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Processo n.º 638/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 12 de Novembro de 2020

Assuntos:

- Competência para tomar medidas excepcionais em matéria de saúde e competência para revogar a autorização para o exercício da medicina tradicional chinesa;
- Fundamento legal diferente

SUMÁRIO:

I - A norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, consagra uma norma excepcional que institui expressamente que a autoridade sanitária exerce a sua actividade “sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial”, portanto uma actividade desprocedimentalizada.

II - As medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, são, por natureza, diferentes das medidas de suspensão e de cancelamento da licença do exercício de medicina tradicional chinesa, matéria esta que tem a sua base legal no DL nº 84/90/M, de 31 de Dezembro, mormente nos seus artigos 21º e 24º.
III – A revogação da licença para exercício da medicina tradicional chinesa depende da verificação dos pressupostos de facto legalmente previstos, a falta destes, não obstante serem merecedores de forte censura outros factos imputados ao infractor/médico/Recorrente (na primeira instância), determina erro na aplicação de direito, uma vez que a Entidade Recorrida revogou tal licença com base no artigo 4º/2 do DL nº 81/99/M, de 15 de Novembro, o que é razão bastante para anular a respectiva decisão administrativa ora posta em crise.



O Relator,

_______________
Fong Man Chong


Processo n.º 638/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 12 de Novembro de 2020

