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Processo nº 703/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 17 de Dezembro de 2020
Recorrentes: A, Limitada (Recurso Final e Recursos Interlocutórios)
B, Limitada (Recursos Interlocutórios)
Recorridas: As mesmas que as Recorrentes
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, Limitada, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  B, Limitada, também, com os demais sinais dos autos,
  Pedindo que:
  a) Reembolsar à Autora a quantia de MOP2.500.000,00, correspondente ao mútuo efectuado para realização de obras e aquisição de equipamentos para instalação da sua sede social;
  b) Pagar à Autora os juros calculados desde 31/12/2012, data em que devia ter ocorrido o reembolso, e até integral e efectivo pagamento, sobre a quantia de MOP2.500.000,00, à taxa de juro vigente aplicável aos negócios entre empresas comerciais (9,75%+sobretaxa de 2%), juros que em 01/01/2017 perfazem já o montante de MOP1.191.901,00.
  Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
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  Não se conformando com o despacho que não admitiu a tréplica a fls. 510, veio a Ré interpor recurso do mesmo, apresentando as seguintes conclusões:
1. Este recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Exm.º Juiz do Juízo Civil do TJB constante de fls. 510 dos autos (adiante designado por “despacho recorrido”), relativo à decisão dos pedidos invocados pela autora constantes de fls. 467 a 468 dos autos, que mandou retirar e restituir o articulado entregue pela recorrente em 14 de Novembro de 2017 e os documentos que o acompanham, a fls. 447 a 459 dos autos.
2. Este recurso foi interposto com base nos seguintes vícios do despacho recorrido: erro no pressuposto de facto - entendimento errado do Tribunal a quo sobre a natureza da peça processual apresentada pela recorrente; o despacho recorrido é nulo por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art.ºs 569.º n.º 3, 571.º n.º 1 al. b) e n.º 3 do Código de Processo Civil); o despacho recorrido constituiu a nulidade processual por violação do princípio do contraditório (art.ºs 3.º e 147.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
3. Relativamente ao erro no pressuposto de facto – entendimento errado do Tribunal a quo sobre a natureza da peça processual apresentada pela recorrente, a recorrente afirmou expressamente, no articulado apresentado pela recorrente em 14 de Novembro de 2017, que esta resposta não é tréplica, mas sim resposta aos novos factos invocados na réplica em conformidade com o princípio contraditório previsto no art.º 3.º do Código de Processo Civil. E a autora também indicou, na primeira parte do artigo 3.º do requerimento constante de fls. 467 dos autos, que o articulado da recorrente não é tréplica.
4. Já que a recorrente apenas pronunciou-se sobre os novos factos deduzidos pela autora na réplica nos termos do art.º 3.º do Código de Processo Civil, mas não apresentou a tréplica, pelo que não é aplicável o disposto sobre a tréplica do réu no art.º 421.º do Código de Processo Civil e a apresentação do respectivo articulado também não constituiu a irregularidade por violação da lei e consequentemente, não enfermou da nulidade a que se refere o art.º 147.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
5. Face ao exposto, o Tribunal a quo incorreu no erro no pressuposto de facto que fundamenta o despacho recorrido, daí, deve-se revogar a respectiva decisão e admitir o articulado da emissão da opinião apresentado pela recorrente e todos os documentos que o acompanham, bem como juntá-los aos autos para produzir os devidos efeitos jurídicos.
6. Relativamente à nulidade do despacho recorrido por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o despacho recorrido apenas indicou conclusivamente que ao requerimento da recorrente não é aplicável o art.º 3.º do Código de Processo Civil.
7. Em termos de jurisprudência, o TUI emitiu a seguinte opinião brilhante no Processo de Recurso n.º 21/2004 em 14 de Julho de 2004: “A nulidade a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente”; e o TSI também emitiu o mesmo sentido no Processo de Recurso n.º 86/2000 em 11 de Janeiro de 2001.
8. In casu, no despacho recorrido, não se mencionou nenhuma norma, regra ou princípio em que a sentença se apoia para justificar a razão pela qual não pode apresentar o respectivo requerimento em conformidade com o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do Código de Processo Civil, ou seja, verifica-se uma falta absoluta de fundamentação de facto e de direito que justificam a sua decisão. Portanto, o despacho recorrido é nulo, devendo ser revogado nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil.
