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Processo nº 453/2020
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 17 de Dezembro de 2020

ASSUNTO:
- Pena de demissão
- Reabilitação
- Substituição da pena de demissão pela de aposentação compulsiva

SUMÁRIO:
- A concessão da reabilitação a funcionário ou agente a que haja sido aplicada pena disciplinar não implica a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva;
- A conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva contende com o exercício de poderes discricionários por banda da Administração só podendo ser sindicada pelo tribunal em casos de violação grave e grosseira dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça ou razoabilidade e da imparcialidade.


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Rui Pereira Ribeiro

















Processo nº 453/2020
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 17 de Dezembro de 2020
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 19.03.2020 que negou o pedido de conversão da pena de demissão para aposentação compulsiva, formulando as seguintes conclusões e pedido:
I. Vem o presente Recurso interposto do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças em 19 de Março de 2020, exarado na Proposta n.º 001/NAJ/VP/20 de 8 de Janeiro de 2020, devidamente notificado ao Recorrente no dia 16 de Abril de 2020 por Ofício n.º 013/NAJ/VP/20, de 27 de Março, que concordou com o parecer do Senhor Director dos Serviços de Finanças de 22 de Janeiro de 2020, e que vem indeferir o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, nos termos do n.º 6 do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau;
II. O Recorrente trabalhou na Função Pública durante mais de 20 anos, exercendo as funções de interprete-tradutor na Direcção dos Serviços de Finanças desde o dia 2 de Janeiro de 1996;
III. Durante a sua carreira o Recorrente obteve sempre boas avaliações, designadamente, de 1991 a 1994, o Recorrente obteve a avaliação de “Bom”, de 1995 a 2004, o Recorrente obteve a avaliação de “Muito Bom”, de 1 de Janeiro de 2005 a 2008, o Recorrente obteve a avaliação de “Satisfaz Muito”;
IV. Por despacho da então Senhora Director dos Serviços de Finanças de 21 de Abril de 2009 foi ordenada a abertura de processo disciplinar contra o ora Recorrente;
V. Por Ofício nº 006/RM/2009, de 6 de Novembro, foi o ora Recorrente notificado da decisão de demissão;
VI. Em 7 de Dezembro de 2009 o ora Recorrente, através do seu mandatário, veio requerer a reabertura do processo disciplinar, a qual foi deferida em 11 de Janeiro de 2010, e consequentemente, foi o Recorrente notificado da respectiva acusação;
VII. O Recorrente veio apresentar defesa escrita em 10 de Fevereiro de 2010, onde veio justificar os motivos das suas ausências do serviço que serviram de base à acusação que contra si havia sido deduzida, alegando para tanto que as suas ausências se ficaram a dever a problemas de saúde, de ordem física e psíquica;
VIII. O Recorrente requereu a inquirição de quatro testemunhas por si arroladas;
IX. O Recorrente juntou atestados médicos comprovativos de que o seu estado de saúde não permitia trabalhar, que comprovaram, por um lado, que o Recorrente sofria à data de um esgotamento profundo causado pela sobrecarga de trabalho a que estava sujeito, e que estava a ser acompanhado de médico psiquiatra, e que sofria de lesões na região cervical causadas pelo elevado número de horas sentado na mesma posição;
X. À data das faltas do Recorrente, os serviços tinham pleno conhecimento dos problemas de saúde do Recorrente;
XI. No âmbito da defesa escrita o Recorrente veio ainda juntar o seu registo biográfico comprovativo de que sempre havia exercido as suas funções com rigor e de forma exemplar;
XII. Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 12 de Abril de 2010, exarado na Informação n.º 001/SM/2010, foi aplicada ao Recorrente a pena de demissão no âmbito desse mesmo processo disciplinar;
XIII. Decorrido o prazo previsto na al. d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM, o Recorrente requereu a sua reabilitação apresentando o referido pedido em 21 de Maio de 2019;
XIV. O pedido de reabilitação foi concedido, após verificação e confirmação da boa conduta do Recorrente, decidindo a administração que o Recorrente teve uma inflexão segura no seu comportamento desde a sua demissão, algo que permite concluir que, considerando os critérios de avaliação do homem médio, o Requerente tem mantido uma boa conduta desde essa data sem que haja perigo de uma recaída;
XV. No dia 5 de Novembro de 2019, o Recorrente deu entrada junto dos serviços da DSF do seu pedido de conversão da pena de demissão para aposentação compulsivo, o qual não foi autorizado;
XVI. O acto recorrido, ou seja, a decisão que indeferiu o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva alicerçou-se no facto do requerente (i) ter sido punido com pena de demissão por violar os seus deveres de assiduidade e de obediência, (ii) ter faltado injustificadamente ao serviço no dia 23 de Março de 2009 e durante o período de 15 de Abril de 2009 e 10 de Agosto de 2009, (iii) ter omitido o cumprimento de um dever funcional que lhe impunha a permanência regular e continua ao serviço, (iv) ter demonstrado desinteresse na manutenção do seu vínculo com a Administração Pública, (v) ter tido um comportamento que indiciou premeditação em não regressar ao trabalho e fazer cessar o vínculo de trabalho e (vi) não ter comparecido nem ter manifestado qualquer interesse nos actos do processo disciplinar, e concluiu que aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para o mesmo e não uma punição para um comportamento grave, sendo que a conversão é um poder discricionário, pelo que vai indeferido o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva;
