Processo n.º 749/2020
(Autos de recurso em matéria de marca)
Relator: Fong Man Chong
Data: 22 de Outubro de 2020
ASSUNTOS:
- Uso de expressão de carácter descritivo (e só) para marca e sem capacidade distintiva
SUMÁRIO:
I - A expressão “XXXX e YYYY”, de carácter descritivo, sem elemento figurativo, tanto pode servir para indicar serviços de variadíssima natureza como para diversos produtos, carece, assim, de uma nota caracterizadora do tipo de serviços/produtos que se pretende assinalar com tal “expressão/marca”. Nesta óptica, falta-lhe efectivamente a capacidade distintiva.
II – Uma vez que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, é de recusar o pedido de registo tal como decidiu a entidade administrativa competente, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 749/2020
(Autos de recurso em matéria de marca)
Data : 22 de Outubro de 2020
Recorrente : A (A)
Recorrida : Direcção dos Serviços de Economia
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A (A), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença do TJB, datada de 23/04/2020, que julgou improcedente o recurso judicial interposto por ela contra a decisão da DSE que não concedeu ao pedido do registo como marca de serviços da expressão “XXXX e YYYY”, dela veio, em 22/06/2020, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 111 a 125, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso jurisdicional tem por objecto a sentença proferida, em 23 de Abril de 2020, ao abrigo do disposto na alínea b) do art.º 429.° do Código de Processo Civil, que, conhecendo do mérito da causa, julgou o recurso judicial, interposto por A, improcedente e, em consequência, manteve a recusa das marcas registandas XXXX e YYYY, que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/*****1 e N/*****2, ambas para serviços da classe 36.
2. O Recorrente delimita o objecto do presente recurso jurisdicional a uma única questão, analisada em duas perspectivas: pretende saber se as expressões XXXX e YYYY, perante o público relevante, são entendidos como distintivos, ao ponto de, quando apostos em dois bens diferentes, serem entendidos como significando que tais bens têm a mesma origem comercial e não como se se tratasse de um slogan visando atrair a atenção dos consumidores.
3. Numa outra perspectiva, pretende o Recorrente que o Venerando Tribunal ad quem se pronuncie sobre a relevância dos elementos de prova juntos, designadamente, se os mesmos não demonstram que devido ao uso que a recorrente tem feito dos sinais em apreciação, estes são reconhecidos pelos consumidores da RAEM como pertencendo ao Recorrente ou a ela associados.
4. A douta decisão recorrida está muito bem fundamentada, no que concerne à interpretação do que são considerados sinais usuais, distanciando-se do entendimento perfilhado pela DSE que recusou as marcas apelidando-as de sinais que se tornaram usuais na linguagem do comércio, tal como, também, se distanciou do entendimento da DSE no que se refere à susceptibilidade de os slogan's serem registáveis como marcas.
5. A única discordância do Recorrente assenta no facto de que o douto Tribunal a quo, no caso em apreço, atribui ao(s) slogan's o significado primário de "um qualquer controle sobre o futuro" e como tal não terem capacidade distintiva para serem registados como marcas, para assinalar serviços da classe 36.
6. O Recorrente alegou factos e apresentou elementos de prova que não foram tomados em consideração pelo douto Tribunal a quo, pelo que pretende que o Venerando Tribunal ad quem se pronuncie sobre a relevância dos mesmos para a decisão de Direito e isso porque, pese o facto de estar consagrado o princípio da territorialidade no RJPI, dada a especial ligação entre os consumidores da RAEM, Hong Kong e China Continental, uma determinada marca para serviços que são oferecidos aos consumidores de Macau deve, aqui, ser registável, uma vez que está registada em Hong Kong e na China Continental, sendo em cumprimento do princípio da territorialidade que o Recorrente pretende registar a(s) marca(s) em apreço, pois, em termos práticos, as marcas já estão a ser usadas em Macau.
7. O douto Tribunal a quo, não subscrevendo a decisão da DSE e debruçando-se sobre o conceito de sinal usual considerou que os sinais XXXX e YYYY não são usuais; porém, no que se refere à capacidade distintiva de tais sinais, o douto Tribunal recorrido, baseando-se nos factos que deu como provados e desvalorizando outros elementos junto aos autos, expressou a sua convicção no sentido de que não gozam de eficácia distintiva tais sinais, mas fê-lo de forma a permitir outra interpretação, deixando a porta aberta a outro entendimento sobre a capacidade distintiva de que gozarão os mesmos e, em consequência, é esta a questão que se traz à douta apreciação do Venerando Tribunal ad quem.
