打印全文
Processo nº 151/2020 Data: 23.09.2020
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “associação ou sociedade secreta”.
“Requisitos da sentença”.
Sentença condenatória do Tribunal de Primeira Instância.
Acórdão proferido em sede de recurso.
Nulidade.
Elementos típicos do crime de “associação ou sociedade secreta”.
Pena.



SUMÁRIO

1. Nos termos da alínea b) do n.° 3 do art. 355° do C.P.P.M., a sentença (ou acórdão) termina com o “dispositivo”, onde consta, nomeadamente, a “decisão condenatória (ou absolutória)”.

Porém, ainda que a sua falta integre a “nulidade” da alínea a) do n.° 1 do art. 360° do mesmo código, importa ter em conta que tais comandos legais tem como âmbito de aplicação a “sentença” (ou “acórdão”) de um Tribunal que, pela primeira vez, emite pronúncia num processo (em sede de Primeira Instância), não se mostrando assim de se transpor – de forma automática e integral – a sua aplicação para o caso de um de Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado em sede de um “recurso” que, como tal, tem como objecto uma “decisão (já) proferida”, e onde não se pretende uma segunda ou nova decisão (ou julgamento) sobre todo o objecto do processo.

2. Se provado estiver que os arguidos agiram de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, (“elemento organizativo”), como membros de um “grupo”, (“elemento de estabilidade associativa”), e que tinham como objectivo, (que consumaram), a prática reiterada de crimes (de “usura para jogo”) para, obter vantagens patrimoniais a fim de sustentar as suas vidas, (“elemento da finalidade criminosa”), verificados estão os elementos típicos do crime de “associação ou sociedade secreta”.

3. Com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de Julgamento em matéria de determinação da pena, devendo a mesma ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.

De facto, revelando-se pela decisão recorrida, a adequada selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da(s) pena(s) aplicada(s).

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 151/2020
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação do Ministério Público e em audiência colectiva no Tribunal Judicial de Base, responderam, como 1°, 2° e 3° arguidos, A (甲), B (乙) e C (丙), com os restantes sinais dos autos.

A final, realizado o julgamento, o Tribunal decidiu:

–– condenar o (1°) arguido A, como autor material em concurso real da prática na forma consumada de:
- 1 crime de “exercício de funções de direcção ou chefia em associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2°, n.° 3 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 10 anos de prisão; e
- 32 crimes de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13° e 15° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos cada;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 16 anos de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 20 anos.

–– condenar o (2°) arguido B, como autor material em concurso real da prática na forma consumada de:
- 1 crime de “participação ou apoio em associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 7 anos de prisão; e
- 20 crimes de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13° e 15° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 9 anos de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 10 anos.

–– condenar o (3°) arguido C, como autor material em concurso real da prática na forma consumada de:
- 1 crime de “participação ou apoio em associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 7 anos de prisão; e
- 21 crimes de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13° e 15° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 9 anos de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 10 anos; (cfr., fls. 23031 a 23206 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido recorreram os ditos (3) arguidos para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 24.06.2020, (Proc. n.° 1204/2019), concedeu parcial provimento aos recursos, alterando a decisão recorrida e condenando os arguidos pela prática de 17, 7 e 8 crimes, (respectivamente), de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13° e 15° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., (reduzindo o número dos crimes de “usura para jogo” de 32, 20 e 21 para 17, 7 e 8), e, mantendo, no restante, o Acórdão recorrido, fixou-lhes a pena única de 12 anos, 8 anos e 5 meses, e 8 anos e 6 meses de prisão, respectivamente; (cfr., fls. 23742 a 23891-v).

*

Ainda inconformados, vêm os (3) arguidos recorrer para este Tribunal; (cfr., fls. 23934 a 23942-v, 23955 a 23966 e 23944 a 23953).

*

Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que os recursos não mereciam provimento; (cfr., fls. 24057 a 24063, 24065 a 24073 e 24049 a 24055).

*

Em sede de vista, considerou também o Exmo. Representante do Ministério Público que o recurso devia ser julgado improcedente; (cfr., fls. 24128).

*

Efectuado que foi o exame preliminar, e colhidos os vistos dos Exmos Juízes-Adjuntos, é momento de decidir.