Recorrente : Director dos Serviços de Saúde

Recorrido : A


* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
Director dos Serviços de Saúde, Recorrente/Entidade Recorrida, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 12/03/2020, que julgou procedente o recurso contencioso contra a decisão de cancelamento da licença do médico de medicina tradicional chinesa, dele veio, em 12/05/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 89 a 104, tendo formulado as seguintes conclusões:
i. O ora Recorrente não pode concordar nem com os fundamentos, nem com o sentido da sentença do Tribunal a quo, por isso dela recorre por estar convicto que a sentença recorrida está eivada dos vícios de errada interpretação do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 Novembro, e de errada aplicação do princípio da legalidade penal.
ii. Ressalvado o máximo de respeito devido, o Tribunal a quo faz uma interpretação muito restritiva dos n.º 1 e 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, e não tem em conta que a Autoridade Sanitária está revestida de um amplo poder, que lhe advém das funções que lhe são legalmente atribuídas de garante da saúde pública, individual e colectiva.
iii. Tendo em vista o cumprimento da missão de prevenir e eliminar situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, o legislador conferiu um amplo grau de liberdade e autonomia à actuação da Autoridade Sanitária, atribuindo-lhe discricionariedade quanto aos vários elementos da respectiva actuação, isto é, quanto à oportunidade de agir, ao conteúdo da actuação e à forma ou formalidades da actuação.
iv. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entre as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva estão incluídas a prática de actos administrativos e de operações materiais que possam vir a determinar, em situações muito particulares, o cancelamento de licenças.
v. Face ao expressamente consagrado no artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M quanto aos poderes de autoridade sanitária conferidos ao Director dos Serviços de Saúde, não se consegue perceber a asserção do douto Tribunal a quo em sentido completamente contrário ao legalmente estabelecido.
vi. Torna-se, pois, manifesto o erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo ao considerar que o Director dos Serviços de Saúde não possui necessariamente os poderes da Autoridade Sanitária previstos no artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
vii. As competências da Autoridade Sanitária não se limitam à tomada de medidas indispensáveis à prevenção de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, que exijam uma intervenção imediata devido à existência de um perigo iminente.
viii. A Autoridade Sanitária pode ainda adoptar as acções necessárias à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, podendo aqui contabilizar-se as medidas indispensáveis a evitar a verificação de prejuízos para a saúde individual dos cidadãos de Macau.
ix. No caso sub judice importa não olvidar que o ora Recorrido não teve qualquer pudor em actuar de forma pervertida e depravada, o que revela uma subversão total dos valores e dos princípios deontológicos que devem nortear as actividades relacionadas com a área da saúde (a este propósito, vide a descrição dos actos praticados pelo Recorrido constante no Ofício n.º 2509/OF/UTLAP/2019, de 19 de Agosto, a fls. 160 a 166 do processo instrutor, factos esses que não foram postos em causa pelo ora Recorrido e que a sentença recorrida acaba por dar como verificados).
x. A conduta do aqui Recorrido é tecnicamente inaceitável, não só por ser um atentado contra a dignidade e a honra das pacientes, mas também por pôr em risco a saúde das mesmas, de tal modo que a Autoridade Sanitária, assim que tomou conhecimento da prática destes actos, suspendeu, de imediato, a sua licença para o exercício da actividade privada de médico de medicina tradicional chinesa, suspensão essa que se manteve até terem sido realizadas todas as diligências necessárias à tomada da decisão final mais adequada, proporcional e justa face à gravidade dos factos praticados pelo ora Recorrido.
xi. O ora Recorrente, na qualidade de Autoridade Sanitária, lançou mão da medida administrativa de cancelamento da licença por ser esta a medida indispensável a impedir que o ora Recorrido continuasse a causar prejuízos à saúde individual das suas pacientes, até porque o ora Recorrido não mostrou qualquer arrependimento pelos actos por si praticados, bem pelo contrário, tendo inclusivamente procurado justificá-los dizendo que eram aceitáveis pelas leges artis da sua profissão.
xii. Caso se permitisse a continuidade pelo Recorrido do exercício desta profissão, seriam grandes as hipóteses de ele continuar a praticar tais actos e a pôr em perigo a saúde física e psicológica das suas pacientes.
xiii. Convém não perder de vista que in casu a actuação do ora Recorrente foi excepcional, pois teve em conta que o comportamento do Recorrido representa um perigo iminente e actual por ameaçar interesses públicos fundamentais que cabe aos Serviços de Saúde e, em particular, à Autoridade Sanitária proteger, e, bem assim, que tal actuação cumpriu de forma rigorosa o princípio da proporcionalidade ínsito no n.º 2 do artigo 5.° do CPA, dado que não foi além do indispensável à salvaguarda do interesse público ameaçado.
xiv. Atentos os factos praticados pelo ora Recorrido, não restam dúvidas que a medida tomada pela Autoridade Sanitária foi a adequada e a proporcional à gravidade da situação.
xv. Reitera-se que se a Autoridade Sanitária não tivesse o vasto poder que a lei lhe confere ficaria impedida de exercer, de forma plena, as funções que lhe são cometidas e, em consequência, ficaria gravemente em causa a protecção da saúde e da vida dos cidadãos da RAEM.
xvi. A decisão do ora Recorrente, na qualidade de Autoridade Sanitária, de cancelamento da licença entra no âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, pois visa impedir que o ora Recorrido ponha em perigo e cause, actualmente e no futuro, prejuízos à saúde individual das suas pacientes.
xvii. A decisão do ora Recorrente foi tomada com base no poder que lhe é conferido pelo artigo 4.° do citado diploma legal e dentro dos limites desse poder.
xviii. Incorreu, pois, o Tribunal a quo em erro de julgamento ao interpretar de forma restritiva a norma do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, e, por via disso, limitar/restringir os poderes e competências legalmente conferidos à Autoridade Sanitária.
xix. Uma vez que a decisão de cancelamento da licença de médico de medicina tradicional chinesa foi tomada com base nos poderes conferidos pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, o ora Recorrente, na qualidade de Autoridade Sanitária, aplicou a medida administrativa considerada indispensável à eliminação de uma situação que poderia causar prejuízos à saúde individual dos cidadãos da RAEM.
xx. A Autoridade Sanitária não tem competência para aplicar sanções administrativas, estando a aplicação dessas sanções reservada, nos termos do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, ao Director dos Serviços de Saúde que, por sua vez, delegou essa competência no Subdirector dos Serviços de Saúde no âmbito do Subsistema de Cuidados de Saúde Generalizados (neste sentido, vide a alínea 1) do n.º 2 e o n.º 5 do Despacho n.º 22/SS/2017, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, n.º 34, de 23 de Agosto de 2017).
xxi. A entidade competente para aplicar sanções no âmbito do diploma que regula o licenciamento para o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde é o Subdirector dos Serviços de Saúde, cabendo dessa decisão recurso contencioso imediato para o Tribunal Administrativo.
xxii. O Director dos Serviços de Saúde quando actua no âmbito do poder conferido pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, só pode lançar mão das medidas administrativas que se enquadram dentro deste normativo legal, estando delas excluídas as sanções administrativas.
xxiii. As sanções administrativas não se confundem com as medidas administrativas, dado que possuem natureza e objectivos distintos.
xxiv. A sanção administrativa pode ser definida como uma medida punitiva imposta pela Administração no caso de violação de uma norma jurídico-administrativa e as medidas administrativas, a que se refere o n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, visam a prevenção ou a eliminação de factores ou situações gerados por comportamentos individuais ou colectivos que podem pôr em risco/perigo ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
xxv. Face aos factos dados como provados no processo instrutor, não podia o Director dos Serviços de Saúde, enquanto Autoridade Sanitária, tomar outra decisão que não fosse o cancelamento da licença, até porque se outra decisão tivesse sido tomada significaria que a Administração Pública e, neste caso particular a Autoridade Sanitária, estaria a abdicar da sua função de proteger e salvaguardar o interesse público, in casu, a saúde da população da RAEM.
xxvi. Ao ter afastado a aplicação ao presente caso do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, e, em consequência, ao ter decidido que a solução para a punição do ora Recorrido pela violação dos seus deveres profissionais teria de ser encontrada nas sanções previstas no Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do princípio da legalidade penal, incorrendo em erro de julgamento.
*
O Recorrente não respondeu ao recurso interposto pela Entidade Recorrida.
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O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer (fls. 170 a 173):
Nos termos previstos no artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se nos termos que seguem:
1. A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Director dos Serviços de Saúde que decidiu cancelar-lhe a autorização para o exercício da profissão de médico de medicina tradicional chinesa.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