8. O Recorrente está confiante na concessão das marcas XXXX e YYYY, a exemplo do que já aconteceu na China Continental e em Hongkong e por se tratar de marcas já usadas em Macau, onde os consumidores associam tais marcas à B, elas têm capacidade para distinguir os seus serviços de outros serviços das suas concorrentes a operar no mercado internacional, incluindo no mercado de Macau.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Em 12/11/2018 o recorrente requereu o registo dos sinais “XXXX” e “YYYY” como marca para assinalar serviços da classe 36ª;
b) Os serviços para que foi requerido o registo da marca são:
“serviços financeiros e de seguros; especialmente serviços actuariais, serviços de gerenciamento, serviços de consultoria, serviços de gerenciamento de activos, serviços de anuidades, serviços bancários e empréstimos, serviços de corretagem, serviços de corretagem de títulos, serviços de cartão de crédito, serviços de distribuição, serviços de consultoria económica, serviços de benefícios a trabalhadores, serviços de confiança, serviços de transferência financeira, serviços de consultoria para investimentos, serviços de gerenciamento de investimentos, serviços de gerenciamento de moeda, serviços de fundos mútuos, serviços de fundos de previdência, serviços de investimentos conjuntos, serviços de resseguro, serviços de aposentadoria, serviços de tributos, registo e venda de valores mobiliários ou serviços relacionados ao mercado, serviços relacionados à localização, utilização ou realização de transferências financeiras para contas de terceiros, serviços suplementares relacionados a ou além de actividades financeiras e outras actividades de empresas de serviços financeiros e seguradoras”;
c) Por despacho de 28/11/2019 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo.
d) Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 51, II Série, de 18/12/2019.
e) Em 14/12/2018 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
Os sinais “XXXX” e “YYYY” têm capacidade distintiva para assinalar serviços da classe 36ª da classificação de Nice?
É a questão que se coloca no presente recurso.
A DSE entende que não, por ser um sinal usual nos hábitos leais e constantes do comércio. A recorrente entende que sim, por não ser descritivo nem usual e, caso fosse, por ter adquirido, devido ao uso que dele foi feito, um secondary meaning distintivo.
Vejamos.
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A, com outros elementos de identificação nos autos, requereu o registo dos referidos sinais como marca de comércio para assinalar serviços da classe 36ª da classificação de Nice.
A Direcção dos Serviços de Economia não acolheu a pretensão do requerente do registo e indeferiu o respectivo pedido de concessão por entender que os sinais em causa não podem ser protegidos como marca de comércio, uma vez que não têm capacidade distintiva por se tratar de sinais usuais, designadamente com funções publicitárias. Invocou o comando normativo inserto no art. 199º, nº 1, al. c) do RJPI (Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec.-Lei nº 97/99/M de 13 de Dezembro, a que pertencem todos os artigos a seguir referidos sem menção de origem).
O requerente do registo discorda do entendimento da DSE por entender que o sinal registando não é descritivo nem usual e tem capacidade distintiva e que já adquiriu caracter distintivo pelo uso que dele foi feito - o chamado “secondary meaning”.
A DSE não respondeu e, não tendo havido reclamação, não há parte contrária.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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Além dos documentos constantes dos autos, nenhum outro meio de prova documental, testemunhal, ou outro, que tenha sido requerido ou que se vislumbre ex officio, há a produzir.
Dos elementos existentes nos autos apura-se a seguinte factualidade:
(...)
Dos elementos dos autos nenhum outro facto se prova. Designadamente não está demonstrado que devido ao uso que a recorrente tem feito do sinal registando este sinal é reconhecido pelos consumidores da RAEM como pertencendo ao recorrente ou a ele associado.
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Cumpre, pois, apreciar e decidir.
1. Em primeiro lugar, cabe dizer que a questão a decidir, tendo em conta que este é um recurso de plena jurisdição1 e não de mera anulação, consiste em saber se ocorre, ou não, motivo de recusa do registo e se deve, ou não, ser concedido o registo pretendido. Daqui decorre que logo que se conclua ocorrer um motivo de recusa do registo se torna desnecessário ponderar se outros ocorrem.
Tendo a decisão de recusa sido fundamentada na falta de carácter distintivo da marca registanda, é por esta questão que se deve começar.
2. Da capacidade distintiva dos sinais registandos.
A recorrente pretende um registo de marca.
A realidade que é susceptível de tal registo é um sinal (art. 197º). Um sinal é um significante, um símbolo, uma realidade que tem um significado2.
