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Proc. nº 631/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 05 de Novembro de 2020

ASSUNTOS:
- Revogação da inscrição provisória de advogado na AAM

SUMÁRIO:
- Na medida em que a deliberação pela qual foi deferido o pedido da inscrição provisória na AAM é constitutiva de direitos para o interessado e que não se divisa ilegalidade, a revogação da mesma sem concordância do interessado viola o disposto na alínea b) do n.º1 do art.129º do CPC.
O Relator,
Ho Wai Neng









Proc. nº 631/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 05 de Novembro de 2020
Recorrente: Direcção da Associação dos Advogados de Macau (Entidade Recorrida)
Recorrido: A (Recorrente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 10/03/2020, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou procedente o recurso interposto pelo Recorrente A.
Dessa decisão, vem a Entidade Recorrida Direcção da Associação dos Advogados de Macau interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A sentença recorrida é nula, nos termos dos artigos 76.º do CPAC e 571.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC, ex vi 1.º do CPAC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e por a fundamentação da sentença estar em oposição com a decisão.
2. A falta de notificação, nos casos em que é exigida, corresponde à preterição de uma formalidade, da qual serão retiradas as devidas consequências jurídicas.
3. Da decisão recorrida, não se vislumbra se o Tribunal a quo decidiu, ou não, com base na formalidade de falta de notificação, isto porque,
4. Apesar de referir que "(...) não chegou o recorrente [aqui Recorrido] a ser informado pela A.A.M. sobre a exigência da permanência na RAEM durante o período de adaptação, ou da apresentação dos relatórios elaborados respeitantes a sua assistência às diligências e intervenções judiciais, pelo menos, não lhe deu conhecer por ofício de notificação da decisão do deferimento da inscrição provisória como advogado ou mediante qualquer acto de notificação subsequente", não especifica se a sua decisão é tomada com base nessa circunstância.
5. Não é indicada qualquer norma legal relativa à falta de notificação, nem a consequência jurídica da mesma.
6. O Tribunal a quo não concretizou se entendeu, ou não, que se estava perante um vício por falta de notificação do aqui Recorrido dos deveres que sobre si impendiam, enquanto advogado com inscrição provisória junto da A.A.M.
7. Concretamente, o Tribunal a quo teria de fundamentar se a Deliberação da aqui Recorrente, de 04/10/2012, tornada pública através da Circular n.º 33/2012, e se os demais deveres aplicáveis aos advogados com inscrição provisória teriam de ser dados a conhecer ao aqui Recorrido, por meio de notificação, nos termos do artigo 68.º do CPA.
8. Se assim o considerasse, deveria o Tribunal a quo ter indicado as consequências jurídicas que dessa pretensa falta de notificação estavam a ser retiradas.
9. Não o tendo feito, deixando apenas uma breve referência à não notificação, fica a aqui Recorrente na dúvida sobre se o Tribunal a quo considerou estar-se perante uma falta de notificação, nos termos do artigo 68.º do CPA, e quais as consequências jurídicas que daí são retiradas.
10. Na possibilidade de o Tribunal a quo ter considerado que existia esse dever de notificação, então não especificou os fundamentos de facto e de direito relativos a tal entendimento, incorrendo na nulidade da sentença prevista no artigo 571.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art.1.º do CPAC.
11. Já no caso de o Tribunal a quo não ter querido pugnar pela necessidade de notificação, então o argumento que verteu na decisão recorrida e que acima foi transcrito, vem a total despropósito, e não é coincidente com a decisão que tomou, uma vez que a anulação do acto a que se procedeu se baseou numa "violação da lei por erro nas pressupostos de direito", nos termos do art.º 21.º, n.º 1, alínea d) do C.P.A.C.,
12. Verificando-se, assim, a nulidade referida no art. 571.º, n.º 1, al. c) do CPC, ex vi art. 1.º do CPAC.
  Sem conceder,
13. e na possibilidade de se admitir que o Tribunal a quo entendeu que sobre a aqui Recorrente impendia a obrigação de notificar o Recorrente dos deveres aplicáveis aos advogados com inscrição provisória, com a extensão que lhe foi dada pelo conteúdo da deliberação de 04/10/2012, e na hipótese académica de não procederem as nulidades atrás invocadas, a sentença recorrida está inquinada do vício de errada aplicação da lei substantiva, isto porque
14. O dever de notificação previsto no artigo 68.º do CPA é apenas aplicável a actos administrativos.
15. O conceito de acto administrativo, tal como apresentado pelo artigo 110.º do CPA, pressupõe necessariamente, que o mesmo tenha um carácter individual e concreto.