Inconformado com a dita sentença, veio o Director dos Serviços de Saúde interpor o presente recurso jurisdicional, no qual imputa à douta sentença recorrida, em síntese, o seguinte:
• Errada interpretação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro;
• Errada aplicação do princípio da legalidade penal.
2.
2.1.
Uma referência a título prévio: para nós a conduta do Recorrido que os autos documentam é merecedora de forte censura e justifica uma reacção por parte dos Serviços de Saúde, enquanto entidade reguladora da actividade privada de prestação de cuidados de saúde, tal como também foi salientado pela douta decisão recorrida.
Cabe aos Serviços de Saúde assegurar que aquela prestação obedece a padrões de qualidade e segurança aos mais diversos níveis e actuar em conformidade quando tal não suceda.
Todavia, a actuação preventiva ou repressiva da entidade reguladora nesta matéria terá de dispor, como é evidente, do indispensável suporte legal (artigo 3.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo) e é só isso o que aqui está em causa.
2.2.
Considera o Recorrente que a Autoridade Sanitária pode adoptar as acções necessárias à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, incluindo as medidas indispensáveis a evitar a verificação de prejuízos para a saúde individual dos cidadãos da Região Administrativa Especial de Macau.
Assim, prossegue o Recorrente, na qualidade de Autoridade Sanitária lançou mão da medida administrativa de cancelamento da licença do Recorrido para o exercício da actividade privada de médico de medicina tradicional chinesa, por esta medida se revelar indispensável a impedir que o Recorrido continuasse a causar prejuízos a saúde individual das suas pacientes.
Daí que, ainda no entender do Recorrente, a sua decisão de cancelamento da licença seja uma medida que se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, pelo que, o Tribunal a quo, ao decidir em sentido contrário, errou na interpretação e na aplicação dessa norma legal.
Cremos que o Recorrente não tem razão.
O referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, tem o seguinte teor:
«1. Para o exercício das atribuições dos SSM respeitantes à prevenção da doença, são conferidos poderes de autoridade sanitária ao director e aos médicos dos SSM que, para o efeito, forem expressamente designados por despacho nominal do Governador, publicado no Boletim Oficial de Macau.
2. A autoridade sanitária a que alude o número anterior exerce a sua actividade sem dependência hierárquica e sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial, podendo tomar as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
3. Compete ainda à autoridade sanitária assegurar o cumprimento das normas e obrigações em matéria de sanidade internacional e apreciar os processos que por lei devam ser submetidos a parecer dos SSM e que digam respeito à observância de normas sobre salubridade, higiene ou segurança de obras, instalações ou equipamentos.
4. Os médicos referidos no n.º 1 exercem os poderes de autoridade sanitária sob a orientação do director dos SSM, na área geográfica definida no despacho que os designar.
5. Os poderes da autoridade sanitária são indelegáveis».
Manifestamente, a disposição legal em apreço visa conferir à Autoridade Sanitária poderes de actuação expedita e célere que lhe permitam tomar determinadas medidas que, em concreto, se mostrem indispensáveis e adequadas à prevenção da doença, fora do modo normal de actuação administrativa, nomeadamente, porque a autoridade sanitária age sem dependência hierárquica e sem necessidade de observar qualquer procedimento administrativo.
Para nós, esta última nota é absolutamente essencial para caracterizar as medidas que a autoridade sanitária pode tomar no exercício das competências conferidas pela aludida norma legal. Na verdade, da norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M decorre muito claramente que a autoridade sanitária exerce a sua actividade «sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial». É, pois, uma actividade desprocedimentalizada. Ora, é evidente que só se justifica que a lei atribua poderes à Administração para a prática desprocedimentalizada de actos que podem, eles próprios, ser gravosos para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, se existir um perigo para a saúde individual ou colectiva de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial. Alguns exemplos: o encerramento de uma escola por aí eclodir um surto de sarampo, o encerramento de um restaurante cujas instalações não garantem uma manipulação segura dos alimentos colocando em risco a saúde dos seus clientes, o encerramento de uma fábrica que liberta produtos de elevada toxicidade. Nestas, como noutras situações concebíveis, a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da autoridade sanitária e daí que se justifique que a lei lhe atribua poderes para tomar medidas sem necessidade de procedimento.
Quer isto dizer que, se a medida a tomar ou o acto a praticar é compatível com a organização de um procedimento administrativo ou judicial, nesse caso, por definição, deixa de se justificar a intervenção da autoridade sanitária ao abrigo do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M que temos vindo a referir.
A citada norma confere poderes excepcionais e como é evidente deve ser usada excepcionalmente. Não pode servir de suporte à subversão das normas de competência desenhadas para o normal das situações como no caso aconteceu.
Com efeito, com o acto recorrido a autoridade sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença daquelas que o n.º 2 do artigo 4.º prevê. Praticou, antes, sem competência legal para o efeito, um acto de revogação do acto de autorização ou de licenciamento do exercício da actividade privada de medicina chinesa por parte do Recorrido, embora sob o pretexto infundado de se tratar de uma medida destinada a prevenir a saúde das respectivas pacientes. Isto, na sequência de um procedimento administrativo que se prolongou por cerca de nove meses, destituído, portanto, de qualquer urgência ou necessidade que justificasse a intervenção daquela autoridade.
Importa sublinhar que a competência para a concessão e para o cancelamento da licença prevista para o exercício das actividades privadas de prestação de cuidados de saúde é do Director dos Serviços de Saúde, não enquanto autoridade sanitária, mas enquanto órgão da Direcção dos Serviços de Saúde no exercício das funções de regulação da actividade privada de prestação de cuidados de saúde, tal como expressamente resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea e) do Decreto Lei n.º 81/99/M.
Existindo esta norma específica de competência, fica evidentemente afastada a possibilidade de fundamentar a prática do mesmo acto ao abrigo da norma genérica do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M. Admitimos, no limite, que a autoridade sanitária, assim que teve conhecimento da inadmissível conduta do Recorrido relativamente às suas pacientes tivesse, por exemplo, determinado o encerramento do seu consultório. Mas não existe qualquer fundamento para que, invocando os poderes que lhe são atribuídos por aquela norma antes referida, tivesse determinado o cancelamento da respectiva licença para o exercício da actividade privada de medicina tradicional chinesa.
Aliás, basta pensarmos na hipótese de o Recorrido ser um médico dos quadros dos Serviços de Saúde e, portanto, um trabalhador da Administração Pública, para percebermos como é completamente destituída de sentido a tese do Recorrente. É que, nesse caso, a adoptar-se a tese que o Recorrente insiste em defender no presente recurso jurisdicional, o médico dos Serviços de Saúde poderia ser suspenso, aposentado compulsivamente ou até mesmo demitido pela autoridade sanitária, que pode ser um outro médico, sem necessidade de qualquer procedimento e, portanto, sem audiência prévia, com base na norma do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, o que é obviamente inaceitável. E é-o porque essa norma é de todo inidónea a dar cobertura legal a uma tal actuação.
Pretendendo o Recorrente cancelar a dita licença está o mesmo legalmente obrigado a desencadear um procedimento legal para esse efeito, seja ou não de natureza sancionatória que, se verificados os respectivos pressupostos, culmine com tal cancelamento.
Não temos dúvidas, pois, de que a decisão recorrida andou bem ao considerar que a norma do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, única que foi invocada pelo Recorrente para fundamentar o acto contenciosamente recorrido, não constitui habilitação legal para a prática do acto impugnado. Por isso, não padece do erro de julgamento que lhe foi apontado e isto basta para concluir que o recurso jurisdicional deve improceder.
2.3.
Parece-nos desprovida de qualquer interesse a apreciação do segundo dos fundamentos do recurso jurisdicional, na medida em que, face à apontada ilegalidade do acto contenciosamente recorrido que nos parece existir, consistente na errada aplicação da norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, única que fundamentou juridicamente esse acto, a procedência do recurso contencioso torna-se, em nosso modesto entendimento, incontornável e, com ela, a manutenção do decidido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ 司法上訴人為註冊中醫生,衛生局註冊編號為XXX,執業場所位於澳門XXX (見行政卷宗一第169頁及行政卷宗二第43頁)。
‐ 自2018年11月23日起,衛生局相繼收到八名就診者關於司法上訴人涉嫌違規的舉報,隨即開展調查程序(見行政卷宗一第1頁及第46頁)。
‐ 2019年7月24日,衛生局發出編號2034/OF/UTLAP/2019公函,指出因司法上訴人在提供醫療服務時作出的違法行為,擬取消其第XXX號中醫生執照之許可,通知其可於指定期間內向衛生局提交書面意見(見行政卷宗一第106頁至第118頁)。
‐ 2019年8月7日,司法上訴人透過訴訟代理人提交書面答辯(見行政卷宗一第119頁至第127頁)。
‐ 2019年8月19日,被上訴實體於編號268/R/UTLAP/2019報告書上作出批示,指出因司法上訴人在2017年12月至2018年11月期間執行醫生職務時對不少於8名就診者作出違反醫學倫理道德、與臨床治療無關的不法行為,根據11月15日第81/99/M號法令第4條第1款及第2款的規定,決定取消司法上訴人第XXX號中醫生執業牌照之許可(見行政卷宗一第143頁至第152頁) 。
‐ 2019年8月23日,衛生局分別透過編號2484/OF/UTLAP/2019及編號2509/OF/UTLAP/2019公函將上述決定通知司法上訴人及其訴訟代理人(見行政卷宗一第153頁至第167頁) 。
‐ 2019年9月2日,司法上訴人向衛生局交還中醫生執業牌照的許可,但聲明保留對行政決定作出行政申訴及司法申訴之權利(見行政卷宗一第168頁至 第169頁)。
‐ 2019年9月24日,司法上訴人透過訴訟代理人針對上述決定向本院提起本司法上訴。
* * *
    IV – FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a decisão com base nos seguintes argumentos:

一、 案件概述

司法上訴人A,詳細身分資料及聯絡地址記錄於卷宗內;
針對
被上訴實體衛生局局長,就其於2019年8月19日在醫務活動牌照科第268/R/UTLAP/2019號報告書上作出取消司法上訴人第XXX號中醫生執業牌照之許可的決定,向本院提起本司法上訴。
司法上訴人以卷宗第2頁至第11頁所載之下列理據:
-被上訴行為違反罪刑法定原則;
-被上訴行為因錯誤適用第81/99/M號法令第4條之規定及違反第84/90/M號法令之制度而沾有違法之瑕疵;以及
-被上訴行為存在錯誤認定事實的違法瑕疵;
請求撤銷被上訴決定。
*
被上訴實體獲傳喚後提交答辯狀(見卷宗第26頁至第44頁),認為本司法上訴理由不成立,應維持被上訴行為。
*
於法定期間內,訴訟雙方均提交非強制性陳述,並各自維持在起訴狀及答辯狀內的結論。
*
駐本院檢察官發表意見,認為被上訴行為未沾有司法上訴人指控的瑕疵,建議裁定司法上訴理由不成立,維持該被上訴行為(見卷宗第66頁至第76頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
***
本院對此案有管轄權。
本案訴訟形式恰當及有效。
訴訟雙方具有當事人能力及正當性。
不存在待解決的無效、抗辯或其他先決問題以妨礙審理本案的實體問題。
***
二、事實

