Processo n.º 945/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 26 de Novembro de 2020
ASSUNTOS:
- Critério de compensação do descanso semanal em matéria jurídico-laboral
SUMÁRIO:
I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 945/2020
(Autos de recurso em matéria laboral)
Data : 26 de Novembro de 2020
Recorrente : A (Autor)
Recorrida : B, S.A. (Ré)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Autor, intentou, em 30/09/2019, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-19-0159-LAC), pedindo condenar a Ré a pagar a título de créditos laborais, a quantia total de MOP$241,203.80.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$160,583.81 sendo:
- MOP$52,530.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$6,180.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$37,363.25 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$23,986.50 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
- MOP$6,276.56 a título de descanso compensatório não gozado pela prestação de trabalho extraordinário;
- MOP$34,247.50 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal), incluindo a compensação de descanso compensatório não gozado.
Mais se condena a Ré a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório entre 20/04/2006 e 31/12/2006, a liquidar em execução de sentença.
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais a Ré do pedido.
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A, Autor, discordando da decisão, veio em 29/06/2020, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 158 a 168, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42.° da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Recorrida numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial;
3) Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.°, 19.° e 20,° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e n.º 2 do art. 42.° da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
4) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
5) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
6) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
7) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
8) De onde, resultando provado que entre 20/04/2006 a 31/12/2008 (descontados os período de férias anuais e de dispensas ao trabalho) o Autor prestou para a Ré 115 dias de trabalho em dia de descanso semanal - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$59,225.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$29,612.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
Ao que acresce que,
9) Entendeu o douto Tribunal a quo que: “Contudo, com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu art. 42.º, n.º 2 prevê que, o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável (...)". Tendo em conta a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal (...)" (itálicos e sublinhados do Recorrente), razão pela qual foi a Recorrida condenada a pagar ao Recorrente apenas a quantia de Mop$515,00 e já não a quantia de Mop$3,605.00 tal qual por este reclamada em sede de Petição Inicial;
10) Acontece, porém, que a conclusão a que o Tribunal a quo chegou ao fazer aplicar aos presentes autos o disposto no n.º 2 do art. 42.° da Lei n.º 7/2008 apenas teria sido possível acaso a Ré tivesse feito prova (como lhe competia) do preenchimento de uma da(s) duas condições constantes do referido preceito legal: isto é, desde que tivesse existido: i) acordo entre as partes; ou, ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável;
11) Ora, salvo melhor opinião, nenhuma das referidas condições terá sido efectivamente demonstrada pela Recorrida no decorrer dos presentes autos, nem nenhuma da(s) mesma(s) condições terá resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento, razão pela qual em caso algum poderia o Tribunal a quo ter concluído pela condenação da Recorrida apenas na quantia indemnizatória de Mop$4.635,00 (correspondente a Mop$3,090.00 + Mop$1.545,00);
12) Pelo contrário, tendo em conta o teor do disposto nos pontos 23, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto provada, impunha-se antes ao douto Tribunal a quo ter condenado a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$39.655,00 conforme por este reclamado em sede de Petição Inicial, e não só apenas a quantia de Mop$4.635,00 (correspondente a Mop$3,090.00 + Mop$1.545,00), o que desde já e para os legais efeitos se requer;
13) A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42.° da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, razão pela qual, nesta parte, deve a douta Decisão recorrida ser julgada nula e substituída por outra, que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia supra formulada, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Por último,
14) Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração;
15) Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância - nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um "acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base;
16) Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 12 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$9,270.00 a título do triplo do salário - e não só apenas de MOP$6,180.00, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se requer.
