Processo nº 575/2020
(Pedido de esclarecimento do acórdão)
A C Ó R D Ã O
I – Introdução
Em 17 de Setembro de 2020 foi proferido por este TSI o acórdão constante de fls. 307 a 312, que foi notificado às Partes em 21/09/2020 (fls. 303/verso), veio a Recorrente em 07/10/2020 pedir esclarecimento sobre 2 pontos do acórdão, por entender que há obscuridade tendo formulado o seguinte pedido:
“ASSIM, EM FACE DO QUE ANTECEDE,
19. A recorrente salienta que compreendeu perfeita e estritamente o sentido da decisão do T.S.I. - de rejeição do recurso.
20. Ou seja, a presente aclaração não se dirige nem pretende um esclarecimento quanto a tal sentido.
21. Sucede que a aclaração destina-se a tornar claro um ponto obscuro de uma decisão e fundamenta-se sempre num estado de maior ou menor ininteligibilidade do texto decisório, quer quanto à própria decisão em si quer quanto aos seus fundamentos. de facto e de direito na base do decidido.
22. Face ao exposto, para que a recorrente possa apreender com inteira clareza a decisão aclaranda, vem, muito respeitosamente, solicitar a V. Ex.ª a aclaração do Acórdão de 17 SET 2020 nos termos constantes supra.”
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Cumpre analisar e decidir.
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II – Apreciando e decidindo
Quanto ao primeiro ponto do pedido, no acórdão nós tecemos os seguintes argumentos:
“(…)
1) – Em 10/02/2009, data do ofício da notificação da deliberação do FM, a Recorrente já sabia que a sua pretensão foi definitivamente decidida no âmbito do processo administrativo, ela ficou simplesmente “calada”, não chegou a interpor recurso contencioso para obstar à formação do “caso decidido”;
2) – Para fugir à malha legal do artigo 11º/2 do CPA (prazo de 2 anos sobre o descer da decisão que recai sobre o órgão administrativo competente), em 10/10/2014, a Recorrente veio a apresentar o mesmo pedido com os mesmos fundamentos, a fim de provocar uma decisão nova e assim conseguiu!
3) – A propósito do artigo 11º do CPA que consagra um dever de decisão da Administração Pública (que corresponde ao artigo 17º do CPA de Portugal), anota-se:
“(…)
VII. Não pode retirar-se do preceito a conclusão de que, existindo o dever de decisão de uma pretensão já decidida (se a mesma voltar a ser formulada mais de dois anos depois), a decisão proferida de novo seria uma decisão impugnável contenciosamente. Na verdade, se ela vier igual à anterior, em resposta a uma pretensão igual à já formulada, será meramente confirmativa e, portanto, em princípio, irrecorrível.
O preceito apenas constitui a Administração no dever jurídico de pronunciar-se de novo sobre a questão, mesmo que ela seja a reprodução literal daquela que lhe havia sido formulada antes; mas, se a petição e decisão forem as mesmas - formulada aquela e tomada esta com os mesmos fundamento - tal decisão (expressa ou tácita, tanto faz) continua a ser meramente confirmativa, não se abrindo prazo para recorrer contenciosamente.
Assim se decidiu (e bem) no Acórdão do STA, de 6.ll.96 (AD n.º 413, pág. 553 e segs.).
O que significa, por outro lado, que, se houver entretanto uma alteração de quaisquer circunstâncias relevantes para decisão da questão e o interessado as trouxer à baila para fundamentar um pedido igual ao anterior (o que pode fazer em qualquer momento e não apena dois ano depois), a decisão da Administração, se se limitar a reproduzir os fundamentos antecedentes, não será confirmativa e admite o recurso (ou reacção) contencioso.(…)” (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, João Pacheco de Amorim, Livraria Almedina, 2ª edição, 1997, pág. 129).
(...)”.
