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Processo n.º 65/2020
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 19 de Novembro de 2020

Assuntos:

- Regulamento do Procedimento Concursal da Carreira Médica e lista classificativa intermédia no procedimento concursal para o ingresso e acesso das careiras gerais da função pública (artigo 35º do RA abaixo referido)

SUMÁRIO:

I - O Regulamento Administrativo (RA) nº 14/2016, de 13 de Junho, pelo qual se fixam as normas sobre o “Recrutamento, selecção e formação para efeitos de acesso dos trabalhadores dos serviços públicos” aplica-se às carreiras gerais da função pública. Uma das novidades deste regime consiste em introduzir o conceito de lista classificativa intermédia no procedimento concursal para o ingresso e acesso da função pública (artigo 35º do RA)
II – A carreira médica encontra-se disciplinada pela Lei nº 10/2010, de 6 de Setembro. O legislador confere, no artigo 21º desta Lei, o poder regulamentar ao Chefe do Executivo em matéria de concurso para ingresso e acesso à carreira médica. Na sequência disto foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo nº 31/2012, de 11 de Junho, que institui o chamado Regulamento do Procedimento Concursal da Carreira Médica, em que não se exige a publicação da “lista classificativa intermédia”.
III – Não obstante o Despacho referido em II ser hierarquicamente inferior ao Regulamento Administrativo citado em I, e ser anterior ao mesmo cronologicamente, como o referido RA, no seu artigo 1º /2, faz uma ressalva expressa nos temos de: “2. O regime previsto no presente regulamento administrativo não prejudica a aplicação de regimes próprios definidos para as carreiras especiais”, deve prevalecer-se o Despacho do Chefe do Executivo em análise, quando se trata de concurso para acesso à carreira médica. Logo, não há obrigatoriedade de publicação da chamada lista classificativa intermédia.
IV – Nas provas de conhecimento, o júri goza de uma ampla margem de livre apreciação da actuação do candidato, podendo formular-lhe as perguntas adequadas para avaliar a sua capacidade para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional, matéria que se situa na área de discricionariedade técnica.
V - Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes de livre apreciação administrativa ou evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais do Direito Administrativo (ex. o da proporcionalidade ou o da justiça…etc), justifica a sindicância contenciosa por parte do poder judicial sobre a legalidade do acto em causa.

O Relator,

_______________
Fong Man Chong

Processo n.º 65/2020
(Autos de recurso contencioso)

