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Proc. nº 616/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 12 de Novembro de 2020

ASSUNTOS:
- Director das Finanças
- Comissão de Revisão
- Falta de fundamentação
- Isenção do Imposto Complementar de Rendimentos

SUMÁRIO:
- O Director das Finanças e a Comissão de Revisão são duas entidades administrativas diferentes e sem qualquer relação de dependência hierárquica entre uma e outra.
- Não sendo o Director das Finanças parte do processo, nem superior hierárquico da Comissão de Revisão (entidade recorrida), não interessa saber a sua posição sobre o assunto discutido nos autos.
- A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
- A isenção do pagamento do imposto prevista no nº 2 do artº 28º da Lei nº 16/2001 é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder a isenção.
- Não sendo a Recorrente concessionária para exploração do jogo e azar, nunca pode beneficiar ou obter a isenção supra referida.
O Relator,


















Proc. nº 616/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 12 de Novembro de 2020
Recorrente: A Limited
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (Entidade Recorrida)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 11/03/2020, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente o recurso apresentado pela Recorrente A Limited.
Dessa decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual "foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços."
2. A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
3. No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente,
4. Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
5. Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
6. Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou "factos supervenientes" em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
7. Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões E), I), J), K), L), M), S), T) e U).
8. Por lapso nas suas Conclusões a Recorrente mencionou a ofensa ao caso julgado quando se referia à ofensa ao caso decidido.
9. Pois, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem corno que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
10. Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
11. Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
12. A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
13. As quatro funções do dever de fundamentar os actos administrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
14. O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
15. Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a "nova fundamentação" do acto, por estar esgotado a legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
16. A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
17. Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
18. Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
19. Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
20. Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
21. O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética não-discricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
22. O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
23. A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
24. Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 15 de Julho de 2014 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 3 de Agosto de 2017 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
25. E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP66,439,823.00 declarado pela Recorrida para MOP301,329,246.00 fixado pela Recorrida.
26. Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
27. O segmento decisório: «É certo que para além disso, a Administração Fiscal fez apelo a outras considerações, nomeadamente, na resposta à eventual violação dos princípios fundamentais assacada pela Recorrente, dada nos artigos 7, 8, 9 e 10.
Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos, a Administração Fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício de falta de fundamentação. É que, "tendo a Administração invocado uma pluralidade de fundamentos para o indeferimento a legalidade de alguns deles assegura a validade substantiva da decisão e torna inoperante, caso existam, os vícios da motivação superabundante" [...].», aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
28. Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de determinados pontos, eliminando outros, ficando aquele parágrafo 15 órfão de conteúdo.
29. O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
30. No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
31. Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
32. A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida têm subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
33. Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
34. Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B "como situações diferentes" da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
35. Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
36. Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
37. Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
38. O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [...] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
39. A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a B.
40. Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
41. Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
42. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
43. Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de prestação de serviços - ou outsourcing - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal - pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
44. A invocação do princípio da legalidade tem apenas per função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
45. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, "relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino".
46. A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento "relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28º da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011."
47. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que "o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos."
48. Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei nº 12/2003)
49. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
50. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
51. O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
52. Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
53. O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
54. O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
55. Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
56. Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
57. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as "receitas brutas da exploração do jogo"
58. A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
59. O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação.
60. O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 275 a 291 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
   “Nas alegações de fls.247 a 272 dos autos, a ora recorrente solicitou a revogação da sentença em questão e a substituição da mesma por aresto que vá julgar procedente o recurso contencioso e anular a deliberação tomada em 04/10/2018 pela Comissão de Revisão do imposto complementar de rendimentos (doc. de fls.21 a 22v dos autos, que se dá aqui por reproduzido na sua íntegra).