16. Os deveres a que os advogados com inscrição provisória estão adstritos, com a extensão dada com deliberação tomada pela A.A.M. a 04/10/2012, são definidos com carácter geral e abstracto, não constituindo, por isso, um acto administrativo.
17. Considerando que a deliberação de 04/12/2012 era destinada a um "universo" de pessoas, e não especificamente a uma só, a Circular (neste caso a n.º 33/2012), distribuída e publicitada a todos os advogados, era o meio adequado e idóneo a dar conhecimento das novas obrigações que passavam a impender sobre os advogados com inscrição provisória.
18. A referida Circular foi enviada ao Recorrente, que nem sequer procurou esclarecer com que extensão o aí prescrito lhe era aplicável.
19. Assim, no caso de se entender que o Tribunal a quo considerou, e fundamentou adequadamente (o que a mero benefício de raciocínio se concebe), que era necessária a notificação do aqui Recorrido para que lhe fossem aplicáveis os deveres inerentes aos advogados com inscrição provisória, com a extensão que lhes foi dada pela deliberação de 04/12/2012, incorreu a sentença recorrida no vício de errada aplicação da lei substantiva, devendo a mesma ser revogada, e substituída por outra em que se declare que esses deveres lhe são automaticamente aplicáveis, sem necessidade de notificação prévia, nos termos do artigo 68.º do CPA (a contrario).
Mais se diga que,
20. O Tribunal a quo entendeu ainda que "não existiu nem se vigorou, por retroactividade expressa, essa deliberação da entidade recorrida de 04/10/2012. Como tal, não lhe devia aplicar estes novos requisitos impostos aos advogados portugueses que venham a ser inscritos ao abrigo do «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento» posteriormente à vigência daquela deliberação (...)."
21. A deliberação de 04/10/2012, tornada pública através da Circular n.º 33/2012, refere expressamente que "Os advogados com inscrição provisória deverão observar as obrigações estabelecidas nos art. 27.º, 28.º e 29.º do Regulamento do Acesso à Advocacia, com preenchimento regular do impresso próprio."
22. Ao referir-se aos "advogados com inscrição provisória", a referida deliberação refere-se a todos os "advogados com inscrição provisória", incluindo aqueles que já se encontravam inscritos provisoriamente.
23. A deliberação de 04/10/2012 deu-se mais de 2 meses antes do término desse período de adaptação (5 meses, se considerarmos a prorrogação que foi concedida), e passou a produzir efeitos imediatos, e os deveres aí descritos passaram a ser exigíveis a todos os advogados com a inscrição provisória em vigor, entre os quais o aqui Recorrido.
24. Após a deliberação de 04/10/2012, e durante esses 5 meses adicionais durante os quais se prolongou o seu período de adaptação, o ora Recorrido não cumpriu com os deveres que lhe eram exigíveis enquanto advogado com inscrição provisória.
25. Ao considerar que a deliberação de 04/10/2012 não era aplicável a todos os advogados com inscrição provisória já em vigor está, também por esta via, a sentença recorrida inquinada de vício de errada aplicação da lei, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra em que se declare que a deliberação de 04/10/2012 era aplicável ao aqui Recorrente, não obstante a sua inscrição provisória ser anterior a essa data.
Ainda que assim não se entenda,
26. O alcance daquilo que era o período de adaptação para os advogados com inscrição periódica, pressupunha uma presença minimamente frequente na-RAEM, e que ao conceito estaria intrínseca uma assiduidade no escritório do patrono.
27. O período de adaptação não se coaduna com uma quase total ausência do território a cujo ordenamento jurídico se pretende adaptar, e com uma falta de assiduidade comprovada no escritório da patrona, que teria o dever de acompanhar o Recorrido durante a tal adaptação.
28. Um advogado de outro ordenamento jurídico, que não seja sujeito a uma adaptação mínima, por muito competente que seja, poderá eventualmente não estar nas melhores condições para defender os interesses dos seus clientes, com a completude e abrangência de conhecimentos do nosso ordenamento jurídico, que se recomendam para um razoável patrocínio.