9. Relativamente à nulidade processual do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório, de acordo com o articulado apresentado pela recorrente em 14 de Novembro de 2017 e os documentos que o acompanham, podemos saber que a recorrente se pronunciou sobre os novos factos e os novos documentos em anexo na réplica da autora em conformidade com o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do Código de Processo Civil:
1. A autora indicou, nos artigos 24º e 65º da réplica, que a recorrente era litigante de má fé e fez exposição no texto restante (designadamente os factos constantes dos artigos 25º, 26º, 47º, 61º a 64º da réplica).
2. A autora indicou, no artigo 7º da réplica, que C era madrinha da filha de D.
3. A autora apresentou, nos artigos 13º e 25º da réplica, uma sentença e uma contestação do Processo Comum de Trabalho n.º LB1-14-0155-LAC.
4. A autora indicou e juntou, no artigo 47º da réplica, algumas notícias dos jornais; e
5. A autora juntou ainda as cópias da cotação, nota, solicitação de cheque e cheque.
10. E no documento apresentado pela recorrente, a fls. 447 a 459 dos autos, o artigo 2º destina-se a pronunciar-se sobre o novo facto constante do ponto 2 supracitado; e os artigos 4º a 18º, 20º e 21º destinam-se a pronunciar-se sobre a sentença e a contestação constantes do ponto 3 supracitado; e os artigos 3º a 21º e 41º a 45º destinam-se a pronunciar-se sobre o assunto da litigância de má fé (constante do ponto 1 supracitado); e os artigos 22º a 40º destina-se a pronunciar-se sobre os novos documentos anexados à réplica da autora (documentos indicados nos pontos 4 e 5 supracitados).
11. Quanto ao assunto de litigância de má fé invocado pela autora, a consequência da litigância de má fé é muito grave e irá afectar, indubitavelmente, os interesses processuais da recorrente nos termos dos art.ºs 385.º e 386.º do Código de Processo Civil. Outrossim, o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do Código de Processo Civil não exige que as partes só na fase de articulado nominado podem pronunciar-se sobre os novos factos e documentos, daí, a retirada e a restituição dos documentos da recorrente no despacho recorrido o que privou, indubitavelmente, o direito de defesa da recorrente e entrou em contradição com o princípio fundamental do processo civil – princípio do contraditório.
12. Face ao exposto, o despacho recorrido violou o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do Código de Processo Civil, constituiu uma irregularidade, além disso, a admissão ou não do documento do parecer apresentado pela recorrente irá influenciar a determinação posterior da matéria de facto e influir directamente no exame (instrução e debate) ou na decisão (julgamento) da causa, pelo que constituiu a nulidade a que se refere o art.º 147.º n.º 1 in fine do Código de Processo Civil, por conseguinte, deve-se revogar a respectiva decisão, admitir o articulado da emissão da opinião apresentado pela recorrente e os documentos que o acompanham e juntá-los aos autos para produzir os devidos efeitos jurídicos.
  Contra-alegando veio a Autora apresentar as seguintes conclusões de recurso:
1. O Tribunal a quo percebeu perfeitamente a natureza do documento de fls. 448.
2. O despacho recorrido encontra-se devidamente fundamentado, é claro, conciso e dispensa outros desenvolvimentos, não incorrendo em qualquer erro ou nulidade por falta de especificação de fundamentos.
3. Não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório na medida em que uma resposta à réplica só poderia ser permitida nos termos legais, não havendo lugar a contraditório do contraditório.
4. Não é admissível que a parte se pronuncie sobre o que lhe está processualmente vedado pelo simples facto de lhe atribuir um nome diferente.
5. A Ré só estaria autorizada a responder a um pedido de litigância de má fé se este tivesse sido formulado, não constituindo o mero chamar de atenção para a conduta processual da parte um pedido sujeito a resposta.