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1. Da arguição da violação da lei processual
À douta sentença em escrutínio, a recorrente assacou, em primeiro lugar, a violação dos preceitos nos arts.76º do CPAC e n.º3 do art.562º do CPC, argumentando que nos “factos provados” não elencou o documento de fls.168 dos autos, e também que “no cumprimento das disposições supracitadas, deveria ter ficado consignado que em situações anteriores a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente.”
Ora, a indevida desconsideração ou ignorância dum facto fecunda o erro de julgamento em vez da nulidade, por isso distingue-se da não especificação de facto que, de acordo com a alínea b) do n.º1 do art.571º do CPC, só é relevante quando chegar a gerar a nulidade da sentença.
Proclama a jurisprudência mais autorizada que a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º1 do art.571.º do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, e que só a falta em absoluto da menção de factos provados ou da fundamentação gera a nulidade da sentença prevista no art.º571.º, n.º1, al. b) do CPC (cfr. Acórdão do TUI nos Processos n.º21/2004 e n.º24/2006).
Em esteira, e dado que a sentença em crise contém a especificação de factos provados, inclinamos a entender que a omissão nos “factos provados” do documento de fls.168 dos autos é insignificante, não podendo provocar a nulidade da supramencionada sentença.
*
2. Do argumento relativo à “admissibilidade de novos fundamentos”
Nas conclusões 6ª a 16ª das alegações do recurso jurisdicional em apreciação, a recorrente insistiu em serem admissíveis os fundamentos que tinham sido alegados apenas nas suas alegações facultativas e vieram ser desatendidos pelo MMº Juiz a quo na sentença em questão, quais são a contradição da fundamentação, a ofensa do caso julgado e ainda o vício de forma por omissão de pronúncia (cfr. conclusões I), T) e U) das alegações facultativas).
2.1. Na nossa óptica, não há margem para dúvida de que basta a leitura da própria deliberação contenciosamente impugnada para colher se a mesma enfermar da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, visto que tal deliberação incide tão-só e simplesmente sobre a Reclamação deduzida pela ora recorrente (doc. de fls.87 a 89 do P.A.).
Daí decorre incontestavelmente que não é legítimo que a recorrente arrogou facto superveniente para abonar a sua arguição da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, portanto, a decisão do MMº Juiz a quo traduzida em não atender tais duas arguições é sã e inatacável.
2.2. Ora, a ofensa do caso julgado dá luz à nulidade (art.122.º, n.º2, alínea h), do CPA), nesta medida, é do conhecimento oficioso e pode ser invocada só nas alegações facultativas (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º12/2002 e n.º47/2008). Sendo assim, não podia ser desatendida a arguição da ofensa do caso julgado pela recorrente nas alegações facultativas, pese embora a insubsistência dessa arguição seja manifesta.
Sucede que em sede do presente recurso jurisdicional, a recorrente reconheceu expressa e propositadamente (vide. fls.251 dos autos): É patente que a Recorrente, por lapso, mencionou “caso julgado” nas suas conclusões quando na verdade se referia à “ofensa do caso decidido”, facto pelo qual desde já se penitencia.
O que evidencia que a real vontade da recorrente tem consistido em arrogar a ofensa do caso decidido, a “ofensa do caso julgado” deriva do lapso de escrita. Nestes termos, o erro existente na decisão de desatender a “ofensa do caso julgado” torna-se a posteriori inócuo.
Nos termos do preceito no n.º1 do art.122º do CPA, subscrevemos a brilhante doutrina, segundo a qual os actos administrativos que violam um caso resolvido devem ser considerados como revogações do acto administrativo que se tenha formado caso resolvido, e àqueles não se aplica a sanção de nulidade (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim: Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Almedina, p.650).
O que nos impulsiona a inferir tranquilamente que a ofensa do caso decidido não é do conhecimento oficioso do tribunal, só pode constituir causa de pedir se tiver sido oportunamente invocada, e cuja invocação nas alegações facultativas tem como pressuposto imprescindível a verificação de facto superveniente (art.68.º, n.º3, do CPAC).