Data : 19/Novembro/2020

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 05/12/2019, que manteve a decisão de atribuição ao Recorrente uma nota de 7 valores (reprovado) no concurso condicionado de aceso para preenchimento de um lugar de chefe de serviço, 1º escalão, da carreira médica, área funcional hospitalar, área profissional de cirurgia geral, do quadro do pessoal dos Serviço de Saúde, aberto por anúncio publicado no BO nº 27, II Série, de 3/07/2019, dele veio, em 16/01/2020 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 7, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 本司法上訴之提起屬適時,貴院具有權限審理本司法上訴;
關於違反法律之瑕疵方面
2. 於2019年7月3日第27期第二組的《澳門特別行政區公報》,為填補衛生局人員編制內醫生職程醫院職務範疇第一職階主任醫生(普通外科專科)一缺,衛生局作出開考通告,以及公佈於《澳門特別行政區公報》;
3. 根據開考通告第5條,甄選方法分為兩階段,“成績以0至10分表示,而每項甄選方法之評分比例如下:知識考試(淘汰制)(佔50%)及履歷評核(佔50%)。
4. 根據上述開考之評分準則第3.4.條,“考試的最後成績由知識考試及履歷分析兩部份成績,按典試委員會預先訂定的加權值加總獲得,以0至10分制表示,保留小數後兩位。”;
5. 其後,司法上訴人報名投考上述職位空缺,分別於2019年8月28日及於2019年10月3日在《澳門特別行政區公報》刊登通告,指出臨時名單及確定名單張貼在若憲馬路衛生局人事處(位於仁伯爵綜合醫院內)及已上載於衛生局網頁供司法上訴人查閱;
6. 於2019年10月3日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,公佈知識考試的舉行地點、日期及時間;於2019年10月23日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,通知司法上訴人知識考試成績名單;於2019年11月13日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,通知司法上訴人,履歷討論的舉行地點、日期及時間;
7. 直至2019年12月11日,第50期第二組副刊的《澳門特別行政區公報》,直接公佈了上述開考的最後成績名單,當中指出司法上訴人被除名,原因是最後成績中得分低於7分,此外,根據第131/2012號行政長官批示《醫生職程開考程序規章》第十九條第四款的規定,投考人可自本名單公佈之日起計三十日內向中級法院提起司法上訴;
8. 根據第131/2012號行政長官批示《醫生職程開考程序規章》第二十二條,以及根據第14/2016號行政法規《公務人員的招聘、甄選和晉級培訓》第五十六條及第三十五條第三款的規定,典試委員會應促使每一階段的成績於《澳門特別行政區公報》作出公布。
9. 然而,在本次開考中,不論是被訴實體還是典試委員會,均沒有就履歷評核這階段的成績作出任何公佈,司法上訴人無法針對履歷評核這階段的成績提出任何的異議或上訴,亦不知悉有關分數。
10. 因此,除應有尊重外,司法上訴人認為被上訴之名單違反了上述規定,具有違反法律之瑕疵;
11. 根據《行政訴訟法典》第21條第一款d)項之規定,由於被上訴之名單違反了第131/2012號行政長官批示《醫生職程開考程序規章》第二十二條,以及經第23/2017號行政法規修改的第14/2016號行政法規《公務人員的招聘、甄選及晉級培訓》第三十五條第三款之規定,故有關批示及最後成績名單屬可撤銷。
關於違反評分準則之瑕疵方面
12. 在履歷審查和答辯考試中,典試委員會曾提問司法上訴人關於第四屆赴葡就讀計劃的問題;
13. 而典試委員會成員就履歷討論的答辯評分中,亦提及到“Training in Portugual”、“Portugual training”;
14. 司法上訴人是於1989年7月至1990年9月參加第四屆赴葡就讀計劃。
15. 當時,司法上訴人仍未入職衛生局,司法上訴人於1990年10月15日才入職衛生局成為全科實習醫生;於1992年6月1日,司法上訴人擔任第一職階全科醫生;直至1993年4月1日,司法上訴人才擔任專科培訓之實習醫生。
16. 根據開考之評分準則第3.2.1條、第3.2.2條及第3.2.3.條之規定,履歷審查和答辯考試中,不應考慮投考人在大學及全科實習期間的活動、以及擔任普通科醫生的職務。
17. 然而,除應有尊重外,典試委員會成員並沒有遵守評分準則的規定,在履歷分析和答辯考試評分時,考慮了司法上訴人成為實習醫生前的活動;
18. 因此,除應有尊重外,典試委員會對履歷評核的評分,具有違反評分準則之瑕疵,屬可撤銷之情況,根據《行政訴訟法典》第21條第一款d)項之規定,故有關批示及最後成績名單屬可撤銷。
關於知識考試違反評分準則之瑕疵方面
19. 在知識考試中,典試委員會曾提問司法上訴人3個不屬於仁伯爵綜合醫院外科醫生職務範圍的問題:
1) 十二指腸腫瘤併出血的診斷,關於使用小腸內鏡;
2) 肝硬化胃底靜脈曲張的診斷和內鏡治療,關於使用食道胃鏡;
3) 胃穿孔修補手術後出現急性呼吸窘迫綜合症(ARDS)時,深切治療室(ICU)呼吸機使用模式。
20. 然而,上述3項問題,在仁伯爵綜合醫院,並非由外科醫生負責處理的,亦超出了仁伯爵綜合醫院外科醫生的職務及知識範圍;
21. 在仁伯爵綜合醫院,上述第1項及第2項問題,由胃腸科醫生負責處理;而上述第3項問題,由於仁伯爵綜合醫院的深切治療室(ICU)是綜合深切治療室(ICU),患者出現急性呼吸窘迫綜合症(ARDS)時,外科醫生會將患者送到ICU並由ICU的醫生負責處理;
22. 根據開考之評分準則第3.1.1條之規定:“知識考試旨在評核投考人在相關職務範疇情況下解決問題、行動及反應的能力,藉介紹及討論一份部門或單位的臨床管理報告或一項研究工作為之。”
23. 除應有尊重外,典試委員會成員並沒有遵守評分準則的規定,在知識考試中,向司法上訴人提問不屬於其相關職務範疇的問題;
24. 因此,除應有尊重外,典試委員會對知識考試的評分,具有違反評分準則之瑕疵,屬可撤銷之情況,根據《行政訴訟法典》第21條第一款d)項之規定,故有關批示及最後成績名單可撤銷。
* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 101 a 118, tendo formulado as seguintes conclusões:
i. O Recorrente pretende com o presente recurso demonstrar que o acto recorrido padece do vício de violação de lei pela não publicação no Boletim Oficial da análise curricular e, bem assim, que viola os critérios de avaliação relativos à análise curricular e à prova de conhecimentos.
ii. Não pode a Entidade Recorrida concordar com a posição sufragada pelo Recorrente, impugnando, portanto, toda a petição de recurso, com excepção dos artigos 1.º a 15.°, dos artigos 25.° a 27.° e do artigo 35.°.
iii. O artigo 36.° do Regulamento Administrativo n.º 14/2016, aplicável ex vi do artigo 22.º do Anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 131/2012, e em conjugação com o disposto no artigo 56.° do citado Regulamento Administrativo, deve ser interpretado em consonância com o consagrado no n.º 3 do artigo 35.° daquele Regulamento.
iv. À luz do disposto no n.º 3 do artigo 35.° do Regulamento Administrativo n.º 14/2016, os candidatos podem interpor recurso para a entidade que autorizou a abertura do concurso da lista classificativa intermédia e não da lista classificativa de todos os métodos de selecção.
v. Nos termos do ponto 5 do aviso de abertura do presente concurso, a selecção é efectuada mediante aplicação de dois métodos de avaliação, as provas de conhecimentos (eliminatória) e a análise curricular, valendo cada um deles a classificação de 50%, o que significa que no presente concurso a lista classificativa intermédia diz apenas respeito à prova de conhecimentos.
vi. Caso fosse intenção do legislador permitir a interposição de recurso para a entidade que autorizou a abertura do concurso da classificação de todos os métodos de selecção, o Regulamento Administrativo n.° 14/2016 não faria referência expressa e intencional a "lista classificativa intermédia".
vii. No concurso em apreço a prova de conhecimento reveste carácter eliminatório, contrariamente à análise curricular, o que reforça a nossa posição de que não é obrigatório, por falta de suporte legal, publicar no Boletim Oficial a lista de classificação daquele último método de selecção (neste mesmo sentido, vide as orientações da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública emitidas em 27 de Junho de 2018, juntas como documento n.º 1).
viii. O n.º 1 do artigo 15.° e o artigo 17.° do Anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 131/2012 não fazem qualquer referência à publicação no Boletim Oficial da Esta classificativa do último método de selecção, até porque, de acordo com aqueles preceitos legais, terminada a aplicação dos métodos de selecção segue-se a elaboração pelo júri da lista de classificação final, a sua homologação pela entidade que autorizou a abertura do concurso e a consequente publicação no Boletim Oficial.
ix. Das normas legais que regulam a matéria relativa aos procedimentos concursais depreende-se que o legislador teve como linha orientadora de pensamento a tão almejada celeridade que os concursos públicos exigem, eliminando-se todas as etapas que poderiam contribuir para um arrastar do fim do procedimento concursal e que, na prática, poderiam não produzir o efeito pretendido pelos candidatos.
x. As listas classificativas são obrigatoriamente homologadas pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, o que significa que antes da respectiva homologação foram objecto de análise e, posterior, concordância por parte daquela entidade.
xi. O facto da legislação vigente na RAEM não admitir a publicação no Boletim Oficial da lista classificativa do último método de seleccção, in casu da análise curricular, quando esta não é eliminatória, não significa que se esteja a coarctar os direitos de defesa dos candidatos ao concurso, já que os candidatos podem não só impugnar a análise curricular no recurso contencioso, como fez o Recorrente no presente processo, mas também reclamar para o autor do acto (isto é, para o júri) e, ou simultaneamente, interpor recurso facultativo para a Entidade Recorrida, nos termos gerais consagrados nos artigos 145.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