6. O despacho recorrido não violou qualquer disposição legal, não merecendo por isso qualquer censura.
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  Pela Autora foi interposto recurso do despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento a fls. 933, apresentando as seguintes conclusões de recurso:
A) Os actos praticados pelos gerentes ou administradores de uma sociedade vinculam-na perante terceiros, não obstante as eventuais limitações de poderes de representação que possam constar dos respectivos estatutos;
B) Os gerentes e/ou administradores de uma sociedade respondem para com ela pelos seus actos e omissões, sendo a responsabilidade solidária entre si e havendo direito de regresso entre eles;
C) Os membros da gerência de uma sociedade podem, desde que autorizados estatutariamente, como é o caso vertente, fazer-se representar por outros gerentes;
D) A lei não distingue entre gerentes com poderes gerais e gerentes com poderes de mero expediente, nem esclarece o que são actos de mero expediente;
E) Os actos de mero expediente variam de sociedade para sociedade não distinguindo a lei entre gerentes-gerais e gerentes para 'a prática desses actos;
F) A lei não distingue entre os gerentes que podem depor como parte em representação da pessoa colectiva e os que podem ser admitidos como testemunhas, partindo do princípio de que todos os que podem obrigar a pessoa colectiva, independentemente da importância e valor do acto em causa, podem prestar depoimento de parte;
G) Não é pelo facto de um gerente ter poderes limitados que fica impedido de prestar depoimento de parte, em especial se a matéria a que o depoimento interessar estiver no âmbito dos seus poderes ou se um outro gerente dessa mesma sociedade lhe tiver outorgado poderes de representação para esse efeito;
H) A decisão constante do despacho recorrido, que autorizou o depoimento da gerente da Ré como testemunha, está insuficientemente fundamentado;
I) O gerente de uma sociedade que é Ré num processo judicial está impedido de depor como testemunha atenta a sua posição relativamente à lide e a sua eventual responsabilidade no quadro da gerência que integra;
J) A gerente da Ré E estava impedida de depor como testemunha, pelo que tendo sido autorizada a depor, o seu depoimento será nulo e de nenhum efeito;
K) A decisão recorrida violou o disposto no art.º 518.º do CPC, atento o disposto nos art.ºs 245.º, n.ºs 1 e 4, 236.º, n.º 1, 235.º, n.º 1 e 384.º, n.º 3, todos do Código Comercial.
  A Ré contra-alegou não apresentando, contudo, conclusões.
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  Não se conformando com a sentença proferida vem a Autora interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
A) Nas respostas à matéria de facto o Tribunal a quo fundamentou as suas escolhas e a formação a sua convicção com base em documentos juntos com a tréplica, a qual não era admissível e cuja junção foi declarada ilegal pelo Mm.º Juiz titular do processo em l.ª instância, tendo sido determinado o seu desentranhamento por despacho de fls. 510;
B) O desentranhamento era incontornável em virtude de o Tribunal a quo ter considerado que a junção daquele expediente era susceptível de influir na decisão a causa, assumindo foros de nulidade;
C) No entanto, os documentos de fls. 453 a 459 permaneceram nos autos e aparecem a fundamentar expressamente a decisão, pelo que tal decisão é nula, o que terá como consequência a anulação das respostas dadas à matéria de facto e a repetição do julgamento;
D) Ainda que assim não fosse, a prova produzida em audiência ficou inquinada pelo facto de uma das gerentes da Ré, pessoa com poderes para vinculá-la perante terceiros em relação a assuntos de mero expediente e operações de comércio externo, ter sido admitida a depor como testemunha, quando só poderia ter prestado depoimento como parte;
E) Em consequência, também nessa parte a decisão está ferida de nulidade;
F) Nenhuma das testemunhas que depôs assistiu ou acompanhou as negociações entre os sócios da Autora recorrente e a gerente-geral da Ré, sendo que as que confirmaram a tese da Ré em audiência o fizeram por tal lhes ter sido relatado por essa mesma gerente-geral;
G) Sem o depoimento da gerente E, não teria sido possível dar como não provados os quesitos 1.º, 2.º, 6.º e 7.º da Base Instrutória, nem como provados os quesitos 18.º, 37.º, 38.º e 39.º dessa mesma peça;
H) O depoimento da gerente da Ré como testemunha induziu o Tribunal a quo em erro e conduziu ao desfecho final de improcedência da acção;
I) Se o Tribunal a quo, na resposta ao quesito 3.º admite a existência de um acordo entre a Autora e a Ré, isso significa que entre a primeira e a segunda não havia uma relação hierárquica, nem uma relação patrão-empregado entre a Autora e a gerente-geral da Ré, pois que de outro modo não existiria um acordo, mas sim uma imposição;
J) O Tribunal a quo considerou que o documento de fls. 31 e 32 era uma “declaração de dívida prestada pela gerente-geral da Ré, C” (cfr. fls. 18 do Acórdão que julgou a matéria de facto), sendo que ao fazê-lo está a implicitamente admitir a existência de um empréstimo entre a Autora e a Ré, pois que de outro modo, não tendo sido esse documento impugnado, nem colocado em crise em sede de julgamento, teria de fazer prova da existência do mútuo cujo montante se comprovou ter entrado na conta bancária da Ré, a qual só poderia ser movimentada pela sua gerente-geral;
