Processo nº 1014/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo – Reclamação para a Conferência)
Data: 10 de Dezembro de 2020
ASSUNTO:
- O valor da causa
SUMÁRIO:
- Nem todas as acções para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos são imateriais.
- Não tendo a parte contrária impugnado o valor da causa indicado pelo Autor e nem o juíz a quo usado o poder de correcção, este valor considera-se definitivamente fixado, logo que seja proferido despacho saneador, ou não havendo lugar a este, logo que seja proferida sentença (cfr. artº 257º do CPCM).
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 1014/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo – Reclamação para a Conferência)
Data: 10 de Dezembro de 2020
Reclamante: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I. Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem reclamar o despacho do Relator de 08/09/2020, pelo que não admitiu o recurso interposto do Acórdão de 16/07/2020, nos termos e fundamentos seguintes:
“...
1. O recorrente interpôs recurso do Acórdão recorrido, o qual não foi admitido pelo Meritíssimo Juiz Relator com base no disposto no art. 150º/1-a) do CPAC. O recorrente respeitosamente discorda do douto despacho.
2. Nos termos do art. 85º do RCT (Regime das Custas nos Tribunais), ao valor a atribuir às acções de reconhecimento de direitos é aplicável o regime estabelecido no CPC.
3. Ora, ao reconhecimento de direitos aplica-se o constante na lei civil relativamente às acções sobre interesses imateriais, considerando-se "sempre" de valor equivalente à alçada do Tribunal de Segunda Instância e mais uma pataca (art. 254° do CPC).
4. O recorrente compreende o raciocínio do Exmo Juiz Relator, porém a acção de reconhecimento de direitos foi excepcionada exactamente para permitir o recurso para o TUI em acções desta espécie que, por natureza, não têm valor distinto das acção sobre direitos imateriais.
5. Aliás, o valor que foi atribuído para meros efeitos de custas pelo, à época, MD representante da autora foi instaurada antes da Lei 4/2019 que fixou o novo regime, mais abrangente, e que possibilita a chegada das acções de reconhecimento de direitos ao TUI dada a relevância que elas têm num sistema jurídico assente todo ele no papel fulcral que os direitos - e as acções destinadas ao seu reconhecimento - desempenham.
6. Tratando-se, assim, de uma acção sem valor, não está sujeita ao regime da al. a) do nº 1 do art. 150º do CPAC, mas somente à al. c), pois este tipo de acção tem sempre um valor fixado por lei que permite o recurso para o TUI: art. 254º do CPC.
7. O objectivo foi precisamente alargar a competência do TUI a acções sobre o reconhecimento de direito.
Face ao exposto, requer-se a reponderação da decisão do Exmo Relator do TSI, admitindo-se o recurso para o TSI nos termos e com os efeitos requeridos no requerimento de interposição de recuso.
...”.
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Devidamente notificada, a Entidade Recorrida nada se pronunciou.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência da reclamação.
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II. Fundamentação
Questão prévia:
Não obstante a reclamação da não admissão do recurso ser dirigido ao Mmº. Presidente do TUI, o certo é que nos termos do nº 2 do artº 153º do CPAC, do despacho do Relator que não admita ou retenha o recurso interposto de decisão do TSI cabe reclamação para a conferência.
Assim, é a conferência competente para apreciar a reclamação ora apresentada.
Mérito da reclamação:
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Não obstante o nº 3 do artº 150º do CPAC permitir o recurso para o TUI dos acórdãos do TSI proferidos nas acções previstas nas als. a), d), e) e f) do artº 97º do mesmo Código, o certo é que tal possibilidade do recurso está sujeita ainda à regra geral da admissibilidade do recurso no que respeita ao valor da alçada prevista no artº 18º da Lei nº 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária).
A al. a) do nº 1 do artº 150º do CPAC prevê expressamente que não é admissível recurso ordinário das decisões em acções e sobre pedidos cumulados cujo valor da causa não exceda a alçada dos tribunais.
No caso em apreço, o valor da causa é de MOP$50.001,00, pelo que o recurso antecedente não é legalmente admissível.
Custas do incidente pelo Recorrente, com 1UC de taxa de justiça.
Notifique.”.
Entende o Reclamante que a sua acção é imaterial pelo que não tem valor, pelo que deveria ser revogado o despacho reclamado, admitindo o seu recurso jurisdicional para o TUI.
Salvo o devido respeito, não nos parece que o Reclamante tenha razão.
Em primeiro lugar, nem todas as acções para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos são imateriais. Por exemplo, a acção para reconhecimento de direito ao pagamento de quantia em dinheiro.
Em segundo lugar, foi o próprio Autor, ora Reclamante, que indicou, na petição inicial, o montante de MOP$50.001,00 como o valor da causa.
Se entender que a sua acção é imaterial, então deveria ter actuado em conformidade com disposto do artº 254º do CPCM, indicando MOP$1.000.001,00 e não MOP$50.001,00 como o valor da causa.
Optou por indicar o montante de MOP$50.001,00 como o valor da causa, terá de suportar as respectivas consequências legais.
Em terceiro lugar, uma vez que a parte contrária não impugnou o valor da causa indicado pelo Autor e o juíz a quo não tinha usado o poder de correcção, este valor considera-se definitivamente fixado, logo que seja proferido despacho saneador, ou não havendo lugar a este, logo que seja proferida sentença (cfr. artº 257º do CPCM).
Pelo exposto, a presente reclamação não deixará de se julgar improcedente.
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III. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedente a reclamação apresentada, mantendo o despacho reclamado.
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Custas pelo Reclamante com taxa de justiça de 4UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 10 de Dezembro de 2020.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fui presente
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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