根據本卷宗及所附之行政卷宗所載資料,本院認定以下對案件審判屬重要的事實:
(......)
***

三、理由說明:

先看被上訴決定是否違反罪刑法定原則以及錯誤適用11月15日第81/99/M號法令第4條的規定。

在司法上訴人看來, 被上訴實體所引用的11月15日第81/99/M號法令第4條規定不能作為取消其中醫生執照的法律依據,因為有關條文並無賦予衛生當局作出被上訴決定的權力。被上訴實體在欠缺法律規範訂明取消中醫生執照的前提及後果的條件下作出此項決定,違反經10月4日第52/99/M號法令第9條準用的《刑法典》第1條第1款及第3款規定的罪刑法定原則。

首先,被上訴行為為被上訴實體衛生局局長作出的取消司法上訴人中醫生執業牌照許可的決定。

從被上訴行為之行文可見,被上訴實體所引用的唯一法律條文為11月15日第81/99/M號法令第4條第1款及第2款的相關規定。現在的問題在於該條文可否於本案適用,能否成為有關決定的依據。

上述規定具體內容如下:
“第四條
(衛生當局)
一、為履行澳門衛生司在預防疾病方面之職責,該司司長及由總督透過公布於《澳門政府公報》之指名批示明確委任之澳門衛生司醫生,獲賦予衛生當局之權力。
二、上款所指之衛生當局在進行活動時,無等級從屬關係且無需預先經行政或司法程序,並得採取必要措施以預防或消除可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況。
…”

被上訴實體在答辯中陳述其適用上引的條文的理由,概指上述第2款為衛生當局的執法活動訂立了廣泛的前提─凡面對任何可能危及或損害“個人或集體健康”之因素或情況,衛生當局均有正當性介入並予以遏制。

其聲稱,本案的司法上訴人作出了違反其職業義務及道德操守的行為,該行為足以危及其所屬病患的尊嚴,損害其身心健康。有見於此,衛生當局取消其牌照,杜絕其繼續從事危害活動的可能,符合有關法律的規定。

本院固然理解被上訴實體防患未然,從嚴執法的初衷。惟其所執意適用的法律條文顯然不能用於本案,而其也明顯欠缺作出被上訴決定的依據,無論從該行為的主體,或是從行為的客體分析亦然。

因為綜合上引法律規定中的各項具體條文不難得出,該規定所專門設置的“衛生當局”的執法機制不可能是“恆常”運作的: “衛生當局”乃為應對及預防疾病而生,“衛生當局”之權力歸經適當程序委任的醫生行使,“衛生當局”之活動不受行政等級制約,無需經行政或司法程序許可。

在這種特定機制下,作為衛生當局的醫生,無需聽命於上級,行動不接受監督,可徑直採取任何其認為有必要的措施。其權力之大,是毫無疑問的。所以,為了避免出現執法濫權的情況,衛生當局行使僅僅在極為受限的條件下履行其職責─惟有當在預防疾病工作中,出現了“可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況”時,其才具備行政介入的正當性。這恰好體現了立法者對衝突下的不同利益作出的取捨及平衡,這一點被上訴實體不能否認。

被上訴實體現在認為,其行政決定滿足“可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況”的要求─因為司法上訴人對患者的醫療行為構成性侵犯, 已然損害有關患者的身心健康,甚至可能危及其他求診者乃至澳門市民的健康(見行政卷宗一第143頁至第152頁所載,被上訴行為第2.4.4)點)。
即便我們認為,精神健康包含於上指條文中個人或集體“健康”的範疇內,被上訴實體似乎仍然忽略了衛生當局所採取的任何必要措施均不能偏離同一條文第1款訂明的預防疾病之目的。而除此之外,解讀有關條文,“可能危及或損害個人或集體健康之因素或情況”(葡文situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva)的表述另有隱含所發生情況之“迫切危急”(existência do perigo iminente)這一要件。

換言之,只有當疾病預防工作到了刻不容緩的地步,任何常規的行政或司法程序都將可能貽誤時機,非採取必要措施不能有效消除威脅個人或集體健康之風險的條件下,衛生當局的有關行動才有依據可言。

而本個案的情況明顯不符合上述要求。被上訴實體所預判的“其犯罪行為更具妨礙公共衛生之犯罪性質,因為該行為可能危害澳門市民,尤其是求診者的健康”與“預防疾病”的主旨並無關聯。

同樣,也不存在任何的採取措施之“迫切危急”。事實上,被上訴實體自2018年11月23日接到舉報對司法上訴人開展調查,至2019年8月19日最終作出取消司法上訴人執業牌照的決定,歷時將近一年。採取措施的迫切性似乎無從談起。

另一方面,儘管衛生局局長負責統籌領導衛生局工作,但其職能與“透過公布於《澳門政府公報》之批示明確委任之澳門衛生司醫生”的職權性質不同,其不必然具備該條文所指的衛生當局的權力。
至此,我們的結論是,有關法律條文不能適用於本案。

那麼,是否可能存在其他的行為依據?

