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Processo n.º 1051/2020 Data do acórdão: 2020-12-3 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– julgamento na ausência consentida pela própria arguida
– consentimento da arguida para a leitura das suas declarações
– desconhecimento da arguida da decisão condenatória penal
– cometimento de novo crime no período da suspensão da pena
– revogação da suspensão da execução da pena
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
  1. No caso dos autos, a arguida recorrente foi então julgada na sua ausência, tal como foi consentido por escrito por ela própria. Assim sendo, ela já ficou representada para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor na audiência de julgamento em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
  2. E como chegou ela a consentir a leitura, na (então vindoura) audiência de julgamento, das suas declarações outrora prestadas no Ministério Público (traduzidas em admitir materialmente a prática do acto de “compra” de Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente), ela devia, ao prestar este tipo de consentimento escrito, ter contado com a sua eventual condenação no crime de falsificação de documento, pelo que mesmo que ela não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória desse crime, ao tribunal de recurso é possível ainda decidir da questão da revogação da suspensão da pena de prisão.
  3. Como a recorrente, durante a plena vigência do período da suspensão da pena de prisão imposta nos subjacentes autos penais por um crime de falsificação de documento, então cometido na qualidade de ser uma pessoa com prazo de permanência em Macau já expirado na sequência do cancelamento do seu Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente, voltou a cometer um novo crime, doloso, de reentrada ilegal em Macau, essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, havendo, pois, que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1051/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido a fls. 129v e seguintes do Processo Comum Colectivo n.o CR4-19-0370-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou a suspensão, por dois anos, da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão (pela prática, em autoria material, de um crime consumado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004), veio a arguida A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação desse despacho judicial, com consequente manutenção da suspensão da execução da pena, tendo alegado, para o efeito, e na sua essência, que a decisão recorrida violou o critério material do n.o 1 do art.o 54.º do Código Penal (CP), dado que ela não tinha conhecido da decisão condenatória penal tomada naqueles subjacentes autos penais, e fosse como fosse não deixaria ela de merecer a manutenção da suspensão da execução da pena, diversamente do entendido pelo Tribunal autor do despacho revogatório da pena suspensa (cfr. o teor da motivação do recurso de fls. 161 a 166 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 171 a 173 dos presentes autos) no sentido de prorrogação da suspensão da execução da pena.
A mesma arguida recorreu também do despacho judicial (de fl. 133 dos autos) que lhe tinha aplicado a prisão preventiva na sequência da tomada da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o teor da respectiva motivação de fls. 145 a 148). A este recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 155 a 159v) no sentido de improcedência.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 185 a 187), pugnando principalmente pela manutenção da decisão revogatória da suspensão da execução da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão de 3 de Abril de 2020 de fls. 72 a 78 do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR4-19-0370-PCC do TJB, transitado em julgado em 4 de Maio de 2020 (cf. a cota lançada a fl. 83 dos presentes autos correspondentes), a arguida ora recorrente, oriunda de Vietname, aí julgada aí na sua ausência (com representação pela sua Ex.ma Defensora Oficiosa de então – cfr. mormente o teor da acta da audiência de julgamento de fls. 70 a 71) tal como consentido por ela própria (cf. a declaração dela a fl. 32), ficou condenada como autora material de um crime consumado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, crime esse praticado por ela na qualidade de ser uma pessoa com prazo de permanência em Macau já expirado, na sequência do cancelamento do seu Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente (cfr. os factos provados 1 a 3 descritos na página 5 do texto desse acórdão, a fl. 74 dos autos);
– Não chegou a ser enviada com sucesso a carta de notificação desse acórdão à própria pessoa da arguida, porque segundo a informação constante de fl. 88, os CTT de Macau não conseguiram enviar ainda cartas para Vietname, por causa da situação de epidemia do Novo Tipo de Coronavírus;