K) O Tribunal a quo não apurou, nem sabe, se o desentendimento que houve entre a Autora e a gerente-geral da Ré, antes da constituição desta e no período que vai de Outubro de 2011 a 5 de Janeiro de 2012, se reflectiu na constituição da Ré e nas relações futuras entre as partes;
L) O facto do montante do empréstimo ter sido concedido depois da realização das obras no XX.º andar do Edifício XX, numa altura em que a gerente-geral da Ré e todos os demais trabalhadores que com esta colaboravam já estavam instalados nesse local, não permite concluir que haja qualquer relação entre as obras realizadas e suportadas pela Autora anteriormente a Maio de 2012 e o que se seguiu na relação das partes entre si desde aquela data e até Janeiro de 2013;
M) Não existe qualquer incongruência entre a realização das obras, projectadas e decididas num momento anterior à ruptura total das relações entre os sócios da Autora e a gerente-geral da Ré e a locação a título gratuito do locado por parte de uma outra empresa ligada aos sócios da Ré, por um período limitado, atentas as boas relações que inicialmente existiam, e os projectos imaginados pelas partes e em que ambas participariam se não ocorresse o desentendimento que levou à ruptura, ao pedido de restituição da fracção de fls. 473, e ao conflito entre as partes;
N) O Tribunal a quo não podia dar como provado uma relação patrão-empregado entre a Autora e a gerente-geral da Ré, visto que essa relação não estava em discussão nos autos e C não foi parte nestes, e sem que fosse feita prova dos elementos caracterizadores da existência de uma relação laboral, designadamente do cumprimento de um horário de trabalho, de uma relação de hierarquia entre a pretensa entidade patronal e o trabalhador e do pagamento de salários com carácter regular durante todo o período em durou essa relação, o que já tinha sido discutido, por duas vezes, em l.ª e 2.ª Instância, havendo sobre isso dupla conforme a negar a existência de qualquer relação laboral entre a recorrente e C;
O) Se os únicos registos de pagamentos dos salários que C reclama ter recebido da Autora lhe foram feitos pela própria Ré, então não podia haver uma relação patrão-empregado entre a Autora, entidade patronal que nunca pagou salários, e a “trabalhadora”, que era ao mesmo tempo gerente-geral e sócia da Ré recorrida;
P) Se a Ré emitia facturas relativas a prestações de serviços, se passava recibo dos pagamentos que recebia de terceiros, como a O, se recebia cheques para pagamentos desses serviços, os quais foram recepcionados pela gerente-geral C e, inclusivamente, deram entrada na conta bancária da Ré, não podia o Tribunal a quo ter concluído que a Ré prestava serviços a um conjunto de terceiras entidades e que não era paga por essas mesmas entidades às quais prestava serviços, quando nos autos estão documentados pagamentos de milhões de patacas;
Q) Não foi apresentada qualquer certidão de rendimentos da gerente-geral da Ré C que permitisse fazer prova dos rendimentos por esta auferidos em 2011, 2012 e 2013 e que esses rendimentos lhe foram pagos pela Autora;
R) As alegadas transferências mensais perfazendo o valor de MOP 239.000,00, a favor da gerente-geral C, a existirem, não lhe foram processadas pela entidade que alega ter sido a sua entidade patronal, mas pela sociedade Ré de que a própria era gerente-geral e sócia;
S) A Autora não estava obrigada à contratação de uma pessoa como sua trabalhadora para exercer funções num lugar de grande relevo se entendesse que esta tinha de se desvincular completamente da função pública, e independentemente do que fosse mais conveniente a essa pessoa, visto que para haver contrato era necessário que as duas partes estivessem de acordo quanto às respectivas condições e concretizassem a vontade de se vincularem através de um instrumento definitivo;
T) A gerente-geral da Ré promoveu alterações quanto à sede e à sua participação social na sociedade F Lda. (actualmente, F Lda.), sócia da Ré, sem que desde 2013 tivesse promovido a dissolução de uma e/ou de outra, as quais estavam na sua inteira disponibilidade, ou renunciasse logo às gerências sociais, que num dos casos manteve mesmo depois de regressar à Direcção dos Serviços de Finanças como técnica superior assessora, categoria com que C se identificou quando prestou depoimento de parte;
U) A existência de uma relação patrão-empregado entre a gerente-geral da Ré e a Autora é incompatível com o estatuto de consultor daquela e com o não recebimento de quaisquer salários regulares de que tivesse sido feita prova e que lhe tivessem sido pagos pela Autora;
V) Verificada por parte do Tribunal a quo a existência do mútuo, a entrada do dinheiro na conta bancária da Ré e a existência de um documento de recebimento assinado pelo punho da sua gerente-geral, pelo qual se comprometeu a devolver a quantia de MOP2.500.000,00 até 31 de Dezembro de 2012 sem juros, a resposta aos quesitos 1.º, 2.º. 3.º e 6.º deveria ter sido “Provado”, ao invés de “Não provado”;
W) O facto da gerente-geral da Ré se manter, ao fim de vários anos, como sua sócia, detendo uma posição maioritária e continuar registada como gerente-geral depois da ruptura definitiva das relações com a Autora, e de retomar funções como funcionária pública na Direcção dos Serviços de Finanças, indicia claramente a sua vontade de acumulação de estatutos e desmente qualquer relação patrão-empregado com a Autora.