xii. A lista de classificação da análise curricular não tem de ser publicada no Boletim Oficial, por não se tratar da lista classificativa intermédia, não havendo qualquer violação do n.º 3 do artigo 35.º do Regulamento Administrativo n.º 14/2016, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 23/2017, nem do artigo 22.º do Anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 131/2012, porquanto o acto recorrido não enferma do vício de violação de lei.
xiii. O PEP 4 ("Curso de Introdução e Administração Pública", Serviço de Administração e Função Pública, Macau & Portugal) frequentado pelo Recorrente entre 1 de Julho de 1989 e 30 de Setembro de 1990 consistiu num curso de formação profissional, centrado na aprendizagem e no aperfeiçoamento da língua e cultura portuguesas (cfr. página 49 do curriculum vitae do Recorrente, junto à petição de recurso como documento n.º 11).
xiv. Pese embora o Recorrente tenha frequentado o referido curso antes de ter iniciado o internato complementar em 1993, ele não pode ser considerado como uma actividade desenvolvida pelo ora Recorrente no âmbito académico, no internato geral, nem no desempenho de funções na categoria de médico geral.
xv. O júri não estava impedido de questionar o Recorrente sobre aquele curso, uma vez que o mesmo não se integra no ponto 3.2.3. dos critérios de avaliação da análise curricular.
xvi. O presente concurso visa o preenchimento de um lugar de chefe de serviço da carreira médica e, ao abrigo do disposto no artigo 15.º da Lei n.º 10/2010, ao chefe de serviço são atribuídas as funções inerentes à categoria de médico consultor, previstas no artigo 14.º da mesma Lei, e ainda as funções elencadas nas alíneas 1) a 7) daquele artigo 15.º e que estão relacionadas com a gestão, a supervisão, a formação e a definição das políticas de saúde.
xvii. Faz, por isso, todo o sentido que, no decurso da discussão curricular, tenham sido colocadas ao candidato, ora Recorrente, questões relativas ao funcionamento e à gestão da administração pública.
xviii. Foi o Recorrente quem incluiu o curso em causa no seu curriculum vitae e se o fez foi por ter entendido que o mesmo é relevante e oportuno e, nessa medida, a defesa de que o júri não o poderia abordar não encontra razão de ser.
xix. O júri não violou os critérios de avaliação respeitantes à análise curricular, porquanto o PEP 4 ("Curso de Introdução e Administração Pública", Serviço de Administração e Função Pública, Macau & Portugal) não está incluído no ponto 3.2.3. dos mencionados critérios e as questões que foram colocadas ao Recorrente no âmbito deste curso são relevantes para avaliar a sua capacidade de gestão, supervisão, formação e definição das políticas de saúde, conforme resulta das funções atribuídas a um chefe de serviço plasmadas no artigo 15.º da Lei n.º 10/2010.
xx. O Recorrente candidatou-se a um lugar de topo da carreira médica, a de chefe de serviço, pelo que as funções a desempenhar exigem um amplo conhecimento da medicina.
xxi. Um médico colocado na respectiva carreira na categoria de chefe de serviço tem de ser capaz de resolver, eficaz e atempadamente, os problemas e as questões apresentadas pelos seus colegas colocados em categorias inferiores, até porque é ao chefe de serviço que eles irão recorrer sempre que precisarem.
xxii. Em momento algum, o júri exigiu ao candidato, ora Recorrente, que saiba fazer os procedimentos inerentes às perguntas em causa, isto é, que saiba praticar aqueles actos médicos, pois o que se exige é que ele tenha conhecimento teórico sobre os procedimentos que deverão ser adoptados, sempre que, na prática, se confronte com tais problemas.
xxiii. O Recorrente, enquanto médico cirurgião, tem o dever de identificar os problemas e de saber reagir e actuar, de forma célere e assertiva, em prol da saúde e do bem estar do doente.
xxiv. A área da cirurgia geral encontra-se interligada a outras áreas de especialidade médica, o que exige do médico cirurgião um domínio vasto e diversificado desta ciência.
xxv. As três questões referidas pelo Recorrente pertencem ao seu âmbito de conhecimento e prova disso é que o Recorrente no artigo 33. da petição de recurso admite que é o médico cirurgião quem transfere o doente para a Unidade de Cuidados Intensivos, o que só é possível devido aos seus conhecimentos.
xxvi. Face à resposta do candidato, ora Recorrente, de que não pretendia apresentar, para efeitos de discussão, um projecto de gestão clínica de um serviço ou unidade ou de um trabalho de investigação, o júri decidiu colocar-lhe questões teóricas destinadas a avaliar a sua capacidade para resolver problemas, actuar e reagir, tendo sempre em vista avaliar a sua aptidão para o desempenho de funções de gestão, supervisão e formação inerentes à categoria de chefe de serviço.
xxvii. O Recorrente faz tábua rasa do conceito de discricionariedade técnica, conceito essencial nos procedimentos concursais da carreira médica.
xxviii. No presente caso estão efectivamenete em causa os parâmetros daquilo a que a doutrina designa de discricionariedade técnica, ou seja, os pressupostos que integram a previsão da norma e que encerram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.
xxix. A tecnicidade e a especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização sobre o conteúdo das soluções atingidas se restrinja a casos-limite, a situações excepcionais em que se torna patente mesmo a um leigo o carácter ostensivamente inadmissível, grosseiramente erróneo, dos resultados fundados em regras técnicas.
xxx. Só nestes casos extremos é que alguém se poderá imiscuir no exercício da discricionariedade técnica dos médicos, podendo inclusivamente recomendar a anulação do correspondente acto administrativo com fundamento em erro manifesto de apreciação.
xxxi. No caso concreto, conforme se pode confirmar pela análise do processo administrativo, para o qual se remete, não há quaisquer indícios de erro grosseiro, grave ou flagrante que tenha sido cometido pelo júri na avaliação das provas realizadas pelo ora Recorrente.
xxxii. Analisada a decisão do júri verifica-se que nada existe de desrazoável, arbitrário ou inadmissível nos juízos efectuados, pelo que as classificações atribuídas pelo júri ao Recorrente na prova de conhecimentos e na análise curricular mostram-se justas, proporcionais e adequadas, pelo que não há aqui qualquer violação dos critérios de avaliação.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 267 a 269):
Nos termos previstos na norma do artigo 69.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público emitir parecer como segue:
1. A, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura datado de 5 de Dezembro de 2019 que homologou a lista classificativa final do concurso de acesso para o preenchimento de um lugar de chefe de serviço, 1.º escalão, da carreira médica, área funcional hospitalar, área profissional de cirurgia geral, do quadro de pessoal dos Serviços de Saúde, alegando, em síntese, que o acto recorrido enferma de três vícios invalidantes:
(i) Violação de lei por não ter sido publicada a classificação da avaliação curricular;
(ii) Violação da grelha classificativa em virtude de o júri ter ponderado actividades realizadas pelo Recorrentes antes de ser médico interno;