規範私人提供衛生護理活動的准照事宜的12月31日第84/90/M號法令第三章第15條至第25條,就衛生局局長針對私人衛生護理活動中行政違法行為之處罰權作出明確規定,訂明了處罰的種類包括罰款、中止准照及取消准照。

其中,有關取消准照的處罰的規定如下:

“第二十一條
(違反職業義務)
一、違反第三條所規定之義務,科以下列處罰:
a)違反第一款a項、f項、g項及h項所規定之任何義務者,科以澳門幣3,000至6,000元之罰款;
b)違反第一款其餘各項所規定之義務者,科以澳門幣1,000至2,000元之罰款。
二、如違法行為具妨害公共衛生或非法交易麻醉品及精神科物質之犯罪性質,除罰款外,還中止准照為期三十日至九十日;如屬累犯,取消其准照。”(劃線部分為我們所加)。

另外,
“第二十四條
(中止或取消准照或執照之其他原因)
一、不遵守衛生司關於應改進用於提供衛生護理服務之設施及設備之指示者,中止准照或執照直至改進為止。

二、准照或執照在三年內被中止兩次以上者,應予以取消。
…”(劃線部分為我們所加)。

本案中,被上訴實體作出取消司法上訴人中醫生執業牌照之許可的決定,明顯具備行政處罰的性質。

所以,倘若認為司法上訴人作為私人執業醫生的行為違反其職業義務,則理應按上述罰則部分的規定科以處罰。而現在立法者訂明的處罰後果包括罰款以及在違法行為“具妨害公共衛生或非法交易麻醉品及精神科物質之犯罪性質”時中止准照,最後在出現“累犯”情況下取消准照。

換言之,上述法律規定均無許可被上訴實體可在私人執業醫生違反職業義務或操守的情況下,直接取消其執業牌照。

檢察院意見書認為,縱使如此,被上訴實體仍可以司法上訴人不具備從事職業的法定要件取消其牌照,因司法上訴人已不具備12月31日第84/90/M號法令第5條第1款b)項所規定的要件,不能繼續執業。

對於其意見,我們不能認同。
首先,被上訴實體並非因司法上訴人不滿足任一執業要件取消其准照。有關理據並未納入被上訴行為成為其依據。

其次,11月15日第81/99/M號法令第8條第2款e)項的規定如下:
“二、司長尤其有權限:

e)根據法律之規定,發給、中止及取消從事提供衛生護理及藥物護理之職業及業務所需之准照及執照;
…”(劃線部分為我們所加)。

顯而易見,衛生局局長僅僅在法律明文授權的條件下,方可作出取消執業准照的決定。無論其決定的事實情由看起來如何的順理成章,都不能取代“法律明文授權”這一要求。

誠然,被上訴實體可能深悉有關行政違法事宜的處罰上存在法律規制的真空,針對有關違法行為現有的罰則力度不足。這一點由其為了處罰依據搜索枯腸,甚至搬出世界衛生組織網站的資料作為註腳,更可見端倪。但是,我們不應忘記,在行政處罰法中(direito administrativo sancionatório),應適用刑事法律體系中的罪刑法定原則,其中包括禁止作不利於違法者的拓展解釋或者類推適用(參見10月4日第52/99/M號法令第9條的規定,以及中級法院2019年7月18日第1/2019號卷宗的合議庭裁判)。在此前提下,為了確保有法可依,對於法律漏洞尋求立法途徑予以填補方是正解。

而現在對於由被上訴決定認定的行政違法的事實前提,法律並沒有訂明“取消准照”的處分,所以被上訴決定同樣違反了罪刑法定原則。

基此,本院認為被上訴行為錯誤適用11月15日第81/99/M號法令第4條第1款及第2款的規定,違反罪刑法定原則,應予撤銷。
*
再分析司法上訴人提出的另一項瑕疵。

司法上訴人認為,被上訴決定以另一案件(第105/Q/UTLAP/2018號卷宗)於調查階段所產生的“已證事實”為據,而司法上訴人已在該程序中提交了書面答辯,有關事實不應視為“已證”。故被上訴決定出現事實認定錯誤,應予撤銷。

在上指第105/Q/UTLAP/2018號卷宗中,被上訴實體擬針對司法上訴人就同一事項的多項行政違法行為科處行政處分(見行政卷宗一第4頁至第20頁及背頁)。

現在司法上訴人僅僅反對被上訴實體對其行政違法事實作出認定,卻沒有提出任何實質性的理據試圖推翻已獲認定的事實前提。很明顯,單單提交書面答辯這一情節,不妨礙行政當局綜合考量調查所得之資料,結合答辯之理由,對決定所需的事實作出認定。

此部分司法上訴理由明顯不能成立。
***

四、決定

綜上,本院裁定司法上訴人提出的訴訟理由部分成立,撤銷被上訴行為。
*
免除訴訟費用,因被上訴實體獲得主體豁免。
*
登錄本判決及依法作出通知。

*
Quid Juris?
O objecto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se foram bem decididas pelo Tribunal a quo as seguintes questões:
1) – Correcta aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro;
2) – Correcta aplicação do princípio da legalidade penal.