29. A prática jurídica na RAEM tem especificidades que não são apenas de âmbito meramente jurídico-substantivo ou processual, mas que vão mesmo até ao próprio trato com clientes, autoridades, funcionários e magistrados, a necessidade de tradução simultânea das audiências, para um advogado de língua materna portuguesa e a consequente rapidez de raciocínio necessária para "entender" o mais correctamente possível tal tradução, e que fazem com que não seja suficiente um estudo atento mas meramente teórico das vicissitudes jurídicas de Macau.
30. Não é a presença formal na RAEM que, per si, se exige, mas pode seguramente afirmar-se que a ausência da mesma, durante um período de adaptação, evidencia que essa adaptação não foi cumprida.
31. O período de adaptação a que se refere o «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento» deve ser entendido como um período de "efectiva" adaptação, não como uma mera formalidade de decurso do tempo. Essa "efectiva" adaptação compreenderá, necessariamente, a presença na RAEM e a assiduidade no escritório da patrona.
32. Assim, e também por esta via, está a sentença recorrida inquinada de vício de errada aplicação da lei, devendo a mesma ser revogada, na parte em que decidiu no sentido de que a aqui Recorrente fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas em causa, e substituída por outra em que se declare que a ausência da RAEM, durante grande parte do período de adaptação a que se refere o «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento», apesar de não funcionar como um pressuposto formal inerente ao período de adaptação, faz pressupor que essa adaptação não foi cabalmente cumprida.
*
O Recorrente respondeu à motivação do recurso da Entidade Recorrida nos termos constantes a fls. 804 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
O Mº Pº emitiu o parecer no mesmo sentido.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. Em 27/07/2012, o Recorrente, advogado inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses com a cédula profissional n.º ..., requereu a sua inscrição na A.A.M. como advogado (cfr. fls. 2 a 12 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2. Por ofício com n.º de referência: 1188/12 datado de 06/09/2012, a A.A.M. informou o Recorrente que por deliberação da Entidade Recorrida datada de 05/09/2012, foi deferido o seu pedido de inscrição provisória, como advogado, ficando sujeito a um período de 3 meses de adaptação ao Direito de Macau, sob a orientação da Dra. B, bem como às limitações previstas para os advogados estagiários durante esse período, e condicionada à apresentação da apólice de seguro profissional e à obtenção de autorização de residência na RAEM no prazo de 3 meses (cfr. fls. 14 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3. Por ofício n.º 1226/2012 datado de 10/09/2012, a A.A.M. informou o Juízo de Instrução Criminal do T.J.B. da lista de novos advogados inscritos na A.A.M., em que consta o nome do Recorrente (cfr. fls. 16 a 17 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4. Em 25/10/2012, a A.A.M. emitiu a Circular n.º 33/2012, a fim de se divulgar a deliberação da Entidade Recorrida tomada em 04/10/2012, pela qual foi determinado o aumento do período de adaptação do Direito de Macau a que estarão sujeito os advogados portugueses que se inscrevessem ao abrigo do «Protocolo entre a Ordem dos Advogados e a Associação dos Advogados de Macau sobre o Direito de Estabelecimento» (doravante «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento»), de 3 meses para 6 meses, e a sua observação das obrigações estabelecidas nos art.ºs 27.º, 28.º e 29.º do «Regulamento do Acesso à Advocacia», com preenchimento regular do impresso próprio (cfr. fls. 611 a 612 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5. Em 05/12/2012, Dra. B, orientadora do Recorrente, apresentou à A.A.M. o relatório sumário da actividade exercida pelo Recorrente durante o período de inscrição provisória na A.A.M., desde 05/09/2012, para efeitos da inscrição definitiva do Recorrente na A.A.M. (cfr. fls. 23 a 25 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6. Em 06/12/2012, o Recorrente requereu junto ao Presidente da Direcção da A.A.M. a conversão da inscrição de provisória em definitiva (cfr. fls. 20 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7. Em 07/12/2012, o Recorrente requereu junto ao Presidente da Direcção da A.A.M. a prorrogação do período de adaptação ao Direito de Macau, em virtude de ainda não ter obtido a autorização de residência que foi requerida junto das entidades competentes (cfr. fls. 28 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8. Em 13/12/2012, a A.A.M. informou o Recorrente que por deliberação da Entidade Recorrida tomada em 12/12/2012, foi deferido a prorrogação do período da inscrição provisória do Recorrente, como advogado, por mais 3 meses (cfr. fls. 29 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9. Por despacho do Exm.