Processo nº 174/2020 Data: 18.11.2020
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Propriedade industrial.
Marca.
Registo.
Confusão.
SUMÁRIO
1. A “Propriedade Industrial” é considerada a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
2. A “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, constituindo, desta forma, “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”.
Daí que uma marca não possa ser “igual” ou “semelhante” a outra já anteriormente registada.
3. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra anteriormente registada é definido pela possibilidade da sua confusão.
4. Existe possibilidade de “confusão” se, analisadas a marca registada e a registanda no seu “conjunto”, sem consideração dos seus pormenores (que apenas desempenham uma “função acessória”), se vier a concluir que existe risco de se tomar uma por outra.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 174/2020
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Inconformada com o Acórdão em 28.05.2020 pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado, (Proc. n.° 1261/2019) – com o qual se revogou a sentença do Tribunal Judicial de Base que tinha confirmado anterior decisão dos Serviços de Economia que lhe concedeu o registo da marca N/118205 – do mesmo veio recorrer a sociedade comercial “A”, com sede na Austrália.
Alegou para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“i) O Tribunal de Segunda Instância não apresentou argumentos suficientemente fundamentados para defender um entendimento diferente do defendido pelo Tribunal Judicial de Base.
ii) O Tribunal Judicial de Base decidiu em defesa da não imitação e confundibilidade dos sinais, decisão que deverá ser mantida.
iii) Comparativamente à fundamentação apresentada pelo Tribunal Judicial de Base, o Tribunal a quo apresentou uma fundamentação francamente fraca, parecendo remeter simplesmente para a da decisão tomada no âmbito do Processo n.° 157/2020.
iv) Não podem, no entanto, os dois processos ser comparados, ou a fundamentação do presente caso ser meramente remetida para a daquele.
v) Como facilmente se verifica, a marca da Recorrente apreciada no âmbito daquele processo é manifestamente diferente da marca da Recorrente a ser apreciada no caso em apreço, pelo que nunca deveria a decisão do presente caso ser remetida para a daquele, por o objecto dos processos não ser o mesmo!
vi) Por outro lado, tal como o Tribunal Judicial de Base decidiu, as marcas em confronto no caso em apreço também não são confundíveis.
vii) Ora, comparando a marca "" da Recorrente com as marcas da Parte Contrária, facilmente se verifica que, apesar de todas apresentarem o elemento "W", os sinais são manifestamente distintos.
viii) O sinal da Recorrente é uma marca mais complexa e elaborada, dotada de uma forte componente figurativa por apresentar uma fonte diferente, mais estilizada, incluir o mapa da Austrália como desenho de fundo e ter uma cromática distinta das marcas da Parte Contrária, visto que o "W" e o elemento "Wylarah" da Recorrente são de cor amarela e a marca contém ainda duas tonalidades diferentes de castanho no preenchimento do rectângulo incluído no sinal e no desenho do mapa da Austrália.
ix) Por outro lado, as marcas da Parte Contrária apresentam meramente um "W" maiúsculo, preto ou branco, sem qualquer estilização.
x) Aplicando aqui o defendido por Luís Couto Gonçalves, as marcas da Parte Contrária poderiam nem ter sido concedidas.
xi) Diferentemente, a marca registanda da Recorrente é, em si, dotada de forte capacidade distintiva como marca, visto que estamos perante um sinal gráfico complexo.
xii) No que respeita ao elemento "Wylarah", também discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo.
xiii) A análise comparativa entre as marcas é feita entre a marca registanda e as marcas registadas tal como estão registadas, não entre a marca registanda e o modo como a marca registanda poderá estar a ser usada.
xiv) A ser este o caso, estar-se-la a estender desrazoavelmente o escopo de protecção de uma marca registanda.
xv) Apesar das marcas da Parte Contrária poderem estar a ser usadas com nomes de cidades na parte inferior à sua letra "W", o facto é que estes sinais não estão registados, pelo que não deverão relevar para a presente comparação.
xvi) O que releva para a presente avaliação, é o elemento "Hotels" constante na parte inferior das marcas registadas da Parte Contrária, elemento sem capacidade distintiva por ser descritivo.