X) O Tribunal a quo, não obstante considerar que a Ré prestou serviços de consultadoria à Autora, deu como não provado que esses serviços ascendessem a mais de MOP2.500.000,00;
Y) Apreciada a prova produzida em audiência, o Tribunal a quo, para além de dever ter dado como provados os quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 6.º, deveria ter julgado como não provados os quesitos 10.º a 18.º e 37.º a 39.º;
Z) Uma vez que a matéria de facto foi incorrectamente julgada, em virtude do que acima se referiu, a decisão recorrida ficou inquinada por haver manifesta oposição entre os fundamentos invocados e a decisão final, o que é causa da nulidade;
AA) Em consequência, foram violados os artigos 147.º, n.º 1, 151.º, n.º 2, 518.º e 571.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
  A Ré contra-alegou não apresentando, contudo, conclusões.

  Foram colhidos os vistos.

  Sendo três os recursos interpostos nestes autos – recurso do despacho que não admitiu a tréplica, recurso do despacho que admitiu o depoimento de uma testemunha e recurso da sentença -, passamos a conhecer de cada um deles segundo a ordem porque foram apresentados.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  DO RECURSO DO DESPACHO QUE NÃO ADMITIU A TRÉPLICA.
  É o seguinte o teor do despacho recorrido:
  Da legalidade da tréplica
  Notificada do requerimento de fls. 448, veio a A. requerer o seu desentranhamento, outrossim dos documentos que o acompanham e por entender que não há espaço legal para a sua dedução.
  Cumpre decidir.
  O requerimento em apreço só se mostra viável se for admissível tréplica e nunca a coberto da regra geral prevista no artº 3 do CPC.
  Isto posto importa referir que decorre do artº 421º nº 1 do C.P.C. que a tréplica só é admissível se for modificado o pedido ou a causa de pedir ou se, havendo reconvenção, o autor tiver deduzido alguma excepção.
  Nenhuma das situações se verificou no caso em apreço.
  Desta sorte foi praticada uma irregularidade que, nos termos do artº 147º nº 1 do C.P.C., influi no exame da causa e, nessa medida, assume foros de nulidade.
  Pelo exposto, deferindo a pretensão da A., não se atenderá à peça visada por ilegalmente deduzida.
  Desentranhe e devolva-a, incluindo os documentos que a acompanham.
  Custas do incidente pelo RR. com taxa de justiça fixada em 2 UC – artº 15 do RCT.
  
  Entende a Ré nas suas conclusões de recurso que o despacho recorrido enferma dos seguintes vícios:
  - Erro nos pressupostos de facto porque a peça processual apresentada pela Ré não é uma tréplica mas uma resposta aos factos novos apresentados na réplica pela Autora – conclusões 1 a 5 -;
  - Nulidade por falta dos fundamentos de facto e de direito – conclusões 6 a 8 -;
  - Nulidade por violação do princípio do contraditório – conclusões 9 a 12 -.
  
  Vejamos então.
  
  Do requerimento de fls. 448 a 452, traduzido a fls. 495 a 500 consta no artigo 1º que vem impugnar todos os factos constantes da réplica nos termos do artº 424º do CPC, no artigo 2º vem pronunciar-se quanto à matéria do artº 7º da réplica e a partir do artº 3º versa sobre alguns dos documentos juntos com a réplica, sua força probatória e interesse para a decisão da causa.
  Em momento algum a Ré pretende que o requerimento em causa seja uma tréplica, expressamente reconhecendo que a não pode apresentar.
  No despacho sob recurso diz-se que o requerimento em causa só seria admissível se a tréplica o fosse.