Comecemos pela primeira questão.
O referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, tem o seguinte teor:
     1. Para o exercício das atribuições dos SSM respeitantes à prevenção da doença, são conferidos poderes de autoridade sanitária ao director e aos médicos dos SSM que, para o efeito, forem expressamente designados por despacho nominal do Governador, publicado no Boletim Oficial de Macau.
     2. A autoridade sanitária a que alude o número anterior exerce a sua actividade sem dependência hierárquica e sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial, podendo tomar as medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva.
     3. Compete ainda à autoridade sanitária assegurar o cumprimento das normas e obrigações em matéria de sanidade internacional e apreciar os processos que por lei devam ser submetidos a parecer dos SSM e que digam respeito à observância de normas sobre salubridade, higiene ou segurança de obras, instalações ou equipamentos.
     4. Os médicos referidos no n.º 1 exercem os poderes de autoridade sanitária sob a orientação do director dos SSM, na área geográfica definida no despacho que os designar.
     5. Os poderes da autoridade sanitária são indelegáveis.
Este artigo fixa a titularidade de poderes da autoridade sanitária, o conteúdo desses poderes e o fim do exercício desses mesmos poderes.
Tem razão o Digno Magistrado do MP junto deste TSI opina da seguinte forma:
“(...)
Considera o Recorrente que a Autoridade Sanitária pode adoptar as acções necessárias à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, incluindo as medidas indispensáveis a evitar a verificação de prejuízos para a saúde individual dos cidadãos da Região Administrativa Especial de Macau.
Assim, prossegue o Recorrente, na qualidade de Autoridade Sanitária lançou mão da medida administrativa de cancelamento da licença do Recorrido para o exercício da actividade privada de médico de medicina tradicional chinesa, por esta medida se revelar indispensável a impedir que o Recorrido continuasse a causar prejuízos a saúde individual das suas pacientes.
Daí que, ainda no entender do Recorrente, a sua decisão de cancelamento da licença seja uma medida que se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, pelo que, o Tribunal a quo, ao decidir em sentido contrário, errou na interpretação e na aplicação dessa norma legal.
Cremos que o Recorrente não tem razão.
(…)
Manifestamente, a disposição legal em apreço visa conferir à Autoridade Sanitária poderes de actuação expedita e célere que lhe permitam tomar determinadas medidas que, em concreto, se mostrem indispensáveis e adequadas à prevenção da doença, fora do modo normal de actuação administrativa, nomeadamente, porque a autoridade sanitária age sem dependência hierárquica e sem necessidade de observar qualquer procedimento administrativo. (destaque nosso)
Para nós, esta última nota é absolutamente essencial para caracterizar as medidas que a autoridade sanitária pode tomar no exercício das competências conferidas pela aludida norma legal. Na verdade, da norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M decorre muito claramente que a autoridade sanitária exerce a sua actividade «sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial». É, pois, uma actividade desprocedimentalizada. Ora, é evidente que só se justifica que a lei atribua poderes à Administração para a prática desprocedimentalizada de actos que podem, eles próprios, ser gravosos para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares afectados, se existir um perigo para a saúde individual ou colectiva de tal modo iminente que não se compadeça com a demora que é própria de um procedimento administrativo ou judicial. Alguns exemplos: o encerramento de uma escola por aí eclodir um surto de sarampo, o encerramento de um restaurante cujas instalações não garantem uma manipulação segura dos alimentos colocando em risco a saúde dos seus clientes, o encerramento de uma fábrica que liberta produtos de elevada toxicidade. Nestas, como noutras situações concebíveis, a prevenção da doença e a protecção da saúde individual e colectiva impõem uma actuação imediata por parte da autoridade sanitária e daí que se justifique que a lei lhe atribua poderes para tomar medidas sem necessidade de procedimento.
Quer isto dizer que, se a medida a tomar ou o acto a praticar é compatível com a organização de um procedimento administrativo ou judicial, nesse caso, por definição, deixa de se justificar a intervenção da autoridade sanitária ao abrigo do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M que temos vindo a referir.
A citada norma confere poderes excepcionais e como é evidente deve ser usada excepcionalmente. Não pode servir de suporte à subversão das normas de competência desenhadas para o normal das situações como no caso aconteceu. (destaque nosso)
Com efeito, com o acto recorrido a autoridade sanitária não tomou qualquer medida destinada à prevenção da doença daquelas que o n.º 2 do artigo 4.º prevê. Praticou, antes, sem competência legal para o efeito, um acto de revogação do acto de autorização ou de licenciamento do exercício da actividade privada de medicina chinesa por parte do Recorrido, embora sob o pretexto infundado de se tratar de uma medida destinada a prevenir a saúde das respectivas pacientes. Isto, na sequência de um procedimento administrativo que se prolongou por cerca de nove meses, destituído, portanto, de qualquer urgência ou necessidade que justificasse a intervenção daquela autoridade.
Importa sublinhar que a competência para a concessão e para o cancelamento da licença prevista para o exercício das actividades privadas de prestação de cuidados de saúde é do Director dos Serviços de Saúde, não enquanto autoridade sanitária, mas enquanto órgão da Direcção dos Serviços de Saúde no exercício das funções de regulação da actividade privada de prestação de cuidados de saúde, tal como expressamente resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea e) do Decreto Lei n.º 81/99/M. (destaque nosso)
Existindo esta norma específica de competência, fica evidentemente afastada a possibilidade de fundamentar a prática do mesmo acto ao abrigo da norma genérica do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M. Admitimos, no limite, que a autoridade sanitária, assim que teve conhecimento da inadmissível conduta do Recorrido relativamente às suas pacientes tivesse, por exemplo, determinado o encerramento do seu consultório. Mas não existe qualquer fundamento para que, invocando os poderes que lhe são atribuídos por aquela norma antes referida, tivesse determinado o cancelamento da respectiva licença para o exercício da actividade privada de medicina tradicional chinesa.
Aliás, basta pensarmos na hipótese de o Recorrido ser um médico dos quadros dos Serviços de Saúde e, portanto, um trabalhador da Administração Pública, para percebermos como é completamente destituída de sentido a tese do Recorrente. É que, nesse caso, a adoptar-se a tese que o Recorrente insiste em defender no presente recurso jurisdicional, o médico dos Serviços de Saúde poderia ser suspenso, aposentado compulsivamente ou até mesmo demitido pela autoridade sanitária, que pode ser um outro médico, sem necessidade de qualquer procedimento e, portanto, sem audiência prévia, com base na norma do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, o que é obviamente inaceitável. E é-o porque essa norma é de todo inidónea a dar cobertura legal a uma tal actuação. (destaque nosso)
Pretendendo o Recorrente cancelar a dita licença está o mesmo legalmente obrigado a desencadear um procedimento legal para esse efeito, seja ou não de natureza sancionatória que, se verificados os respectivos pressupostos, culmine com tal cancelamento.
Não temos dúvidas, pois, de que a decisão recorrida andou bem ao considerar que a norma do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 81/99/M, única que foi invocada pelo Recorrente para fundamentar o acto contenciosamente recorrido, não constitui habilitação legal para a prática do acto impugnado. Por isso, não padece do erro de julgamento que lhe foi apontado e isto basta para concluir que o recurso jurisdicional deve improceder.
(…)”.
Subscrevendo estes pontos de vista, acrescentamos ainda o seguinte:
A concessão e cancelamento da autorização de licença para exercício da medicina tradicional chinesa encontra-se disciplinada no DL nº 84/90/M, de 31 de Dezembro, dispondo o seu artigo 21º (Violação dos deveres profissionais) :