XVII. O artigo 349.º do ETAPM, incluindo os regimes de reabilitação e conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, não visa alterar a sanção ou, em última ratio, desculpabilizar condutas incorrectas dos funcionários da administração pública que tenham sido punidos no âmbito de processos disciplinares instaurados, mas sim reintegrar infractores que adoptem uma boa conduta, retirando-lhe certas incapacidades e efeitos resultantes da punição sofrida, com vista a apagar, na medida do possível, o rasto de consequências negativas derivadas de tal punição - sendo esta a interpretação adequada e lógica;
XVIII. O elemento objectivo para a reabilitação encontra-se preenchido, nomeadamente, decorreram já 5 anos sobre a data da aplicação da pena, conforme previsto na al. d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM;
XIX. Encontra-se também preenchido o requisito previsto no n.º 3 do artigo 315.º do ETAPM, ou seja, reúne o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação;
XX. À Entidade Recorrida caberia analisar e pronunciar-se sobre o requisito subjectivo para se decidir pela aplicação, ou não, da requerida conversão, sendo que este requisito subjectivo deverá, por interpretação lógica do artigo em questão, ser consubstanciado como sendo a “boa conduta”, prevista no n.º 2 do artigo 349.º do ETAPM;
XXI. Tal boa conduta deverá ser verificada tendo em consideração os factos demonstrativos de um bom comportamento que ocorram após a aplicação da pena de demissão, sendo que uma interpretação diversa não faria sentido, seria ilegal, manifestamente desajustada e desrazoável;
XXII. Para apreciação do pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, a Entidade Recorrida apenas considerou os factos que já haviam fundamentado a pena de demissão, logo, apenas considerou factos antecedentes ao processo disciplinar, não se pronunciando sobre os factos comprovativos da boa conduta do Recorrente, plenamente comprovados no âmbito do pedido de reabilitação que foi deferido.
XXIII. A dupla valoração é violadora do princípio non bis in idem, segundo o qual é proibido que o mesmo facto seja valorado mais do que uma vez em sede sancionatória, princípio este aplicável in casu;
XXIV. O regime da reabilitação e conversão visa aliviar as consequências de uma punição que já serviu o seu propósito, pelo que será dever da Administração fazer um juízo de prognose e considerar os factos posteriores à aplicação da pena de modo a verificar se o infractor deve ou não ser reabilitado e ter a sua pena de demissão convertida em aposentação compulsiva;
XXV. A entidade recorrida centrou toda a sua fundamentação na violação dos deveres de assiduidade e obediência que justificaram a demissão do Recorrente há 9 anos atrás, e ignorou toda a realidade posterior, isto é, ignorou o comportamento do Recorrente ao longo desses 9 anos que decorreram desde a sua demissão até ao pedido de reabilitação;
XXVI. Ao não analisar a conduta posterior relevante e proceder a um julgamento sobre a sua capacidade reabilitante, a decisão recorrida incorreu no vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 349º do ETAPM, e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
XXVII. A decisão recorrida violou o princípio da legalidade plasmado no art. 3º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), segundo o qual a administração deve actuar em obediência à lei e ao direito, e violou o disposto no citado artigo 349º do ETAPM;
XXVIII. Donde resulta o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
XXIX. Analisado o processo disciplinar constata-se que o Recorrente juntou com a sua defesa escrita os atestados médicos comprovativos de que o seu estado de saúde não permitia trabalhar, e que por isso justificavam as suas ausências;
XXX. As ausências tiveram um motivo completamente diferente daquele que vem descrito no acto recorrido, pois resultaram de doença comprovada;
XXXI. Não poderia o acto recorrido concluir como concluiu, isto é, que o Recorrente demonstrou um absoluto desinteresse pela sua vinculação ao serviço e que demonstrou até premeditação nessa sua intenção;
XXXII. Foi o Recorrente quem requereu a reabertura do processo no dia 7 de Dezembro de 2009, tendo, no âmbito do processo disciplinar, apresentado defesa escrita, requerendo a inquirição de quatro testemunhas, juntando os atestados médicos comprovativos da sua incapacidade para trabalhar devido a doença e o seu registo de classificação;
XXXIII. A conclusão de que o Recorrente demonstrou um comportamento reprovável e que suportou a decisão da Entidade Recorrida em não converter a pena de demissão em aposentação compulsiva parte de pressupostos de facto manifestamente errados, o que faz inquinar a decisão recorrida do vício de violação de lei;