º Sr. Secretário para a Segurança datado de 09/01/2013, foi autorizada o pedido da autorização de residência do Recorrente, com validade até 08/01/2014 (cfr. fls. 22 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10. Por ofício com n.º de referência: 178/13 datado de 28/02/2013, a A.A.M. informou o Recorrente que é necessário requerer a conversão da inscrição de provisória para definitiva, com apresentação do relatório do orientador de sumário da actividade exercida pelo Recorrente durante o período de adaptação e declaração do preenchimento de todos os requisitos do «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento» bem como dos deveres impostos pelo «Regulamento do Acesso à Advocacia» (cfr. fls. 27 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
11. Por ofício com n.º de referência: 181/13 datado da mesma data, a A.A.M. solicitou ao C.P.S.P. a informação sobre as entradas e saídas na RAEM do Recorrente, durante o período de 05/09/2012 a 05/12/2012, a fim de se apurar o cumprimento do dever pelo Recorrente durante o período de adaptação (cfr. fls. 30 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12. Por deliberação tomada em 28/03/2013, a Entidade Recorrida determinou denunciar o «Protocolo sobre o Direito de Estabelecimento» e o «Protocolo sobre o Regime de Estágio, Inscrição e Transferência dos Advogados Estagiários» celebradas com a Ordem dos Advogados Portugueses, em 05/11/1994 e 21/06/1999, respectivamente (cfr. fls. 94 a 96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
13. Em 03/04/2013, o Recorrente requereu junto do Presidente da A.A.M. a conversão da sua inscrição provisória como advogado em definitiva, com apresentação dos documentos (cfr. fls. 31 a 49 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
14. Por ofício com n.º de referência: 1196/13 datado de 11/10/2013, a A.A.M. informou o Recorrente que como não permaneceu na RAEM durante a maior parte do período de adaptação entre 05/09/2012 e 05/12/2012, a intenção da Entidade Recorrida seria de cancelar a inscrição como advogado, tendo sido ainda notificado para se pronunciar sobre a proposta de decisão, em sede de audiência prévia, no prazo de 10 dias nos termos do art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo. (cfr. fls. 53 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
15. Em 28/10/2013, o Recorrente apresentou junto do Presidente da A.A.M. a sua resposta, em sede de audiência prévia sobre a intenção da Entidade Recorrida de cancelar a sua inscrição como advogado, propugnando pelo preenchimento de todos os requisitos legais e regulamentares, requerendo no fim que seja mantida em vigor a sua inscrição (cfr. fls. 54 a 56 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
16. Em 11/11/2013, a A.A.M. solicitou à Dra. B, orientadora do Recorrente, para esclarecer no prazo de 10 dias, da permanência na RAEM durante o período de adaptação e a frequência do escritório do Recorrente (cfr. fls. 57 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
17. Em 13/11/2013, a Dra. B informou a Entidade Recorrida que o Recorrente não compareceu com assiduidade no escritório nem teve conhecimento da permanência do Recorrente na RAEM durante o período de adaptação (cfr. fls. 58 a 59 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
18. Por deliberação tomada em 13/11/2013, a Entidade Recorrida determinou revogar a inscrição provisória, como advogado, do Recorrente (cfr. fls. 606 a 610 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
19. Por ofício com n.º de referência: 1378/13 datado de 18/11/2013, a A.A.M. informou o Recorrente da deliberação acima referida (cfr. fls. 60 a 61 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
20. Em 26/12/2013, o Recorrente enviou ao Tribunal Administrativo, por via telecópia, o petitório dos presentes autos, cujo respectivo original foi apresentado no dia 27/12/2013 (cfr. fls. 2 dos autos).
*
III – Fundamentação
Sobre as questões suscitadas no presente recurso jurisdicional, o MºPº emitiu o seguinte parecer:
   “….
   Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, a Direcção da AAM solicitou a declaração da nulidade ou a revogação da sentença em questão, assacando-lhe os vícios prescritos nas alíneas b) e c) do n.º1 do art.571º do CPC, bem como erros de julgamento.
