28 de Abril até 12 de Junho de 2017 durante mais de 5 dias seguidos e 10 dias interpolados, nos termos do art.º 289.º, n.2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, deve ser instaurado imediatamente processo de ausência ilegítima contra o arguido.
5. Agora determina-se o arquivamento do presente processo e se ordena ao Gabinete de Justiça e Disciplina que extraía todos os documentos necessários para elaborar certidão, a fim de ser instaurado um outro processo de ausência ilegítima para acompanhar o caso de ausência do arguido da Junta de Saúde e as faltas subsequentes.
(5)
Ouvido o arguido, tendo o mesmo, na declaração, confessado que na noite de 27 de Abril de 2017, tinha consumido sonífero fazendo com que caisse num sono profundo e se ausentasse da Junta de Saúde em 28 de Abril, bem como sabia que o consumo do respectivo medicamento pode causar o sono.
O arguido sofre de espondilite anquilosante, também declarou que sofre artrite reumatóide há mais de dez anos e em princípios de 2017 sofreu de esporões ósseos e pés planos.
Declarou ter recebido, no Comissariado de Posto Alfandegário do Terminal Marítimo da Taipa, a guia de apresentação da Junta de Saúde n.º310/2017, mas já se esqueceu da data concreta.
(6)
Segundo o depoimento da testemunha B (esposa do arguido), tendo a mesma declarado que vive com o seu marido e dois filhos e referido que em 2012, o seu marido começou a sentir dores na zona lombar, depois foi confirmado que sofre de espondilite anquilosante e artrite reumatóide havia mais de dez anos e em princípios de 2017 sofre de esporões ósseos e pés planos até à presente data. Na noite de 27 de Abril de 2017, ela regressou a casa às 18H00 como sempre, depois tomou refeições com marido e dois filhos e cerca de hora de madrugada, todos começaram a dormir, e seu marido, por causa da sua situação de saúde, tomou sonífero e dormiu em casa mas já se esqueceu da hora concreta. Naquela noite do dia 27, seu marido não lhe pediu que o acordasse no dia seguinte (dia 28), e ela própria também desconheceu se o seu marido tinha que comparecer à Junta de Saúde naquele dia, mas só sabia que o arguido tinha colocado um despertador naquela noite (dia 27).
(7)
Segundo o depoimento da testemunha C (médica responsável do arguido, do CHCSJ), tendo a mesma declarado que o arguido era seu paciente. Desde Dezembro de 2013 começou a diagnosticar e tratar o arguido na secção de reumatologia do dito hospital. Referiu que a partir de 2013, o paciente periodicamente ia receber tratamento de espondilite anquilosante na Clínica de Reumatologia do hospital, queixando-se de sofrer dores na zona lombar, no pescoço e nos pés. Até à presenta data, o paciente tinha que tomar os respectivos medicamentos contra doenças reumáticas. Recentemente, por causa de perder o sono há alguns meses, ao paciente foram receitados adicionalmente os medicamentos tais com o calmante e sonífero para ajudá-lo a ter calma e dormir. Referiu que o consumo de tais medicamentos só pode facilitar as pessoas a dormir, mas normalmente não vai causar letargia grave segundo a dose receitada pelo médico. Quanto aos efeitos do consumo dos supracitados medicamentos, já foi-lhe feita explicação, tendo o mesmo também referido ter ficado ciente disso.
Factos provados:
Após feita a averiguação, confirmou-se que o arguido não compareceu à Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017, bem como o Comandante deste CPSP, no processo disciplinar n.º146/2017, proferiu o despacho de não aceitação da justificação da ausência do arguido. Ao mesmo tempo, nos termos do art.º 104.º (Junta de Saúde) do ETAPM, é considerada a falta injustificada, a partir daquela data.
De acordo com o despacho do Comandante deste CPSP proferido no processo disciplinar n.º146/2017, o recorrente faltava ao serviço desde 28 de Abril até 12 de Junho de 2017 por mais de 5 dias seguidos e 10 dias interpolados, nos termos do art.º 289.º, n.º2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, foi instaurado contra si o processo de ausência ilegítima.
É o seguinte o registo das faltas do arguido por doença neste ano civil (2017) fornecido pelo Departamento do Gestão de Recursos:
1. 26/04/2017 – 05/05/2017
2. 05/05/2017 – 14/05/2017
3. 15/05/2017 – 24/05/2017
4. 24/05/2017 – 02/06/2017
5. 02/06/2017 – 12/06/2017
Segundo os dados acima indicados, durante esse período, o arguido encontrava-se ausente do serviço por doença, resultando daí a situação de impossibilidade da manutenção da relação funcional.
De acordo com esse quadro e o teor do art.º 104.º, n.º4 (Junta de Saúde) do ETAPM, o trabalhador que tenha sido mandado apresentar à Junta de Saúde e a ela não compareça é considerado na situação de faltas injustificadas, a partir da data em que a mesma deveria realizar-se, salvo impedimento devidamente justificado e aceite pelo dirigente do serviço a que pertence. Com base nisso, são consideradas faltas injustificadas do arguido no período entre 28 de Abril e 12 de Junho de 2017.
Factos não provados: Não há.
