Processo nº 935/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 26 de Novembro de 2020
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 30/06/2020, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$172,114.61, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Ré numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial;
3) Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
4) Salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da. Ré apenas no valor do salário em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, resultando provado que entre 01/12/2004 a 31/12/2008 (descontados os período de férias anuais e de dispensas ao trabalho) o Autor prestou para a Ré 1345 dias de trabalho efectivo - que corresponde a 192 dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$98,880.00 a título do dobro do salário e não só apenas de MOP$49,440.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
Ao que acresce que,
8) Contrariamente ao concluído pelo douto Tribunal a quo, a leitura do disposto no n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008 deixa ver que o gozo do período de descanso (apenas) pode deixar de ter frequência semanal (leia-se, em cada período de sete dias) sempre que exista: i) acordo entre as partes; ou, ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável;
9) Salvo melhor opinião, nenhuma das referidas condições terá sido alegada elou provada pela Ré no decorrer dos presentes autos, nem a(s) mesma(s) terão resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento, razão pela qual em caso algum poderia o Tribunal a quo ter concluído que: “(...) Relativamente ao período entre 01/01/2009 a 31/03/2009, tendo em conta que a lei admite a concessão do descanso em cada 8º dia como descanso semanal nos termos do art. 42.º, n.º 2 da Lei n. 7/2008, o Autor já gozou 10 dias (83 dias/8) de descanso semanal e não gozou 1 dia (83/7 - 83/8) de descanso semanal nem os mesmos dias de descanso compensatório durante o mesmo período”;
10) De onde, em face da matéria de facto alegada e provada, deveria o Tribunal de Primeira Instância ter antes concluído que: Entre 01/01/2009 a 31/03/2009 o Autor prestou 11 dias de trabalho em dia de descanso semanal (correspondente a 83 dias/7) e que não gozou de igual número de dias de descanso compensatório;
11) Em conformidade, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de Mop$5.665,00 - correspondente a (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (83 dias/7 X 2) e não só de apenas Mop$515,00 - correspondente a [(HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (83 dias / 7) - (83 dias / 8) X 2] - conforme resulta da decisão recorrida, o que desde já se requer;
12) A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, razão pela qual, nesta parte, deve a douta Decisão recorrida ser julgada nula e substituída por outra, que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia supra formulada, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Depois,
13) Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração;
14) Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância - nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base;
15) Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 22 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$16,995.00 a título do triplo do salário - e não só apenas de MOP$11,330.00, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 143 a 156, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
– Entre 04/01/2003 a 31/03/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
– O Autor foi recrutado pela C, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002. (Cfr. fls. 19 a 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (B)
– O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (C)
– Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (D)
– Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (E)
– Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (F)
– Entre 01/12/2004 e 31/03/2009, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (G)
– A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (H)
– Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1)
– Mais, era a Ré que fixava o local e o horário de trabalho do Autor de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2)
– Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob ordem e instrução da Ré. (3)
– Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 08/07/2004 e 31/07/2004 (24 dias), entre 04/11/2004 e 18/11/2004 (15 dias), entre 14/08/2005 e 15/08/2005(2 dias), entre 06/10/2005 e 29/10/2005 (24 dias), entre 06/07/2006 e 05/08/2006 (31 dias), entre 05/08/2007 e 04/09/2007 (31 dias), entre 05/04/2008 e 03/05/2008 (29 dias) e entre 11/02/2009 e 14/02/2009 (4 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4, 6 e 7)
– Entre 31/07/2005 e 31/03/2009, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º. (5, 20 e 24)
– Entre 01/12/2004 e 31/03/2009, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8)
– Entre 01/12/2004 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 01 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 01 de Maio e 01 de Outubro, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º. (9)
– Entre 01/12/2004 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (10)
– Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (11)
– Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (12)
– Entre 01/12/2004 e 31/03/2009, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º. (13 e 14)
– A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (15)
– A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (16)
– Entre 01/12/2004 e 31/03/2009, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (17)
– A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (18, 23 e 26)
– Entre 01/12/2004 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (19)
– Entre 01/12/2004 a 31/03/2009 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (21 e 25)
– Entre 01/01/2009 a 31/03/2009 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (22)
– A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (27)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
Em relação aos feriados obrigatórios, a fórmula é a seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 3, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$98,880.00, e a título da compensação pelo não gozo dos dias de feriado obrigatório, a quantia de MOP$16,995.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 26 de Novembro de 2020.
Ho Wai Neng
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Tong Hio Fong
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que durante a vigência da relação laboral o Autor já recebeu da Ré o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de o Autor, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Quanto ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Assim, tendo o Autor recebido, durante toda a relação laboral, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo as fórmulas adoptadas pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, devendo negar-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.
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935/2020