xvii) Por sua vez, o elemento "Wylarah" da marca registanda da Recorrente é dotado de forte capacidade distintiva, visto ter lhe sido concedido o registo da marca "WYLARAH" em várias classes, incluindo na classe 43.
xviii) A marca registanda é, assim, composta por vários elementos individualizadores relevantes que contribuem para que seja um sinal dotado grande individualidade e forte capacidade distintiva, facilmente diferenciável das marcas anteriores da Parte Contrária.
xix) Realça-se ainda que, para o requisito do artigo 215, n.º 1, c) do RJPI estar preenchido, é necessário que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
xx) Ora, a marca registanda não induz o consumidor em erro, nem compreende um risco de associação com as marcas registadas.
xxi) As marcas em confronto têm públicos consumidores distintos, visto que enquanto a marca registanda está relacionada com serviços de importação de carne bovina, as marcas registadas estão relacionadas com serviços de hotelaria e alojamento.
xxii) Como bem defendem CARLOS OLAVO e LUÍS COUTO GONÇALVES, na apreciação do risco de confusão ou erro entre sinais, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem os sinais em confronto de se dever apreciar as marcas no seu conjunto, só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade.
xxiii) Com efeito, é a imagem de conjunto aquela que, normalmente, sensibiliza mais o consumidor não se devendo pressupor que este tenha condições de efectuar um exame comprativo e contextuai dos sinais entre si.
xxiv) Tese ainda perfilhada pelo Tribunal de Segunda Instância (Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.° 269/2015 (Autos de recurso civil), 18 de Junho, 2015. No mesmo sentido, Acórdão do TSI, Processo n.° 214/2014, Processo n.° 164/2015).
xxv) Ora, aqui estamos perante marcas cujas imagens globais são claramente distintas!
xxvi) Não há qualquer cenário em que os serviços da Recorrente possam ser associados pelos consumidores como tendo a mesma origem comercial dos serviços distinguidos pelas marcas registadas.
xxvii) Conclui-se então que as marcas em questão são manifestamente diferentes entre si e que as suas diferenças são (mais que) suficientes para que os consumidores facilmente distingam as marcas, os serviços que assinalam e a respectiva origem comercial, não havendo possibilidade de confusão entre a marca registanda e a marca citada.
xxviii) A marca registanda constitui, sem margem para dúvidas, um sinal com capacidade distintiva própria, por ser composta pela combinação de elementos nominativos e figurativos que, no cômputo geral, lhe atribuem identidade e forte capacidade distintiva, um sinal novo e diferente dos sinais anteriores da Parte Contrária.
xxix) Face ao exposto, é de concluir que a marca registanda não imita as marcas da Parte Contrária, pois não se encontra preenchido o terceiro requisito cumulativo art. 215° N° 1 do RJPI.
xxx) Pelo que deverá ser revogada a decisão do Tribunal a quo e mantida a decisão de concessão da marca número N/118205 proferida pela DSE e apoiada pelo Tribunal Judicial de Base”.
A final, pede que “seja considerado procedente o presente Recurso e, em consequência, revogado o Acórdão recorrido, dessa forma se concedendo o registo da marca número N/118205 à Recorrente, …”; (cfr., fls. 357 a 369 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Respondendo, diz a sociedade “B”:
“A. A leitura atenta das conclusões da Recorrente revela que esta faz uso do recurso para repetir, descaradamente, argumentos já reproduzidos e decididos nos autos.
B. A Recorrente tem o objectivo único de protelar o trânsito da decisão nos autos, fazendo um uso incorrecto de um meio processual cujo escopo está circunscrito a um número limitado de situações processuais.
C. Um recurso deve limitar claramente as questões sobre quais a decisão recorrida se tenha pronunciado, não podendo traduzir-se numa repetição da acção proposta, sob pena de tornar o Tribunal de recurso num Tribunal de escopo inócuo, por mera reprodução do anteriormente deliberado - cfr. Acórdão do TSI, no Recurso n° 237/2008 de 25 de Julho de 2013.
D. O n.° 2 do artigo 47.° da Lei de Bases de Organização Judiciária ("LBOJ") estipula que:
"Excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito".