Cabe realçar que, de entre os factos considerados provados pelo TA (que não foram objecto de impugnação no recurso), abrange os seguintes:
(…)
13.º - Por requerimento datado de 12/12/2006, a recorrente pediu junto do Fundo de Pensões para lhe proceder a contagem do tempo de serviço para efeito de aposentação referente ao período de serviço entre 1990 a 22/04/1998, mediante o pagamento dos respectivos descontos (cfr. fls. 52 a 53 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
(…)
23.º - Por requerimento datado de 10/10/2014, a recorrente pediu junto do Fundo de Pensões para lhe proceder a contagem do tempo de serviço para efeito de aposentação referente ao período de serviço entre 01/09/1990 a 21/04/1998, mediante o pagamento dos respectivos descontos (cfr. fls. 246 a 253 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
Os factos foram fixados pelo TA que não foram impugnados em sede de recurso e que a Recorrente sabia!
Este processo é um processo de recurso jurisdicional, ao Tribunal ad quem compete aplicar normas aos factos assentes!
Nos termos citados, é de ver que os dois requerimentos visam o mesmo objectivo: reconhecimento do período de tempo para efeitos de aposentação!
Os fundamentos são iguais e têm de ser, porque está em causa o decurso de tempo, que é incontrolável por ninguém, ou seja, um dado inalterável, uma realidade “intocável”, que fundamentou os pedidos em causa, toda a questão reside em saber se podemos atribuir-lhe algum efeito ou não em termos jurídicos!
Tudo isto reduz à questão da aplicação da lei, nos termos fixados no artigo 567º do CPC, ex vi do disposto no artigo 1º do CPAC:
O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º
E, os factos foram alegados pela Recorrente e que foram considerados pelo TA, realidade que a Recorrente não pode vir alegar que desconhecia.
Situação diferente será a em que acrescentássemos novos factos e com base nos quais decidiríamos rejeitar o recurso. Sim, nesta situação, deveria dar-se cumprimento ao artigo 61º ou 71º do CPAC. Mas não é o caso dos autos.
Por isso, neste aspecto, não há nada para esclarecer!
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Relativamente ao segundo ponto de esclarecimento, a Recorrente/Requerente veio a tecer as seguintes considerações:
“11. Diz-se seguidamente, a fls. 34 do acórdão aclarando, que a solução extraída a partir do art. 34.° do C.P.A.C. «só não será correcta se estamos perante um acto nulo (25º do CPAC)».
12. A fim de dar resposta a tal questão - se estaria ou não em causa um "acto nulo" -, passa seguidamente o acórdão aclarando a analisar o regime do art. 259.° do E.T.A.P.M. na redacção introduzida nela Lei 11/92/M de 17 AGO.
13. E, logo a fls. 35, conclui que com a nova redacção do n.º 3 do art. 259.º, a «natureza do direito à inscrição de agentes da função pública alterou, passando o exercício desse mesmo direito a sujeitar-se a um prazo de 60 dias, contados a partir do acto aí mencionado. Daí se conclui que não se pode afirmar que o direito à inscrição no FP por parte de agentes da Administração Pública é um direito fundamental, ou absoluto, pois é um direito disponível e renunciável (expressa ou tacitamente) e como tal não se enquadra na situação da nulidade prevista no artigo 111º/22-d) do CPC» (realces no original)
14. Pelo que, tratando-se de um direito sujeito a prazo, tendo este passado, «deixa de ter sentido falar em direito adquirido, por este nunca ter entrado na esfera jurídica da Recorrente», conforme fls. 36 do acórdão.
15. Ora, após tal análise do art. 259.° do E.T.A.P.M., refere o acórdão aclarando que fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.
16. Sucede que existe, desde o requerimento de 2014 e passando pelo recurso contencioso apresentado perante o Tribunal Administrativo e pelas alegações de recurso para o T.S.!., uma questão, igualmente conducente à nulidade, que o acórdão aclarando se não pronuncia de todo: a violação do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade.
ORA,
17. Mostra-se obscuro e mesmo ininteligível qual o eventual fundamento pelo qual na decisão aclaranda, após se ter expressamente referido que a solução extraída a partir do art.34.º do C.P.A.C. só não será correcta se se estiver perante um acto nulo, se obliterou e deixou de apreciar a invocada violação do direito fundamental à igualdade, que por si só geraria a nulidade do acto.”
Vejamos se ela tem razão ou não.
Nesta matéria no acórdão fundamentamos a nossa posição nos seguintes termos:
“(…)
Esta solução só não será correcta se estamos perante um acto nulo (artigo 25º do CPAC).