(iii) Violação da grelha classificativa resultante de o júri ter feito perguntas na prova de conhecimentos não relacionadas com o âmbito da sua área profissional.
2.
2.1.
A primeira questão que vem colocada pelo Recorrente é a da alegada violação da norma n.º 3 do artigo 35.º do Regulamento Administrativo n.º 14/2016, na redacção do Regulamento Administrativo n.º 23/2017. Aí se preceitua:
«O júri deve promover a imediata afixação da lista classificativa intermédia nos locais indicados no aviso de abertura do concurso e no sítio da Internet do SAFP, e a remessa para publicação no Boletim Oficial do anúncio onde constem os locais em que a mesma se encontra afixada e pode ser consultada».
Considera o Recorrente que esta norma foi violada na medida em que o júri não promoveu a publicação da classificação da avaliação curricular antes da publicação da lista classificativa final.
Em nosso modesto entendimento, não tem razão.
Com efeito, de acordo com o artigo 12.º do Regulamento do Procedimento Concursal da Carreira Médica anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 130/2012, os métodos de selecção dos candidatos são a prova de conhecimentos e a análise curricular, sendo que aquela antecede esta.
Daí que, o n.º 3 do artigo 35.º do Regulamento Administrativo n.º 14/2016, que é aplicável subsidiariamente ao procedimento Concursal das carreiras médicas por força do artigo 22.º do respectivo Regulamento anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 130/2012, imponha apenas a publicação da lista classificativa atinente à prova de conhecimentos por ser essa, no concreto procedimento em causa, a lista classificativa intermédia. Após a fase seguinte, que, como vimos, é a da análise curricular, terá lugar a publicação da lista final classificativa, uma vez que não se lhe segue nenhuma outra fase (extrai-se da referência que no n.º 4 do artigo 35.º do Regulamento Administrativo n.º 14/2016 é feita à «fase seguinte» que a publicação da lista intermédia pressupõe a existência dessa fase ou seja de uma fase que se siga a essa. Caso contrário, tratando-se da última fase do procedimento de selecção apenas haverá lugar a publicar a lista classificativa final).
No caso em apreço, foi publicada a lista contendo a classificação final da prova de conhecimentos em 23 de Outubro de 2019 e, após a análise curricular, em 11 de Dezembro de 2019, foi publicada a lista de classificação final, donde se conclui, face ao que antes referimos, ter sido observada norma do n.º 3 artigo 35.º do Regulamento administrativo n.º 14/2016.
Parece-nos, pois, que deve ser julgado improcedente o primeiro dos fundamentos do presente recurso.
2.2
A segunda questão colocada pelo Recorrente é a da alegada violação por parte do júri da grelha classificativa, nomeadamente dos respectivos pontos 3.2.1. e 3.2.3.
De acordo com o ponto 3.2.1., «a análise curricular consiste na apreciação e discussão do currículo profissional do candidato, e visa analisar a sua qualificação para o desempenho de determinada função, atendendo-se, designadamente, à sua competência profissional e científica, tendo como referência o perfil de exigências profissionais, genéricas e específicas do lugar a ocupar, bem como o percurso profissional, a relevância da experiência adquirida e da formação realizada, o tipo de funções exercidas e a avaliação de desempenho obtida».
Por sua vez, o ponto 3.2.3. da grelha classificativa do concurso refere que «na apreciação curricular e na prova de discussão, não devem ser consideradas actividades realizadas pelo candidato durante o curso universitário e o internato geral, e as funções de médico geral que desempenhou».
Considera o Recorrente que, ao ter ponderado actividades realizadas por si antes de ser médico interno, nomeadamente, a sua participação no 4.º Programa de Estudos em Portugal, que ocorreu numa altura em que ainda não havia ingressado nos Serviços de Saúde, o júri violou os referidos pontos da grelha classificativa.
Também neste ponto falta razão ao Recorrente.
Desde logo porque foi ele próprio que indicou no seu currículo aquela participação, na expectativa, certamente, de que a mesma fosse valorada pelo júri no momento da análise curricular. Depois, porque aquilo que do ponto 3.2.3. da grelha classificativa resulta impedido é a valoração de actividades realizadas pelo candidato durante o curso universitário e o internato geral que directamente se relacionem com a formação e a actividade médicas e não outras como aquela que está em causa.
Parece-nos, pois, sem necessidade de outras considerações que deve improceder este fundamento do recurso.
2.3
Finalmente, alega o Recorrente que o júri violou o ponto 3.1.1 da grelha classificativa do concurso no qual se estabelece que «a prova de conhecimentos destina-se a avaliar a capacidade do candidato para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional, através da realização da apresentação e discussão de um projecto de gestão clínica de um serviço ou unidade ou de um trabalho de investigação».
No entender do Recorrente, teria havido violação desse ponto da grelha classificativa na medida em que os membros do júri lhe fizeram perguntas não relacionadas com o âmbito da sua área funcional na prova de conhecimentos.
Sem razão, a nosso modesto ver.
Está em causa uma avaliação tendente a preencher um lugar de chefe de serviço na área da cirurgia geral, um lugar de topo na carreira médica que exige de quem o irá ocupar um conhecimento abrangente sobre os mais diversos aspectos da ciência médica.
Tal avaliação é, essencialmente, técnico-científica, gozando ao júri, dentro dos critérios definidos pela grelha classificativa proceder de uma ampla margem de livre apreciação (beurteilungsspielraum) não só quanto à avaliação propriamente dita mas também em relação às perguntas a efectuar na prova de conhecimento, cabendo-lhe, portanto, decidir se as perguntas que efectua na prova de conhecimentos são instrumentalmente adequadas «a avaliar a capacidade do candidato para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional».
Neste pressuposto, que nos parece incontornável, os poderes de sindicância do tribunal relativamente à actuação do júri do concurso estão fortemente limitados, de tal modo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes de livre apreciação administrativa ou evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais como o da proporcionalidade ou o da justiça, poderão justificar a intervenção do tribunal.
No caso, não vemos que a opção dos membros do júri de efectuarem as perguntas que o Recorrente referiu no artigo 30.º da petição inicial tenha sido desrazoável ou arbitrária à luz do âmbito definido no ponto 3.1.1 da grelha classificativa do concurso, tendo em conta a evidente ligação que a cirurgia geral, justamente por isso que é geral, com as outras especialidades médicas, não sendo pois possível estabelecer compartimentos epistemologicamente estanques numa área científica que, por natureza, é fortemente interdisciplinar como é a da medicina.
Estamos em crer, por isso, que o acto recorrido não enferma do último dos vícios que lhe foi imputado.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado improcedente.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