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B, S.A., Ré, Recorrida, ofereceu a resposta constante de fls. 179 a 191, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita à fórmula de cálculo seguida pela douta decisão recorrida quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia de feriado obrigatório remunerado, por entender que, nesse particular, a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17.°, 19.° e 20.° do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
II. Com o mui devido respeito, neste particular, nada há nada a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17.°, 19.° e 20.° do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e bem assim do disposto no nº 2 do art.º 42° da Lei nº 7/2008;
III. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios remunerados à luz do Decreto-lei nº 24/89/M de 03 de Abril nada há a apontar à Decisão Recorrida, que mais não é do que a fórmula que é sufragada pelo Tribunal de Última Instância;
IV. Nos termos do preceituado no artigo 17.°, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei nº 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro);
V. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal;
VI. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete;
VII. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, nº 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base;
VIII. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o "equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago" (neste sentido vide "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau", Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284);
IX. Coloca ainda o Recorrente em crise a sentença na parte em que condenou a Ré ora Recorrida a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP4,635.00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) no período que decorreu entre 01/01/2009 a 31/07/2010 à luz da Lei nº 7/2008, por entender que com a entrada em vigor da Lei n.° 7/2008, a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar uma compensação no valor de MOP39,655.00 e não apenas MOP4,635.00;
X. Uma vez que o Tribunal a quo só poderia aplicar aos presentes autos o disposto no nº 2 do art.º 42° da Lei nº 7/2008, se a Recorrida tivesse feito prova do preenchimento de uma da(s) duas condições constantes do referido preceito legal: isto é, desde que tivesse existido: i) acordo entre as partes; ou ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável e que nenhuma das referidas condições terá sido efectivamente demonstrada pela Recorrida no decorrer dos presentes autos nem nenhuma das mesmas condições terá resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento;
XI. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória - actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino, pelo que não haveria necessidade de fazer mais qualquer outra prova nos autos;
XII. Nem se diga que é pela matéria dada como provada nos pontos 23 a 27 da sentença pois bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 9°, 42° e 43° da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo gozava de um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da douta fundamentação na resposta dada à matéria de facto;
XIII. O Autor Recorrente alega no artigo 9° do seu petitório que "gozou de um dia de dispensa remunerado em cada oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo, nomeadamente 32 dias em 2006, 46 dias em 2007, 46 dias em 2008, 46 dias em 2009 e 28 dias em 2010";
XIV. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho remunerado em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente em 9 dias de trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 01/01/2009 e 31/07/2010 acrescido de 9 dias de descanso compensatório não gozado, não poderia ter sido calculado de modo diferente;
XV. No que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor da Lei nº. 7/2008 em 01/01/2009, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no nº 2 do art.º 42° da Lei nº 7/2008;
XVI. Sendo que, nos termos do art.º 43°, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo diploma que: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (...) 3) A prestação do trabalho seja indispensável para garantira a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e o direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 3. Para efeitos das alíneas 1) e 2) do número anterior, a opção por um dia de remuneração de base a auferir ou por um dia de descanso compensatório a gozar pelo trabalhador e a selecção do dia concreto desse descanso compensatório são feitas por acordo entre o empregador e o trabalhador e, na falta de acordo, fixadas pelo empregador, tendo em conta as exigências de funcionamento da empresa. (...) 5. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal» destacado nosso;
XVII. No caso dos autos, como no período que decorreu entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor gozou 66 dias de descanso semanal (577 dias-48 dias de férias/8) mas deveria ter gozado 75 dias de descanso semanal (577 dias-48 dias de férias/7), apenas terá direito a ser compensado por 9 dias de remuneração de base acrescida de 9 dias de descanso compensatório não gozado durante o mesmo período, o que perfaz a quantia de MOP4,635.00 (HK$7,500.00/30 diasX1.03X9 diasX2);
XVIII. Assim e face ao supra exposto, bem andou o douto Tribunal a quo ao atribuir ao Recorrente apenas uma compensação de MOP4,635.00;
XIX. Do mesmo modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 20.° do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito a uma compensação equivalente ao dobro desse salário e não ao triplo, como pretende o Recorrente;
XX. Aliás, neste sentido vai o Venerando Tribunal de Última Instância nas decisões proferidas nos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007, para cuja fundamentação se remete e de onde resulta claramente que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição;
XXI. O Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, pelo que o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório;
XXII. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 20/04/2006 a 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
3. Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. (C)
4. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (D)
5. O Autor foi recrutado pela C, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (1.º)
6. O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (2.º)
7. Entre 20/04/2006 a 31/07/2010, o Autor gozou de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, durante 14 dias em 2006, 06/03/2007 a 29/03/2007, 05/04/2008 a 26/04/2008, 02/04/2009 a 25/04/2009 e, 05/04/2010 a 28/04/2010. (3.º)
8. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (4.º)
9. Entre 20/04/2006 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (5.º)
10. Entre 01/01/2007 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante 12 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes:
FERIADOS
ANO
2007
2008
1 DE JANEIRO
1
1
3 DIAS DE ANO
3
3
NOVO CHINÊS
1 DE MAIO
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
Entre 20/04/2006 e 31/12/2006, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante os dias de feriado obrigatório para a Ré (B). (6.º)
11. Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (7.º)
12. Entre 20/04/2006 e 30/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (8.º)
13. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (9.º)
14. Entre 20/04/2006 e 31/07/2010, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (10.º)
15. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (11.º)
16. Entre 20/04/2006 a 31/12/2008 o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 805 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (12.º)
17. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos relativamente ao início dos 457 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (13.º)
18. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (14.º)
19. A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (15.º)
20. Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (16.º)
21. Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou 115 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (17.º)
22. Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (18.º)
23. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (19.º)
24. Durante o ano de 2009, o Autor prestou 42 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (20.º)
25. Durante o ano de 2010, o Autor prestou 23 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana.(21.º)
26. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (22.º)
27. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado. (23.º)
28. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (24.º)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I. RELATÓRIO
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente em XXXXXX, no Nepal, titular do Passaporte do Nepal nº XXXX, instaurou contra B, S.A. (adiante, B), identificada melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$241,203.80 acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$52,530.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$10,815.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$39,397.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$23,986.50 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
- MOP$7,354.80 a título de descanso compensatório não gozado;
- MOP$107,120.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
A Ré contestou, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
*
Questões a decidir:
- Se o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
- Se o Autor tem direito aos créditos laborais por si reclamados e, caso se entenda pela positiva, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(...)
