Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso civil
N.º 26 / 2008
Recorrentes: A
B
C
D
Recorridos: os mesmos
1. Relatório
A, B e C (os embargantes e os ora primeiros três recorrentes) deduziram embargos de terceiro contra a E cuja posição processual foi substituída pela D (embargada e a ora 4ª recorrente) por habilitação, pedindo o levantamento da penhora do direito de aquisição resultante de contrato-promessa de vários imóveis.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foram os embargos julgados improcedentes.
Inconformados com a sentença, os embargantes recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 409/2007, foi negado provimento ao recurso.
Deste acórdão vêm agora as partes recorrer para este Tribunal de Última Instância. Os embargantes, ora primeiros três recorrentes apresentaram as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:
“1. Por sentença já transitada, de 08.Fev.1999 no Proc. 210/97, 5º Juizo do TJB, actualmente numerado como Proc. CV1-97-0003-CAO do 1º Juízo Cível, foram os lá réus condenados a restituir aos lá autores e aqui embargantes-recorrentes os direitos de aquisição dos imóveis dos presentes autos (além de outros), resultantes da posição de promitente-comprador da aqui executada e lá ré F nos contratos-promessa e promitente-vendedora a proprietária G, representada pela procuradora D;
2. Por despacho de 17.Junho.1999 foi ordenada a penhora aqui embarga e efectuada mediante notificação da procuradora da proprietária em 02.Dezembro.1999 (fls. 124-125 da execução) nos termos do art.º 856.º n.º 1 do C. Proc. Civil de 1961 (correspondente aos art.ºs 747.º n.º 1 e 742.º do C. Proc. Civil em vigor à data em que foi efectuada) para, pela venda em execução de quantia certa contra aquela executada, garantir o pagamento de dívidas dela e, portanto, foi efectuada (e ordenada) depois da sentença que reconheceu aos embargantes o direito ao objecto penhorado (além de outros), violando, consequentemente, o art.º 704.º do Cód. Proc. Civil e correspondentes preceitos do C. Civil;
3. Face ao direito que, por força daquela transitada sentença de 08.Fev.1999, os recorrentes têm àqueles direitos de aquisição, a penhora é incompatível com aquele direito dos recorrentes porque foi feita depois daquela sentença, em Execução estranha aos recorrentes e para pagamento de dívidas doutrem, e porque a penhora visa a obtenção de decisão judicial a mandar vendê-los e entregá-los (adjudicá-los) a pessoa diversa daquelas a quem a sentença ou primeira decisão judicial mandou;
4. Além disso, é manifesto que, a continuar a normal tramitação executiva sobre tais direitos, haverá duas decisões judiciais a decidir destino diferente aos direitos de aquisição e, por isso, o direito de que os recorrentes gozam volta a ser incompatível e ofendido pela penhora e fins desta dado que o destino decretado pela sentença de 08.Fev.1999 deve vingar sobre o destino que a segunda decisão, futura, lhes mandar dar – art.ºs 574.º e 580.º do CPC;
5. É manifesto por isso que aquele direito dos recorrentes e destino decretado pela decisão de 08.Fev.1999 quanto aos direitos de aquisição são claramente incompatíveis com o destino que a penhora visa: - a venda e entrega a terceiro comprador para satisfação de dívida e crédito alheios aos sujeitos a quem aquela sentença destinou os direitos de aquisição (os recorrentes);
6. A ser de outro modo, há ofensa aos princípios da segurança e certeza das decisões judiciais pois permite que a executada faça dívidas e para seu pagamento possa dar à penhora os bens (direitos de aquisição) daquela sentença tirando assim todo o efeito e valor práticos à mesma sentença;
7. O Acórdão Aclaratório está em contradição com o Aclarado porque neste entende que a sentença que condenou a restituir concreta e específicamente os direitos de aquisição reconhece aos recorrentes a titularidade do direito aos direitos de aquisição enquanto que no Acórdão Aclaratório esclarece que tal não significa afirmação vinculativa para o juiz da execução de que sejam titulares dos próprios direitos de aquisição;
8. E cai também em contradição de termos em si mesmo porque, salvo o devido respeito, condenar na restituição a alguém de algo específico e especificadamente identificado na sentença só pode significar restituir ou voltar a entregar a alguém aquilo que lhe pertence, quer o condenado acate a decisão entregando quer não acate e seja necessário o tribunal substituir-se-lhe mediante entrega nos termos do art.º 821.º e segs. combinados com o art.º 747.º n.ºs 1 e 2, todos do CPC, dado se tratar de direitos de aquisição de imóveis na posse ou detenção da executada;