*

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos constantes a fls. 23773-v a 23866 do Acórdão recorrido que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (notando-se que, mais adiante, se fará adequada referência para efeitos de apreciação e decisão das questões colocadas).

Do direito

3. Insurgem-se os (1°, 2° e 3°) arguidos/recorrentes contra o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que, como se deixou relatado, concedendo parcial provimento ao recurso que interpuseram (do Acórdão do Tribunal Judicial de Base), reduziu a sua condenação no que diz respeito ao número de crimes de “usura para jogo” – de 32, 20 e 21 – para 17, 7 e 8, respectivamente, e, mantendo-lhes a medida das penas parcelares de 9 meses de prisão, assim como a sua condenação relativamente ao crime de “associação secreta”, fixou-lhes uma (nova) pena única – alterando as anteriores de 16, 9 e 9 anos de prisão, para a – de 12 anos de prisão, 8 anos e 5 meses de prisão e 8 anos e 6 meses de prisão, respectivamente.

Percorrendo a motivação e conclusões dos recursos apresentados, colhe-se que pelos (3) recorrentes vem colocadas três idênticas questões que se passam a identificar:
- “nulidade do Acórdão”;
- “erro na decisão da sua condenação pelo crime de «associação secreta»”; e,
- “excesso de pena”.

Sem mais demoras, vejamos se aos recorrentes assiste razão.

–– Comecemos, como parece lógico, pela alegada “nulidade”.

É opinião dos recorrentes que o Tribunal de Segunda Instância incorreu na dita “nulidade” por não ter consignado no dispositivo do seu Acórdão o concreto sentido da condenação decretada, com referência expressa aos respectivos “crimes” e “penas” em que foram efectivamente condenados.

Cremos, porém, que não se verifica a arguida nulidade, passando-se a expor este nosso ponto de vista.

Sob a epígrafe “requisitos da sentença” prescreve o art. 355° do C.P.P.M.:

“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e da parte civil;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a pronúncia ou, se a não tiver havido, segundo a acusação ou acusações;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos juízes.
4. A sentença observa o disposto neste Código e na legislação sobre custas em matéria de taxa de justiça, custas e honorários”.

Por sua vez, no que toca à “sentença condenatória” preceitua o act. 356° que:

“1. A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, se for caso disso, o início do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
2. Após a leitura da sentença condenatória, o juiz que preside ao julgamento, quando o julgar conveniente, dirige ao arguido breve alocução, exortando-o a corrigir-se.
3. Para efeitos do disposto neste Código, considera-se também sentença condenatória a que tiver decretado dispensa de pena”.

E, sob a epígrafe “nulidade da sentença” prescreve também o art. 360° do mesmo código que:

“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 355.º; ou
b) Que condenar por factos não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 339.º e 340.º
2. As nulidades da sentença são arguidas ou conhecidas em recurso, podendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 404.º”.

Comentando o art. 355° do C.P.P.M. diz L. Henriques o que segue:

“A sentença constitui o epílogo de um processo mais ou menos longo, que passou ou pode ter passado por diversas fases, e que vem finalmente definir um caso concreto que implicou a intervenção de um tribunal de julgamento, absolvendo ou condenando aquele ou aqueles sobre quem recaía suspeitas de haverem cometido um facto ou factos agressivos de valores fundamentais da comunidade.
Trata-se, portanto, de uma «peça processual donde ficam a constar o facto ou factos que fundamentaram a submissão do arguido ou arguidos a julgamento, a prova que esses factos obtiveram ou não obtiveram em audiência, o respectivo enquadramento legal quando provados e a decisão tomada quanto a eles».
Daí a relevância que um acto destes tem não só para a sociedade perante a qual respondem os tribunais, como para os julgadores a quem cabe rever-se nas decisões que tomam, e também para os sujeitos da relação jurídico-processual, que têm o direito de adquirirem convencimento seguro da bondade (ou falta dela…) das decisões que os afectem.
Donde as cautelas com que o legislador fez rodear as sentenças penais, enumerando, ponto por ponto, os conteúdos de que se devem revestir, cominando a falta de alguns deles (os verdadeiramente essenciais…) com a sanção da nulidade.
Tradicionalmente as sentenças têm um formato que agrega três componentes essenciais:
- o relatório (n.° 1);
- a fundamentação (n.° 2);
- o dispositivo (n.° 3)”; (in “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, vol. II, pág. 787).