1. 於2019年7月3日第27期第二組的《澳門特別行政區公報》,為填補衛生局人員編制內醫生職程醫院職務範疇第一職階主任醫生(普通外科專科)一缺,衛生局作出開考通告,以及公佈於《澳門特別行政區公報》;
2. 根據開考通告第5條,甄選方法分為兩階段,“成績以0至10分表示,而每項甄選方法之評分比例如下:知識考試(淘汰制)(佔50%)及履歷評核(佔50%)。
3. 根據上述開考之評分準則第3.4.條,“考試的最後成績由知識考試及履歷分析兩部份成績,按典試委員會預先訂定的加權值加總獲得,以0至10分制表示,保留小數後兩位。”;
4. 其後,司法上訴人報名投考上述職位空缺,分別於2019年8月28日及於2019年10月3日在《澳門特別行政區公報》刊登通告,指出臨時名單及確定名單張貼在若憲馬路衛生局人事處(位於仁伯爵綜合醫院內)及已上載於衛生局網頁供司法上訴人查閱;
5. 於2019年10月3日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,公佈知識考試的舉行地點、日期及時間;於2019年10月23日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,通知司法上訴人知識考試成績名單;於2019年11月13日,衛生局在《澳門特別行政區公報》刊登通告,通知司法上訴人,履歷討論的舉行地點、日期及時間;
6. 直至2019年12月11日,第50期第二組副刊的《澳門特別行政區公報》,直接公佈了上述開考的最後成績名單,當中指出司法上訴人被除名,原因是最後成績中得分低於7分,此外,根據第131/2012號行政長官批示《醫生職程開考程序規章》第十九條第四款的規定,投考人可自本名單公佈之日起計三十日內向中級法院提起司法上訴;
7. Ao Recorrente foi atribuída pelo júri uma nota de 6.34 na prova de conhecimentos conforme o teor da acta e dos anexos juntos ao PA de fls. 148 a 155, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais;
8. A grelha de avaliação consta de fls. 210 a 215 do PA, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
9. A classificação final/decisão publicada no BO tem o seguinte teor:
衛 生 局
名 單
為填補衛生局人員編制內醫生職程醫院職務範疇第一職階主任醫生(普通外科專科)一缺,經二零一九年七月三日第二十七期《澳門特別行政區公報》第二組刊登以考核方式進行限制性晉級開考的公告。現公佈投考人最後成績如下:
被除名的投考人:
姓名
備註
A
a)
備註:
被除名的原因:
a)最後成績中得分低於7分。
根據第131/2012號行政長官批示《醫生職程開考程序規章》第十九條第四款的規定,投考人可自本名單公佈之日起計三十日內向中級法院提起司法上訴。
(經二零一九年十二月五日社會文化司司長的批示認可)
二零一九年十一月二十六日於衛生局
典試委員會:
主席:普通外科主任醫生 XXX醫生
正選委員:香港醫學專科學院代表 XXX醫生
香港醫學專科學院代表 XXX醫生