9. Quando se trate de factos sujeitos a registo (como foi sujeita a decisão cautelar relativa aos direitos de aquisição da executada objecto dos presentes autos e da providência e acção cuja sentença de 08.Fev.1999 vem dada por provada nestes), os efeitos contam-se a partir do registo, ou seja, desde 05.Setembro.1997 – n.ºs 1 e 3 do art.º 6.º do Cód. Reg. Predial;
10. A Providência a proibir a livre disposição de bens é facto elencado no art.º 2.º n.º 1 al. m) do C. Reg. Predial, nada impedindo que os bens acautelados pela Providência e registo sejam bens constituídos por direitos de crédito sobre os bens imóveis dos autos tal como foi o caso após o recurso que removeu as dúvidas do registo e foi averbado no registo reproduzido nos autos;
11. A Providência Cautelar que os embargantes intentaram como preliminar da acção e a acautelar os direitos dos recorrentes foi registada a 05.Setembro.1997 mediante inscrição n.º XXXXX (fls. 128 e segs. e fls. 478-482 deste embargos) enquanto que a penhora dos autos é posterior, destina os direitos à alienação ou destino diferente daquele que lhe foi decretado naquela sentença transitada e não se encontra registada e, portanto, essa penhora não pode ser oposta aos recorrentes – art.º 5.º n.º 1 e art.º 6.º n.ºs 1 e 3, ambos do C. Reg. Predial;
12. O acórdão recorrido andou bem ao julgar que os recorrentes não são parte nem na acção nem na execução mas são titulares de direito incompatível com a penhora dos autos, bem como quando julgou que os embargos são só admissíveis quando a penhora ofenda a posse ou ofenda direitos incompatíveis com a penhora mas andou mal quando julgou que estes são apenas aqueles que sejam direitos “reforçados por uma característica de natureza real, como a eficácia real, retenção, execução específica”;
13. Tal restrição interpretativa viola o art.º 292.º do CPC de Macau pois este, ao contrário do decidido pelo acórdão, permite os embargos ao terceiro que seja titular de “qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência” de penhora, e não apenas aos direitos incompatíveis que pertençam aos direitos reais ou a direitos com características de natureza real;
14. Dado não existir tal restrição no art.º 292.º do CPC, os direitos de aquisição resultantes de contrato-promessa de compra e venda de imóveis sem eficácia real, como é o caso dos autos, também podem ser defendidos mediante embargos ao abrigo do cit. art.º 292.º do CPC;
15. Tendo o acórdão recorrido julgado a penhora incompatível com o direito dos recorrentes mas, apesar disso, negado provimento ao recurso por os direitos dos recorrentes não serem direitos reais nem conterem tais características de natureza real, violou o cit. art.º 292.º do CPC e, por isso, devem os embargos ser julgados procedentes e ser revogados o acórdão e sentença recorridos com consequente levantamento da penhora.”
Pedindo que sejam julgados procedentes o recurso e consequentemente os embargos, com a revogação do acórdão recorrido e o levantamento da penhora.
A embargada, ora 4ª recorrente formulou as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:
“1. Na fundamentação do douto acórdão é referido que, por sentença proferida ao abrigo do processo n.º 210/97 foi condenada a Executada, entre outros, a restituir aos embargantes/recorrentes (e naquela acção, autores) os direitos aquisitivos que foram penhorados na execução sub judice.
2. Ainda no âmbito da fundamentação se adverte que pese embora o que indiscutivelmente se decidiu no âmbito do mencionado processo n.º 210/97, “tal não significa que esse facto se tenha verificado” sendo que nenhuma prova se fez de que os direitos de promitente comprador nos contratos-promessa sub judice, e penhorados nos autos, tenham alguma vez sido efectivamente “restituídos” aos embargantes.
3. Entre outros fundamentos, não sendo os embargantes os possuidores dos bens sub judice, não tendo provado que os direitos reconhecidos por sentença lhes tenham alguma vez sido efectivamente restituídos, e dada a natureza meramente creditícia dos direitos dos embargantes, foi concluído que os mesmos não cumprem os requisitos necessários para recorrer ao instituto dos embargos de terceiro de modo a fazer prevalecer quaisquer direitos que lhes tenham sido reconhecidos em sede daquela sentença.