(8)
Tendo em considerado o supracitado acto praticado pelo arguido, há provas suficientes que o arguido não compareceu à Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017.
Nos termos do art.º 104.º, n.º4 do ETAPM, as faltas do arguido no período entre 28 de Abril e 12 de Junho de 2017 são consideradas como faltas injustificadas. (46 dias).
Sendo assim, o acto do arguido já violou o disposto no art.º 13.º, n.º2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau: “Não se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço”.
Nos termos do art.º 238.º, n.ºs 1 e 2, al. i) (aposentação compulsiva e demissão) do do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
O arguido encontrava-se de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados no mesmo ano civil, a infracção por si cometida já reúne a pena aplicável pela “impossibilidade da manutenção da relação funcional”.
(9)
O arguido possui as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas no art.º 200.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
b) O bom comportamento anterior: (desde 9 de Dezembro de 2010 até à presente data, está com comportamento de primeiro grau sem infracção).
h) Os louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço: (ordem de serviço n.º158/97).
i) A boa informação dos superiores de quem depende: (menção de classificação existente: “Bom”);
O arguido não possui as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas no art.º 201.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
O arguido não possui as circunstâncias dirimentes previstas no art.º 202.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e a exclusão da responsabilidade disciplinar prevista no art.º 203.º do mesmo Estatuto.
(10)
Nos termos dos artºs 274.º, n.º2 e 275.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo D.L n.º66/94/M, de 30 de Dezembro, foi deduzida a acusação contra o arguido bem como notificado o mesmo de que pode apresentar defesa no prazo de 10 dias contado a partir da data de notificação, quanto aos factos indicados nos “Acusação” e “Certidão”, a fls. 41 a 43, que fazem parte integrante do presente processo
(11)
O arguido, no dia 28 de Agosto de 2017, apresentou a defesa escrita que foi anexada ao presente processo, a fls. 46 a 85.
(12)
Na defesa escrita, o arguido exigiu a este Gabinete que ouvisse outras testemunhas e após ter conferido o presente processo, este Gabinete determinou alterar o respectivo conteúdo, a fim de se tornar mais claro e se corresponder à situação concreta, pelo que foi declarada nula pelo signatário a Acusação deduzida em 15 de Agosto de 2017 contra o arguido.
Nos termos dos artºs 274.º, n.º2 e 275.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo D.L n.º66/94/M, de 30 de Dezembro, foi deduzida a acusação contra o arguido, bem como notificado o mesmo de que pode apresentar defesa no prazo de 10 dias contado a partir da data de notificação, quanto aos factos indicados nos “Acusação” e “Certidão”, a fls. 104 a 107, que fazem parte integrante do presente processo.
(13)
O arguido, no dia 4 de Outubro de 2017, apresentou a defesa escrita, tendo declarado que mantinha todos os documentos anexos da defesa escrita por si apresentados em 25 de Agosto de 2017, que foram anexados ao presente processo, a fls. 110 a 121, como parte integrante do presente processo.
CONCLUSÃO
Sintetizados todos os dados constantes dos autos e as declarações prestadas pelo arguido, há provas suficientes que:
- No dia 28 de Abril de 2017, o arguido não compareceu à Junta de Saúde, tendo o mesmo declarado que nesse dia se sentia mal por ter consumido medicamentos que lhe causou o sono profundo e pelo que ausentou-se da Junta de Saúde. O Comandante deste CPSP, no processo disciplinar n.º146/2017, proferiu o despacho de não aceitação da justificação da ausência do arguido.
Depois de verificado o primeiro documento da defesa escrita, foram tomadas as respectivas medidas:
- Durante as averiguações subsequentes, a testemunha B (esposa do arguido) referiu que no dia 27, o arguido tinha consumido o sonífero por se sentir mal; a testemunha C (médica do arguido) referiu que por causa da saúde do arguido, tinha-lhe receitado adicionalmente os medicamentos com efeitos de calmante e sonífero para o uso quando necessário. Mais referiu que o consumo de tais medicamentos só pode facilitar as pessoas a dormir mas normalmente não vai causar letargia grave segundo a dose receitada pelo médico. Quanto aos efeitos do consumo dos supracitados medicamentos, já foi feita explicação ao arguido, tendo o mesmo também referido ter ficado ciente disso. Pelo que, segundo os depoimentos das duas testemunhas, os quais também mostram que o arguido tinha conhecimento disso.
Além disso, segundo o depoimento da testemunha B, tendo a mesma referido que na noite do dia 27, o arguido não lhe pediu que o acordasse no dia seguinte (dia 28) e que ela própria também desconheceu se o arguido tinha que comparecer à Junta de Saúde nesse dia (dia 28), mas só sabia que o arguido tinha colocado um despertador naquela noite (dia 27). Quanto a tal esclarecimento, mesmo que se necessitou de usar medicamentos por causa de saúde, também pode tomar algumas medidas adequadas no sentido de assegurar a presença a tempo na Junta de Saúde. Contudo, nos autos não vimos que o arguido reunisse os elementos das circunstâncias dirimentes. Contudo, independentemente do uso de medicamentos, deve comparecer à Junta de Saúde confome a data e hora marcadas.