*
   1. Da arguição da nulidade
   Na sentença em escrutínio, a MMª Juiz a quo afirmou: É também verdade que não chegou o recorrente a ser informado pela A.M.M. sobre a exigência da permanência na RAEM durante o período de adaptação, ou da apresentação dos relatórios elaborados respeitantes a sua assistência às diligências e intervenções judiciais, pelo menos não lhe deu conhecer por ofício de notificação da decisão do deferimento da inscrição provisória como advogado ou mediante qualquer acto de notificação subsequente.
   Advoga a Direcção da AAM que essa sentença é obscura quanto à respectiva consequência e comporta duas hipóteses – na de a MMª Juiz a quo entender que a Direcção ficava sujeita ao dever de notificação da sua deliberação de 04/10/2012, tal sentença eiva da falta de fundamentação por não especificar os correspondentes fundamentos; caso contrário, se verifica a oposição dos fundamentos com a decisão.
   1.1. Na deliberação objecto do recurso contencioso (doc. de fls.103 a 106 dos autos), a Direcção da AAM determinou o indeferimento do pedido (do Dr. A) de converter a sua inscrição provisória na AAM como advogado na definitiva e ainda a revogação dessa inscrição provisória, alegando sintecticamente “em virtude de o candidato ter considerado terminado o seu período de adaptação, sem o cumprir, seja por falta da necessária permanência na RAEM e da frequência assídua do escritório do seu orientador, seja pela falta de entrega dos relatórios devidos.”
   Esse trecho revela nitidamente que segundo o raciocínio da insigne Direcção da AAM, o incumprimento do período de adaptação pelo Sr. Dr. A que foi recorrente contencioso e tinha inscrito provisoriamente na AAM deriva das duas faltas aí especificadas. Tal argumento da Direcção torna, a jusante, facilmente compreensível a razão de ser da sobredita afirmação da MMª Juiz a quo, razão que consiste em indagar se o recorrente contencioso tiver incorrido naquelas duas faltas.
   1.2. Convém destacar que em boa verdade, a referida afirmação da MMª Juiz a quo se consubstancia apenas em narrar um facto, por isso não é decisão da causa, mas tão-só e simplesmente um dos fundamentos da decisão que se traduz na anulação da deliberação impugnada no recurso contencioso. Nestes termos, a mesma afirmação não carece de motivação ou justificação, pelo que a invocação do vício consignado na alínea b) do n.º1 do art.571º do CPC não pode deixar de ser inconsistente.
   Com efeito, a MMª Juiz a quo fundou a sua decisão de anulação em quatro fundamentos, os restantes três são: - no período de adaptação do recorrente contencioso, não se vislumbra qualquer acção de formação que exigisse a constante permanência dele na RAEM; - os advogados inscritos provisoriamente na AAM não se podem equiparar a advogados estagiários; - não se aplica ao recorrente contencioso a deliberação tomada em 04/10/2012 pela referida Direcção; - ela como entidade recorrida não conseguiu indicar o fundamento legal da decisão de revogação.
   Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, a nossa leitura da douta sentença em escrutínio impulsiona-nos a colher que os fundamentos de facto e de direito especificados pela MMª Juiz a quo justificam cabalmente a decisão de anulação da deliberação contenciosamente recorrida, e tais fundamentos estão, decerto, coerentes e compatíveis e com essa decisão, sem a assacada oposição.
   Tudo isto aconselha-nos a inferir que a douta sentença in quaestio não padece dos vícios consagrados nas alíneas b) e c) do n.º1 do art.571º do CPC, em consequência disso, a arguição da nulidade da mesma pela Direcção da AAM fica no irremediável insucesso.
*
   2. Dos assacados erros de julgamento
   Nas alegações deste recurso jurisdicional, a Direcção da AAM aduziu ainda a desnecessidade da notificação da deliberação de 04/10/2012 e dos deveres inerentes aos advogados com inscrição provisória, a aplicação imediata dessa deliberação, bem como a necessidade da permanência em Macau no período de adaptação dos advogados com inscrição provisória.
   2.1. Dotada do carácter geral e abstracto, a apontada deliberação tomada pela Direcção da AAM em 04/10/2012 não pode ser encaixada no conceito do “acto administrativo” definido no do art.110º do CPA, mas tem a natureza de regulamento administrativo institucional e interno.