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
Ficou provado que entre 20/04/2006 a 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. O Autor foi recrutado pela C, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. Por outro lado, durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. Pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes do mencionado contrato de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.2013, sob o Processo n.º 322/2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
A previsão do artigo 23.º, nº7 da Lei 21/2009, de 27/10/2009, traduz uma clarificação a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de, havendo divergência entre as condições de trabalho constantes do contrato e as apresentadas com o requerimento de autorização de contratação, prevalecer o regime mais favorável ao trabalhador.
Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
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Subsídio de efectividade
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”.
Ficou provado que durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. Contudo, entre 20/04/2006 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
Em relação ao subsídio de efectividade, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razoes que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forcado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.
Nestes termos, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses X o salário diário X 4 dias:
Período
Meses
Salário diário X 4
Quantia indemnizatória
20/04/2006 a 31/07/2010
51 meses 11 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$52,907.67
Assim num total de MOP$52,907.67. Conforme o princípio dispositivo, deve a Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$52,530.00.
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Compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado
O Autor pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, no período decorrido desde o início da relação laboral até 31/12/2008.
Ficou provado que entre 01/01/2007 e 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante 12 dias de feriado obrigatório. Entre 20/04/2006 e 31/12/2006, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante os dias de feriado obrigatório para a Ré (B). Contudo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios.
Segundo o artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, nos feriados obrigatórios os trabalhadores, que tenham completado o período experimental, devem ser dispensados da prestação de trabalho, e os trabalhadores esses têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro.
O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que se o trabalhador prestar trabalho nos dias de feriados obrigatórios remunerados na situação prevista na al. c) do mesmo, o trabalhador terá direito a auferir, para além da remuneração normal do dia de trabalho prestado, a um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal.
Assim sendo, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, mas somente a partir de 3 de Abril de 1989, vista a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula há-de corresponder ao “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além do próprio salário normal em singelo, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho. Somando o singelo, no fundo vai receber no total triplo da retribuição normal (salário singelo + acréscimo salarial ao dobro da retribuição normal).
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré, assim o Autor só terá direito a auferir mais o dobro da sua retribuição.1
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias de feriado obrigatório não gozados) x 2:
Período
Salário diário X 2
N.º de dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios remunerados
Quantia indemnizatória
01/01/2007 a 31/12/2008
HKD$250.00X2
12
MOP$6,180.00
Assim, deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$6,180.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado.
Todavia, não resultam provados, concretamente, quais os dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios entre 20/04/2006 e 31/12/2006. Pelo que, nesta parte, se relegará para liquidação de execução de sentença, nos termos do artigo 564.º, n.º2 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT.
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Devolução da comparticipação no alojamento
Ficou provado que entre 20/04/2006 e 30/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. E a referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego.
Dispunha o artigo 9.º do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro que: O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: (…) d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores.
Prevê-se na al. a) do artigo 9.º do DL n.º 24/89/M que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada.
Com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 10.º, al. 5) também prevê que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada.
Por isso, tem o Autor direito a receber a devolução da comparticipação nos custos de alojamento:
Período
Meses
Devolução mensal
Quantia indemnizatória
20/04/2006 e 30/04/2010
48 meses 11 dias
HKD$750.00
MOP$37,363.25
Assim num total de MOP$37,363.25.
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Compensação de trabalho extraordinário de, pelo menos, 30 minutos que antecederam o início de cada turno
Ficou provado que entre 20/04/2006 a 31/07/2010, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. Mas a Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno.