Verificando-se que a questão a tratar se preende, mais concretamente, com o “dispositivo”, vale a pena aqui recordar, (mais uma vez), as palavras do citado autor que considera, nomeadamente, que:

“(…)
Por fim, a sentença remata com uma parte de natureza conclusiva e legitimadora, a que se chama dispositivo.
Nesse lugar o julgador tirará as ilações jurídicas de tudo quanto vazou para a fundamentação da sentença, decidindo em conformidade – absolvendo ou condenando.
É verdadeiramente isso que fica a contar para a história: as conclusões a que se chegou de um evento criminal, e no caso de confirmação probatória desse evento, que configuração jurídica assume, que sanção lhe deve corresponder e que medidas há que tomar em função do decidido.
Em síntese, pois, na sentença expõe-se o acontecimento (relatório), descreve-se e justifica-se o que ficou apurado ou não apurado e porquê (fundamentação) e extraiem-se as respectivas consequências (dispositivo).
Nos termos da lei (n.os 3 e 4), a parte dispositiva será integrada pelas seguintes indicações:
- disposições legais aplicáveis;
- decisão condenatória ou absolutória;
- destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime (se os houver);
- remessa de boletins ao registo criminal;
- custas devidas e honorários;
- data e assinatura dos juízes”; (cfr., ob. cit., pág. 795).

In casu, e em síntese que se nos mostra adequada, dizem os recorrentes que a “nulidade” que assacam reside no facto de no dispositivo do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância se ter apenas consignado que se “concedia parcial provimento aos recursos dos arguidos, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com o antes explicitado em sede de fundamentação”; (cfr., fls. 23891, com tradução nossa).

Porém, e como se deixou adiantado, não se verifica a imputada “nulidade”.

Com efeito, e ainda que da alínea b) do n.° 3 do art. 355° do C.P.P.M. atrás transcrito resulte que a sentença termina com o “dispositivo” onde deva constar, nomeadamente, a “decisão condenatória (ou absolutória)”, e que a sua falta integre a “nulidade” da alínea a) do n.° 1 do art. 360° do mesmo código, importa salientar que tais comandos legais tem como âmbito de aplicação a “sentença” ou “acórdão” de um Tribunal que, pela primeira vez, emite pronúncia num processo (em sede de Primeira Instância), não se mostrando assim de se transpor de forma automática e integral a sua aplicação para uma decisão como a ora em questão, no caso, de um de Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado em sede de um “recurso” que, como tal, tem como objecto uma “decisão (já) proferida”, e onde não se pretende uma segunda ou nova decisão (ou julgamento) sobre (todo) o objecto do processo, não sendo assim de se exigir exactamente os mesmos formalismos que os previstos no art. 355° do C.P.P.M.; (neste sentido, cfr., autor e ob. cit., vol. III, pág. 361, onde se faz também referência a jurisprudência do S.T.J. português sobre a questão, podendo-se, no mesmo sentido ver as anotações por M. Gonçalves efectuadas no seu “C.P.P. Anotado”, 17ª ed., pág. 999 e de Vinício Ribeiro ao seu “C.P.P., Notas e Comentários”, 2ª ed., pág. 1075).

Tal não deve porém significar que não se deva assegurar que o “Acórdão de um Tribunal de recurso” – ou qualquer outra decisão judicial – seja uma decisão “auto-suficiente” e “clara”, (sem obscuridades ou ambiguidades), de onde, de uma sua leitura, (e sem margem para dúvidas), se consiga captar o exacto sentido da decisão proferida e recorrida, as razões da discordância do(s) seu(s) recorrente(s) e recorridos, assim como os motivos de facto e de direito da solução que se adoptou em relação à(s) pretensão(sões) apresentada(s).

No caso dos autos, e ainda que face às suas circunstâncias processuais se mostre de considerar aconselhável – desejável – um Acórdão com um dispositivo mais explícito, (atente-se que o aresto em questão tem 300 páginas e que os arguidos estavam condenados pelo Tribunal Judicial de Base por mais de “duas dezenas de crimes”), inegável se nos apresenta que de uma sua leitura se alcançam, claramente, os motivos de facto e de direito da solução que se adoptou, ou seja, da parcial procedência dos recursos no que toca à redução do número de crimes de “usura para jogo” pelos quais estavam os recorrentes condenados (e a que já se fez referência), o mesmo sucedendo com as razões da improcedência das outras questões colocadas com a consequente confirmação do decido na restante parte.