- De acordo com os registos existentes no Comissariado a que pertence o arguido, no dia 25 de Abril de 2017, o arguido assinou e recebeu a guia de apresentação da Junta de Saúde e no dia 26 de Abril, apresentou ao Comissariado o certificado do exame médico (de 26 de Abril a 5 de Maio de 2017. Observação l: Não consegue comparecer ao serviço sem necessidade de ficar em casa); necessita de comparecer à Junta de Saúde no dia 28 de Abril. E finalmente alegou que necessitou de consumir medicamento por doença e por isso ausentou-se da Junta de Saúde. É sabido que o adoecimento é imprevisível, mas não quer dizer que não haja indícios, pelo que, objetivamente é adequada a presença do arguido na Junta de Saúde.
Depois de verificado o segundo documento da defesa escrita, verificou-se que o conteúdo de tal documento é semelhante ao primeiro, e feita a análise, é concluído o seguinte:
- Verificado o ponto n.º42 da defesa escrita do arguido (vd. fls. 115 do presente processo), nele foi indicado que o presente processo tinha confundido a ausência ilegítima com a falta injustificada, contudo, de acordo com o Despacho do Secretário para a Segurança da RAEM n.º48/SS/2011, as palavras utilizadas para a supracitada ausência ilegítima e a falta injustificada são basicamente idênticos quanto à definição e efeitos, a fls. 122 e 123, que fazem parte integrante do presente processo.
- Verificados os pontos n.ºs 43 a 52 da defesa escrita (vd. fls. 115 do presente processo), neles há parte dirigindo-se contra o presente processo, alegando que:
43. A ausência ilegítima refere-se à ausência do militarizado do serviço sem justificação durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados dentro do mesmo ano civil (vd. art.º 289.º, n.º2 do Estatuto). E face à ausência ilegítima, nos termos do Estatuto, deve ser instaurado de imediato o processo especial disciplinar por ausência ilegítima (vd. parte final do mesmo número do artigo).
45. Em suma, a ausência ilegítima pode ser entendido como “desertor”.
46. Nos autos, o facto acusado não reune a nução da ausência ilegítima.
47. Se o contestante pertencer à ausência ilegítima, porque o Comissariado a que pertence ele nunca mandou procurar o contestante?
48. Porque o contestante sempre se encontrava de faltas até à presente data e o Comissariado a que pertence ele nunca lhe mandou notificação de comparência ao serviço?
49. Mas sim quando o Comissariado de Posto Alfandegário do Terminal Marítimo da Taipa foi notificado da ausência do contestante da Junta de Saúde, veio a contactar o contestante?
50. Razão por que nesse período o contestante se encontrava de ausências legítimas por doença.
51. Nos termos do art.º 104.º, n.º4 (Junta de Saúde) do ETAPM, o trabalhador que tenha sido mandado apresentar à Junta de Saúde e a ela não compareça sem justificação ou não for aceite tal justificação, é considerada na situação de faltas injustificadas. A respectiva falta é uma presunção, uma presunção que pode ser refutada.
52. Pelo que segundo a supracitada presunção, de nenhuma maneira, ao caso em causa não são aplicáveis nem as disposições das faltas nem a relativa punição contra o contestante, sendo uma errada aplicação de pressupostos de direito e violação da lei.
Face aos supracitados pontos de vista deduzidos pelo advogado do arguido, o signatário não está de acordo, mas sim tem o seu entendimento seguinte:
1. Face ao entendimento da ausência ilegítima indicado na contestação e ao “desertor” que foi tomado como exemplo do presente caso, evidentemente é um entendimento errado. Em primeiro lugar, nos termos do art.º 104.º, n.º4 (Junta de Saúde) do ETAPM: “O trabalhador que tenha sido mandado apresentar à Junta de Saúde e a ela não compareça é considerado na situação de faltas injustificadas, a partir da data em que a mesma deveria realizar-se, salvo impedimento devidamente justificado e aceite pelo dirigente do serviço a que pertence.”, o arguido ausentou-se da Junta de Saúde, é considerada a sua falta como falta injustificada, pelo que este Serviço instaurou o processo disciplinar n.º16/2017 e nos termos do art.º 289.º, n.º2: “O processo disciplinar por ausência ilegítima será instaurado logo que, dentro do mesmo ano civil, o militarizado deixe de comparecer ao serviço, sem justificação, durante 5 dias seguidos ou 10 dias interpolados”, face à sua justificação que não foi aceite pelo Comandante deste CPSP e ao número da falta injustificada pela sua ausência, foi instaurado o presente processo n.º189/2017.
2. De acordo com as circunstâncias nos autos, o exemplo de “desertor” utilizado na contestação também não é adequado, uma vez que o “desertor” refere-se a que um militarizado ausenta-se do serviço encontrando-se em parte incerta sem indicar a causa, pelo que o serviço a que pertence ele deve tomar medidas tais como procurar ou notificar o mesmo, contudo, nos autos o arguido ausentou-se do serviço sem que não fosse conhecida a sua causa, razão por que ele apresentava ao serviço os atestados médicos, também não pertence ao caso que agente se encontre em parte incerta, daí resultou a razão por que o Comissariado a que pertence ele nunca chegou a procurá-lo e lhe mandar notificação de comparência ao serviço.