4. Pese embora a descrita fundamentação do acórdão supra, é porém referido na decisão do mesmo acórdão que houve, in casu, “penhora de direitos pertencentes a terceiro” e alegadamente pertencentes aos aqui embargantes.
5. Não obstante se ter ainda advertido no acórdão – e bem – que “não havendo lugar aos embargos não se discutirá da titularidade do direito, não estando o interessado impedido de fazer valer o seu direito nos meios próprios em sede de acção executiva”, é referido, porém, que, “tendo sido penhorados bens de terceiro, direitos reconhecidos por sentença já transitada, a Justiça material não pode ficar indiferente ao facto de prosseguir uma penhora sobre tais bens.
6. Ora, se por um lado no douto acórdão se determina que os direitos de aquisição conferidos aos ora recorrentes “não tem a virtualidade de motivar os embargos de terceiro deduzidos contra a penhora” não reunindo, como tal, os embargantes os pressupostos para os presentes embargos de terceiro, parece manifestamente incompatível ser relegado, na decisão, para o juiz de execução, a apreciação do levantamento da penhora de “bens pertencentes a terceiro”.
7. O douto acórdão dever-se-ia ter restringido à análise da improcedência dos embargos, abstendo-se, como tal, de vir sugerir a apreciação, na execução, da existência de eventuais direitos de terceiros reconhecidos por sentença. Se os embargos de terceiro pressupõe “uma outra realidade que não a dos autos” e, como tal, impedem o Tribunal de sufragar as pretensões dos embargantes, não se poderá vir suscitar uma apreciação oficiosa, em sede de execução, para se pronunciar sobre penhora de “bens de terceiro”, decisão esta que, salvo melhor entendimento, ultrapassa o próprio âmbito dos poderes do juiz de execução.
8. A promitente vendedora dos contratos promessa de compra e venda sub judice nunca foi demandada para os termos dita acção n.° 210/97 pelo que a mesma acção não faz, nos termos dos art.º 575.° do CPC, caso julgado contra os aqui embargados por não terem sido partes da mesma. Na verdade, discutindo-se naquela acção a verdadeira titularidade de uma posição contratual (a de promitente comprador) esta não atrai apenas direitos mas também obrigações versus promitente vendedora.
9. Acresce o facto de não ter sido dado qualquer consentimento para a cessão de posição contratual nos contratos promessa sub judice (nem por via negocial nem através de suprimento por via judicial), conforme dispõe o art.º 418.º do Código Civil, tentando os embargantes contornar esta exigência legal por via do reconhecimento dos direitos de aquisição por via daquele processo, furtando-se assim às restantes obrigações que derivam daqueles contratos promessa sobre a executada.
10. Pelo que não se pode também, por meio do processo de execução, vir reconhecer direitos sobre “bens de terceiro” que, além de constituírem direitos que não foram sequer restituídos, não só não se poderão efectivar contra a exequente por não ter sido demandada no processo, mas também por não ter havido qualquer anuência expressa da mesma quanto à cessão de posição contratual dos contratos-promessa.
11. Salvo melhor entendimento, qualquer que seja o resultado desta acção, esta não atinge os direitos da promitente vendedora, que contratou tão só e apenas com a executada e em relação à qual a condenação eventualmente ali proferida não alcança, por não ser parte demandada no processo.
12. O conhecimento de “direitos pertencentes a terceiro” e eventual levantamento de penhora em sede de execução mencionados na decisão do acórdão afiguram-se como um (ilegal) eventual comando dirigido ao Meritíssimo Juiz para reconhecimento automático e imediato de tais “direitos pertencentes a terceiro” e, consequentemente, para retirar a prevalência e preferência conferidas aos exequentes por via da penhora.
13. É que, estando vedado aos embargantes o direito de embargar nestes autos (e, por isso, se decreta – e bem –a improcedência dos embargos), devem os mesmos recorrer aos meios comuns para fazer valer os seus direitos, conforme se determina no art.º 296.º do CPC que, de resto, prevê precisamente tal situação.
14. Pelo que, se aos embargantes não assiste o direito de embargar nos presentes autos, não se pode nem no âmbito do acórdão, nem em sede de execução, e por via de um tertium genus, apelar ao reconhecimento de eventuais direitos de terceiro em sede de execução.
15. Quando se refere no despacho de aclaração que tais afirmações “não são vinculativas para o Mmo Juiz de Execução que se deve pronunciar se esses bens são ou não bens de terceiro, não podendo constituir tais afirmações caso julgado”, vem, uma vez mais, reiterar o excesso de pronúncia do acórdão.