E. O artigo 639.° do CPC estabelece ainda o poder cognitivo do Tribunal de Última Instância nos seguintes termos:
"Salvo no caso previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 583.°, o recurso para o Tribunal de Última Instância pode ter como fundamento a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo, bem como a nulidade do acórdão recorrido".
F. O recurso para o Tribunal de Última Instância só pode ter como fundamento matéria de direito, a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo, exceptuando o caso previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 583.° do CPC.
G. A Recorrente alega apenas, de foram repetida, que "a marca registanda não imita as marcas da Parte Contrária [ora Recorrida], pois não se encontra preenchido o terceiro requisito do artigo 215, n.° 1 do RJPI".
H. A Recorrente limitou-se nas suas conclusões a discorrer sobre questões factuais (e não de direito) já por diversas vezes discutidas ao longo deste processo.
I. Não compete ao TUI apreciar a matéria de facto invocada pela Recorrente, como expressamente resulta do n.° 2 do artigo 47.° da LBOJ e dos artigos 639.°, 649.° e 650.° do CPC, pelo que deverá o recurso interposto ser considerado improcedente.
J. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre as questões suscitadas e fez uma correcta adequação dos factos e normas legais aplicáveis.
K. A ponderação do TSI resultou dos elementos constantes dos autos, bem como da decisão proferida pelo mesmo tribunal no âmbito do Processo n.° 157/2020 e já transitada em julgado, determinando assim a procedência do recurso interposto pela Recorrida e o indeferimento do registo da marca N/188205.
L. A fundamentação que releva para os presentes efeitos e vertida na decisão ora em recurso encontra-se descrita a páginas 12 a 17 do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, sendo que as restantes páginas 1 a 11 contemplam a descrição sumária dos articulados anteriores e dos factos provados, i. e., aproximadamente um terço da decisão proferida consiste na concreta e elucidativa justificação da decisão proferida!
M. A decisão do Tribunal a quo remete na sua fundamentação para a decisão proferida pelo mesmo tribunal no âmbito do Processo n.° 157/2020, a qual, tendo já transitado em julgado, deverá ser analisada em complementaridade à decisão proferida, uma vez que o objecto em discussão é manifestamente semelhante, ou seja, trata de saber se a marca registanda (então a N/118197 "") consiste numa imitação das marcas previamente registadas a favor da ora Recorrida (N/26415, N/26605 e N/15978).
N. Basta comparar as mesmas (a N/118197 e a N/118205) "" e "" para se concluir que o mérito da discussão é exactamente o mesmo.
O. Conforme considerou o T JB e o Tribunal a quo, o elemento "W" é o elemento predominante nas marcas em apreço, o qual se destaca do ponto de vista gráfico - isolado, centrado e com dimensões bastante superiores às dos restantes elementos das marcas (e na N/15978, "W" é o único elemento).
P. Do ponto de vista cromático, existe uma enorme semelhança entre o pedido N/118205 da Recorrente e a marca N/26605 da Recorrida - os elementos das marcas em causa apresentam-se com letras em cor clara sobre um fundo escuro.
Q. Os restantes elementos das marcas em questão - em concreto, "HOTELS" (nas marcas N/26415 e N/26605 da Recorrida) e "WYLARAH" (no pedido N/118205 "" da Recorrente) -, por serem meramente genéricos e descritivos, são irrelevantes no conjunto da apreciação das marcas.
R. Tanto "HOTELS" como "WYLARAH" consistem em sinais descritivos - aquele indica um tipo de estabelecimento comercial (não susceptível de apropriação por marca nesta classe) e este um local na Austrália.
S. Sendo sinais descritivos (e que constituem elementos secundários nas marcas em questão), não relevam na comparação de marcas, conforme bem entendeu o Tribunal a quo.
T. O consumidor médio ao deparar-se com qualquer das marcas em questão, certamente irá reter o elemento "W", de grandes dimensões e com capacidade distintiva, em prejuízo das letras de tamanho muito reduzido que se encontram numa posição inferior (e ilegíveis à distância).
U. Atendendo ao critério do consumidor médio, é a letra "W" que, devido ao seu maior impacto, ficará na memória visual dos consumidores, tendo em conta a impressão de conjunto das marcas.
V. A expressão "Wylarah" é demasiado remota e complexa para ser retida pelos consumidores locais, que não irão dar relevo ou peso à mesma no confronto das marcas em questão.