1. A violação dos deveres consagrados no artigo 3.º, é punida com as seguintes sanções:
a) Multa de 3 000 a 6 000 patacas, tratando-se de qualquer dos deveres previstos nas alíneas a), f), g) e h) do n.º 1;
b) Multa de 1 000 a 2 000 patacas, tratando-se de qualquer dos deveres previstos nas restantes alíneas do n.º 1.
2. Se a infracção revestir a natureza de crime contra a saúde pública ou de comércio ilícito de estupefacientes e psicotrópicos, será a multa acrescida de suspensão da licença pelo período de 30 a 90 dias e, em caso de reincidência, com o seu cancelamento.
Por seu turno, o artigo 24º (Outras causas de suspensão ou cancelamento da licença ou do alvará) manda:
     1. A inobservância das instruções da Direcção dos Serviços de Saúde quanto às alterações que devam ser feitas nas instalações ou nos equipamentos afectos à prestação dos cuidados de saúde determinará a suspensão da licença ou do alvará até ao momento em que tenham sido realizadas.
     2. Será cancelada a licença ou o alvará que tenha sido objecto de suspensão mais do que duas vezes no prazo de três anos.

Dúvida não resta que o legislador consagra as sanções numa forma gradual e proporcional, e só em caso de reincidência e a violação atinge um grau de gravidade é que opta pela sanção radical: privação definitiva do exercício da medicina tradicional chinesa.
É este sistema que está em vigor.
Os factos imputados ao Recorrido merecem forte censura e justificam uma reacção por parte da DSS, mas sempre dentro do quadro legal!
Pois, cancelar uma licença administrativa é sempre o último meio, de carácter sancionatório mais gravoso, que a Administração Pública adopta para sancionar o infractor, por entender que não há outros meios mais adequados para esta finalidade.
No caso, não há factos provados que preencham os requisitos referidos no artigo 24º do citado DL, razão pela que há erro na aplicação de direito (e também falta de competência e de pressupostos de facto para cancelar a respectiva licença), o que impõe à improcedência do recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida (pois não há erro no julgamento tal com esta defende), mantendo-se a decisão do TA ora posta em crise.
Com este decidido fica prejudicado o conhecimento de mais questões.
*
Síntese conclusiva:
I - A norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, consagra uma norma excepcional que institui expressamente que a autoridade sanitária exerce a sua actividade “sem necessidade de processo prévio, administrativo ou judicial”, portanto uma actividade desprocedimentalizada.
II - As medidas indispensáveis à prevenção ou à eliminação de factores ou situações susceptíveis de pôr em risco ou causar prejuízos à saúde individual ou colectiva, são, por natureza, diferentes das medidas de suspensão e de cancelamento da licença do exercício de medicina tradicional chinesa, matéria esta que tem a sua base legal no DL nº 84/90/M, de 31 de Dezembro, mormente nos seus artigos 21º e 24º.
III – A revogação da licença para exercício da medicina tradicional chinesa depende da verificação dos pressupostos de facto legalmente previstos, a falta destes, não obstante serem merecedores de forte censura outros factos imputados ao infractor/médico/Recorrente (na primeira instância), determina erro na aplicação de direito, uma vez que a Entidade Recorrida revogou tal licença com base no artigo 4º/2 do DL nº 81/99/M, de 15 de Novembro, o que é razão bastante para anular a respectiva decisão administrativa ora posta em crise.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 12 de Novembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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