16. Como referido, não cabe, nem por via dos embargos de terceiro (que são improcedentes) reconhecer oficiosamente a existência de direitos pertencentes a terceiro, nem relegar para o juiz de execução tal reconhecimento.
17. Na verdade, o que está em causa é se aos embargantes assiste o direito de recorrer ao instituto dos embargos de terceiro para vir e efectivar as suas pretensões em sede de execução. E é apenas quanto a esta questão que o acórdão deveria limitar a sua apreciação, i. e., da improcedência dos embargos, mantendo-se ou não, a sentença recorrida e tão só.”
Pedindo que seja julgado procedente o recurso, com a revogação parcial do acórdão recorrido e a prolação da decisão de manter a improcedência dos embargos de terceiros.
Ambas as partes apresentaram respostas.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Factos provados
Foram considerados provados os seguintes factos pelas instâncias:
“Dos Factos Assentes:
A) Por despacho de 17 de Junho de 1999, proferido nos autos de execução de sentença em que é exequente a embargada E, pendentes no 1º Juízo Cível sob o n.º CVl-98-0001-CAO-A (outrora n.º 13/98/A, do 1º Juízo) foi ordenado a penhora dos direitos de aquisição resultante de contrato-promessa de compra e venda das seguintes fracções autónomas: Jr/c, Kr/c, J1, Cr/c, Dr/c, Er/c, Fr/c, Ir/c, Hr/c, Gr/c, A1, B1, C1, D1 e E1, todas para comércio, do prédio, sito na [Endereço(1)] e [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XXXXX, a fls. XX do Livro BXXXA.
B) O direito de propriedade daquelas fracções pertence à G.
C) Por sentença de 8 de Fevereiro de 1999, proferida na Acção Ordinária n.º 210/97, do 5° Juízo deste tribunal, foi julgada procedente a acção intentada pelos embargantes contra H, I, F, J, K, L, que se dá por integralmente reproduzida.
Da Base Instrutória:
1. No dia 21 de Fevereiro de 2000, os embargantes tiveram efectivo conhecimento da existência dos autos de execução e da existência do despacho ordenando a penhora a que se alude na alínea A) de matéria de factos assentes.
2. Foram os embargantes que compraram e pagaram os direitos de aquisição ora penhorados.”
A parte decisória alusiva ao processo n.º 210/97, acima dada por reproduzida:
“(...) por incumprimento dos réus, condenando-se os mesmos:
1) restituírem aos autores os seguintes bens (...):
(...)
b) os direitos de aquisição de 90 lugares de estacionamento, titulados por contratos promessa de compra e venda com preços integralmente pagos, situados na 1ª, 2ª e 3ª caves do prédio sito na [Endereço(1)], constitutivos de 90/231 avos da fracção ACV desse edifício, descrito na Conservatória do Registo predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. XX do Livro BXXXA:
- na 1ª cave ou ACV1, os 33 lugares seguintes : n.ºs 21 a n.º 31 e n.ºs 50 a n.º 71;
- na 2ª cave ou ACV2, os 56 lugares seguintes : n.ºs 1 a n.º 17 e n.ºs 41 a n.º 79;
- na 3ª cave ou ACV3, o lugar seguinte : o lugar n.º 81.
c) os direitos de aquisição das 85 fracções autónomas, para comércio, do mesmo edifício, titulados por contratos promessa de compra e venda com preços integralmente pagos, a saber :
- as 11 fracções do rés-do-chão designadas por fracções Ar/c, Br/c, Cr/c, Dr/c, Er/c, Fr/c, Gr/c, Hr/c, Ir/c, Jr/c e Kr/c;
- as 11 fracções do 1º andar, designadas por fracções A1, B1, C1, D1, E1, G1, H1, I1, J1, K1 e L1;
- as 21 fracções do 2º andar, designadas por fracções A2, B2, C2, D2, E2, F2, G2, H2, I2, J2, K2, L2, M2, N2, O2, P2, Q2, R2, S2, T2 e U2;
- as 21 fracções do 3º andar, designadas por fracções A3, B3, C3, D3, E3, F3, G3, H3, I3, J3, K3, L3, M3, N3, O3, P3, Q3, R3, S3, T3 e U3;
- as 21 fracções do 4º andar, designadas por fracções A4, B4, C4, D4, E4, F4, G4, H4, I4, J4, K4, L4, M4, N4, O4, P4, Q4, R4, S4, T4 e U4;
2) Bem como todos os frutos ou rendimentos colhidos ou a colher.