  Ora, não temos qualquer dúvida do acerto do despacho recorrido quanto à matéria constante dos artigos 1º e 2º do referido documento, uma vez que, sendo a factualidade invocada na réplica impugnação fundamentada da matéria invocada na contestação em sede de excepção, não podia a Ré responder à mesma. Pelo que, sempre aqueles dois artigos se haveriam de ter por não escritos se o requerimento viesse a ser admitido.
  Contudo, já assim não é quando no requerimento em causa a Ré se vem pronunciar sobre os documentos juntos com a Réplica, faculdade que resulta dos artº 3º, 438º e 453º do CPC, e juntar outros documentos para contraprova daqueles e do que com eles se pretendia demonstrar.
  Por outro lado, na réplica, ainda que não se conclua a pedir a condenação da Ré como litigante de má-fé, o pedido é implicitamente formulado nos artigos 24º e 65º, assistindo à Ré o direito a responder, também, de acordo com o disposto no artº 3º do CPC.
  Destarte, ao se considerar que o requerimento em causa apenas poderia ser apresentado se a tréplica pudesse ser apresentada, entendemos que o despacho recorrido fez uma errada interpretação da situação, enfermando de erro nas normas de direito a que recorreu para a não admissão daquele.
  O requerimento em causa havia de ter sido admitido na parte em que a Ré se pronunciava sobre os documentos juntos com a Réplica e na parte em que juntava documentos, bem como quanto à impugnação da má-fé que lhe era imputada em sede de Réplica, fazendo-se menção que havia de se ter por não escrita a matéria dos artigos 1º e 2º do mesmo por não ser admissível nessa parte.
  
  Note-se que a decisão deste recurso é inócua quanto aos documentos que foram juntos com este requerimento face ao despacho posteriormente proferido a fls. 690v., uma vez que ai foram admitidos.
  Assim sendo, cabe conceder provimento ao recurso interposto do despacho de fls. 510, substituindo-o por outro que, considerando como não escrita a matéria dos artigos 1º e 2º do requerimento de fls. 448/452 traduzido a fls. 495/500, admita o mesmo bem como os documentos com ele juntos, nada se fixando quanto à tributação devida pela junção uma vez que se mantém a taxa de justiça fixada a fls. 690v.
  
  DO RECURSO DO DESPACHO PROFERIDO EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO A FLS. 933
  
  É do seguinte teor a passagem da acta a fls. 933, traduzida a fls. 1117 a 1119, que interessa para o presente recurso:
«Testemunhas da autora
2ª testemunha (testemunha comum)
  E, do sexo feminino, titular do BIRM n.º 51XXXX4(6), com idade de 40 anos, contabilista, com os demais sinais constantes de fls. 728 e 732 dos autos.
  A testemunha declarou que a autora era a sua ex-empregadora, trabalhava a favor desta empresa dos anos 2011 a 2013, como contabilista, foi recomendada pelo representante legal da ré, C, à empresa e C era a sua chefe, entretanto, avançou que essa relação não se obsta à sua prestação do depoimento verdadeiro e prestou juramento nos termos legais.
***
  Neste momento, o mandatário judicial da autora declarou que em relação à testemunha comum E, de acordo com a certidão de registo comercial anteriormente entregue, esta testemunha era membro do órgão de administração da ré, pelo que ela deve alegar na qualidade de parte e não de testemunha.
  O Juiz Presidente perguntou imediatamente à testemunha, a testemunha confirmou que ela era membro do órgão de administração da ré, mas não tinha o poder de fazer actos vinculados à empresa.
  A mandatária judicial da ré manifestou a sua oposição à alegação da autora e invocou que a testemunha E não tinha os poderes de representação da ré, e de acordo com o Recurso do Processo Civil do TSI n.º 77/2014, entendeu que a ré E não tinha o poder de confessar, nem tinha a qualidade de prestar alegação da parte, pelo que nada obsta à sua prestação de depoimento na qualidade de testemunha.
  Em seguida, o Juiz Presidente proferiu o seguinte:
DESPACHO
  De acordo com a certidão de registo comercial da ré, B, Limitada, E era membro do órgão de administração, mas de acordo com a certidão de registo, ela não tinha o poder de celebrar, em representação da ré, os documentos vinculados à ré e o respectivo poder apenas foi delegado a outro membro do órgão de administração, gerente-geral C, pelo que, ela não pode prestar alegação da parte ou fazer confissão em representação da ré, portanto, pode prestar depoimento na qualidade de testemunha. Fixa-se em 3UC a taxa de justiça do incidente, a suportar pela autora
  Notifique.».