W. A letra 'W" é o elemento predominante da marca (notória. tal como a DSE, o TJB e o próprio Tribunal a quo reconhecem. e até mesmo de prestígio), que constitui um elemento distintivo, será sempre esse o elemento a memorizar por qualquer consumidor, independentemente do seu nível de atenção.
X. As marcas em confronto têm consumidores idênticos, conforme se constata pelos produtos e serviços para os quais as marcas em análise se encontram registadas.
Y. A Recorrida desconhece se a marca em confronto está "relacionada com serviços de importação de carne bovina" - analisados os presentes autos, não resulta qualquer prova ou indício feitos pela Recorrente de que a marca em confronto esteja relacionada com esse tipo ou natureza de serviços.
Z. A marca recusada pretende assinalar serviços idênticos ou afins aos protegidos pelas marcas da Recorrida, estando em causa a mesma classe (43), o que, necessariamente, criará um risco de confusão nos consumidores, os quais estabelecerão uma ligação entre a marca registanda e a Recorrida.
AA. A letra "W" das marcas da Recorrida, por ser uma marca de prestígio. é merecedora de protecção legal - conforme igualmente entendeu o TJB ao confirmar "que a letra 'W' tenha ganho algum reconhecimento internacional pela utilização da Recorrente [ora Recorrida]".
BB. Dada a semelhança entre as marcas em confronto, a marca da Recorrente é claramente idónea a criar confusão nos consumidores (como foi, aliás, decidido pelo Tribunal no outro caso em juízo, sob o Processo n.° 157/2020)”; (cfr., fls. 378 a 392).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está dada como “provada” a factualidade que vem elencada no Acórdão recorrido, (a fls. 337 a 338-v), e que adiante se fará adequada referência.
Do direito
3. Vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que – considerando que a “marca” (N/118205) pela ora recorrente pretendida era “semelhante” e, como tal, “passível de confusão” com outras já registadas e pertencentes à ora recorrida – revogou a decisão dos Serviços de Economia e do Tribunal Judicial de Base que lhe permitiram o seu registo.
Motivos não havendo para se considerar que o presente recurso não merece conhecimento, vejamos se merece provimento.
Em causa no presente recurso está uma “questão” de “Direito da Propriedade Industrial” – em parte – regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), e em cujo preâmbulo se consignou:
“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.
Estatui-se, por sua vez, no art. 1° deste referido R.J.P.I. que:
“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.
Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
Cabendo apreciar de um reclamado direito de “registo de uma marca”, vejamos que solução adoptar.
Ponderando no teor das conclusões pela recorrente apresentadas, constata-se que o seu inconformismo em relação ao decidido assenta no entendimento de que a marca pela qual se bate “não induz o consumidor em erro, nem compreende um risco de associação com as marcas registadas”, que “se está perante marcas cujas imagens globais são claramente distintas”, e que as “marcas em questão são manifestamente diferentes entre si e que as suas diferenças são (mais que) suficientes para que os consumidores facilmente distingam as marcas, os serviços que assinalam e a respectiva origem comercial, não havendo possibilidade de confusão entre a marca registanda e a marca citada”; (cfr., conclusões xx, xxv e xxvii).
Nos termos do art. 197° do aludido R.J.P.I.: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
E, assim, não obstante de um ponto de visto “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., Luís M. Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), atento ao preceituado no referido art. 197° é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., O. Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139).
Pronunciando-se sobre “questões idênticas” às ora em apreciação, (ou seja, sobre a matéria do “registo e imitação de marcas”), já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar o que segue:
“(…)
A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
(…)
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
(…)
Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”.
(…)
Na lição de FERRER CORREIA3 “ … a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO4 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve
proceder-se à comparação das marcas5”; (cfr., v.g., os Acórdãos de 20.05.2015, Proc. n.° 19/2015, de 23.10.2015, Proc. n.° 64/2015, de 07.02.2017, Proc. n.° 77/2016, de 27.09.2018, Proc. n.° 36/2018, de 19.06.2019, Proc. n.° 130/2014, de 19.07.2019, Proc. n.° 42/2015 e de 18.09.2019, Proc. n.° 84/2016).