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
O Recorrente veio a imputar à decisão os seguintes vícios:
1) - Violação de lei por não ter sido publicada a classificação da avaliação curricular;
2) - Violação da grelha classificativa em virtude de o júri ter ponderado actividades realizadas pelo Recorrentes antes de ser médico interno;
3) - Violação da grelha classificativa resultante de o júri ter feito perguntas na prova de conhecimentos não relacionadas com o âmbito da sua área profissional.
*
Comecemos pela primeira questão suscitada.

1 - Falta de publicação da classificação da avaliação curricular:

Ora, o concurso em que o Recorrente tomou parte foi organizado basicamente à luz dos padrões fixados pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 131/2012, de 11 de Junho, que institui o chamado Regulamento do Procedimento Concursal da Carreira Médica. O seu artigo 1º (Objecto) dispõe:
     1. O presente regulamento define o procedimento concursal da carreira médica.
     2. O procedimento concursal consiste no conjunto de acções e operações de recrutamento e selecção de pessoal para efeitos de ingresso e acesso na carreira médica.
E, em termos das provas do concurso, os artigos 12º, 13º e 14º do citado Despacho mandam:

Artigo 12.º
Métodos de selecção
     Os métodos de selecção dos candidatos são a prestação de provas de conhecimentos e a análise curricular.
Artigo 13.º
Provas de conhecimentos
     1. As provas de conhecimentos destinam-se a avaliar a capacidade do candidato para resolver problemas e actuar, assim como reagir, em situações do âmbito da respectiva área funcional, com a realização de prova escrita ou a apresentação e discussão de um projecto de gestão clínica de um serviço ou unidade ou de um trabalho de investigação.
     2. As provas de conhecimentos têm lugar no âmbito dos procedimentos de recrutamento para a categoria de chefe de serviço, de médico assistente e de médico geral.
Artigo 14.º
Análise curricular
     1. A análise curricular consiste na apreciação e discussão do currículo profissional do candidato, e visa analisar a sua qualificação para o desempenho de determinada função, atendendo-se, designadamente, à sua competência profissional e científica, tendo como referência o perfil de exigências profissionais, genéricas e específicas do lugar a ocupar, bem como o percurso profissional, a relevância da experiência adquirida e da formação realizada, o tipo de funções exercidas e a avaliação de desempenho obtida.
     2. Na análise curricular são ponderados, designadamente, os elementos seguintes:
     1) Exercício de funções no âmbito da área funcional respectiva, ponderando, designadamente, o tempo e o modo como foram exercidas, a chefia de unidades técnico-funcionais, a orientação de internos e a participação em equipas ambulatórias;
     2) Capacidade e aptidão para a gestão, organização e chefia de serviços e unidades técnico-funcionais;
     3) Trabalhos e artigos publicados;
     4) Desempenho de cargos na área médica;
     5) Actividades docentes ou de investigação;
     6) Outros elementos de valorização profissional.
     3. Compete ao júri definir em acta, em momento anterior à publicação do aviso de abertura do procedimento concursal, os critérios a que obedece a valorização dos factores enunciados nos números anteriores.
     4. Na discussão do currículo devem intervir todos os membros do júri, dispondo cada membro de 15 minutos para o efeito, tendo o candidato igual tempo para a resposta.
     5. A discussão do currículo é pública, podendo a ela assistir todos os interessados que não sejam candidatos ao procedimento concursal, sendo o local, data e hora da sua realização atempadamente afixados em local visível e público das instalações dos Serviços de Saúde e disponibilizados na sua página electrónica.
     6. Os resultados da análise curricular, se não forem atribuídos por unanimidade, são obtidos pela média aritmética das classificações atribuídas por cada membro do júri.
Cabe realçar que o referido Despacho do Chefe do Executivo visa dar cumprimento ao artigo 21º da Lei nº 10/2010 (Regime da carreira médica), de 6 de Setembro, instituindo-se um regime especial para o ingresso e acesso à carreira médica.
Porém, a filosofia consagrada neste Despacho veio a sofrer alteração no que toca ao regime regulador da mesma matéria aplicável às carreiras gerais da função pública, pois, através do Regulamento Administrativo nº 14/2016, de 13 de Junho, foi introduzido um conceito de “lista classificativa intermédia”, permitindo-se atacar esta lista intermédia, ou seja, admite-se a possibilidade de recorrer desses actos intermédios do procedimento administrativo de recrutamento de pessoal da função pública.
É o artigo 35º (Lista classificativa) do citado Regulamento Administrativo que disciplina a matéria em vista. Este normativo, na redacção alterada pelo Regulamento Administrativo nº 23/2017, de 14 de Agosto, dispõe:
1. Concluída a aplicação dos métodos de selecção, o júri elabora a acta contendo a respectiva lista classificativa e sua fundamentação.
2. A acta a que se refere o número anterior é elaborada no prazo máximo de 15 dias, ou de 30 dias no caso do concurso de avaliação de competências integradas, a contar da data da aplicação do último método de selecção.*
3. O júri deve promover a imediata afixação da lista classificativa intermédia nos locais indicados no aviso de abertura do concurso e no sítio da Internet do SAFP, e a remessa para publicação no Boletim Oficial do anúncio onde constem os locais em que a mesma se encontra afixada e pode ser consultada.*
4. O local, data e hora da aplicação dos métodos de selecção da fase seguinte deve ser divulgado, nos termos referidos no número anterior, findo o prazo de interposição de recurso da lista classificativa intermédia ou, havendo recurso, findo o prazo para ser proferida decisão sobre o mesmo.*
5. A acta da lista classificativa final é de imediato submetida à entidade que autorizou a abertura do concurso para efeitos de homologação da lista classificativa, dispondo esta de 10 dias para o fazer.*
6. Homologada a lista classificativa final, o presidente do júri deve promover a sua publicação no Boletim Oficial, no sítio da Internet do SAFP e no sítio da Internet do serviço público ou entidade responsável pela abertura do concurso.*
(* Alterado - Consulte também: Regulamento Administrativo n.º 23/2017)
É de ver que, seguido este regime geral, há lugar à publicação da lista classificativa intermédia, devendo esta aguardar o decurso do prazo fixado para o eventual recurso, ou, havendo este deduzido, aguardar a respectiva decisão da entidade competente.
Portanto, a questão chave consiste em saber se este regime criado pelo Regulamento Administrativo aplica-se ou não ao concurso para o acesso à carreira médica?
A favor da resposta positiva pode invocar-se o seguinte:
1) – O Regulamento Administrativo é um diploma mais recente e é hierarquicamente superior à do Despacho do Chefe Executivo;
2) - O Regulamento Administrativo citado não visa alterar o regime substantivo do regime do procedimento concursal da carreira da médica, mas sim, introduzir e aperfeiçoar os trâmites procedimentais, e como tal deve ser aplicável.
Mas, uma outra leitura é também possível:
1) – O regime instituído pelo Despacho do Executivo é um regime especial, que só se aplica à carreira médica;
2) – O artigo 1º do Regulamento Administrativo (RA) nº 14/2016, no seu artigo 1º /2 faz uma ressalva expressa: “2. O regime previsto no presente regulamento administrativo não prejudica a aplicação de regimes próprios definidos para as carreiras especiais.”