  
  Subjacente ao despacho recorrido está o entendimento de que a testemunha em causa não está abrangida pelo impedimento resultante do artº 518º do CPC, uma vez que não pode depor como parte nos termos do nº 2 do artº 478º do CPC, dado que, não tem poderes para obrigar a sociedade aqui Ré.
  Da certidão do registo comercial a fls. 976 a 985 consta relativamente à sociedade Ré que a Administração cabe a C na qualidade de gerente geral e à não sócia E enquanto gerente, obrigando-se a sociedade com a assinatura da gerente geral e sendo bastante para os actos de mero expediente e de comércio externo a assinatura de um dos gerentes.
  Ora, no caso em apreço, a sociedade só se “obriga” com a assinatura da gerente geral que não é a indicada E, sendo que, daí se impõe concluir que esta, não tem poderes para representar a sociedade.
  Destinando-se o depoimento de parte a obter a confissão judicial1, no que concerne às pessoas colectivas ele só pode ser obtido de quem tiver poderes para a obrigar (à pessoa colectiva).
  Não tendo poderes para representar a sociedade, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 478º do CPC não tem E poderes para depor como parte, pelo que, “a contrário” não está abrangida pelo impedimento do artº 518º do CPC.
  Assim sendo, e sem necessidade de outras considerações bem andou o despacho recorrido ao entender que a pessoa em causa podia depor como testemunha, não procedendo as conclusões de recurso apresentadas.
  
  DO RECURSO INTERPOSTO DA SENTENÇA
  
  O Recurso interposto da sentença versa apenas a decisão quanto à matéria de facto.
  Nos termos do artº 599º nº 1 al. a) do CPC vem a Autora, agora Recorrente atacar as respostas dadas aos quesitos 1º, 2º, 6º, 7º, 10º a 18º e 37º a 39º da Base Instrutória, contudo em sede de pedido apenas pede que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 6º, 10º a 18º e 37º a 39º. Porém, nada alega quanto à resposta dada ao quesito 3º, pelo que, apenas atenderemos às respostas dadas aos itens 1º, 2º, 6º, 10º a 18º e 37º a 39º.
  Começa a Autora e Recorrente por atacar a decisão da matéria de facto uma vez que tomou em consideração os documentos de fls. 453 a 459 juntos com a peça que a Autora qualifica como tréplica.
  Ora, relativamente ao requerimento de fls. 448 a 452 já nos pronunciámos supra, decidindo que é de conceder provimento ao recurso interposto do despacho de fls. 510, do que resulta que são admitidos e ficam nos autos o requerimento em causa e documentos com ele juntos.
  No entanto, ainda que assim não se decidisse em sede de recurso, por despacho de fls. 690/691 vieram os documentos juntos com aquele requerimento a ser admitidos, pelo que, é manifesta a ausência de razão da Recorrente quanto a esta matéria.
  De igual modo, como resulta da apreciação do recurso interposto do despacho a fls. 933 (acta) quanto à admissão do depoimento da testemunha E, tendo-se concluído ser este depoimento legal e admissível, negando-se provimento ao recurso, fica prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto dada por assente com base no depoimento desta testemunha.
  
  É do seguinte teor a fundamentação da decisão sobre as respostas dadas à Base Instrutória:
  «A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 16 a 38, 236 a 293, 312 a 384, 387 a 409, 453 a 459, 472 a 474, 614 a 679, 705 a 708, 739 a 798, 837 a 840 e 849 a 906 dos autos, cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
  1)- Sobre os factos da constituição da Ré, de remodelação do XX° andar do XX e da relação entre a Autora e a Ré:
  A testemunha G, funcionária da Autora deu conta de que a Ré é uma sociedade alheia à Autora e ao casal H e a remodelação do XX° andar do XX foi realizada e ordenada pela C. O montante de $2.500.000,00 entregue à Ré através do cheque da Autora tratou-se de empréstimo dada pela Autora à Ré, para proceder à remodelação do XX° andar do XX, sede social da Ré, não tendo o H e D qualquer intervenção na Ré e na remodelação do XX° andar, não obstante de ser propriedade da outra empresa I pertencente aos seus patrões, concedido o seu uso à C, a título gratuito. No entanto, admitiu que a Ré era originalmente constituída para a filha do casal H e D, na altura era estudante da escola secundária, daí a razão da concessão gratuita do todo o piso de 16 andar pela empresa I à Ré e da concessão do montante de HKD$2.500.000,00 pela Autora.