Ao contrário, na data em que o arguido se ausentou do serviço e no período posterior (de 28 de Abril a 11 de Maio de 2017), quando foi notificado pelo Comissariado a que pertence ele, deve tomar quaisquer medidas viáveis, segundo a sua situação de faltas, a fim de procurar saber ou acompanhar as situações subsequentes, contudo, o arguido não fez nada.
- Verificados os pontos n.ºs 61 a 70 da contestação (fls. 116 a 117 dos autos), neles o arguido alegou:
61. Nos autos, no dia anterior do exame médico, o contestante consumiu sonífero que lhe causou o sono profundo e pelo que ausentou-se da Junta de Saúde no dia seguinte.
70. Assim, a não ser que sejam provadas injustificadas as faltas do contestante ou falsificados os documentos comprovativos emitidos pelos hospitais, caso contrário, as faltas do contestante não são injustificadas.
O signatário não se conforma com o supracitado ponto de vista deduzido pelo advogado do arguido na contestação, mas sim tem o seu entendimento seguinte:
1. Alegou o arguido que no dia anterior da presença da Junta de Saúde tinha consumido o sonífero que lhe causou o sono profundo e pelo que ausentou-se do exame médico realizado pela Junta de Saúde no dia seguinte. Contudo, segundo os depoimentos das duas testemunhas (B e médica C), os quais mostram que o arguido sabia bem que após o consumo dos medicamentos receitados com efeito de calmante e sonífero, não ia causar a “letargia grave” tal como alegada por si, pelo que é difícil de ser aceite e entendida tal justificação sobre a ausência devido à letargia causada pelo consumo de medicamento.
2. Se as faltas do arguido são injustificadas ou não, isto é baseado na origem do presente caso, facto de ausência do arguido da Junta de Saúde, nos termos do art.º 104.º, n.º4 do ETAPM, a sua falta é considerada como falta injustificada, pelo que o que acima foi alegado que “a não ser que sejam provadas injustificadas as faltas do contestante ou falsificados os documentos comprovativos emitidos pelos hospitais, caso contrário, as faltas do contestante não são injustificadas” não é adequado.
- Verificados os pontos n.ºs 84 a 88 da contestação (fls. 118 dos autos), neles foram indicados a aplicação da punição do arguido e o entendimento da lei feito pelo presente processo, bem como a alegação do arguido, ponto n.º82 da contestação (fls. 118 dos autos): “Mesmo que não seja aceite a justificação do contestante sobre a sua ausência da Junta de Saúde, para ele, quando muito só existe a falta injustificada de um dia em 28 de Abril de 2017”.
O signatário não se conforma com o supracitado ponto de vista do arguido, mas sim tem o seu entendimento seguinte:
O facto concreto do presente caso reside na falta injustificada que ocorreu ao arguido no dia 28 de Abril de 2017 nos termos do art.º 104.º, n.º4 (Junta de Saúde) do ETAPM, daí resultou a violação do disposto no art.º 13.º, n.º2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau: “Não se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço.”
Como todos sabemos, o espírito das leis e regulamentos é para observar e cumprir. Quando os factos e fundamentos jurídicos foram apurados e confirmados, se reúnem as disposições, devem ser entendidos aceites os seus resultados, sendo isso o espírito fundamental da lei.
- Verificados os pedidos n.º 8 constantes da contestação (fls. 120 e 121 dos autos), quanto ao ponto 1): Tendo em consideração a ausência do contestante da Junta de Saúde com justificação e documentos comprovativos emitidos pelo CHCSJ e que deve ser aceita a justificação e feito o arquivamento do caso; e quanto ao ponto 2): Caso não se conforme com a justificação do contestante, deve-se indicar os fundamentos suficientes de não aceitação da justificação e dos atestados médicos (já foram anexados aos autos, com documento n.º1 da contestação escrita).
Quanto a isso, o signatário tem o seu entendimento seguinte:
O facto concreto do presente caso reside na ausência do arguido da Junta de Saúde, nos termos da lei, quando não seja aceite a justificação, o trabalhador é considerado na situação de faltas injustificadas a partir da data em que a mesma deveria realizar-se, e também por despacho do Comandante deste CPSP proferido no processo disciplinar n.º146/2017, a justificação do arguido não foi aceite, quanto aos atestados médicos por si apresentados, os quais podem justificar a situação física do mesmo, mas não servir de causa razoável para a sua ausência da Junta de Saúde.
E quanto ao ponto 3), sobre a errada aplicação da ausência ilegítima e fundamentação da sua punição.
Quanto ao supracitado ponto de visto deduzido pelo advogado do arguido, o signatário tem seu entendimento seguinte:
Tal como acima foi indicado o facto concreto do presente caso reside na ausência do contestante da Junta de Saúde, nos termos da lei, quando não seja aceite a justificação, o trabalhador é considerado na situação de faltas injustificadas a partir da data em que a mesma deveria realizar-se, e nos termos do art.º 256.º (Direito subsidiário) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, quando nele exista a disposição aplicável, deve-se proceder conforma a respectiva disposição.