XXXIV. A decisão recorrida mostra-se manifestamente injusta, desproporcional e desadequada.
XXXV. A autonomia da função administrativa pressupõe que aos órgãos da Administração se viabilize a possibilidade de realização de juízos de proporcionalidade em sentido estrito que, desenvolvidos embora no quadro do direito, permitam a consideração do mérito e da oportunidade da aplicação das medidas regeneratórias, sob a óptica da prossecução da legalidade e do interesse público;
XXXVI. De modo a cumprir com os princípios basilares da actividade administrativa, patentes nos artigos 5.º e 7.º do CPA, bem como o da razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, a Entidade Recorrida não poderia deixar de considerar a boa conduta do Recorrente que aliás, foi fundamento para a decisão da própria Administração que concedeu a reabilitação ao Recorrente;
XXXVII. A total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários assume uma natureza de norma de protecção do interessado, na medida em que o exercício de poderes discricionários estão interligados com o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, enquanto princípio vinculativo das acções de todos os poderes públicos, uma vez que o que através do processo regeneratório se pretende é evitar cargas coactivas ou punitivas excessivas, que importem ingerências desmedidas na esfera jurídica dos particulares ou que impeçam a justa e normal reintegração dos infractores;
XXXVIII. O mecanismo da conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva não deve ser utilizado como mais um veículo de repressão e punição;
XXXIX. A violação dos princípios administrativos é judicialmente sindicável;
XL. A decisão recorrida não atendeu aos factos atinentes ao exercício por parte do Recorrente da função pública por mais de 20 anos, onde obteve sempre boas avaliações e foi sempre reconhecido pelo seu profissionalismo e dedicação, tendo sempre exercido as suas funções com rigor e de forma exemplar;
XLI. A decisão recorrida suporta erradamente a sua fundamentação por um lado, na violação dos deveres de assiduidade e obediência por parte do Recorrente, e por outro lado, no desinteresse por este demonstrado no processo disciplinar que fez concluir que havia uma premeditação na desvinculação do serviço, o que não corresponde à realidade;
XLII. As faltas ao serviço não derivaram de meros caprichos do Recorrente, nem eram evidência de uma premeditação do Recorrente em cessar o vínculo com o serviço;
XLIII. O alheamento do processo disciplinar de que a decisão recorrida parte é falso;
XLIV. A Administração esteve mal ao não valorar a boa conduta do Recorrente desde a sua demissão até à presente data e ao ignorar o historial do Recorrente em mais de 20 anos de serviço;
XLV. Conjugado todo o historial do Recorrente crê-se que este é, efectivamente, merecedor da conversão da sua pena de demissão em aposentação compulsiva, caso contrário, estaria o Recorrente a ser penalizado por factos que já se demonstraram justificadores da referida conversão;
XLVI. Desde a aplicação da medida disciplinar expulsiva, o Recorrente tem mantido sempre uma boa conduta na sua vida pessoal, familiar e social, como o demonstraram as provas apresentadas com o pedido de reabilitação, designada mente o certificado de registo criminal, a declaração da Associação do Pessoal de Enfermagem de Macau, a carta de agradecimento do restaurante B, os documentos comprovativos de dádiva de sangue pelo Centro de Transfusões de Sangue dos Serviços de Saúde e o comprovativo de doação anual emitido pela World Vision;
XLVII. A boa conduta do Recorrente foi reconhecida pela própria administração no âmbito da concessão da reabilitação, tendo sido considerado que o Recorrente teve uma inflexão segura no seu comportamento desde a sua demissão, e que permitiu à Administração concluir que o Requerente tem mantido uma boa conduta sem que haja perigo de uma recaída;
XLVIII. A actuação da Administração Pública é total e manifestamente desproporcional e inadequada;
XLIX. Para efeitos de apreciação do pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva no âmbito da reabilitação, a Entidade Recorrida ignorou factos que demonstram sobremaneira o arrependimento, recuperação e boa conduta do Recorrente desde então, factos que o legislador certamente quererá que sejam considerados para os efeitos que se pretendem, realidade esta que, pela ratio do artigo 349.º do ETAPM, deve ser valorada;
L. O despacho da Entidade Recorrida enferma do vício de violação de lei, por violação do princípio da proporcionalidade no exercício de poder discricionário, para além de não conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva implicar mais uma sanção desproporcional e inadequada a factos por si já punidos;
LI. Ao decidir como decidiu, a Entidade Recorrida incorreu no vício de violação de lei por Erro nos Pressupostos de Facto e de Direito, por violação do art. 349º do ETAPM, e por desrespeito dos mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da legalidade, da proporcionalidade e adequação e da justiça, verificando-se ainda uma desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários da Entidade Recorrida, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Requer-se a V. Exa. se digne anular a decisão proferida pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, que não autorizou a conversão da pena de demissão aplicada ao Recorrente em aposentação compulsiva, nos termos do artigo 349.º do ETAPM, por se mostrar inquinada do vício de violação de lei (i) por erro nos pressupostos de facto e direito; por violação do artigo 349.º do ETAPM e (ii) por violação dos princípios da proporcionalidade e adequação e justiça, bem como da desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, tudo nos termos dos artigos 5.º e 7.º do CPA, bem como da al. d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.
  Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões e pedido:
I. O recorrente não prova erro em qualquer dos pressupostos de facto do acto administrativo impugnado;
II. A veracidade de vários desses pressupostos de facto é, aliás, reconhecida na petição de recurso, enquanto outros, sendo fundamentos da pena disciplinar que foi aplicada ao recorrente, constituem caso decidido;
III. Significativamente, o recorrente, no recurso que interpôs dessa decisão disciplinar não impugnou os pressupostos de facto da mesma;
IV. Bem examinadas as coisas, concluímos que o que recorrente alega não é, afinal, erro de facto, mas sim erro de direito;
V. Os funcionários públicos punidos com pena disciplinar não têm um direito subjectivo à reabilitação, nem à conversão da pena;
VI. Reabilitação e conversão da pena são actos discricionários da Administração;
VII. Pode justificar-se conceder a reabilitação e negar a conversão, pois a primeira não implica necessariamente a segunda;
VIII. A decisão do pedido de reabilitação e a decisão do pedido conversão da pena, sendo actos administrativos diferentes, não têm de se basear nos mesmos fundamentos;
IX. Na apreciação de qualquer desses pedidos, nada impede a Administração de levar em consideração factos provados no procedimento disciplinar;
X. No caso concreto, a Administração, tendo deferido o pedido de reabilitação e indeferido o pedido de conversão da pena, fundamentou devidamente cada uma das decisões;
XI. Existem sinais de que o recorrente praticou o ilícito disciplinar com o intuito de conseguir a aposentação compulsiva, pois ausentou-se do serviço durante um longo período de tempo sem dar quaisquer explicações, retirou ou mandou retirar os seus objectos pessoais do local de trabalho e requereu, na sua defesa no processo disciplinar, precisamente a aplicação da pena de aposentação compulsiva;
XII. A Administração deve recusar a conversão da pena sempre que haja indícios de que o ex-funcionário, não reunindo os requisitos previstos para a aposentação voluntária, teve em vista, ao praticar os actos disciplinarmente ilícitos, conseguir a aposentação compulsiva;
XIII. O art. 349, n. 6, do ETAPM permite converter uma pena noutra pena, mas não permite converter uma pena num prémio;
XIV. Conceder ao ex-funcionário a conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, havendo indícios de que foi precisamente esse o seu objectivo, seria premiá-lo pelo seu comportamento ilícito;
XV. Tal decisão constituiria uma fraude à lei, contrariando a mens legis do arts. 349, n. 6, do ETAPM, e criaria um regime de aposentação voluntária à margem da lei;
XVI. Em todo o caso, a decisão de pedido de conversão da pena tem natureza discricionária, pelo que só é judicialmente sindicável, em sede de recurso contencioso, em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
XVII. E o mesmo se diga quanto à aplicação dos princípios jurídicos previstos nos arts. 3 e segs. do CPA;
XVIII. O recorrente, no entanto, não consegue demonstrar, como lhe competia, que o acto recorrido esteja contaminado por erro manifesto ou total desrazoabilidade;
XIX. Pelos motivos expostos acima, a razoabilidade do acto é inquestionável.
Por todas estas razões, terá indubitavelmente de ser negado provimento ao presente recurso contencioso.

  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, estas vieram fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  Nos presentes autos de recurso contencioso que foi interposto por A, melhor identificado nos autos, e que tem por objecto o acto do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 19 de Março de 2020, que lhe negou o pedido de conversão da pena disciplinar de demissão em pena disciplinar de aposentação compulsiva, vem o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) emitir parecer nos termos que seguem.
  1.
  1.1.
  Começa o Recorrente por alegar que o acto recorrido está ferido de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à aplicação do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei 87/89/M, de 21 de Dezembro.
  Parece-nos que não tem razão.
  Em primeiro lugar porque se não vislumbra, nem, em rigor, isso vem alegado, que na decisão recorrida tenham sido considerados factos que não se provam ou que estão desconformes com a realidade, não podendo dizer-se, por isso, que tal decisão enferme do invocado erro nos pressupostos de facto.