Quid Juris?
Ora, salvo o melhor respeito, não nos parece que o citado RA pode ser evocado para o caso, já que está em causa um concurso de carreira especial para a qual foi criado um regime especial, de conteúdo quase completo, não obstante tal ser feito mediante um despacho administrativo, mas este tem a sua base numa lei habilitante, logo dispensa-se o recurso ao regime geral fixado pelo citado Regulamento Administrativo.
Nesta óptica, faltando fundamento para invocar o artigo 35º do citado RA para imputar a ilegalidade à decisão em análise por ofender este artigo 35º, julga-se improcedente o recurso nesta parte.

*
Passemos a ver a segunda questão colocada.
II - Violação da grelha classificativa em virtude de o júri ter ponderado actividades realizadas pelo Recorrentes antes de ser médico interno:
Neste ponto é da posição do Digno. Magistrado do MP:
“A segunda questão colocada pelo Recorrente é a da alegada violação por parte do júri da grelha classificativa, nomeadamente dos respectivos pontos 3.2.1. e 3.2.3.
De acordo com o ponto 3.2.1., «a análise curricular consiste na apreciação e discussão do currículo profissional do candidato, e visa analisar a sua qualificação para o desempenho de determinada função, atendendo-se, designadamente, à sua competência profissional e científica, tendo como referência o perfil de exigências profissionais, genéricas e específicas do lugar a ocupar, bem como o percurso profissional, a relevância da experiência adquirida e da formação realizada, o tipo de funções exercidas e a avaliação de desempenho obtida».
Por sua vez, o ponto 3.2.3. da grelha classificativa do concurso refere que «na apreciação curricular e na prova de discussão, não devem ser consideradas actividades realizadas pelo candidato durante o curso universitário e o internato geral, e as funções de médico geral que desempenhou».
Considera o Recorrente que, ao ter ponderado actividades realizadas por si antes de ser médico interno, nomeadamente, a sua participação no 4.º Programa de Estudos em Portugal, que ocorreu numa altura em que ainda não havia ingressado nos Serviços de Saúde, o júri violou os referidos pontos da grelha classificativa.
Também neste ponto falta razão ao Recorrente.
Desde logo porque foi ele próprio que indicou no seu currículo aquela participação, na expectativa, certamente, de que a mesma fosse valorada pelo júri no momento da análise curricular. Depois, porque aquilo que do ponto 3.2.3. da grelha classificativa resulta impedido é a valoração de actividades realizadas pelo candidato durante o curso universitário e o internato geral que directamente se relacionem com a formação e a actividade médicas e não outras como aquela que está em causa.
Parece-nos, pois, sem necessidade de outras considerações que deve improceder este fundamento do recurso.”