Quanto ao ponto 4), tendo em consideração que a culpa do facto e o grau de ilicitude do contestante são ligeiros, bem como existem simultaneamente a falta de intenção dolosa prevista no art.º 200.º, n.º2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e as circunstâncias atenuantes e sem circunstância agravante previstas no art.º 200.º, n.º2, al. b) conjugado com o n.º3 do mesmo artigo, não se deve aplicar ao arguido a pena superior à de suspensão, mas sim as penas de “repreensão”, “multa” ou “suspensão”, do grau relativamente mais ligeiro.
Quanto a isso, o signatário tem o seu entendimento seguinte:
Sintetizados os factos constantes dos autos e após feita análise, não se vê que o arguido reúna o que alegou acima que “existe simultaneamente a falta de intenção dolosa prevista no art.º 200.º, n.º2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau”, pelo contrário, o signatário não se conforma com o que acima alegou que “tendo em consideração que a culpa do facto e o grau de ilicitude do contestante são ligeiros”. Em primeiro lugar, como elemento das Forças de Segurança de Macau, a arguido deve saber a importância da observação da lei, bem como é um guarda antigo com mais de vinte anos de tempo de serviço deve ainda cumprir os seus deveres de forma abnegada; além do mais, o facto concreto nos autos não é uma falta simples, e quanto à importância da Junta de Saúde, já foi especificada na respectiva disposição legal, pelo que, também deve-se aplicar ao arguido a respectiva pena de “demissão”.
- Sugestão -
De acordo com as situações acima indicadas, após ponderada a gravidade da infracção do arguido, nos termos dos art.ºs 238.º, n.ºs 1, 2, al. i) e art.º 240.º, al. c) Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau”, deve-se aplicar ao arguido A, guarda de primeira n.º XXXXXX, a pena de “demissão”.
Por despacho do Comandante do CPSP, datado de 16 de Outubro de 2017 (vd. fls. 138 do processo administrativo)
“Conteúdo: Processo disciplinar n,º189/2017
Arguido: A, guarda n.ºXXXXXX
1. O arguido necessitou de apresentar-se à Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017, mas o mesmo não compareceu a ela nesse dia. Segundo os atestados médicos apresentados pelo arguido devido às faltas por doença relativas ao período entre 28 de Dezembro de 2016 e 12 de Março de 2017, bem como 17 de Abril e 12 de Junho de 2017, os quais mostram que o arguido não necessitava de permanecer em casa para descanso, ou seja as lesões por si sofridas não lhe causam a perda da capacidade de movimentação.
2. Pela importância da Junta de Saúde, devia o arguido tomar medidas adequadas, no sentido de assegurar a sua presença a tempo na Junta de Saúde, mas finalmente não compareceu o arguido. Também não ficou provado o facto por si alegado de sofrer letargia por ter consumido sonífero, pelo que não foi aceite a justificação do arguido para a ausência da Junta de Saúde.
3. Nos termos do art.º 104.º, n.º4 do ETAPM, é considerada como falta injustificada a ausência do trabalhador da Junta de Saúde, a partir da data em que deveria realizar-se a mesma.
4. Uma vez que o arguido ausentou-se do serviço desde 28 de Abril até 12 de Junho de 2017 sem justificação durante mais de 5 dias seguidos e 10 dias interpolados.
5. Pelo seu acto de ausência ilegítima, o arguido já violou o “dever de assiduidade” previsto no art.º 13.º, n.º2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
6. Sintetizadas as medidas constantes e tomadas no presente processo, face à infracção cometida pelo arguido, nos termos dos art.ºs 238.º, n.ºs 1, 2, al. i) e 240.º, al. c) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, tal infracção corresponde à pena disciplinar de “demissão”, sendo isso igual à sugestão feita pelo instrutor.
7. Nos termos dos art.ºs 318.º, n.º1, al. e) e 319.º, n.º1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, determinou-se a realização do conselho disciplinar para apreciar e pronunciar-se.”
No dia 27 de Outubro de 2017, foi convocado o conselho disciplinar pelo CPSP e por maioria de votos foi aprovada a aplicação ao arguido da pena de demissão. (vd. fls. 147 dos autos administrativos)
Por despacho do Secretário para a Segurança datado de 1 de Dezembro de 2017 (vd. fls. 152 e 153 dos autos administrativos)
“Processo Disciplinar N.º 189/2017
Arguido: Guarda de Primeira N.ºXXXXXX, A do CPSP
Nos autos de processo disciplinar acima identificados consta suficientemente provado que o arguido, Guarda de Primeira N.º XXXXXX, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), não compareceu a uma Junta de Saúde para que fora legalmente convocado, pelas 09h00 do dia 28 de Abril de 2017, o que, salvo justificação, o constitui em falta injustificada pelos dias sucessivos em que se mantenha ausente do serviço – vd. artigo 104º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Em 12 de Maio, o arguido apresentou um atestado médico, com o qual pretendeu justificar a falta do pretérito dia 28 de Abril, invocando a ingestão de medicamentos perturbadores do sono, porém, a justificação não logrou deferimento porquanto, não foi apresentada até ao segundo dia útil imediato ao da ausência, como determina o artigo 101º n.º 2 daquele ETAPM.
O arguido não mais compareceu ao serviço até que, em 12 de Junho último, se apresentou à Junta de Saúde para que fora novamente convocado, cessando, nessa data a infracção ao dever de assiduidade em que se constituíra, por mais de 5 dias sucessivos, no mesmo ano civil.
