打印全文
Processo n.º 865/2020 Data do acórdão: 2020-11-26
Assuntos:
– conceito de “valor elevado”
– art.o 196.o, alínea a), do Código Penal
– furto qualificado
– art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– preço venal da coisa objecto do crime de furto
S U M Á R I O

No caso dos autos, como no momento em que o arguido tirou a mala dos autos para se apropriar ilegalmente dela, a mesma já se encontrava posta à venda ao público pelo preço de trinta e cinco mil e cem patacas, é de considerar esse preço para efeitos de integração do conceito do “valor elevado” definido no art.o 196.o, alínea a), do Código Penal, relevante para condenação do arguido em sede do crime de furto qualificado do art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do mesmo Código.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 865/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 151 a 155 do Processo Comum Colectivo n.° CR2-20-0109-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, em um ano de prisão efectiva, como co-autor material de um crime consumado de furto (simples), p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em vez do crime de furto (de coisa de valor elevado) do art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do mesmo Código, inicialmente acusado.
Veio recorrer o Ministério Público para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando que tal decisão condenatória padeceu do erro notório na apreciação da prova, ao não ter considerado o valor venal do objecto furtado para efeitos de condenação.
Ao recurso respondeu o arguido a fls. 167 a 171, pugnando pela manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 179 a 180, opinando pela verificação cabal do crime de furto de valor elevado, inicialmente acusado ao arguido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a matéria de facto provada no aresto recorrido, a mala tirada pelo arguido recorrido teve por preço venal MOP35.100,00 (trinta e cinco mil e cem patacas), e no momento em que foi tirada por ele já se encontrava posta à venda ao público (cfr. os factos provados 4 e 2 a 3).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O Ministério Público assacou à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, para defender que o arguido deveria ser condenado no crime inicialmente acusado.
Para o presente Tribunal ad quem, a solução do recurso tem a ver com o critério a adoptar para efeitos de integração do conceito de “valor elevado” postulado no tipo legal de furto qualificado do art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, visto que o Tribunal a quo já deu por provado que a mala em causa teve por preço venal MOP35.100,00.
No caso dos autos, esse Tribunal não considerou o dito valor venal, mas sim adoptou o critério do preço (porém, não apurado no seu montante concreto, mas tido por inferior a trinta mil patacas) pelo qual a vendedora ofendida tinha adquirido a mala.
Entende-se que no caso deve ser adoptado o critério de preço venal, pois a mala, no momento em que foi tirada pelo arguido recorrido, já se encontrava posta à venda ao público pelo preço de MOP35.100,00 (cfr. os factos provados 2 a 4).
Portanto, há que passar a condenar o arguido recorrido como co-autor material de um crime consumado de furto qualificado p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 1, alínea a), e 196.o, alínea a), do CP, em um ano e três meses de prisão, pena concreta esta aqui achada à luz dos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, tendo em conta todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, e as necessidades da prevenção geral, necessidades estas que afastam a opção pela pena de multa.
Por fim, há que passar a condenar também o arguido a pagar a quantia indemnizatória, ora arbitrada oficiosamente, de MOP35.100,00, a favor da sociedade comercial ofendida (chamada “B, Sociedade Unipessoal Limitada”), com juros legais a contar a partir de hoje até efectivo e integral pagamento (art.o 74.o, n.o 1, do Código de Processo Penal).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando a condenar o arguido A, como co-autor material, na forma consumada, de um crime de furto (de coisa de valor elevado), p. e p. pelos art.os 198.o, n.o 1, alínea a), e 196.o, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão efectiva, e a condená-lo oficiosamente a pagar a quantia indemnizatória de MOP35.100,00 (trinta e cinco mil e cem patacas) a favor da sociedade comercial ofendida “B, Sociedade Unipessoal Limitada”, com juros legais contados desde hoje até integral e efectivo pagamento.
Custas do recurso pelo arguido recorrido (por ter ele defendido a improcedência do recurso), com uma UC de taxa de justiça e mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Notifique a presente decisão à sociedade ofendida.
Macau, 26 de Novembro de 2020.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 865/2020 Pág. 2/6