Bem interpretadas, as matérias alegadas nos arts.28º a 34º da petição patenteiam concludentemente que ao interpor o recurso contencioso culminante com a prolação da sentença em escrutínio, a experiência da própria recorrente lhe permitia completamente saber da posição constante do ofício n.º123/NAJ/JJ/06 (doc. de fls.168 dos autos), pelo que este documento não pode ser equacionado na categoria de “facto superveniente” para sustentar a arguição da ofensa do caso decidido.
Chegando aqui, não podemos deixar de concluir que a arguição da ofensa do caso decidido pela recorrente nas alegações do presente recurso jurisdicional para substituir a ofensa do caso julgado invocada nas alegações facultativas é extemporânea e inoportuna, por isso mesmo não pode ser admitida na causa de pedir do recurso contencioso.
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3. Da assacada “violação da lei substantiva”
Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, violação que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição entre o ponto 7 com os pontos 10 e 14 e, de outra banda, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencionadas no ponto 8 dessa deliberação (doc. de fls.111 a 112 do P.A.).
Do art.115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642). Pois, o n.º2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que preconiza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls.87 a 89 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e compreender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricionário do Chefe do Executivo, e os pontos 10 e 14 refere-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia seguramente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
Repare-se que na sua Reclamação (doc. de fls.87 a 89 do P.A.), a recorrente peticionou simplesmente que lhe seria aplicada a isenção estabelecida no Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo, sem arguir a violação do princípio da igualdade nem requerer a isenção contemplada no art.9.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, alegando ser parceira de exploração (營運夥伴) da «B».
Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art.9.º do Regulamento atrás referida, não ficava obrigada a concretizar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação (doc. de fls.111 a 112 do P.A.), portanto não se verifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação efectivada pela Comissão de Revisão.
Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
3.2. Bem, o art.28.º da Lei n.º16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azer como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
Repare-se que o n.º1 do Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º378/2011 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, incluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º378/2011.
De outro lado, é de salientar acentuadamente que na sua Reclamação, a recorrente arrogou tão-só a aplicação a si da isenção estabelecida no Despacho n.º378/2011 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º1 do art.9º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento na quantia de MOP$234,877,681.00 auferido no exercício do ano 2013 (tal quantia foi aludida pela própria recorrente na Reclamação). Daí decorre inevitavelmente que a deliberação atacada pela recorrente no recurso contencioso não enferma da assacada dupla tributação, nem ofende nenhum dos princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007)
Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º1 do art.9º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos não confere poder discricionário ou margem de livre apreciação ao Fisco, e a qualificação da sobredita quantia de MOP$234,877,681.00 no lucro tributável consignado no n.º1 do art.19º desse Regulamento não comporta o exercício de poder discricionário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
➢ A Recorrente é uma sociedade comercial que tem por objecto o investimento em hoteleira e gestão hoteleira (conforme consta de fls. 66 a 71 dos autos).
➢ A Recorrente dedica-se à exploração do Hotel C, na Rua de XX, n.ºs XX, Edif. “Hotel C”, em Macau. (conforme consta de fls. 64 a 71 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B (conforme consta de fls. 72 a 84 e 85 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 15 de Julho de 2014, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2013 (conforme consta de fls. 59v a 66 do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no montante de MOP66,439,823.00 (ibid).
➢ Em 03 de Agosto de 2017, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP301,329,246.00 (conforme consta de fls. 106 do P.A.).
➢ Em 08 de Junho de 2018, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, que foi posteriormente emitida à Recorrente o mandado de notificação em 13 de Dezembro de 2018 (conforme consta de fls. 108 e 118 do P.A.).
➢ Em 29 de Junho de 2018, a Recorrente reclamou contra a supradita decisão da Comissão de Fixação junto da Entidade recorrida (conforme consta de fls. 87 a 89 do P.A.).
➢ Em 04 de Outubro de 2018, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2013 o rendimento colectável de MOP301,329,246.00, com aplicação do agravamento de 0.005% sobre a colecta (conforme consta de fls. 111 a 112 do P.A.).