De facto, e em face do que se deixou exposto, não se pode olvidar que importa também dar (certa) relevância ao que nesta sede não pode deixar de ter o “princípio da economia processual”, apresentando-se razoável e compreensível um certo aligeiramento do formalismo processual exigido às decisões – sentenças ou acórdãos – de um Tribunal de Primeira Instância.

E, nesta conformidade, constatando-se também através das respectivas motivações dos recursos que os recorrentes captaram, adequada e integralmente, as “razões” e o “sentido” da decisão recorrida, demostrado cremos que igualmente fica que censura não merece o decido, e que, assim, nesta parte (e questão), se terá de negar provimento ao presente recurso dos 3 arguidos, ora recorrentes.

–– Da condenação dos recorrentes pelo crime de “associação secreta”.

Como se viu, o Tribunal Judicial de Base decretou, e o Tribunal de Segunda Instância confirmou, a condenação do:
- (1°) arguido A, como autor de 1 crime de “exercício de funções de direcção ou chefia em associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2°, n.° 3 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 10 anos de prisão; e dos,
- (2° e 3°) arguidos B e C, como autores de 1 crime de “participação ou apoio em associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 7 anos de prisão.

E, atenta a “matéria de facto” que em ambas as Instâncias se considerou “provada”, (que pelos recorrentes não vem sindicada e que se tem como definitivamente fixada por motivos não haver para assim não considerar), mostra-se de dizer que também em relação a esta questão se terá de decidir no sentido da improcedência dos recursos.

Vejamos.

Nos termos do art. 1° da Lei n.° 6/97/M, na redacção resultante da Lei n.° 2/2006 e 8/2017, (também chamada “Lei da Criminalidade Organizada”):

“1. Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se associação ou sociedade secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, dos seguintes crimes:
a) Homicídio e ofensas à integridade física;
b) Sequestro, rapto e tráfico internacional de pessoas;
c) Ameaça, coacção e extorsão a pretexto de protecção;
d) Exploração de prostituição, lenocínio, lenocínio de menor e pornografia de menor;
e) Usura criminosa;
f) Furto, roubo e dano;
g) Aliciamento e auxílio à migração clandestina;
h) Exploração ilícita de jogo, de lotarias ou de apostas mútuas, e cartel ilícito para jogo;
i) Ilícitos relacionados com corridas de animais;
j) Usura para jogo;
l) Importação, exportação, compra, venda, fabrico, uso, porte e detenção de armas e de munições proibidas e substâncias explosivas ou incendiárias, ou de quaisquer engenhos ou artefactos adequados à prática dos crimes a que se referem os artigos 264.º e 265.º do Código Penal;
m) Ilícitos de recenseamento e eleitorais;
n) Especulação sobre títulos de transporte;
o) Falsificação de moeda, de títulos de crédito, de cartões de crédito e de documentos de identificação e de viagem;
p) Corrupção activa;
q) Extorsão de documento;
r) Retenção indevida de documentos de identificação e de viagem;
s) Abuso de cartão de garantia ou de crédito;
t) Operações de comércio externo fora dos locais autorizados;
u) Branqueamento de capitais;
v) Posse ilegal de meios técnicos susceptíveis de intromissão activa ou passiva nas comunicações das forças e serviços policiais ou de segurança.
2. Para a existência da associação ou sociedade secreta referida no número anterior não é necessário que:
a) Tenha sede ou lugar determinado para reuniões;
b) Os membros se conheçam entre si e se reúnam periodicamente;
c) Tenha comando, direcção ou hierarquia organizada que lhe dê unidade e impulso; ou
d) Tenha convenção escrita reguladora da sua constituição ou actividade, ou da distribuição dos seus lucros ou encargos”,

Por sua vez, nos termos do art. 2° desta mesma Lei:

“1. Quem promover ou fundar uma associação ou sociedade secreta é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.
2. Quem fizer parte de uma associação ou sociedade secreta ou a apoiar, nomeadamente:
a) fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões,
b) angariando subscrições, exigindo ou concedendo fundos ou qualquer auxílio para que se recrutem novos membros, designadamente, aliciando ou fazendo propaganda,
c) tendo a guarda ou o controlo de livros, extractos de livros ou contas de associação ou sociedade secreta, de relação de membros ou de trajes especificamente adequados às cerimónias rituais da associação ou sociedade,
d) participando em reuniões ou cerimónias rituais de associação ou sociedade secreta, ou
e) utilizando senhas ou códigos de qualquer natureza, característicos de associação ou sociedade secreta, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.
3. Quem exercer funções de direcção ou chefia em qualquer grau em associação ou sociedade secreta, nomeadamente utilizando senhas, códigos ou numerais característicos dessas funções, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.
4. A pena prevista no n.º 1 é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o recrutamento, o aliciamento, a propaganda ou a exigência de fundos se dirigirem a menores de 18 anos.
5. Se os crimes previstos nos números anteriores forem praticados por funcionário, as respectivas penas são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.

Durante o processo legislativo que culminou com a aprovação do referido diploma legal, emitiu a então “Comissão de Administração, Educação e Segurança” da Assembleia Legislativa de Macau o Parecer n.° 5/97, datado de 04.07.1997, onde se consignou que:

“(…)
5. O artigo 1.º que caracteriza a associação ou sociedade secreta, volta a figurar no início do diploma, à semelhança do critério seguido na elaboração da lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, por se entender aconselhável avançar com a definição, para seguidamente se penalizar a actividade criminosa prosseguida por estas organizações, consubstanciada na congregação dos elementos essenciais constitutivos do "crime de associação ou sociedade secreta".
5.1. A definição adoptada resulta de sucessiva depuração dos elementos típicos considerados prescindíveis, numa tentativa de simplificar a aplicação desta norma que, em anteriores versões, se considerou susceptível de criar dificuldades na prova do preenchimento, ainda que alternativo, de alguns requisitos.
5.2. A definição de associação ou sociedade secreta, foi uma das questões mais complicadas com que a Comissão se debateu, desde logo por se poder questionar, face ao artigo 288.º, do CP que prevê as organizações criminosas, da sua oportunidade.
5.3. Com efeito, se do ponto de vista sociológico parece evidente a distinção entre as organizações criminosas em geral e as associações secretas que se pretende tratar nesta lei, enquanto figuras próprias desta zona do globo, já no plano teórico científico, analisando os dois preceitos, é difícil fazer tal distinção.
5.4. Suscitaram-se ainda dúvidas sobre a eventual fragilidade da fronteira entre esta situação e a simples comparticipação ocasional, fazendo pesar numa correcta formulação da definição de associação ou sociedade secreta, os traços que permitam distinguir esta figura, das que lhe são de alguma forma próximas.
5.5. Temia-se, nomeadamente que perante dificuldades de prova no preenchimento dos elementos típicos deste crime, se caísse na definição geral do art.º 288.º do CP, não se aplicando o normativo especial desta lei.
5.6. A importância simbólica desta distinção, mormente quando se atravessa uma fase de maior exteriorização das actividades das associações secretas, aconselha, contudo, a manutenção de um tratamento diferenciado desta matéria, procurando caracterizar estas associações, na senda da definição expressa no artigo 288.º do CP, através da descrição típica dos seus elementos essenciais: 1) existência de "um grupo constituído por duas ou mais pessoas", o que, pressupondo uma estrutura organizatória e uma estabilidade, não impõe um modelo organizatório, nem exige mais do que o propósito de manter essa estabilidade; 2) "cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios" realçando-se que, apesar de ser característico das associações secretas o uso de determinados rituais e a utilização de símbolos, a formulação das formas de manifestação da existência da associação, é deliberadamente vaga e aberta, tendo em vista facilitar a sua prova; 3) "e que pratiquem cumulativamente ou não, designadamente os seguintes ilícitos (…)", sendo certo que o crime de associação secreta se consuma independente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, desde que tenha sido organizada com esse propósito
(…)”.

