打印全文
Processo n.º 934/2020 Data do acórdão: 2020-11-19
Assuntos:
– cúmulo jurídico por conhecimento superveniente
– perda da autonoma da pena de prisão suspensa na execução
– decurso completo do período da suspensão da pena
S U M Á R I O

A pena de prisão suspensa na sua execução aplicada em determinado processo penal perde a sua autonomia como tal a partir do momento em que vier a ser objecto de cúmulo jurídico de penas feito no âmbito de outro processo, pelo que o posterior desfazer desse cúmulo por causa da necessidade de feitura, por conhecimento superveniente, de um novo cúmulo jurídico no seio de um outro processo penal não faz repristinar a autonoma daquela pena de prisão, devendo, pois, a mesma pena entrar na operação desse novo cúmulo, ainda que aquando da feitura do novo cúmulo, o período da suspensão da execução da mesma pena já tenha decorrido completamente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 934/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 351 a 354 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-20-0016-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que lhe procedeu ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nesse processo com todas as penas parcelares então aplicadas em diversos processos e então finalmente englobadas na pena única achada no Processo Comum Colectivo n.o CR4-18-0205-PCC do TJB, e, como tal, lhe fixou a pena única de cinco anos e seis meses de prisão, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em essência, na sua motivação apresentada a fls. 360 a 370 dos presentes autos correspondentes, que houve violação, por parte do Tribunal sentenciador, do disposto nos art.os 71.o e 72.o do Código Penal (CP) aquando da feitura do cúmulo jurídico das penas, porque, no entender dele, não deveriam ter entrado na operação do cúmulo jurídico em questão as penas outrora aplicadas nos Processos n.os CR1-12-0108-PCC, CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM (por a pena aplicada no Processo n.o CR1-12-0108-PCC já ter sido declarada extinta, e as penas aplicadas nesses Processos n.os CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM já terem terminado os respectivos períodos de suspensão da execução), de maneira que ele deveria passar a ser condenado em quatro anos e nove meses de prisão, como devido resultado do cúmulo jurídico das 13 penas parcelares, em causa num total de nove processos.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 380 a 383v, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 397 a 398, opinando pela improcedência da pretensão do recorrente.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 351 a 354 dos presentes autos penais, com o n.o CR4-20-0016-PCS no TJB, aresto esse cuja fundamentação fáctica e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Nesse acórdão, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido A ora recorrente neste processo com todas as penas parcelares então aplicadas em diversos processos e então finalmente englobadas na pena única achada no Processo Comum Colectivo n.o CR4-18-0205-PCC do TJB, e, como tal, foi-lhe fixada a pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
3. Na fundamentação desse acórdão ora recorrido, o Tribunal seu autor referiu que:
– a pena de dois anos e três meses de prisão, aplicada no Processo n.o CR1-12-0108-PCC por um crime de coacção sexual, com suspensão da sua execução por três anos, já foi declarada extinta (sendo essa condenação um antecedente criminal);
– relativamente à pena de dois meses de prisão, aplicada no Processo n.o CR4-17-0081-PSM por um crime de desobediência, com suspensão da sua execução por dois anos, já decorreu o prazo dessa suspensão (sendo essa condenação um antecedente criminal);
– relativamente à pena de dois meses de prisão, aplicada no Processo n.o CR5-17-0087-PSM (inicialmente n.o CR1-17-0116-PSM) por um crime de injúria agravada, com suspensão da sua execução por um ano, já decorreu o prazo dessa suspensão (sendo essa condenação um antecedente criminal).
4. Do teor da fundamentação do acórdão ora recorrido, sabe-se que a pena de prisão então aplicada no acima referido Processo n.o CR4-17-0081-PSM já foi englobada no cúmulo jurídico feito no Processo n.o CR3-17-0437-PCC.
5. Do teor da fundamentação do mesmo acórdão, sabe-se que a pena de prisão então aplicada no acima referido Processo n.o CR5-17-0087-PSM já foi englobada no cúmulo jurídico feito no Processo n.o CR2-19-0071-PCC.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação do recurso, o arguido preconizou que as suas penas impostas nos Processos n.os CR1-12-0108-PCC, CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM não deveriam ter entrado no cúmulo jurídico operado no acórdão ora recorrido.
Desde já, quanto à pena do primeiro desses três processos, o Tribunal autor do acórdão ora recorrido apenas a considerou como um antecedente criminal do arguido, e não como uma das penas objecto do cúmulo jurídico.
E no respeitante às penas desses dois últimos processos, o mesmo Tribunal autor do aresto recorrido também as considerou somente como antecedentes criminais do arguido. Entretanto, para o presente Tribunal ad quem, não é adequado esse entendimento, porquanto, tal como observou a Digna Procuradora-Adjunta no seu judicioso parecer emitido em sede de vista, as duas penas de prisão em causa já perderam a sua autonomia a partir do momento em que vieram a ser objecto de cúmulos jurídicos feitos no âmbito de outros dois processos (cfr. os pontos 4 e 5 da parte II do presente acórdão de recurso).
Portanto, o desfazer desses cúmulos jurídicos por causa da necessidade de feitura de um novo cúmulo jurídico no seio do processo subjacente ao presente recurso penal não tem a virtude de fazer repristinar a autonomia daquelas duas penas de prisão, de maneira que as mesmas duas penas de prisão deveriam entrar no cúmulo jurídico operado no acórdão ora recorrido.
Assim sendo, havendo que considerar também essas duas penas de prisão (então aplicadas nos Processos n.os CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM) como penas parcelares componentes do cúmulo jurídico objecto do acórdão recorrido, e por obediência ao princípio da proibição de reforma para pior plasmado no art.o 399.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, é nítido que o arguido recorrente já não pode passar a ser condenado em pena única inferior à pena de cinco anos e seis meses de prisão finalmente achada nesse aresto.
Do exposto, naufraga o recurso, sem mais indagação por desnecessária, havendo que manter a decisão recorrida de imposição de cinco anos e seis meses de prisão ao arguido, ainda que com fundamentação algo diversa da sustentada pelo Tribunal recorrido (já que, repita-se, as duas penas de prisão por que vinha condenado o arguido nos Processos n.os CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM deveriam ter entrado no cúmulo jurídico operado no acórdão ora recorrido, e como tal não deveriam ter sido consideradas apenas como dois antecedentes criminais dele).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do arguido recorrente A, mantendo, por conseguinte, a decisão recorrida de imposição da pena única de cinco anos e seis meses de prisão a ele, ainda que com fundamentação algo diversa da sustentada pelo Tribunal recorrido (porquanto as penas de prisão por que ele vinha condenado nos Processos n.os CR4-17-0081-PSM e CR5-17-0087-PSM também deveriam ter entrado no cúmulo jurídico operado no acórdão ora recorrido).
Pagará o recorrente as custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça, e três mil patacas de honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 19 de Novembro de 2020.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 934/2020 Pág. 1/8