➢ Em 28 de Janeiro de 2019, a Recorrente interpôs o recurso contencioso fiscal.
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre pronunciar, desde logo, quanto à admissibilidade da invocação de novos fundamentos de recurso pela Recorrente nas alegações facultativas.
   Para o efeito, alegou a Recorrente o conhecimento superveniente do despacho proferido pelo Director dos Serviços de Finanças, constante do documento que foi junto a fls. 168 dos autos em 19 de Novembro de 2019, onde a Entidade recorrida defendia a posição coincidente com a da Recorrente.
   Aproveitando o conhecimento deste facto, a Recorrente aditou novos vícios de ilegalidade na parte das conclusões, sem devida concretização, não sendo estes vícios invocados na petição inicial, como a nulidade do acto recorrido por ofensa ao caso julgado e a omissão de pronúncia.
   Ora bem, constituem fundamentos de recurso contencioso de anulação os vícios que consubstanciem as invalidades, e que em regra devem ser invocados na petição inicial de recurso. Contudo, nas alegações facultativas, poderão ser invocados novos vícios desde que o conhecimento dos factos integrados desses vícios tenha sido superveniente da petição inicial.
   No caso dos autos, os factos cujo conhecimento é alegadamente superveniente não integram os novos vícios invocados. E certo é que, nem se percebe como o conhecimento desses vícios alegados, sendo tudo baseado na apreciação crítica do próprio acto recorrido, poderá ser superveniente à apresentação da petição inicial.
   Destarte, desatende-se os referidos fundamentos invocados pela Recorrente nas alegações facultativas.
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Seguidamente, importa conhecer os vícios invocados na petição inicial.
Assim, começamos pelo vício de falta de fundamentação.
   A norma do artigo 114.º, n.º 1, alínea b) do CPA impõe o dever legal de fundamentação dos actos administrativos e sobre os requisitos da fundamentação, a lei, na norma do artigo 115.º, n.º 1 do CPA, impõe que a mesma seja expressa e contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
   Como se tem entendido, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo, e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
   De acordo com a consolidação jurisprudencial que tem indo a ser feita em torno do dever legal de fundamentação, que se considera cumprido este dever sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa sindicar o acto de forma esclarecida (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Acórdão do TSI, Processo n.º 375/2016).
   No nosso caso em concreto, na fundamentação nova do acto recorrido, salvo a parte em que negou as questões colocadas pela Recorrente em sede da reclamação, patenteiam-se os motivos que conduzem à fixação da matéria colectável pela Administração Pública naqueles termos – isto é, pela verificação dos pressupostos da relação jurídica tributária em causa (conforme se expõe, em especial, nos artigos 1, 2, 3, 4 e 15 da fundamentação do acto recorrido).
   É certo que para além disso, a Administração Fiscal fez apelo a outras considerações, nomeadamente, na resposta à eventual violação dos princípios fundamentais assacada pela Recorrente, dada nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos, a Administração Fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a da anulação do acto pelo vício de falta de fundamentação.
   É que, “tendo a Administração invocado uma pluralidade de fundamentos para o indeferimento a legalidade de alguns deles assegura a validade substantiva da decisão e torna inoperante, caso existam, os vícios da motivação superabundante” (cfr. o Ac. do STA, Proc. n.º 0730/06, de 5 de Junho de 2007, consulta disponível em http://www.dgsi.pt).
   Nestes termos expostos, é evidente a satisfação do dever legal de fundamentação do acto administrativo no caso dos autos, que não fica afectada pela eventual insuficiência da fundamentação superabundante. Julga-se, por isso, improcedente o recurso quanto a esta parte.
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De seguida, cumpre verificar se existe o invocado vício de violação da lei.