Pouco após a aprovação do aludido diploma legal, (em 30.07.1997), proferiu o então Tribunal Superior de Justiça de Macau o Acórdão de 14.07.1998, Proc. n.° 873, onde, tratando do crime em questão, considerou que:

“A figura da associação criminosa é construída a partir da conjugação de três elementos fundamentais e essenciais.
- o elemento organizativo – ou seja, o pôr em comum esforços e vontades com vista à prática de crimes, com adesão expressa ou tácita de todos os componentes, conhecendo todos os objectivos criminosos em vista e aquiescendo quanto à finalidade comum, ainda que esses componentes nunca se tenham encontrado e nem se conheçam.
- o elemento de estabilidade associativa – isto é, o objectivo de manter, no tempo, uma actividade criminosa estável, ainda que, no concreto, essa permanência não venha a ocorrer.
- o elemento da finalidade criminosa – qual seja o de a conjugação de vontades se dirigir à prática de crimes, de uma única espécie ou espécies diferentes. (Ac. do T.S.J. de 22.1.97, in “Jurisprudência”, pág. 61 e segs.).
Será, pois, adequado falar-se de uma associação criminosa quando se está perante uma união de vontades, mesmo sem qualquer organização ou acordo formal prévio, com a intenção, de estável e mais ou menos duradouramente, se praticarem actividades ilícitas.
Conforme se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.92 (B.M.J., 417.º, 308), o propósito de conjugar esforços com vista à prática de ilícitos criminais com estabilidade e duração, resulta na maior parte das vezes, de um acordo verbal, ou até, tácito, assumido pelos agentes do ilícito, e não obriga a que, em moldes civilisticos ou comerciais, o mesmo se tenha de traduzir na existência de uma “direcção”; pelo que a respectiva existência se revela, sobretudo pela repartição em conjunto, dos ditos actos ilícitos, pela homogeneidade repetitiva das condutas de cada um dos agentes, pela verificação da colocação de meios, individuais ou colectivos, ao serviço comum, com a finalidade da prática dos crimes em proveito de todos e sob a responsabilidade maior ou menor de cada um.
Nesta linha, o legislador de Macau, primeiro pela Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, depois pela Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, veio definir associação ou sociedade secreta com sendo toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, dos seguintes crimes”.

Também no Acórdão de 04.11.1998 do mesmo Tribunal Superior de Justiça de Macau se consignou que: “O art.º 288.º do Código Penal tipifica o crime-base de associação criminosa, cujos contornos são baseados na doutrina corrente e tradicional. A Lei n.º 6/97/M prevê e pune o ilícito de associação ou sociedade secreta, destinado a fazer face a uma situação criminal tipicamente local e sendo menos exigente quanto à demonstração da estrutura organizativa”; (vd. ainda, no mesmo sentido, o Ac. do T.S.J. de 31.10.95 e 29.09.99).

Sobre os pressupostos legais do mesmo crime aqui em apreciação também já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de ponderar, considerando (nomeadamente) que:

“(…)
Face à discrição do tipo legal, afigura-se-nos serem os seguintes, os elementos do conceito de associação ou sociedade secreta, para efeitos de tipificação dos crimes de promoção, fundação, direcção, chefia ou pertença a associação ou sociedade secreta:
- A existência de uma organização;
- Constituída com o fim de obter vantagens ou benefícios ilícitos;
- Actuação por meio de prática de crimes.
Expliquemos porquê.
Os dois primeiros elementos - a existência de uma organização e sua constituição com o fim de obter vantagens ou benefícios ilícitos – estão formulados expressamente na letra da lei e não suscita dúvidas que a lei imponha a sua prova, sob pena de não se poder concluir pela prática do crime em questão.
Já quanto ao 3.º elemento, parece-nos que a letra da lei é manifestamente deficiente, mas também não nos suscita quaisquer dúvidas que ele resulta não só do espírito da lei, mas também da sua letra, devidamente interpretada.
Na verdade, o crime de liderança ou pertença a associação secreta, que agora consta da Lei n.º 6/97, tem uma longa história no Direito de Macau e no Direito português, onde está a sua origem.
No Código Penal português de 1886 – que vigorou em Macau até 31 de Dezembro de 1995 – sob a epígrafe “Associação de malfeitores” incriminava-se no artigo 263.º “aqueles que fizerem parte de qualquer associação formada para cometer crimes, e cuja organização ou existência se manifeste por convenção ou por quaisquer outros factos ...”.
Em estudo sobre esta norma BELEZA DOS SANTOS sublinhou como elementos típicos da infracção uma organização e a finalidade criminosa da mesma.
Em Macau, face ao recrudescimento de actividades das associações de malfeitores, aqui conhecidas por associações ou sociedades secretas, dominando o sub-mundo da prostituição, da droga, da extorsão e de outras actividades marginais, o legislador aprovou um diploma específico de combate a estas organizações, a Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro.
Esta Lei considerava no seu artigo 2.º, n.º 1 “... associações ou sociedades secretas as organizações clandestinas formadas, com o propósito de estabilidade, para cometerem infracções penais e cuja existência se manifeste por convenção ou por quaisquer outros factos, designadamente pela prática, cumulativa ou não, dos seguintes ilícitos: ...”
E seguia-se depois uma lista de vários crimes.
Entretanto, o Código Penal de Macau, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1996, sob a epígrafe “Associação criminosa”, pune com pena de prisão de 3 a 10 anos “Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade seja dirigida à prática de crimes ...”.
Na mesma pena de prisão de 3 a 10 anos incorre o membro de tais organizações, cabendo a pena de 5 a 12 anos de prisão a quem chefiar ou dirigir as mesmas organizações.
Sempre se entendeu que o Código Penal de Macau não revogou a Lei n.º 1/78/M, sendo aliás, certo que o diploma que aprovou aquele Código, alterou algumas disposições punitivas desta Lei, mas permanecendo intacta a definição de associações ou sociedades secretas.
Posteriormente, a Lei n.º 6/97/M revogou expressamente a Lei n.º 1/78/M, contendo várias normas dedicadas à punição de crimes ligados a actividades de associações ou sociedades secretas.
Tem-se entendido que continua a vigorar o artigo 288.º do Código Penal de Macau (ao lado dos crimes dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 6/97/M), até porque o seu âmbito não coincide, em todos pontos, com os tipos criminais da Lei n.º 6/97/M, que é posterior ao Código.
Em todos os diplomas anteriores à Lei n.º 6/97/M é definida a associação ou sociedade secreta ou criminosa, como o grupo ou organização formada ou dirigida à prática de crimes.
Como vimos, para efeitos da Lei n.º 6/97/M, considera-se associação ou sociedade secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, de crimes.
Apesar da imperfeição da letra da norma, é indubitável que só constitui associação secreta a organização cuja actividade, ainda que não exclusiva, é a prática crimes (meio necessário), a fim de obter vantagens ou benefícios ilícitos.
(…)
Quer dizer, se bem que da norma conste uma presunção do meio necessário (criminoso) da organização, a partir da prática, cumulativa ou não, de crimes, não deixa de se exigir a alegação da prática de crimes pelo grupo. Embora, este meio criminoso possa ser provado a partir da presunção, não ilidida, da prática, cumulativa ou não, de crimes.
(…)
Por outro lado, é indiscutível que é elemento constitutivo da infracção o fim último da obtenção de vantagens ou benefícios ilícitos. Consta expressamente da norma”; (no mesmo sentido, cfr., também, o Ac. de 21.02.2003, Proc. n.° 22/2002 e de 27.11.2009, Proc. n.° 34/2009).

E, nesta conformidade, perante a matéria de facto dada como provada, imperativo é concluir que claramente verificados estão todos os elementos típicos do crime de “associação ou sociedade secreta”, pois que assente está que os arguidos recorrentes:
- “agiram de comum acordo e em conjugação de esforços” – elemento organizativo;
- “como membros de um grupo” – elemento de estabilidade associativa; e,
- tinham como objectivo, que consumaram, “a prática reiterada de crimes (de “usura para jogo”) para, através dos seus lucros com os juros cobrados, obter vantagens patrimoniais a fim de sustentar as suas vidas em Macau” – elemento da finalidade criminosa.

Na verdade, (vale a pena aqui referir), os presentes autos, (compostos por 101 volumes), tiveram início com a informação datada de 18.05.2016, onde se relatava da existência de um grupo de pessoas do Interior da R.P. da China que, de forma organizada, (e com divisão de tarefas), se vinha dedicando a prática do crime de “usura para jogo” em vários casinos de Macau, (cfr., fls. 2).