   Sendo assim, inclinamos a entender que a eficácia da deliberação de 04/10/2012 não depende ou carece da prévia notificação, nem sujeitar à vacatio legis, e a mesma começou a produzir o seu efeito a partir da sua publicitação que é levada a cabo pelo Circular da AAM n.º33/2012 de 25 de Outubro (art.15º da petição inicial). Eis o consenso da ambas as partes.
   Porém, a revogação da inscrição provisória dos advogados portugueses na AAM não tem assento no Estatuto do Advogado aprovado pelo D.L. n.º31/91/M, no Código Disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho n.º53/GM/95, no Regulamento do Acessos à Advocacia ou no Protocolo entre a Ordem dos Advogados de Portugal e a Associação dos Advogados de Macau sobre o Direito de Estabelecimento.
   O que patenteia inequivocamente que não há norma jurídica capaz de abonar a apontada revogação como seu fundamento legal quando um advogado português provisoriamente inscrito na AAM não conseguir o sucesso na adaptação no período de três ou seis meses (como as duas partes já mencionaram, o de seis meses foi fixado na deliberação de 04/10/2012 pela Direcção da AAM).
   Daí flui que a revogação não é o mecanismo legalmente prescrito para punir, advertir ou estimular os advogados com inscrição provisória que venham falhar no processo de adaptação. Seja como forma, colhemos sossegadamente que é impecável a tese da MMª Juiz a quo, no sentido de que “não conseguiu a entidade recorrida indicar o fundamento legal da decisão de revogação ainda que foi uma solução de consideração ponderada, …”.
   Nesta ordem de pensamento e na medida em que a deliberação pela qual foi deferido o pedido da inscrição provisória na AAM é constitutiva de direitos para o recorrente contencioso e que não se divisa ilegalidade da mesma deliberação, a revogação titulada pela deliberação atacada no recurso contencioso não pode deixar de infringir o disposto na alínea b) do n.º1 do art.129º do CPC. O que foi invocado na petição inicial.
   2.2. Ora, tal deliberação contém em si duas determinações traduzidas em: de um lado, alargar o período da adaptação de 3 para 6 meses, e de outra banda, impor aos advogados com inscrição provisória o dever de observar as obrigações consagradas nos arts.27º a 29º do Regulamento de Acessos à Advocacia, com preenchimento regular no impresso próprio.
   Repare-se que a alínea b) do n.º2 do art.27º exige vinculativamente a assistência a, pelo menos, quinze sessões de processos penais e trinta sessões de processos de outra natureza, o seu n.º3 determina, de maneira imperativa, a elaboração de um relatório de cada uma de todas estas 45 sessões, o n.º7 impõe aos advogados estagiários a comparência no escritório do patrono, pelo menos, três dias por semana.
   Bem, a disposição neste art.27º e a remessa a este pela deliberação de 04/10/2012 torna sensível e inquestionável que o efeito prático dela se traduz em acrescentar deveres e ónus aos advogados com inscrição provisória. Nesta medida e ainda por que o D.L. n.º31/91/M não contempla a aplicação retroactiva dos regulamentos da AAM, parece-nos que a mesma deliberação deve seguir à regra de que só dispõe para futuro (art.11.º, n.º1, primeira parte, do Código Civil), sob pena de infringir norma de hierárquica superior.
   Nesta linha de perspectiva, e com todo o respeito pela douta tese defendida nas alegações no recurso jurisdicional, inclinamos a entender que essa deliberação não se pode aplicar ao recorrente contencioso – Dr. A, dado que o seu pedido da inscrição provisória na AAM foi incondicionalmente deferido pela Direcção da AAM na deliberação de 05/09/2012 que fica anterior à deliberação de 04/10/2012. O que significa que, segundo nos parece, a tem razão a MMª Juiz a quo.
   2.3. Chegando aqui, somos levados a concluir que são consistentes os dois fundamentos aos quais a MMª Juiz a quo socorreu a propósito de angular a sua decisão da anulação da deliberação objecto do recurso contencioso, por via da qual a Direcção da AAM revogara a sua deliberação datada de 05/09/2012 que se consiste em deferir o pedido (do recorrente contencioso) da inscrição provisória na AAM.
   Tudo isto implica que a douta sentença posta em crise no presente recurso jurisdicional é sã, não enfermando de qualquer dos vícios e erros assacados pela ilustre Direcção da AAM.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”。
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossa posição para negar provimento ao recurso.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Entidade Recorrida, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 05 de Novembro de 2020.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Mai Man Ieng



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