   Em síntese, alega a Recorrente que desenvolvia sua actividade em colaboração necessária, nos termos do contrato de prestação de serviços, com a concessionária B, e que a tributação dos seus rendimentos obriga-a a repercutir os custos fiscais na sua relação com a concessionária, o que vai contra o espírito da isenção fiscal concedida pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007.
   E que existe para a Recorrente uma dupla tributação sobre o mesmo rendimento, uma vez que os seus honorários foram já sujeitos a tributação especial sobre o jogo.
   Por fim, mais alega, sem densificação, que o acto recorrido violou um conjunto de princípios da justiça, da igualdade tributária, da imparcialidade, da proporcionalidade e das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º e 19.º da Lei n.º 21/78/M, e artigo 27.º da Lei n.º 16/2001.
   Vejamos.
   Desde logo, a legalidade de que se fala aqui, não é a da quantificação da matéria colectável, resultante do acto de fixação da Entidade recorrida, mas sim a legalidade da própria tributação em sede de imposto complementar de rendimentos, referente à verificação dos pressupostos de incidência tributária, questão essa, ao que nos parece à partida, poderia ser discutida na impugnação do acto final de liquidação.
   Em consonância com o entendimento que transparece na fundamentação do acto, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR.
   Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
   “O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”
   E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
   “1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
   a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
   2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
   3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
   4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.”
   Com a subsunção do caso às normas citadas, é evidente que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.
   Em face do acto recorrido com a fundamentação tal com ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar fazer: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação dos pressupostos, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida.
   Agora na situação vertente, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que ela entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal.
   Como se compreende facilmente, quanto a isto, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, e constituem necessariamente a matéria de reserva da lei da Assembleia Legislativa, por força do princípio de legalidade tributária (neste sentido, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almeida, pp 334 a 335).
   Sendo assim, se a Recorrente pretende invocar a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios e sustentar que preencha os respectivos pressupostos legais. Mas a questão é que ela não logrou fazer isso, limitando-se a reclamar que o seu rendimento era proveniente da prestação dos serviços imprescindíveis para a actividade desenvolvida pela Concessionária, e que deveria gozar do benefício fiscal como esta, contudo não tendo invocado em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
   Tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, Proc. n.º 0592-11, de 2011/11/23).
   Significa isto que, se encontra sempre vedada, nesta matéria tributária, por força do princípio da legalidade tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.
   Aqui chegado, concluindo, não sendo de todo possível invocar a isenção fiscal fora do âmbito da norma legal, a pretensão da Recorrente deveria ser necessariamente denegada.
*
   Ainda no entender da Recorrente, verifica-se no caso vertente, uma verdadeira situação de dupla tributação, pela razão de o mesmo facto tributário servir-se de base da incidência de tributos diferentes – imposto especial sobre o jogo e o imposto complementar.
   Quanto a isso, ao nosso ver, independentemente de saber se efectivamente ocorreu ou não uma situação da dupla tributação, que a proibição ou eliminação da dupla tributação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM que seja autonomamente invocável à margem de qualquer previsão legal, muito menos poderia servir de fundamento da ilegalidade do acto tributário.
   Veja-se, por exemplo, a isenção fiscal com base no fundamento de dupla tributação, no disposto do art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, nos termos do qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”
   Além disso, na norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), estabelece-se que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”
   Nestas linhas, resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, em princípio, qualquer situação de dupla tributação, e que a sua eliminação não deveria ocorrer automaticamente, não se podendo portanto operar sem ter sido baseada na norma legal preexistente, seja esta norma que tenha relegado para a regulamentação da convenção internacional com aplicação directa, seja a norma que tenha habilitado, para o efeito, a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.
   No entanto, o que é lamentável é que a existência de tal norma não foi devidamente demonstrada no caso vertente. Assim, não se pode ter por verificado o vício de violação da lei, nomeadamente, das normas invocadas pela Recorrente.
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Quanto à imputada violação dos princípios fundamentais, não alegou a Recorrente factos concretos como integradores deste vício de ilegalidade.