Instaurado o competente Inquérito, (então com o n.° 2026/2016), e na sequência de diligências investigatórias pela Polícia Judiciária levadas a cabo, em 26.06.2018, veio-se a proceder à detenção de um grande número de pessoas, efectuando-se também a apreensão de diverso material relacionado com a prática dos ditos crimes, merecendo especial destaque, um grande número de cadernos e outros documentos, (escritos), com registos relativos a empréstimos de quantias monetárias, seus juros e pagamentos efectuados; (cfr., fls. 16021, vol. 66).

Em 21.12.2018 deduziu o Ministério Público acusação contra 27 arguidos, (incluindo os ora recorrentes), imputando-lhes a prática do crime de “associação ou sociedade secreta” e a de diversos outros crimes de “usura para jogo”, “sequestro” e “reentrada ilegal”; (cfr., fls. 21669 a 21800, vol. 100).

E realizado o julgamento, deu-se como provada a existência da referida “associação secreta” assim como a prática de diversos crimes de “usura para jogo” pelos seus membros, e, em sede do recurso da decisão condenatória proferida pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão objecto do presente recurso, de cuja factualidade provada (e que não se mostra de alterar), resulta que os ora recorrentes faziam parte de um “grupo” de pessoas que, pelo menos, desde meados de 2016, e actuando, de forma organizada e estável, em conjugação de esforços e vontades e com divisão de tarefas, e sob a direcção do 1° arguido, dedicavam-se à prática de crimes de “usura para jogo” nos casinos de Macau, da mesma matéria resultando ainda que concederam empréstimos para tal efeito no valor superior a 12 milhões de dólares de Hong Kong, tendo auferido, como lucro, cerca de 5 milhões; (cfr., nomeadamente, os factos referenciados com os n°s 82, 85, 98, 127, 134, 258, 272, 281, 305, 334, 369, 377, 380, 382, 389, 443, 446, 449, 452, 461, 475, 478, 496, 504, 511, 534, 543, 550, 565, 646, 664, 668, 705, 709, 751, 827, 850, 947, 956, 965, 971, 1112, 1123 e 1143).

Em face do exposto, impõe-se a condenação dos ora recorrentes em conformidade com o decidido.

–– Quanto à “pena”, (do crime de “associação ou sociedade secreta”).

Ao crime de “exercício de funções de direcção ou chefia em associação ou sociedade secreta” pelo (1°) arguido A cometido cabe a pena de 8 a 15 anos de prisão, e ao crime de “participação ou apoio em associação ou sociedade secreta” pelos (2° e 3°) arguidos B e C cometido cabe a pena de 5 a 12 anos de prisão; (cfr., art. p. e p. pelos art°s 1, n.° 1, al. j) e 2° da Lei n.° 6/97/M).

Como sabido é, em sede de determinação da medida da pena, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Sobre a mesma matéria preceitua também o art. 65° do mesmo código que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Por sua vez, há que se ter também presente que, como temos afirmado, com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015 e de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020).

E, nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, na referida moldura penal – de 8 a 15 e 5 a 12 anos de prisão – atentos os critérios para a determinação da medida da pena previstos nos transcritos art°s 40° e 65° do C.P.M., no que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos, e apresentando-se-nos evidente que o Tribunal a quo não deixou de ponderar, adequadamente, em todas as circunstâncias relevantes para a fixação da pena em questão, mostra-se-nos pois que se impõe confirmar a pena de 10 anos e 7 anos, (respectivamente), de prisão, aos ora recorrentes decretadas, (a 2 anos do seu limite mínimo, e a 5 anos do seu máximo).

Na verdade, a “factualidade provada” revela que os recorrentes, agiram com dolo muito intenso e directo, elevado sendo o grau de ilicitude da sua conduta, e muito fortes sendo igualmente as necessidades de prevenção criminal.

Por sua vez, e como se referiu, importa ter presente que, (nomeadamente), em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e tão só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de apreciação livre reconhecida ao Tribunal julgamento.

Com efeito, de forma repetida e firme temos vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018, de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020 e decisão sumária de 01.09.2020, Proc. n.° 150/2020).

Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a adequada selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da pena aplicada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015 e, mais recentemente, o de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e a decisão sumária de 29.06.2020, Proc. n.° 73/2020).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão os recorrentes a taxa individual de justiça de 8 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Setembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 151/2020 Pág. 36

Proc. 151/2020 Pág. 37