  Quanto ao alegado erro de direito na aplicação do artigo 349.º do ETAPM, o mesmo terá consistido, diz o Recorrente, no facto de a Entidade Recorrida apenas ter considerado os factos que já haviam fundamentado a pena de demissão, não se tendo pronunciado sobre os factos comprovativos da boa conduta do Recorrente que, segundo diz, ficaram plenamente comprovados no pedido de reabilitação que anteriormente foi objecto de despacho de deferimento por parte da Entidade Recorrida.
  Vejamos.
  «1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
  2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
  (...)
  6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º».
  Como resulta da simples leitura da norma em apreço, a conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva pressupõe a reabilitação, sendo uma consequência desta.
  Não se trata, no entanto, de uma consequência automática uma vez que depende de um uma decisão administrativa de natureza discricionária.
  No exercício desse poder discricionário, não vemos que a Administração esteja impedida de considerar a natureza e a gravidade das infracções disciplinares praticadas pelo requerente da conversão e se veja limitada à apreciação da boa conduta do mesmo no tempo posterior à aplicação da medida disciplinar. A boa conduta apenas constitui pressuposto da reabilitação, nos termos que resultam do n.º 2 do artigo 349.º do ETAPM e esta, por sua vez, é pressuposto da dita conversão, pelo que não faria sentido, estamos em crer, que o pressuposto da conversão só pudesse coincidir com o da reabilitação.
  De resto, compreende-se que a Administração seja particularmente rigorosa na apreciação dos pedidos de conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva, sabendo-se que, em muitas situações, o que está em causa é uma verdadeira fraude à lei, em que os funcionários violam dolosamente o dever de assiduidade tendo em vista sofrer uma pena disciplinar de aposentação compulsiva ou, quando não, uma pena de demissão na expectativa de que, decorridos 5 anos, a mesma possa ser convertida em aposentação compulsiva, conseguindo lograr dessa forma ínvia uma aposentação voluntária antes do tempo legalmente previsto para o efeito.
  Seja como for, não nos parece, olhando para a fundamentação do acto recorrido, que a Entidade Recorrida tenha incorrido no invocado erro de direito na aplicação do artigo 349.º, n.º 6 do ETAPM.
  1.2.
  O Recorrente considera, igualmente, que o acto recorrido enferma de violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça bem como de desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
  Também aqui, segundo cremos, sem razão.
  Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que, quando a Administração exerce, como no caso presente, poderes discricionários, o papel reservado ao tribunal quando chamado a intervir é meramente fiscalizador e não, ao contrário daquilo que acontece quando a actividade administrativa é legalmente vinculada, de reexame. Por isso, para além do desvio de poder, do erro sobre os pressupostos de facto, do vício de forma da falta de fundamentação e, eventualmente, do vício de procedimento da falta de audiência prévia, só constitui fundamento de anulação o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes (artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso), sendo que só em casos flagrantes de mau uso do poder discricionário e de evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais da actividade administrativa como o da proporcionalidade ou o da justiça, deve o acto contenciosamente atacado ser objecto de anulação judicial.
  A fundamentação exarada na Proposta nº 001/NAJ/VP/20, de 8 de Janeiro de 2020, e de que o acto recorrido se apropriou é, parece-nos, uma fundamentação razoável. Dela se extrai é certo que a Administração ponderou na decisão de indeferimento da requerida conversão as circunstâncias que estiveram na base da aplicação da decisão disciplinar. Porém, ao contrário daquilo que o Recorrente considera, tal não consubstancia qualquer dupla valoração proibida por lei.
  Na verdade, verificando-se que na conduta do Recorrente que foi disciplinarmente punida houve um desinteresse manifesto na manutenção do seu vínculo com a Administração Pública e um total alheamento quanto às consequências do processo disciplinar instaurado que é fortemente indiciador da existência de uma premeditação por parte do Recorrente, que não podia deixar de estar ciente de que ao seu dispor tinha a possibilidade de pedir a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, nem sequer vemos como podia a Entidade Recorrida ter decidido de forma diferente. Daí que, a nosso ver, resulte destituída de sentido, com todo o respeito o dizemos, a invocação em sede contenciosa de uma manifesta desrazoabilidade no exercício do poder discricionário que a norma legal do n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM atribui à Administração. Para usarmos a expressiva formulação do Tribunal de Segunda Instância no acórdão de 21.11.2019, tirado no processo n.º 143/2019, versando sobre situação idêntica àquela que constitui objecto do presente recurso contencioso, «não nos parece que o acto se tenha desviado, nem um milímetro sequer, do padrão de razoabilidade que em geral se espera da actuação administrativa, nem igualmente cremos que ele tenha incorrido em erro grosseiro, palmar e intolerável do exercício dos poderes discricionários».
  Uma actuação razoável no exercício de um poder discricionário é uma actuação conforme aos princípios da proporcionalidade e da justiça, cuja violação, alegada autonomamente pelo Recorrente, evidentemente não ocorreu.