(...)”
2.2 Compatibilidade do direito dos embargantes com a penhora
Os primeiros três recorrentes, embargantes dos autos, alegam que o seu direito, reconhecido pela sentença de Fevereiro de 1999 e consubstanciado na titularidade da posição de promitente comprador que a executada ocupa nos respectivos contratos-promessa, é incompatível com o destino da penhora, ou seja, a venda e entrega a terceiro para satisfação de créditos alheios aos sujeitos a quem a sentença destinou os direitos de aquisição.
E uma vez que o objecto penhorado é o direito de aquisição de fracções autónomas, isto é, um direito obrigacional, não faz sentido exigir-se como requisito de admissibilidade dos embargos a posse ou outras características reais
Na execução que deu origem aos presentes autos de embargos, foi proferido em 17 de Junho de 1999 o despacho de penhora dos direitos de aquisição de várias fracções autónomas da executada F.
Posteriormente, os primeiros três recorrentes deduziram embargos de terceiro contra a penhora, com fundamento de que tais direitos de aquisição pertencem a eles por força da sentença de 8 de Fevereiro de 1999 proferida no processo de acção ordinária n.º AO 210/97-5º (actualmente com o n.º CV1-97-0003-CAO).
Por exercício das suas funções, o Tribunal de Última Instância tem conhecimento de que tal sentença já transitou em julgado, porque no processo n.º 9/2008, este tribunal apreciou o recurso de revisão sobre o mesmo processo.
Assim, é de considerar que os embargantes são titulares dos direitos de aquisição de imóveis, penhorados nos autos de execução.
Assim, é irrelevante indagar, como fez no acórdão recorrido, se se verificou realmente a restituição dos direitos de aquisição com entrega de chaves e traditio. Tal verificação só teria sentido se fossem penhorados os próprios bens imóveis. A sentença em causa ordenou apenas que os réus restituíssem aos autores os direitos de aquisição dos imóveis. E o que estão agora penhorados são os direitos de aquisição e não os imóveis em si.
Por outro lado, prescreve o art.º 292.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC):
“1. Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Em relação ao conceito de direito incompatível, “Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização desta função, isto é, a transmissão forçada do objecto apreendido.”
“Quando, por exemplo, é penhorado um direito de crédito, tem legitimidade para embargar de terceiro quem, em vez do executado, se arrogue a respectiva titularidade (incluíndo o pretenso cessionário), não obstante não estar em causa um direito absoluto.”1
Com a invocada titularidade dos direitos de aquisição penhorados, os embargantes têm legitimidade para deduzir embargos contra a penhora, com base na incompatibilidade dos seus direitos com a penhora, sem necessidade de apreciar a posse dos imóveis objecto dos direitos de aquisição por ser apenas estes visados pela penhora.
Em princípio, só os bens do devedor susceptíveis de penhora respondem pela dívida exequenda (art.ºs 821.º do CPC de 1961 e 704.º, n.º 1 do CPC de 1999). Salvo excepções que não estão aqui em causa, não podem ser penhorados bens pertencentes a terceiro, sendo certo que a execução não foi movida contra os ora embargantes (n.º 2 do último artigo citado).
Como os direitos de aquisição penhorados pertencem aos embargantes, tal como foi reconhecido pela sentença transitada, o recurso dos embargantes deve proceder e determinar consequentemente o levantamento da penhora.
Deste modo, com a revogação do acórdão recorrido, fica sem efeito a determinação constante deste para o juiz de primeira instância conhecer, em sede de execução, da penhora de direitos pertencentes a terceiro e do seu levantamento. Assim, fica prejudicado o conhecimento do recurso da 4ª recorrente.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em:
- julgar procedente o recurso dos primeiros três recorrentes (embargantes), revogar o acórdão recorrido e, em consequência, julgar procedentes os embargos e determinar o levantamento da penhora ordenada a fls. 123 dos autos de execução (de n.º CV1-98-0001-CAO-A);
- não conhecer o recurso da 4ª recorrente.
Custas pela 4ª recorrente.
Aos 30 de Setembro de 2008.
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 288 e 289, 292, nota 38-C; Enxertos Declarativos no Processo Executivo, in Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 649.
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Processo n.° 26 / 2008 16