Não obstante, não se deixa de perceber que tal imputação era pensada pelo facto de a Administração Fiscal ter anteriormente concedido a favor das outras contribuintes as isenções fiscais no caso materialmente semelhante, tal como descrito nos artigos 29.º a 32.º da petição inicial do recurso.
   Esta circunstância, mesmo que se tivesse verificado, é totalmente irrelevante, do nosso ponto de vista, para se obter efeito invalidante do acto recorrido. Pois se a Administração Fiscal neste caso se circunscreve à apreciação dos pressupostos da isenção fiscal em observância às normas legais vigentes, não haverá então nenhuma margem para censurar o seu comportamento “faltoso” de não ter tratado de forma igual os casos que lhe foram colocados, alegadamente idênticos.
   É que, como se sabe, no âmbito da actividade vinculada, o princípio da legalidade consome a generalidade dos restantes princípios administrativos (cfr. neste sentido Ac. do TUI, de 18/9/2019, Proc. n.º 26/2019).
   Portanto, somos de concluir que o acto recorrido não incorreu no vício de ilegalidade pela violação dos princípios gerais da actividade administrativa. Cremos ser evidente que este fundamento do recurso contencioso não pode proceder.
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   Por fim, quanto ao pedido de condenação cumulado neste recurso contencioso, ou seja, a determinação da prática do acto administrativo em substituição do acto recorrido.
   Como surge na acção de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido enquanto meio contencioso autónomo, convém ter presente também, na cumulação prevista na norma do art.º 24.º, n.º 1, alínea a) do CPAC, os próprios pressupostos e as finalidades estabelecidas nos artigos 103.º e 104.º do mesmo Código.
   Como ensinam Viriato Lima e Álvaro Dantas, “…tendo a referida a acção como pressupostos a omissão (indeferimento tácito) ou a recusa da Administração da prática de acto ou de apreciação de pretensão, e por finalidade a condenação na prática de acto omitido ou recusado, afigura-se-nos que o âmbito da cumulação, no recurso contencioso, do pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido será o dos actos que também tenham um conteúdo negativo…”.
   Nesta conformidade, tratando-se de um acto administrativo apenas com conteúdo positivo, bastaria a utilização do recurso contencioso como meio adequado de reacção, a fim de restabelecer a situação jurídica pré-existente, alterada pelo acto administrativo recorrido. Pois, uma vez anulado o acto administrativo pelo tribunal, impõe-se à Administração, na execução da sentença anulatória e no quadro de uma relação jurídica de conteúdo repristinatório, os deveres de “praticar os actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto administrativo ilegal não tivesse sido praticado”.
   Com isto quer dizer, estando em causa um acto administrativo positivo, independentemente de saber se é ou não vinculativo o acto cuja prática se pretende obter, a cumulação de um pedido de condenação com o pedido impugnatório não é legalmente admissível por falta dos pressupostos legais, sendo também desconforme com finalidades do respectivo meio processual.
   É o que se verifica no caso vertente. Aqui o que se discute é um acto de fixação da matéria colectável, de natureza ablativa e com vertente puramente positiva. Pelo que fica dito, não se vê como é possível a cumulação de um pedido de condenação com o da impugnação anulatória, nos termos do disposto do art.º 24.º, n.º 1, alínea a) do CPAC.
   Sempre se diga que nem se nos afigura útil a cumulação requerida nestes termos, tendo em vista o alcance dos próprios efeitos repristinatórios da sentença eventualmente anulatória.
   Nestes termos, seja o que for o destino que se dá à pretensão anulatória do acto recorrido neste recurso contencioso, impõe-se, quanto a este pedido, a absolvição da instância pela verificação da cumulação ilegal deste com o pedido anulatório.
***
IV. Decisão
   Assim, pelo exposto, decide-se:
   - Julgar improcedente o presente recurso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
   - Absolver-se a Entidade recorrida da instância quanto ao pedido de determinação da prática do acto devido
   ….”.