  Propendemos, assim, no sentido de que também este fundamento do recurso deve improceder e, com ele, toda a pretensão impugnatória do Recorrente.
  2.
  Face ao exposto, é o Ministério Público de parecer, salvo melhor opinião, de que o presente recurso deve ser julgado improcedente.
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 Dos Factos
a) Por requerimento de 21.05.2019 o agora Recorrente requereu ao Senhor Chefe do Executivo que lhe fosse concedida a reabilitação – cf. fls. 56 -;
b) Por Despacho de 30.07.2019 do Senhor Secretario para a Economia e Finanças foi autorizado o pedido de reabilitação do Recorrente – cf. fls. 57 a 62 -;
c) Por requerimento de 05.11.2019 o agora Recorrente pediu que a pena aplicada fosse convertida em aposentação compulsiva – cf. fls. 63 -;
d) Por Despacho de 19.03.2020 do Senhor Secretario para a Economia e Finanças foi indeferido o pedido de conversão da pena de demissão para aposentação compulsiva – cf. fls. 50 a 55 -.
e) É do seguinte teor a proposta subjacente àquele despacho:
«1. 在第001/RM/2009號紀律程序中,按照載於第001/SM/2010號報告書的經濟財政司司長於2010年4月l2日的批示,財政局前工作人員A被撤職處分,其後他要求恢復權利的申請書轉來本中心。
Foi enviado a este Núcleo o pedido de reabilitação do ex-funcionário da Direcção dos Serviços de Finanças A punido com pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de12/04/2010 exarado na Inf. n.º 0010/SM/2010, no âmbito do processo disciplinar sob o n.º 001/RM/2009.
2. 就這份恢復權利申請書給予了意見,而載於2019年6月11日第011/NAJ/VP/19號建議書的經濟財政司司長於2019年7月30日批示已許可恢復權利,申請人已透過2019年10月22日第080/NAJ/VP/19號公函獲得通知。
Aquele pedido de reabilitação foi objecto de parecer tendo sido concedida a reabilitação por despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 30/07/2019, exarado na Proposta n.º 011/NAJ/VP/19, de 11/06/2019, tendo o ora requerente sido notificado mediante o Oficio n.º 080/NAJ/VP/19, de 22/10/2019.
3. 於2019年11月5日,請求將撤職處分轉為強制退休的申請書被交來本局。
A 5 de Novembro de 2019 deu entrada nestes Serviços o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
4. 首先我們認為,有強烈和值得考慮的理由而不能將撤職處分轉為強制退休,理由展示如下。
Desde já adiantamos que julgamos existirem razões fortes e ponderosas para a não conversão pelos motivos que passamos a expor no ponto seguinte.
5. 申請人因違反勤謹義務和服從義務而被科處撤職處分,並已證實下列重要事實:
O requerente foi punido com pena de demissão por violação dos deveres de assiduidade e de obediência tendo-se dado como provados os seguintes factos relevantes:
5.1. 申請人於2009年3月23日整日必須上班時間內未能說明理由而缺勤,是《澳門公共行政工作人員通則》第九十條a)項所指的不合理缺勤。
O requerente faltou, injustificadamente, ao serviço no dia 23 de Março de 2009 durante a totalidade do período diário de presença obrigatória sendo a falta injustificada nos termos da alínea a) do artigo 90.º do ETAPM.
5.2. 沒有根據法律規定說明理由,故自2009年4月15日起至2009年8月10日止被視為不合理缺勤,共有108個連續缺勤,直至對其開立紀律程序作出控訴書結論日為止。
Face à não justificação nos termos legais, foram consideradas injustificadas as faltas dadas desde o dia 15 de Abril de 2009 até 10 de Agosto de 2009, num total de 108 faltas seguidas, até à data da conclusão da acusação no processo disciplinar que lhe foi instaurado.
5.3. 《澳門公共行政工作人員通則》第二百七十九條第二款g)項規定正常和持續留守部門工作的職務義務,申請人沒有履行該義務,根據同一《通則》第二百八十一條規定,不履行義務構成違紀行為,又根據第三百一十五條第二款f)項規定,應科處強制退休或撤職處分。
O requerente omitiu o cumprimento de um dever funcional que lhe impunha a permanência regular e contínua ao serviço, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 279.º do ETAPM, constituindo tal conduta infracção disciplinar, nos termos do artigo 281.º do mesmo Estatuto, punível, atenta a alínea f) do n.º 2 do artigo 315.º, com a pena de aposentação compulsiva ou demissão.
5.4. 申請人的行為明顯無興趣維持他與公共行政當局的聯繫。這份無興趣首先顯示在他逐步取回其在工作室、其寫字枱和櫃內的物品。
Na conduta do requerente houve um desinteresse manifesto na manutenção do seu vínculo à Administração Pública. Este desinteresse manifestou-se, desde logo, pela retirada gradual dos seus objectos que se encontravam na sala onde trabalhava, na sua secretária e armário.