– Quando consentiu por escrito a realização da audiência de julgamento na sua ausência, a arguida também requereu que se procedesse, na vindoura audiência de julgamento, à leitura, inclusivamente, do auto do seu interrogatório pelo Ministério Público (cf. o teor da mesma declaração de fl. 32), sendo certo que quando interrogada pelo Ministério Público em sede de inquérito ela própria admitiu materialmente a “compra”, na qualidade de ser uma pessoa com prazo de permanência em Macau já expirado, de “cartão azul” (Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente), apesar de insistir em desconhecer ela do carácter de falsificação deste tipo de documento por ela comprado (cf. o teor do auto de interrogatório de fls. 24 a 27, do qual constando que a arguida também declarou confirmar o teor das suas declarações então prestadas no Corpo de Polícia de Segurança Pública e registadas a fls. 6 a 7);
– Em 24 de Julho de 2020, foi junta (a fls. 101 e seguintes) a certidão da decisão condenatória do Processo Sumário n.º CR1-20-0020-PSM do 1.o Juízo Criminal do TJB, transitada em julgado em 20 de Julho de 2020, segundo cujo teor a arguida ora recorrente ficou aí condenada como autora material de um crime consumado de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.o 21.o da Lei n.o 6/2004, na pena de três meses de prisão efectiva (e de acordo com a matéria de facto aí dada por provada, a mesma arguida entrou a nado em Macau em Abril de 2020, e foi descoberta em 23 de Junho de 2020 pelo pessoal do Corpo de Polícia de Segurança Pública, numa operação de investigação numa fracção autónoma em Macau);
– Em face dessa nova condenação penal da arguida, o M.mo Juiz titular dos subjacentes (e presentes) autos n.º CR4-19-0370-PCC em primeira instância procedeu à audição dela em 15 de Setembro de 2020, e após essa audição, acabou por decidir em revogar, com citação dos termos do art.º 54.º, n.o 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão anteriormente imposta a ela (cfr. o teor deste despacho, constante de fls. 129v e seguintes, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, a arguida ora recorrente foi então julgada na sua ausência, tal como foi consentido por escrito por ela própria. Assim sendo, ela já ficou representada para todos os efeitos possíveis pela sua Ex.ma Defensora de então na audiência de julgamento em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
E como chegou ela a consentir a leitura, na (então vindoura) audiência de julgamento, das suas declarações outrora prestadas no Ministério Público (traduzidas em admitir materialmente a prática do acto de “compra” de “cartão azul” (Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente), ela devia, ao prestar este tipo de consentimento escrito, ter contado com a sua eventual condenação no crime de falsificação de documento, pelo que mesmo que ela não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória desse crime, ao presente Tribunal de recurso é possível ainda decidir da questão da revogação, ou não, da suspensão da pena de prisão então aplicada a esse crime, posta na motivação do seu recurso (neste sentido, cfr. designadamente os acórdãos do TSI, de 21 de Julho de 2016 do Processo n.o 512/2016 e de 29 de Novembro de 2018 do Processo n.o 962/2018).
Pois bem, ante os elementos fácticos acima coligidos dos autos, vê-se que a arguida ora recorrente, durante a plena vigência do período de suspensão da pena de dois anos e seis meses de prisão imposta nos subjacentes (e presentes) autos penais a um seu crime de falsificação de documento, então praticado na qualidade de ser uma pessoa com prazo de permanência em Macau já expirado na sequência do cancelamento do seu Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente, voltou a cometer, pelo menos em 23 de Junho de 2020, um novo crime doloso (qual seja, o de reentrada ilegal) pelo qual veio a ser condenada no Processo Sumário n.º CR1-20-0020-PSM do TJB, pelo que é entendimento deste Tribunal ad quem que essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, havendo, pois, que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, sem mais indagação por desnecessária.
Tendo a arguida que cumprir a pena de prisão, fica prejudicada a necessidade de apreciação do mérito do recurso interposto por ela do despacho judicial que lhe tinha aplicado a prisão preventiva na sequência da emissão do despacho judicial revogatório da suspensão da execução da prisão.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso da arguida A do despacho judicial revogatório da suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão do seu crime de falsificação de documento, e julgar prejudicada a necessidade do conhecimento do mérito do recurso dela do despacho judicial aplicador da prisão preventiva.
Custas do recurso do referido despacho revogatório pela arguida, com duas UC de taxa de justiça. E sem custas no recurso do despacho aplicador da prisão preventiva.
Macau, 3 de Dezembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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