O arguido violou, com a sobredita conduta, o dever de assiduidade inscrito na alínea a) do n.º 2 do artigo 13º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, o que, por referência à alínea i) do n.º 2 do seu artigo 238º determina a aplicação de uma pena de natureza expulsiva, subsunção que não é afastada pelo circunstancialismo atenuante das alíneas b) h) e i) do n.º 2 do artigo 200º, que o favorecem, tal o elevado grau de culpa que caracterizou a conduta, em afrontoso desrespeito pela postura deontológica que um agente policial deve adoptar perante a sua corporação.
Assim, tudo ponderado, usando da competência que me advém do disposto no Aexo G ao artigo 211º do EMFSM e, bem assim do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 111/2014, puno o arguido, Guarda de Primeira N.º XXXXXX, A, do CPSP, com a Pena de DEMISSÃO, o que faço nos termos das disposições conjugadas dos artigos 238º n.º 2 alínea i) e artigo 240º alínea c), ambos do citado Estatuto.
(…)”; (cfr., fls. 64-v a 71 e 30 a 57 do Apenso).
Do direito
3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, vem o Secretário para a Segurança recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, datado de 28.11.2019, que anulou a sua decisão com a qual se puniu o ora recorrido com a pena disciplinar de demissão.
Em síntese, é de opinião que o Acórdão recorrido “violou o princípio da legalidade ao não atender à imposição legal, vinculativa da administração”, enfermando “do vício de violação de lei (…)”; (cfr., conclusão 5ª e 6ª).
Vejamos se constitui este o entendimento a adoptar.
Em (estreita) “conexão” com a agora assacada “ilegalidade”, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no (seu) Acórdão agora recorrido:
“O Código do Procedimento Administrativo dispõe no seu art.º 5.º, n.º2 que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
Indica Diogo Freitas do Amaral no seu livro1 que, “O princípio da proporcionalidade proíbe, pois, o sacrifício excessivo dos direitos e interesses legítimos dos particulares; as medidas restritivas devem ser proporcionais ao mal que pretendem evitar. Se forem desproporcionadas, constituirão um excesso de poder...”
Diz o TUI no seu acórdão n.º101/2019 que:
“O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (colidente com posições jurídicas dos administrados) exige que a decisão seja:
- Adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público visado;
- Necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);
- Proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício).”
Nos termos do art.º 238.º, n.ºs 1 e 2, al. i) do EMFSM, as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados dentro do mesmo ano civil.
Nos autos, ao recorrente foi aplicada a pena de demissão pela violação do supracitado dever de assiduidade.
Contudo, entende este Tribunal que é excessiva a pena de demissão ora aplicada ao recorrente.
Tal como acima foi indicado, a Administração instaurou processo disciplinar contra o recorrente por se ter ausentado do exame realizado pela Junta de Saúde e constituído a ausência ilegítima ou falta injustificada.
Embora não se possa provar que o recorrente tivesse consumido o sonífero na noite anterior do exame, que lhe causasse o sono profundo, também não há outra prova que ele tinha intenção de se ausentar do exame da Junta de Saúde.
De facto, o recorrente tem vindo a comparecer à Junta de Saúde para o exame conforme as instruções do serviço, pelo que não se vê qualquer razão que o mesmo tenha que esquivar-se da Junta de Saúde em 28 de Abril de 2017. Apesar de não se poder provar isso, a maior possibilidade é que o recorrente se tenha esquecido da marcação naquele dia. E mais tarde, no dia 12 de Junho, o recorrente também compareceu à Junta de Saúde para receber o exame. Na ocorrência do facto, o recorrente não estava a exercer funções, pelo que, o seu acto não causa directamente prejuízo ao interesse público.
Daí este Tribunal entende que a infracção cometida pelo recorrente não é grave, o grau da sua culpa também é relativamente baixo, pelo que evidentemente é excessiva a decisão da pena de demissão tomada pela entidade recorrida contra o recorrente, violando o princípio da proporcionalidade devendo ser anulado o acto administrativo em causa.
(…)”; (cfr., fls. 74-v a 75-v e 68 a 71 do Apenso).
Verificado estando que o Tribunal de Segunda Instância considerou o “acto administrativo punitivo” – objecto do seu recurso – “excessivo” por (manifesto) desrespeito ao “princípio da proporcionalidade”, e que, na opinião da entidade recorrente é o assim decidido ilegal por violação do “princípio da legalidade”, vejamos.
Antes de mais, mostra-se de consignar que em causa não está a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância proferida no que toca à “factualidade” apurada e dada como provada, (e que não vem impugnada nem se mostra de alterar), o mesmo se mostrando de dizer quanto à “qualificação” (jurídica) da aí demonstrada “ausência de serviço” em que incorreu o ora recorrido como constituindo “faltas injustificadas”.
Por sua vez, dúvidas também não perece que possam – ou devam – existir no sentido de que, dada a “qualidade profissional” do recorrido, (de Guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública), assim com o atento o “período (ou duração) da supra aludida ausência”, à situação em questão aplica-se o estatuído no art. 238° do “Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau”, (cfr., D.L. n.° 66/94/M de 30.12), onde se preceitua que:
“1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função”; (sub. nosso).