5.5. 故意不返回部門缺勤上班的強烈跡象已被核實,當事人希望放棄其職位,終止其與部門的聯繫,也就是說,申請人是有預謀的。
Verificaram-se fortes indícios da falta de comparência ao serviço com a intenção de não regressar, pretendendo o mesmo abandonar o seu lugar cessando o seu vínculo com o serviço, ou seja, houve premeditação por parte do ora requerente.
5.6. 首先須強調一項事實,在紀律程序預審期間,申請人沒有出席對其開立的程序行為中,也沒有對程序表示任何興趣,包括無領取以掛號信方式寄予他的任何個人通知,在《公報》和報章刊登通知後,也沒有申請指控書副本。
Cumpre, desde logo, salientar o facto de que durante a instrução do processo disciplinar o requerente não compareceu a actos do processo contra si instaurado nem manifestou qualquer interesse no mesmo não tendo, incluindo, levantado qualquer notificação pessoal que lhe foi dirigida por carta registada, nem requerido cópia da acusação após a notificação edital no BO e nos jornais.
6. 申請人對已展開紀律程序的結果漠不關心,這顯示了完全無興趣維持職務聯繫。
Houve por parte do requerente um total alheamento quanto às consequências do processo disciplinar instaurado o que demonstrou um total desinteresse na manutenção do vínculo funcional.
7. 事實上,考慮到申請人的行為及以其行為所追求的最後目的(退休),科處強迫退休處分對他是一項獎勵,而不是對他的非常嚴重行為的處罰,該行為已顯示全無興趣維持聯繫,且完全無視所執行公職的公共利益的目標和目的,以及難以恢復原狀地維持法律職務的關係。
Com efeito, atendendo à conduta do requerente e do fim último pretendido por ele com a sua conduta (a aposentação), a aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para o mesmo e não uma punição para um comportamento extremamente grave, que manifestou um total desinteresse pelo prosseguimento do vínculo e total desrespeito pelos objectivos e fins de interesse público subjacentes ao exercício da função pública que exercia e que inviabilizou irreversivelmente a manutenção da relação jurídica­funcional.
8. 事實上,申請人很清楚,根據《通則》第三百四十九條第三款d)項規定,科處處分五年後,其處分有可能由撤職處分轉為強制退休。
Ora a verdade é que o requerente bem sabia que tinha ainda ao seu dispor a possibilidade de uma conversão posterior da pena de demissão em aposentação compulsiva, assim que passassem os 5 anos sobre a aplicação da pena, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM.
9. 考慮到這個轉換是行政當局的自由裁量權,這正如同一條文第六款清楚規定的 “得” 字,又考慮到述及的事實和申請人受譴責行為的最後目的,我們認為不應該決定將撤職處分轉為強迫退休處分。
Atendendo a que essa conversão é um poder discricionário da administração, como claramente ressalta do termo “poder-se-á” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, e atendendo aos factos descritos e ao fim último de todo este comportamento reprovável do requerente, julgamos não ser de decretar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.» – cf. fls. 51 a 55 -.
  
III.2. Do Direito
  
  No caso dos autos havia já sido deferida em 30.07.2019 a reabilitação do agora Recorrente.
  Posteriormente veio o Requerente pedir a conversão da pena de demissão antes aplicada na de aposentação compulsiva, o que veio a ser indeferido.
  O objecto do presente processo é o indeferimento do pedido formulado ao abrigo do nº 6 do artº 349º do ETAPM de conversão da pena aplicada de demissão na de aposentação compulsiva.
  Segundo o Recorrente alega estará preenchido o requisito do nº 3 do artº 315º do ETAPM dos 15 anos de serviço, sendo certo que, dos autos não constam elementos quanto a esta matéria, mas também dela não cabe apurar por ora.
  
  O Recorrente imputa à decisão recorrida os seguintes vícios:
  - O vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
  - Violação do princípio da razoabilidade.
  
  Vejamos então.
  
  Do vício de violação de lei.
  O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
  «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
  Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
  (…)
  A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
  
  Entende o Recorrente que há erro nos pressupostos de facto porquanto, a Administração valorou os factos que estiveram na causa da aplicação da pena de demissão e não a conduta do Recorrente após a punição, nomeadamente, o seu bom comportamento como devia ter feito, tendo, igualmente feito uma errada interpretação do artº 349º do ETAPM.
  Segundo o Recorrente a boa conduta prevista no nº 2 do artº 349º do ETAPM seria o critério para apreciar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
  Porém, não é esse entendimento que resulta da letra da lei.