No fundo, e como em (mais) recentes Acórdãos (de 31.07.2020 e de 09.09.2020, Procs. n°s 9/2018 e 64/2019), igualmente tivemos oportunidade de consignar:
“A marca não pode ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada.
O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido pela possibilidade de confusão de uma com outra no mercado.
(…)
A imitação de uma marca por outra existirá quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas também existirá quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos.
Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista, (em regra), as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo.
Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Aqui chegados, e atenta a “matéria de facto” dada como provada, onde vem retratadas as “marcas” em confronto, cremos que censura não merece a decisão recorrida que, em nossa opinião, fez adequada aplicação do regime jurídico ao caso aplicável; (cfr., art. 215°, n.° 1, e 214°, n.° 2, al. b) do referido do R.J.P.I.).
Vejamos.
A ora recorrente bate-se pela concessão do registo da seguinte marca:
, para a classe 43: “Serviços de restaurantes; serviços de acolhimento/hospitalidade (comida e bebida); preparação de comida e bebida; provisão de comida e bebida; serviços de bar; serviços de fornecimento de comida e bebida”; (cfr., “matéria de facto dada como provada”).
Por sua vez, certo é que a recorrida já detém as marcas seguintes:
N/15978
42
Hotel, motel, serviços de resort, serviços de reserva em hotéis, serviços de bar e restaurante, serviços de catering, serviços de preparação de comidas e bebidas, serviços de café e cafetaria, providenciar informação de eventos especiais relacionados com férias, providenciar instalações para conferências e reuniões, serviços de spa, nomeadamente providenciar acomodações e refeições temporárias para os clientes do spa de beleza ou de saúde, serviços de resort de saúde, nomeadamente o fornecimento de comida e acomodação especializados em promover os padrões gerais de saúde e bem-estar.
N/26415
43
Alojamento temporário; serviços de hotéis, serviços de motéis, serviços de pensões, serviços de pousadas; condução de eventos e fornecimento de instalações para reuniões e eventos; serviços de restaurante, bar, sala de estar, café e cocktail; serviços para fornecimento de comidas e bebidas; serviços de porteiro; fornecimento de instalações para reuniões e banquetes. Nota:* (Não foi concedido o direito no uso exclusivo da (s) palavra (s) "HOTELS").
N/26605
43
Alojamento temporário; serviços de hotéis, serviços de motéis, serviços de pensões, serviços de pousadas; condução de eventos e fornecimento de instalações para reuniões e eventos; serviços de restaurante, bar, sala de estar, café e cocktail; serviços para fornecimento de comidas e bebidas; serviços de porteiro; fornecimento de instalações para reuniões e banquetes. Nota:* (Não foi concedido o direito no uso exclusivo da (s) palavra (s) "HOTELS").
; (cfr., “matéria de facto”).
E, confrontando-se as ditas marcas em questão, (e se se atentar, em especial, na assinalada como a terceira marca da recorrida, ou seja, a da recorrente , e a da ora recorrida, ), apresenta-se-nos evidente que são as mesmas passíveis de “confusão”.
De facto, analisadas no seu “conjunto”, e assim, da forma que se apresenta como a mais adequada, isto é, “por intuição sintética e não por dissecação analítica”, e por isso, sem consideração dos seus (pequenos) pormenores – que apenas “desempenham uma função acessória”, (cfr., sobre situação idêntica, o citado Ac. de 09.09.2020, Proc. n.° 64/2019) – mostra-se-nos manifesto que (pela sua apresentação), é a letra “W” o “elemento (em ambas elas) predominante”, sendo o que perdura na memória do consumidor, (muito) grande sendo a susceptibilidade de se tomar uma por outra, ou seja, de ocorrer a dita “confusão”.
E, nesta conformidade, pretendendo a lei evitar a “confusão de marcas”, (cfr., os citados, art. 214°, n.° 2, al. b) e 215° do R.J.P.I.), censura não merece a decisão ora recorrida que, por este motivo, considerando que reunidas não estavam as condições para se permitir o registo da marca da ora recorrente, revogou a decisão que lhe tinha concedido (e confirmado) tal pretensão.
Tudo visto, resta decidir como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa que se fixa em 10 UCs.
Notifique.
Macau, aos 18 de Novembro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
3 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
4 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
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