A marca tem uma função principal: distinguir umas das outras as fontes comerciais, as empresas ou origens comerciais dos bens onde é aposta. É uma função distintiva (art. 197º). A marca é um dos sinais distintivos do comércio. Assim como a firma se destina a distinguir comerciantes uns dos outros, a marca destina-se a distinguir bens de comércio uns dos outros por referência à respectiva origem empresarial. Só o sinal (significante) que tenha por significado uma origem de bens de comércio pode ser registado como marca. Um significado é retirado de um significante através de um processo intelectivo. Um poeta e um bêbado que se deparam com um sinal retiram dele significados extraordinários, por vezes fascinantes. Não são esses significados que relevam. Também não relevam os significados que um minucioso e um distraído retiram. Relevam os significados retirados por um consumidor médio dos bens a que a marca se destina a marcar, in casu os serviços financeiros, de seguros e de gestão de investimentos. A questão é pois de comunicação: releva a mensagem que o sinal veicula desde quem o usa no comércio até àqueles consumidores médios que com ele se deparam e por via intelectiva decifram e captam a mensagem, o significado.
A composição da marca é livre, nenhum elemento obrigatório sendo imposto ao seu “criador”. Falam os autores no princípio da liberdade de composição da marca3. Porém, a liberdade de composição tem limites. Se nenhum elemento positivo se impõe ao criador da marca, elementos negativos há que lhe estão vedados. Por exemplo, a marca nada tem que esclarecer sobre os bens que assinala, mas não pode enganar. É o princípio da verdade. A marca não tem que ser criativa, mas não pode confundir-se com outra anterior que não seja titulada pelo mesmo titular, salvo autorização. Falam os autores no princípio da novidade e da especialidade. A marca não tem que esclarecer a identidade de quem a usa para assinalar os seus bens de comércio, mas não pode confundir. É o princípio da eficácia distintiva: a marca nada pode conter que lhe exclua a capacidade distintiva. Estão proibidos os elementos que não tenham eficácia distintiva, salvo se combinados com outros que a tenham. Estão também proibidos os elementos que retirem eficácia distintiva a outros que a tenham e entrem na composição da mesma marca. A marca não tem que se reportar com evidência ou exclusividade a uma fonte ou origem comercial, sendo admissíveis como marcas os sinais que também têm outras capacidades. São as chamadas marcas fracas, designadamente as que, além de significado distintivo, têm algum significado publicitário4 ou algum significado descritivo dos bens que se destina a assinalar ou outro. A marca não tem que ter um significado único, o distintivo. Pode ter outros significados. Só os sinais sem qualquer significado distintivo não podem ser registados como marca, referindo-se as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 199º a “sinais constituídos exclusivamente por …” elementos sem eficácia distintiva.
O significado de um sinal não é sempre o mesmo. Varia designadamente no tempo e no espaço. A relação significante/significado é dinâmica e mutável. Por vezes um sinal com significado distintivo perde-o com o uso. É o chamado fenómeno de vulgarização da marca. E por vezes um sinal sem significado distintivo adquire-o com o uso. É o que se designa habitualmente por “secondary meaning”.
Como se disse, só os sinais sem qualquer significado distintivo não podem ser registados como marca, sendo admissíveis os sinais fracos ou com fraca capacidade distintiva.
Não têm capacidade distintiva e, por isso, não podem ser registados como mara os chamados sinais usuais que são aqueles que se tornaram usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (art. 199º, nº 1, al. c). Um sinal que originariamente tinha capacidade distintiva mas que passou a ser utilizado no comércio com determinada função, perde a capacidade distintiva que tinha.
A norma legal parece evidente: se um sinal passou a ter uma determinada utilização no comércio, passou a ter um significado próprio na comunicação comercial (linguagem e hábitos) e perdeu o seu significado distintivo de distinguir de outras uma determinada origem comercial de bens.
Por exemplo, o sinal “” é utilizado na actividade comercial para significar que a embalagem onde é aposto deve ser manuseada em determinada posição. O sinal “” é utilizado na actividade comercial para significar que a embalagem onde é aposto deve ser manuseada com cuidado por conter no seu interior objectos frágeis. O sinal “LIGHT” é utilizado na actividade comercial para significar que o produto alimentar a que se reporta tem baixo nível calórico. Quem estiver perante um bem a que foi aposto um de tais sinais irá concluir que esse bem tem certas características ou que se pretende que seja manuseado de determinada forma. E se voltar a estar perante outro bem com o mesmo sinal, irá concluir o mesmo em relação a este segundo. Mas não irá concluir que os dois bens provêm de um mesmo núcleo empresarial. A comunicação humana é assim. Descodifica mensagens ou significados que se encontram em sinais ou significantes. A comunicação comercial também faz parte da comunicação humana e obedece ao mesmo devir. Marcar um bem (produto ou serviço) é apor-lhe um sinal, uma marca que o distinga quanto à sua origem comercial quando vier a ser interpretado por quem com ela se confrontar. A marca é pois um sinal com um significado próprio. E convém que o sinal não engane nem confunda aqueles que o vierem a interpretar. O ideal era que o seu significado fosse inequívoco para todo e qualquer consumidor. Mas basta que o seja para o consumidor médio ou padrão.