  O nº 6 do indicado artº 349º consagra um poder discricionário à Administração no sentido de poder decretar ou não a conversão da pena referida. Segundo a letra do preceito a pena de demissão “poderá” (poder-se-á) ser convertida.
  Se a intenção do legislador fosse fazer decorrer apenas da boa conduta posterior à aplicação da sanção a possibilidade de conversão, uma vez verificada aquela para efeitos de concessão da reabilitação não haveria que apreciar mais nada para a conversão sendo esta uma consequência automática daquela.
  Ao se consagrar no nº 6 do indicado preceito 349º o poder discricionário de conceder ou não a conversão, ainda que seja deferida a reabilitação, o legislador consagrou também que a boa conduta poderá ser suficiente para justificar a reabilitação, mas poderá já não ser o bastante para a conversão em face de todas as circunstâncias que envolvem a situação.
  Da mesma forma que nos termos do nº 5 do indicado artº 349º a reabilitação não atribui ao indivíduo o direito a reocupar um lugar ou cargo na Administração, o nº 6 do mesmo artigo implicitamente consagra que a reabilitação não tem como efeito automático a conversão da pena ali autorizada.
  Procedendo-se na decisão recorrida à avaliação de toda a situação que esteve na génese da condenação para justificar o indeferimento do pedido de conversão, a decisão recorrida não incorreu no erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que, nada obsta que na apreciação do pedido sejam ponderados todos os factos que concorreram para situação, sejam eles os que estiveram subjacentes à condenação, bem como os que subjazem à reabilitação (a boa conduta posterior).
  Nem se diga que tal valoração viola o princípio “non bis in idem”.
  O que está aqui em causa não é mais a aplicação da sanção, mas a apreciação de estarem verificados os pressupostos para a conversão da pena aplicada, e o exercício intelectual que a decisão recorrida faz é analisar os pressupostos da condenação, para em face deles verificar se a boa conduta posterior justifica a conversão da pena aplicada, o que de modo algum equivale à dupla condenação pelos mesmos factos, sem prejuízo de poder ser bastante para justificar que nada há a alterar à pena aplicada.
  De igual modo, o artº 349º impede que se aprecie a factualidade que presidiu à aplicação da sanção, ou impõe que se atenda apenas à boa conduta posterior do indivíduo.
  Assim sendo, não enferma a decisão recorrida do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
  Do vício de violação do princípio de razoabilidade.
  
  O vício invocado contende com o disposto nos artºs 5º e 7º do CPA.
Artigo 5.º
(Princípio da igualdade e da proporcionalidade)
  1. Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
  2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
Artigo 7.º
(Princípio da justiça e da imparcialidade)
  No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.
  A propósito do princípio da justiça – também designado razoabilidade – tem este tribunal vindo a entender que «Só em casos pontuais de erro grosseiro, tosco e palmar é que a actuação administrativa discricionária pode ser sindicada com êxito judicial com fundamento na violação dos princípios gerais de direito administrativo, como é, por exemplo, o da proporcionalidade (tb. Justiça e razoabilidade) sob pena de os tribunais estarem a fazer administração activa - o que, como é sabido, não cabe na esfera do poder jurisdicional - e dessa maneira violarem o fundamental princípio da separação de poderes» - Acórdão de 02.04.2020 em procº 647/2019 – e que a «violação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e justiça ocorre quando a actuação administrativa se mostra excessiva, desmedida, injusta, em função das condições do caso concreto e das consequências dela resultantes, quer para os interessados particulares envolvidos, quer para o interesse público subjacente.» – Acórdão de 19.04.2018 Procº 265/2017 -.
  Proceder à avaliação de toda a conduta do funcionário enquanto tal, bem como da conduta que esteve na génese da aplicação da sanção e do comportamento posterior a esta de forma a aquilatar da justiça da conversão da pena aplicada, em momento algum se mostra desrazoável ou violador dos princípios consagrados nos artºs 5º e 7º do CPA, tanto para mais que, esse é o procedimento normalmente usado em situações equiparadas, como resulta da jurisprudência deste tribunal – Acórdão de 21.11.2019 Procº 143/2019 -.
  Aliás, como decorre da leitura da decisão que aplicou a pena, tanto assim é, que o próprio Recorrente nas suas alegações vem, também, rebuscar a argumentação que usou em processo disciplinar – os atestados médicos – para tentar justificar e minimizar as consequências do comportamento que levaram à aplicação da demissão.
  Logo, no caso em apreço, pelas razões constantes da proposta com base na qual foi proferida a decisão recorrida de indeferimento e também referidas no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público entendemos estar justificado o sentido daquela (da decisão de indeferimento da conversão) e em consequência improceder também este vício.
  
  Em sentido idêntico a este e situação semelhante se decidiu no Acórdão deste tribunal de 21.11.2019 proferido no processo nº 143/2019.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 17 de Dezembro de 2020
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
  

453/2020 REC CONT 1