1. Da violação da lei processual:
Para a Recorrente, o Tribunal a quo violou o dever de especificação dos factos provados previsto no artº 76º do CPAC ao não fixar na matéria fáctica provada o facto de que “foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
Adiantamos desde já que não lhe assiste a razão.
Tanto no processo civil como no contencioso administrativo, o Tribunal só seleciona factos relevantes com interesse à boa decisão da causa.
No caso em apreço, a Entidade Recorrida é a Comissão de Revisão, daí que não tem interesse saber o que tinha decidido o Director das Finanças, uma vez que são duas entidades administrativas diferentes e sem qualquer relação de dependência hierárquica entre uma e outra.
Improcede assim este argumento do recurso jurisdicional.
2. Da admissibilidade de novos fundamentos do recurso:
Segundo a Recorrente, face ao conhecimento superveniente do facto supra em referência, é legalmente admissível alegar novos fundamentos para o recurso contencioso nos termos do nº 3 do artº 68º do CPAC e o Tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, violou o citado preceito legal.
Quid iuris?
Como supra decidimos que o facto em causa não tem qualquer interesse para a boa decisão do mérito da presente causa, em virtude de que o Director das Finanças não é parte dos presentes autos, nem superior hierárquico da Comissão de Revisão, daí que a sua posição sobre o assunto não forma caso decidido, tal como é pretendido pela Recorrente.
Nesta conformidade, é de manter a decisão a quo em não atender aos alegados “novos fundamentos” do recurso contencioso com fundamentos algos diversos.
3. Da violação da lei substantiva:
Sobre esta parte do recurso jurisdicional, o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI emitiu o seguinte parecer:
   “…
   3. Da assacada “violação da lei substantiva”
Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, violação que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição entre o ponto 7 com os pontos 10 e 14 e, de outra banda, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencionadas no ponto 8 dessa deliberação (doc. de fls.111 a 112 do P.A.).
Do art.115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642). Pois, o n.º2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que preconiza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls.87 a 89 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e compreender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricionário do Chefe do Executivo, e os pontos 10 e 14 refere-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia seguramente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
Repare-se que na sua Reclamação (doc. de fls.87 a 89 do P.A.), a recorrente peticionou simplesmente que lhe seria aplicada a isenção estabelecida no Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo, sem arguir a violação do princípio da igualdade nem requerer a isenção contemplada no art.9.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, alegando ser parceira de exploração (營運夥伴) da «B».
Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art.9.º do Regulamento atrás referida, não ficava obrigada a concretizar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação (doc. de fls.111 a 112 do P.A.), portanto não se verifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação efectivada pela Comissão de Revisão.
Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
3.2. Bem, o art.28.º da Lei n.º16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azer como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
Repare-se que o n.º1 do Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º378/2011 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, incluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º378/2011.
De outro lado, é de salientar acentuadamente que na sua Reclamação, a recorrente arrogou tão-só a aplicação a si da isenção estabelecida no Despacho n.º378/2011 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º1 do art.9º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento na quantia de MOP$234,877,681.00 auferido no exercício do ano 2013 (tal quantia foi aludida pela própria recorrente na Reclamação). Daí decorre inevitavelmente que a deliberação atacada pela recorrente no recurso contencioso não enferma da assacada dupla tributação, nem ofende nenhum dos princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperantes aos actos administrativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007)
Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º1 do art.9º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos não confere poder discricionário ou margem de livre apreciação ao Fisco, e a qualificação da sobredita quantia de MOP$234,877,681.00 no lucro tributável consignado no n.º1 do art.19º desse Regulamento não comporta o exercício de poder discricionário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
   …”
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, em nome da economia processual, fazemos, com a devia vénia, como nossos fundamentos para julgar improvido o recurso jurisdicional nesta parte.
Tudo visto, resta decidir.
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Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 10UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 12 de Novembro de 2020.

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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro



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616/2020