A função inicial da marca terá sido a de melhor permitir provar a propriedade do objecto marcado, provar a quem pertencia5, nomeadamente os animais, que eram marcados na própria pele com uma cicatriz feita por um ferro em brasa com determinada forma. Assim, quando um cavalo ou um boi se tresmalhava era fácil saber onde o entregar. Se o animal tivesse uma cicatriz em círculo com um R pertencia ao Rodrigo, mas se na cicatriz constasse um T seria do Tomé. Hoje, porém, a função principal da marca é permitir distinguir a origem comercial dos bens com ela assinalados6. E só são adequados a ser protegidos através da concessão do registo de um título de marca os sinais adequados a distinguir origens comerciais. Se o sinal serve para comunicar ou transmitir determinada mensagem comercial usual ou corrente, não será entendido como distintivo de origem comercial, pelo que também não serve como marcador.
Do que acaba de referir-se, poderemos concluir que, perante o público relevante, os sinais registandos “XXXX” e “YYYY são entendidos como distintivos, ao ponto de, quando apostos7 em dois bens diferentes, serem entendidos como significando que tais bens têm a mesma origem comercial e não como se se tratasse de um slogan visando atrair a atenção dos consumidores? E se tais sinais forem colocados em painéis publicitários em local visível pelo público serão entendidos como reportados a uma fonte empresarial de bens?
O público relevante é no caso em apreço o familiarizado com a indústria de seguros e de investimentos financeiros. O significado primário dos sinais registandos reporta-se a ter um qualquer controle sobre o futuro.
Tal como consta dos factos considerados provados, crê-se que é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores. E, por outro lado, crê-se que só muito dificilmente será entendido como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados.
3. Da aquisição de carácter distintivo (secondary meaning).
Dos elementos dos autos não pode concluir-se estar demonstrado que o sinal registando já se afastou do carácter publicitário antes apontado como seu significado primário não distintivo e que já adquiriu perante o público consumidor uma conotação distintiva ou significado distintivo.
Conclui-se, pois, que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
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V – DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.
Macau, 23/04/2020
Quid Juris?
Toda a problemática discutida nos autos reconduz-se à questão nuclear de saber se a expressão “XXXX e YYYY”tem ou não capacidade distintiva para efeito de registo como marca de serviços da classe 36.
Tal como a Recorrente confessou e admitiu que a sentença recorrida está muito bem fundamentada, só que ela continua a manter a sua posição, defendendo que a expressão em causa goza de toda a capacidade distintiva e como tal o seu pedido deverá ser atendido.
Será?
Ora, para além dos doutos fundamentos tecidos na sentença recorrida, com os quais concordamos basicamente, limitamo-nos nesta sede acrescentar o seguinte:
1) – Uma coisa é os comerciantes utilizar determinado sinal como identificador dos serviços e/ou produtos comercializados por ele, isso podemos designar por “marca de facto”. Outra coisa é aquele sinal merecer tutela jurídica por reunir todos os requisitos legalmente exigidos para tutela jurídica. O que é certificado pela concessão do respectivo registo para todos os efeitos legais.
2) – No caso, o que a Recorrente faz esforços para tentar convencer o Tribunal é que o sinal registando tem sido utilizado por ela na realidade e obter tutela jurídica em determinadas jurisdições. Mas isso não dispensa, de modo algum, a abordagem da questão nuclear, consistente em saber tal expressão “XXXX e YYYY”tem ou não capacidade distintiva?
3) – Não é supérfluo recapitular-se, entre outros, os seguintes aspectos realçados pelo Exmo. Julgador do Tribunal recorrido:
Do que acaba de referir-se, poderemos concluir que, perante o público relevante, os sinais registandos “XXXX” e “YYYY são entendidos como distintivos, ao ponto de, quando apostos8 em dois bens diferentes, serem entendidos como significando que tais bens têm a mesma origem comercial e não como se se tratasse de um slogan visando atrair a atenção dos consumidores? E se tais sinais forem colocados em painéis publicitários em local visível pelo público serão entendidos como reportados a uma fonte empresarial de bens?