Por fim, porque relevante para a “questão” dos autos, cabe também atentar que, nos termos do art. 240° do dito E.M.F.S.M.:
“A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º”; (sub. nosso).
Nesta conformidade, ponderada a factualidade dada como provada, e tendo-se presente o estatuído no art. 238°, n.° 1 e 2, al. i) e 240°, al. c) do aludido E.M.F.S.M., importa ver se correcta foi a decisão ora recorrida que considerou o acto punitivo da entidade administrativa (agora) recorrente “excessivo”.
E, sem prejuízo do muito respeito por diferente entendimento, (e ainda que se nos mostrem totalmente adequadas as considerações – em abstracto – tecidas acerca do sentido e alcance do “princípio da proporcionalidade”), cremos, porém, que o decidido não se pode manter, muito não nos parecendo necessário aqui expender para se (tentar) expor esta nossa perspectiva.
Desde já, cabe notar que, (como provado está), o ora recorrido foi disciplinarmente punido em consequência da sua “ausência prolongada e – injustificada” – ao serviço, e após não comparência à Junta da Saúde.
E, sendo de se ter igualmente presente que tal “ausência injustificada” é matéria que foi oportunamente decidida por despacho do Comandante do C.P.S.P., de 07.07.2017, e que, tratando-se de “acto administrativo destacável” que não foi objecto de oportuna impugnação, (consolidando-se na ordem jurídica para todos os efeitos legais), vista está a solução a adoptar.
Com efeito, questionável não sendo a natureza “injustificada” da “ausência ao serviço” do ora recorrido, há que concluir que adequada foi a decisão punitiva proferida.
Importa não olvidar a especificidade da “carreira” a que o recorrido pertencia, que justificava um regime especial, (inclusivé, a nível disciplinar), e que, nesta conformidade, do cotejo e conjugação do estatuído nos atrás transcritos art°s 238° e 240° do dito E.M.F.S.M., em especial, atenta a redacção do n.° 1 e 2 do dito 238°, (que “permite” a opção entre as penas disciplinares de “aposentação compulsiva” e “demissão” em virtude dos “contornos da situação”), e considerando a redacção do aludido 240°, (que “determina” quais as situações em que – apenas – cabe a pena de “demissão”), mostra-se-nos pois de concluir que outra “decisão” não havia, na medida em que, estando a infracção pelo recorrido cometida aí expressamente prevista, em causa estava, efectivamente, (com o diz o ora recorrente), uma “actividade administrativa vinculada”, irrelevante sendo assim o “princípio da proporcionalidade” pelo Tribunal de Segunda Instância considerado para a decisão que proferiu; (sobre a matéria, cfr., v.g., o recente Ac. de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020).
Aliás, idêntica “questão” à tratada nos presentes autos foi já objecto de análise e reflexão por parte desta Instância, (em ternos que se consideram adequados e de manter), e onde se teve oportunidade de consignar que “As condutas previstas no artigo 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau são punidas apenas com a pena de demissão”; (cfr., v.g., o Ac. de 04.11.2015, Proc. n.° 71/2015).
Porém, mesmo que assim não se entenda, (o que não cremos), na mesma se nos mostra que adequada não se apresenta a solução adoptada na decisão recorrida.
Na verdade, não se pode olvidar que, para a generalidade das carreias que integram os serviços da Administração Pública, e como se nos mostra de há muito adquirido, a aplicação de penas disciplinares dentro das espécies e molduras legais, é insindicável contenciosamente, ressalvando-se os casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade; (cfr., v.g., entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 28.07.2004, Proc. n.° 27/2003 e 21.01.2015, Proc. n.° 26/2014).
Outrossim, firme (e pacífico) é o entendimento no sentido de que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem; (cfr., v.g., entre muitos, os Acs. deste T.U.I. de 21.01.2015, Proc. n.° 20/2014, de 13.11.2013, Proc. n.° 23/2013, de 14.12.2012, Proc. n.° 69/2012 e de 25.07.2012, Proc. n.° 8/2012).
In casu, da reflexão que sobre a situação e questão nos foi possível efectuar, (e admitindo aqui que em causa pudesse estar o aludido princípio da proporcionalidade), cremos que não se verifica o pelo Tribunal de Segunda Instância considerado “excesso”, pois que, em nossa opinião, e analisada e ponderada, globalmente, a “conduta disciplinarmente relevante” do ora recorrido, não podemos deixar de lhe atribuir acentuada gravidade, e de a qualificar como (muito) pouco digna (e totalmente incompatível) com a que se espera de um militarizado, como é o caso de um Guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública da R.A.E.M..
Note-se, pois, que, (como provado está) – para além de se ter mantido em ausência de serviço por alegada doença pelo período de 26.04.2017 a 05.05.2017, de 05.05.2017 a 14.05.2017, de 15.05.2017 a 24.05.2017, de 24.05.2017 a 02.06.2017 e 02.06.2017 a 12.06.2017 – incorreu em, (nada mais, nada menos que), “46 dias de faltas injustificadas”.