Será o caso dos autos?
Vejamos
O artigo 259º do ETAPM sofreu alterações com a publicação da Lei nº 11/92/M, de 17 de Agosto, passando o normativo a ter o seguinte conteúdo:
“Artigo 259.º
(Inscrição e descontos)
1. (…)
2. A inscrição é obrigatória para os funcionários de nomeação provisória ou definitiva e é promovida oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos.
3. A inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.
4. O pessoal a que se refere o número anterior pode requerer a todo o tempo o cancelamento da sua inscrição no FPM.
5. A compensação para o regime de aposentação é de 27% sobre o vencimento único acrescido dos prémios de antiguidade e é suportada em:
a) 9% pelo subscritor, por retenção na fonte;
b) 18% pela Administração, por verba adequada das tabelas de despesa dos serviços que a processem.
6. O desconto cessa quando o subscritor complete 36 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
7. É eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício de funções públicas, perca a qualidade de funcionário ou agente, ou requeira o cancelamento da sua inscrição nos termos previstos neste Estatuto.
8. O antigo subscritor será de novo inscrito no FPM se for investido ou readmitido em quaisquer funções públicas a que corresponda direito de inscrição.”
Ora, com a introdução da nova redacção do nº 3 do artigo citado, a natureza do direito à inscrição de agentes da função pública alterou, passando o exercício desse mesmo direito a sujeitar-se a um prazo de 60 dias, contados a partir do acto aí mencionado.
Daí se conclui que não se pode afirmar que o direito à inscrição no FP por parte de agentes da Administração Pública é um direito fundamental, ou absoluto, pois é um direito disponível e renunciável (expressa ou tacitamente) e como tal não se enquadra na situação da nulidade prevista no artigo 122º/2-d) do CPA.
No caso, a Recorrente deixou de passar também o prazo referido no artigo acima citado, como também o prazo para efeito de impugnação contenciosa contado a partir da notificação feita em 09/02/2009 (referente à deliberação datada de 04/02/2009) (a citada Lei foi publicada em 17/08/1992, e entrou em vigor a partir de 22/08/1992).
Nesta perspectiva, deixa de ter sentido falar em direito adquirido, por este nunca ter entrado na esfera jurídica da Recorrente.
Tratando-se de um direito, cujo exercício está sujeito a um prazo, uma vez que este já passou, tal direito caducou também nos termos do artigo 325º do CCM.
Por estes raciocínios falecem nitidamente todos os argumentos invocados pela Recorrente neste recurso.
Perante o decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.”
Conforme os argumentos invocados neste pedido de esclarecimento, tudo indica que a Requerente/Recorrente percebe perfeitamente o discurso acima transcrito. Ou seja, não estamos perante uma decisão nula!
Aqui, cabe sublinhar igualmente que o Tribunal não tem obrigação de analisar todos os argumentos invocados pela Recorrente, mas sim tem o dever de resolver as questões que lhe sejam levantadas. Ou seja, no caso, o que importa analisar é saber se o indeferimento é ou não nulo!
É certo que a Recorrente invocou a violação do princípio da igualdade, não é menos correcto que esta violação não conduz necessária e automaticamente à nulidade da decisão atacada! Pelo que, é assaz importante qualificar a natureza jurídica do conteúdo do acto/decisão, cuja prática a Recorrente pretende ver! E, a conclusão já foi dita na passagem do acórdão em causa.
Admitamos que o nosso discurso nesta parte poderia ser aperfeiçoado, nomeadamente remeter para a fundamentação da sentença do TA na parte que se fez análise sobre esta questão, por lapso o que não sucedeu, mas fazemos agora, reproduzindo-se os argumentos feridos na página 25 e 26 deste acórdão em que se fez a transcrição do aresto do TA!
Assim, vai parcialmente atendido o pedido.
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Vai assim deferido parcialmente o pedido formulado no requerimento de fls. 307 a 312.
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Custas incidentais pela Requerente/Recorrente que se fixam em 2 Ucs pelo decaimento parcial.
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TSI, 12 de Novembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
(sem prejuízo da declaração de voto anteriormente por mim prestado)
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
2020-575- pedido de esclarecimento 1