Em concreto, entre 20/04/2006 a 31/12/2008, o Autor prestou 805 dias de trabalho efectivo, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor prestou 457 dias de trabalho efectivo, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
O artigo 10.º, n.º4 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
Ou seja, se ultrapasse a duração de trinta minutos diários, verificando se a prestação de trabalho extraordinário, tem o trabalhador direito a receber um acréscimo de salário, nos termos do artigo 11.º, n.º2 do Decreto-Lei 24/89/M.
Com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 33.º, n.ºs 1 e 5 prevê que, o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta e oito horas por semana, e os períodos referidos não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, actividades e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos por dia.
O artigo 36.º da Lei n.º 7/2008 dispõe no seu n.º 1, o trabalho extraordinário é prestado: 1) Por determinação prévia do empregador, independentemente do consentimento do trabalhador, nas situações e com os limites previstos no número seguinte; 2) Por solicitação prévia do empregador, obtido o consentimento do trabalhador; 3) Por iniciativa do trabalhador, obtido o consentimento prévio do empregador.
O n.º 4 do mesmo artigo prevê que nas situações previstas nas alíneas 2) e 3) do n.º 1, deve existir registo que comprove o consentimento.
No caso vertente, por não existir nenhum registo para comprovar o consentimento, só pode se considerar que o Autor prestou trabalho extraordinário nos termos do artigo 36.º, n.º 1, al. 1) da Lei nº 7/2008.
De acordo com o artigo 37.º, nº1 da mesma Lei, a prestação de trabalho extraordinário nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo anterior confere ao trabalhador o direito a auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de 50%.
Portanto, tendo em conta os dias de trabalho efectivo pelo Autor prestado, segundo a fórmula (Salário horário) x (n.º de dias de trabalho efectivo) /2, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
N.º de dias de trabalho efectivo
Salário horário
Quantia indemnizatória
20/04/2006 a 31/12/2008
805
HKD$31.25
MOP$12,955.47
01/01/2009 a 31/07/2010
457
HKD$46.875
MOP$11,032.27
Assim, deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$23,987.74 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo.
Conforme o princípio dispositivo, deve a Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$23,986.50.
Por outro lado, ficou provado que a Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado.
De acordo com o artigo 38.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 7/2008, 1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração: 1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo; 2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo. 2. O disposto no número anterior aplica-se à situação prevista na alínea 3) do n.º 2 do artigo 36.º se o trabalhador prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos. 3. O direito ao descanso compensatório é gozado nos quinze dias seguintes ao da prestação do trabalho extraordinário, em dia escolhido pelo trabalhador, com a concordância do empregador.
O artigo 36.º, n.º2 da mesma Lei prevê que, o empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando: 1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; 2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; 3) O empregador tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder doze horas.
No caso em apreço, por não se verificarem casos de força maior nem casos em que o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, tendo em conta os interesses das partes e a protecção do direito do trabalhador, só pode se aplicar o artigo 36.º, n.º2, al. 3) da Lei nº 7/2008.
Ficou provado que o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno.
Assim, o Autor tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração proporcional ao período de trabalho prestado, por prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos.
Contudo, só pode agora fixar uma compensação económica calculada segundo a fórmula (N.º de vezes de trabalho extraordinário prestado durante dois dias consecutivos) x (Salário horário) x 1 (isto porque, o Autor prestou pelo menos, 30 minutos de trabalho extraordinário por dia, ou seja, 1 hora de trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos):
Período
N.º de vezes de trabalho extraordinário prestado durante dois dias consecutivos
Salário horário
Quantia indemnizatória
01/01/2009 a 31/07/2010
195 (457/7x32)
HKD$31.25
MOP$6,276.56
Assim perfaz de MOP$6,276.56.
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Compensação pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal)
O Autor ainda pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal no período decorrido entre 20/04/2006 a 31/07/2010.
Ficou provado que o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno.
Em concreto, entre 20/04/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou 115 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. Entre 01/01/2009 a 31/12/2009, o Autor prestou 42 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. E entre 01/01/2010 a 31/07/2010, o Autor prestou 23 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana.
Contudo, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré3, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê4.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
20/04/2006 a 31/12/2008
HKD$250.00
115
MOP$29,612.50
Contudo, com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 42.º, n.º 2 prevê que, o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.
Tendo em conta a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal, mas o Autor ainda tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.
De acordo com o artigo 43.º, n.º2, al. 1) da Lei n.º 7/20085, a prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e o direito a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Ficou provado que entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado.