O público relevante é no caso em apreço o familiarizado com a indústria de seguros e de investimentos financeiros. O significado primário dos sinais registandos reporta-se a ter um qualquer controle sobre o futuro.
Tal como consta dos factos considerados provados, crê-se que é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores. E, por outro lado, crê-se que só muito dificilmente será entendido como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados.
3. Da aquisição de carácter distintivo (secondary meaning).
Dos elementos dos autos não pode concluir-se estar demonstrado que o sinal registando já se afastou do carácter publicitário antes apontado como seu significado primário não distintivo e que já adquiriu perante o público consumidor uma conotação distintiva ou significado distintivo.
Conclui-se, pois, que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
4-) Nestes termos, cabe sublinhar ainda:
O artigo 197º do RJPI consagra:
Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. (sublinhado nosso)
Ao ver para a expressão em causa, a primeira ideia que surge na nossa cabeça é dar-nos a ideia de que se propõe “uma garantia para o futuro”, tanto pode ser produtos ou serviços. Mas quê? Não sabemos! Porque a Recorrente pretende utilizar esta expressão para um gama muito vasto de serviços!!
A expressão “XXXX e YYYY”, de carácter descritivo, sem elemento figurativo, tanto pode servir para assinar serviços de variadíssima natureza como para diversos produtos, carece, assim, de uma nota caracterizadora do tipo de serviços/produtos a que se pretende aplicar com tal “expressão/marca”. Nesta óptica, falta-lhe efectivamente a capacidade distintiva. Ou seja, tal expressão é vaga de mais, faltando-lhe o elemento descritivo do objecto que a mesma pretende referir-se.
Quanto ao demais, louva-se na douta fundamentação da sentença recorrida, que se reproduz aqui para todos os efeitos.
Pelo expendido, é de verificar que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MM. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova.
Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, embora com argumentos ligeiramente diferentes por nós produzidos, é de manter a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I - A expressão “XXXX e YYYY”, de carácter descritivo, sem elemento figurativo, tanto pode servir para indicar serviços de variadíssima natureza como para diversos produtos, carece, assim, de uma nota caracterizadora do tipo de serviços/produtos que se pretende assinalar com tal “expressão/marca”. Nesta óptica, falta-lhe efectivamente a capacidade distintiva.
II – Uma vez que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, é de recusar o pedido de registo tal como decidiu a entidade administrativa competente, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 22 de Outubro de 2020.
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
1 Cfr. Ac. do TSI de 26 de Julho de 2007, processo nº 516/2006, relator: Dr. Chan Kuong Seng, in www.court.gov.mo, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, pgs. 42/43 e Cândido de Pinho, Notas e Comentários do Código do Processo Administrativo Contencioso, Vol. I, pgs. 85 a 89.
2 Só os sinais susceptíveis de representação gráfica, como palavras, números, letras, desenhos, sons. Um gesto é um sinal que tem significado, mas não é susceptível de representação gráfica, pelo que não pode ser registado como marca.
3 Cfr. Pinto Coelho, Marcas Comerciais e Industriais, p. 72; Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume I, 1973, p. 17 e Oliveira Ascensão, Direito Comercial – Direito Industrial – Volume II, p. 142.
4 Há legislações que expressamente estabelecem que não é registável como marca o sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda (art. 124º, VII, da Lei da Propriedade Industrial Brasileira).
5 Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, 1973, p. 313, nota (2).
6 Em face da admissibilidade actual de transmissão autónoma da marca (independente da transmissão da empresa, estabelecimento comercial, etc.); em face da admissibilidade actual da licença de exploração da marca por terceiros e em face da admissibilidade da marca colectiva, o conceito de função distintiva dos bens em função das respectivas empresas ganhou diferentes contornos. Daí preferirmos a expressão “origem comercial” à expressão “origem empresarial”. Quanto à questão da redefinição do significado da função distintiva, Couto Gonçalves, Direito Industrial, Vol. II (obra colectiva – Associação Portuguesa de Direito Intelectual), p. 99 e segs. e Função Distintiva da Marca, Almedina, Colecção Teses.
7 Nos termos do art. 219º, a utilização da marca abrange a sua aposição em bens (produtos e serviços), a sua aposição em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade empresarial do titular.
8 Nos termos do art. 219º, a utilização da marca abrange a sua aposição em bens (produtos e serviços), a sua aposição em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade empresarial do titular.
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