Relevante para se aferir da “gravidade” (e reprovabilidade) da conduta se apresenta, também, o (manifesto e total) “desleixo” com que o ora recorrido agiu em relação à sua “falta de comparência” à Junta de Saúde no dia 28.04.2017, (para a qual foi, devida e regularmente, notificado).
De facto, como se não bastasse a pouco feliz “justificação” apresentada no sentido de não ter acordado em virtude de, na noite anterior, ter “consumido um sonífero”, (ao qual se deverá adicionar o “mistério do despertador que não tocou”), cabe referir que, não obstante a “falta” cometida, entendeu manter-se (calmamente) “ausente” e (absolutamente) “silente” no resto do dia, assim como nos (cerca de 15) dias que se seguiram, sem sequer ter tido o cuidado de (tentar) efectuar um simples “contacto” (através de um mero telefonema) com a dita “Junta” – e também com o seu respectivo superior hierárquico – para (tentar) esclarecer o sucedido e (tentar) reparar qualquer prejuízo e complicação para a sua Corporação, e, desta forma, e na medida do possível, “minimizar” os seus efeitos, (tão só “reagindo” e, ensaiando a dita explicação, quando expressamente intimado para o efeito).
Tal “atitude”, para um “Guarda do C.P.S.P.” que, lembre-se – serve numa “corporação” como a em questão, onde não se cumpre uma “função” negociada ou acordada no âmbito de um “contrato de trabalho de direito privado”, mas antes, enquadrada por um “Estatuto” próprio – o aludido E.M.F.S.M. – onde, em sede de 330 artigos, se regulamenta (rigorosamente) aspectos relativos aos modos e forma para o seu “acesso”, (com “formação teórica, prática e física específica”), “carreira” e “direitos” – entre outros, os de “honras e uniformes”, “subsídios, quantificações e abonos”, “uso e porte de arma” e os restantes conferidos aos trabalhadores da Administração Pública de Macau, (cfr., art. 25° e 27, 30 e 31°) – e, (necessariamente), “deveres”, de entre os quais, e para além do de “assiduidade” e de “pontualidade”, (especialmente relevantes para a situação dos presentes autos), o de “zelo”, de “lealdade” e o de “aprumo”; (cfr., art°s 5° a 17°).
E, nesta conformidade, é caso para se dizer que, a se entender de outro modo, (totalmente) em vão então era regulamentar-se o acesso e exercício da aludida “função” (no dito “Estatuto”) da forma que se entendeu fazer, (e que se mantém), e onde, logo no seu art. 3°, (depois de no art. 1° e 2° se regulamentar o seu “âmbito” de aplicação assim como o “conceito de militarizado”), se consagra o “princípio do comando” – nos termos do qual se preceitua no seu n.° 1 que, “O militarizado das FSM está subordinado ao princípio do comando”, e, no n.° 2, que “O princípio do comando, que implica um estrito enquadramento hierárquico e um especial dever de obediência, visa a consecução da máxima eficiência e coordenação técnico-profissional no desempenho da missão” – estipulando, por sua vez, o art. 4° que, “O militarizado, ao ingressar nos quadros das carreiras das corporações das FSM, presta no acto de tomada de posse compromisso de honra, em cerimónia pública, mediante a seguinte fórmula: «Afirmo solenemente pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas»”.
Por sua vez, importa também atentar na “natureza” e “funções” da “Junta de Saúde” para se alcançar a totalidade da relevância de uma falta à mesma, pois que a ida a uma Junta de Saúde solicitada pelo dirigente do serviço, como foi o caso – apenas – ocorre quando um trabalhador:
- “Atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada …”;
- “A actuação do doente indicie um comportamento fraudulento, independentemente do número de dias de ausência ao serviço”; e,
- “O comportamento do trabalhador indicie perturbação física ou psíquica que comprometa o normal desempenho das suas funções”; (cfr., alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art. 104° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau).
E, nesta conformidade, cremos nós que evidenciada está a incompreensível e muito infeliz “passividade” do ora recorrido – que, mesmo depois de não comparecer, “deixa-se estar”, (por vários dias), em demonstração de absoluta falta de sentido de missão, de responsabilidade e de lealdade institucional, em patente violação do seu “dever de zelo” – nos termos do qual deve, nomeadamente, “Informar prontamente e com verdade os superiores hierárquicos sobre assuntos de serviço, justiça e disciplina”, e “Cumprir, com diligência, as ordens dos superiores hierárquicos relativas ao serviço”; cfr., art. 8°, n.° 2, al. b) e e) do E.M.F.S.M. – certo sendo que não podia, ou devia, ignorar, (dado que do seu próprio “Estatuto” se trata), que a consequência de tal conduta era a de integrar, (no mínimo), uma “situação de ausência injustificada” que originaria um processo disciplinar com o desfecho que teve.
Outra poderia ser, (eventualmente), a “situação”, e – quiçá – a “solução”, se provado estivesse que o recorrido padecesse de distúrbios mentias ou de doença do foro psicológico.
Porém, in casu, tal “circunstância” provada não está; (porque nem sequer alegada foi).
Dest’arte, e claras nos parecendo as razões para a solução que se deixou adiantada, resta pois decidir como segue.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça de 6 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 10 de Julho de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Direito Administrativo, 1988, 2.º Volume, pag. 203
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Proc. 41/2020 Pág. 35