Pelo que, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias que o Autor tem direito a gozar – n.º de dias que o Autor já gozou) x 2, o Autor tem direito a receber:
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
01/01/2009 a 31/12/2009
HKD$250.00
(365 – 24)6/7 – 42
MOP$3,090.00
01/01/2010 a 31/07/2010
HKD$250.00
(212 – 24)7/7 – 23
MOP$1,545.00
Assim deve a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP$34,247.50 (MOP$29,612.50 + MOP$3,090.00 + MOP$1,545.00).
*
Juros moratórios
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante8, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$160,583.81 sendo:
- MOP$52,530.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$6,180.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$37,363.25 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$23,986.50 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
- MOP$6,276.56 a título de descanso compensatório não gozado pela prestação de trabalho extraordinário;
- MOP$34,247.50 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal), incluindo a compensação de descanso compensatório não gozado.
Mais se condena a Ré a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório entre 20/04/2006 e 31/12/2006, a liquidar em execução de sentença.
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais a Ré do pedido.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
* * *
1) – Relativamente ao trabalho prestado em dias de descanso semanal:
Insurge-se o Recorrente contra a fórmula de cálculo que o Tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo Autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O Tribunal apenas lhe conferiu um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o Recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2.
Como resultando provado que o Recorrente, durante todo o período da relação laboral não gozou dos respectivos dias de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), deve a Ré/Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$59,225.00 a título do dobro do salário (e não só apenas de MOP$29,612.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise), acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
É esta decisão mais correcta e em sintonia com as normas aplicáveis já acima ciadas.
Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e consequentemente a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto no referido DL, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
Julga-se, deste modo, procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
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2) – Sobre os feriados obrigatórios:
Ora, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, é conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido por este TSI.
De onde, resultando provado que durante o período da relação laboral em apreciação o Recorrente prestou trabalho para a Recorrente (D) durante 12 dias de feriado obrigatório, devem a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente a seguinte quantia: MOP$9,270.00 - e não só de apenas Mop$6,180.00 -, a título do triplo do salário, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Procede assim o recurso do Autor nesta parte.
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Em síntese conclusiva:
I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
III – Na sequência dos factos alegados pelo Autor e depois de instruído o processo, o Tribunal a quo veio a fixar os factos assentes nos seguintes termos: (…) Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (16.º); Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou 115 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (17.º); Entre 20/04/2006 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (18.º); Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (19.º); Durante o ano de 2009, o Autor prestou 42 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (20.º); Durante o ano de 2010, o Autor prestou 23 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana.(21.º); Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (22.º); Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado. (23.º); A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (24.º) (…), e depois subsumiu estes factos ao artigo 17º do citado DL, conferindo-se ao trabalhador/Recorrente o direito de auferir a remuneração normal de trabalho com um acréscimo de um dia de remuneração de base, no caso em que o trabalhador prestasse serviços no dia em que devia gozar de descanso semanal, razão pela qual é de julgar improcedente este argumento aduzido pela Ré neste recurso.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, passando a decidir:
1) – Condenar a Ré/Recorrida pagar ao Autor/Recorrente a quantia de MOP$59,225.00 a título do dobro do salário (pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), acrescida de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
2) – Condenar a Ré a pagar a quantia MOP$9,270.00 - e não só de apenas Mop$6,180.00 -, a título do triplo do salário devido ao trabalho realizado nos feriados obrigatórios, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
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Custas pela Recorrida/Ré.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 26 de Novembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
(Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que durante a vigência da relação laboral o Autor já recebeu da Ré o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de o Autor, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Quanto ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Assim, tendo o Autor recebido, durante toda a relação laboral, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo as fórmulas adoptadas pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, devendo negar-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.)
1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 21 de Setembro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... Quer isto dizer que a lei atribui uma remuneração nunca inferior ao dobro da normal, que acresce a esta, pelo que bem decidiu o Acórdão recorrido ter o trabalhador direito ao triplo da retribuição diária, já que não se provou terem as partes acordado uma remuneração superior para tal trabalho. Mas, como o autor já foi pago em singelo, terá, agora, direito ao dobro da retribuição.»
2 Em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, há três vezes de trabalho extraordinário prestado durante dois dias consecutivos.
3 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
4 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
5 Não se aplica, no caso em apreço, a alteração pela Lei n.º 8/2020, nos termos do artigo 5.º, parte final, da mesma Lei.
6 Cfr. Fundamentação na resposta à matéria de facto.
7 Cfr. Fundamentação na resposta à matéria de facto.
8 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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