Subscrevendo estes pontos de vista, nada mais que merece acrescentar, é de julgar improcedente também o recurso nesta parte.
*
III – Questão da violação da grelha de avaliação:
Por ultimo, o Recorrente veio a suscitar a questão da violação da grelha de avaliação.
Alegou o Recorrente que o júri violou o ponto 3.1.1 da grelha classificativa do concurso, que tem o seguinte conteúdo:
“A prova de conhecimentos destina-se a avaliar a capacidade do candidato para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional, através da realização da apresentação e discussão de um projecto de gestão clínica de um serviço ou unidade ou de um trabalho de investigação.”
São os seguinte argumentos trazidos pelo Recorrente:
“(…)
四、關於知識考試違反評分準則之瑕疵方面
30. 在知識考試中,典試委員會曾提問司法上訴人3個不屬於仁伯爵綜合醫院外科醫生職務範圍的問題:
1) 十二指腸腫瘤併出血的診斷,關於使用小腸內鏡;
2) 肝硬化胃底靜脈曲張的診斷和內鏡治療,關於使用食道胃鏡;
3) 胃穿孔修補手術後出現急性呼吸窘迫綜合症(ARDS)時,深切治療室(ICU)呼吸機使用模式。
31. 而典試委員會成員就知識考試的評分中,亦提及到“Duodenal GIST”、“Post Gastrectomy Atelectasis, ARDS”、“Bleeding gastric varizes”,可見典試委員會成員就上述3個問題作出了評分(見司法上訴所針對的行政卷宗之典試委員會成員的知識考試評分的部分);
32. 然而,上述3項問題,在仁伯爵綜合醫院,並非由外科醫生負責處理的,亦超出了仁伯爵綜合醫院外科醫生的職務及知識範圍;
33. 在仁伯爵綜合醫院,上述第1項及第2項問題,由胃腸科醫生負責處理;而上述第3項問題,由於仁伯爵綜合醫院的深切治療室(ICU)是綜合深切治療室(ICU),患者出現急性呼吸窘迫綜合症(ARDS)時,外科醫生會將患者送到ICU並由ICU的醫生負責處理;
34. 因此,仁伯爵綜合醫院的外科醫生沒有條件及機會處理上述3種問題,上述3種問題亦不屬仁伯爵綜合醫院的外科醫生的職務及知識範圍。
35. 根據開考之評分準則第3.1.1條之規定:“知識考試旨在評核投考人在相關職務範疇情況下解決問題、行動及反應的能力,藉介紹及討論一份部門或單位的臨床管理報告或一項研究工作為之。”(粗體及斜體部分為本人後加)(見文件5)
36. 除應有尊重外,典試委員會成員並沒有遵守評分準則的規定,在知識考試中,向司法上訴人提問不屬於其相關職務範疇的問題;(見文件5)
37. 因此,除應有尊重外,典試委員會對知識考試的評分,具有違反評分準則之瑕疵,屬可撤銷之情況,根據《行政訴訟法典》第21條第一款d)項之規定,故有關批示及最後成績名單屬可撤銷。”

No entender do Recorrente, teria havido violação desse ponto da grelha classificativa na medida em que os membros do júri lhe fizeram perguntas não relacionadas com o âmbito da sua área funcional na prova de conhecimentos.
Está em causa um concurso para provir um lugar de topo na carreira médica que exige de quem o irá ocupar um conhecimento abrangente sobre os mais diversos aspectos da ciência médica.
Nesta matéria o júri goza de uma ampla margem de livre apreciação do candidato formulando-se as perguntas adequadas para avaliar a capacidade do candidato para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional, pois estamos na área de discricionariedade técnica.
As perguntas feitas sobre 3 áreas acima indicadas não nos permitem concluir directamente que o júri extravaga o âmbito da avaliação fixado pela respectiva grelha de avaliação, ou pelo menos, não foram carreados elementos suficientes que permitam concluir pela desrazoabilidade manifesta de perguntar tais matérias na prova de conhecimentos técnicos. Pois, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes de livre apreciação administrativa ou evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais como o da proporcionalidade ou o da justiça, poderão justificar a intervenção do tribunal. Tal como o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI opina: “ não vemos que a opção dos membros do júri de efectuarem as perguntas que o Recorrente referiu no artigo 30.º da petição inicial tenha sido desrazoável ou arbitrária à luz do âmbito definido no ponto 3.1.1 da grelha classificativa do concurso, tendo em conta a evidente ligação que a cirurgia geral, justamente por isso que é geral, com as outras especialidades médicas, não sendo pois possível estabelecer compartimentos epistemologicamente estanques numa área científica que, por natureza, é fortemente interdisciplinar como é a da medicina”.

Pelo expendido, improcede também esta parte do argumento invocado neste recurso.
*
Síntese conclusiva:
I - O Regulamento Administrativo (RA) nº 14/2016, de 13 de Junho, pelo qual se fixam as normas sobre o “Recrutamento, selecção e formação para efeitos de acesso dos trabalhadores dos serviços públicos” aplica-se às carreiras gerais da função pública. Uma das novidades deste regime consiste em introduzir o conceito de lista classificativa intermédia no procedimento concursal para o ingresso e acesso da função pública (artigo 35º do RA)
II – A carreira médica encontra-se disciplinada pela Lei nº 10/2010, de 6 de Setembro. O legislador confere, no artigo 21º desta Lei, o poder regulamentar ao Chefe do Executivo em matéria de concurso para ingresso e acesso à carreira médica. Na sequência disto foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo nº 31/2012, de 11 de Junho, que institui o chamado Regulamento do Procedimento Concursal da Carreira Médica, em que não se exige a publicação da “lista classificativa intermédia”.
III – Não obstante o Despacho referido em II ser hierarquicamente inferior ao Regulamento Administrativo citado em I, e ser anterior ao mesmo cronologicamente, como o referido RA, no seu artigo 1º /2, faz uma ressalva expressa nos temos de: “2. O regime previsto no presente regulamento administrativo não prejudica a aplicação de regimes próprios definidos para as carreiras especiais”, deve prevalecer-se o Despacho do Chefe do Executivo em análise, quando se trata de concurso para acesso à carreira médica. Logo, não há obrigatoriedade de publicação da chamada lista classificativa intermédia.
IV – Nas provas de conhecimento, o júri goza de uma ampla margem de livre apreciação da actuação do candidato, podendo formular-lhe as perguntas adequadas para avaliar a sua capacidade para resolver problemas e actuar, assim como reagir em situações relacionadas com o âmbito da respectiva área funcional, matéria que se situa na área de discricionariedade técnica.
V - Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes de livre apreciação administrativa ou evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais do Direito Administrativo (ex. o da proporcionalidade ou o da justiça…etc), justifica a sindicância contenciosa por parte do poder judicial sobre a legalidade do acto em causa.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente que se fixa em 6 UCs.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 19 de Novembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong

Álvaro António Mangas Abreu Dantas



2020-65-sumário 2