  As testemunhas J, K e L deram conta de que foram todos eles entrevistas e recrutados pela D antes da constituição da Ré, os seus vencimentos foram pagos ou pela O, ou pela Autora e outras vezes pela Ré. Mas todos em comum disseram que trabalhavam sob instrução e ordem do H e D e que o âmbito de trabalho abrange, indiferentemente, os trabalhos das empresas relacionadas com eles, incluindo o “N” e Hotel M, a remodelação da O; que foram transferidos para o XX andar também sob ordem do H ou D. As testemunhas J e L confirmaram ter participado na reunião dirigida pelo H na sede a Autora referido no documento de fls. 625. Tendo a testemunha J explicado que tem conhecimento pessoal da constituição da Ré (incluindo a sócia F LDA), por haver comunicação com a secretária da D, a quem era incumbida para tratar as formalidades da constituição da Ré e que a remodelação do XX andar (assim como disse a testemunha K), foi realizada, sempre sob orientação, ordem e consentimento deles, nomeadamente a D.
  - Os e-mails fls. 90 a 91 e de fls. 119 a 127, demonstra que a D deu ordem aos funcionários da empresa I para a constituição da Ré, com o pormenor de determinar a percentagem da quota social dos sócios e a forma de obrigação da empresa, com a finalidade de reorganização das empresas do grupo;
  - O XX° andar do XX é da propriedade da empresa I, cujo uso foi concedido, gratuitamente, à Ré, pelo prazo de um ano; (doc. de fls. 32 a 34);
  - Do teor das correspondências electrónicas trocadas entre D e os funcionários da empresa I, constantes de fls 130 a 135, 614, 619, 620, 626, 764, 778 e 779, se resulta que a remodelação do 16° andar foi ordenada e orientada directamente pela D aos vários funcionários da Ré e da empresa I para a sua execução;
  - Por documentos de fls. 130, 134, 627 a 636, o contrato de empreitada foi celebrado com a Autora e que o preço foi pago por último, e o seguro para a obra de remodelação do 16 andar foi efectuado e pago pela Autora; as despesas de condomínios do 16 andar foram pagas pela empresa I;
  - Os mobiliários do escritório do 16 andar foram adquiridos pela Autora (cfr. fls. 131 e 133);
  - O e-mail enviada pela testemunha J ao funcionário da Autora, constante de fls. 119, exigindo a transferência da titularidade da quota social registada em nome da C e da Sociedade Exponential;
  - Os alegados funcionários da Ré foram recrutados, bem como os seus vencimentos foram pagos sob as empresas conexas com a Autora, como a O, P administração predial (doc de fls.753 a 760).
  Na apreciação dessas provas, frisa-se que os documentos elaborados do momento da sua ocorrência, são provas mais fiáveis em comparação com as declarações verbais.
  Das declarações das testemunhas, depara-se que a testemunha F deu a entender que nem o H nem D deu qualquer instrução quanto à remodelação do XX° andar, depoimento esse é manifestamente incompatível com as provas documentais acima citadas. Bem ao contrário, as declarações prestadas pelas testemunhas J e K, com excepção de alguns pontos, é mais ou menos, coerente com as provas documentais, merecendo a maior credibilidade do Tribunal.
  Baseadas nessas provas, demonstram que as três testemunhas J, L e K foram transferidos do original local de trabalhão, para o XX andar, sede social registada da Ré, mas todas elas trabalhavam, na realidade, para a Autora, ou mais preciso, para o casal de H e D, quem têm o controlo efectivo da Autora ou outras empresas a eles relacionadas ou por ser sócio maioritário ou por ser administrador, por isso, eles podem, colocar ou distribuir os funcionários recrutados para qualquer das empresas sob seu controlo e fazer registá-los em qualquer dela. A Ré não é mais de outra empresa constituída por ordem deles para servir os interesses do H e D. Portanto, quem são os verdadeiros patrões das testemunhas são os H e D, e não a C. Daí que a remodelação da sede social da Ré foi instruída e ordenada pela D, aliás, segundo a regra da experiência comum e normalidade, uma pessoa medianamente diligente, não iria dispensar milhões para a remodelação dum andar que apenas tem direito o seu uso por um ano, com o risco de o proprietário poderá pedir a sua restituição em qualquer momento. Por esse raciocínio, apesar de ser registada, aparentemente, como sócia maioritária a C, ela é apenas um testa-de-ferro, actuando, na substância, sob ordem e instrução dos H e D. Por isso, convencemos os factos de que foi a Ré constituída por ordem de D e que por instrução deles, fazer constar do registo como sócia da Ré a C e a Sociedade Exponential assim como os factos de que a C tinha exigido, por várias vezes, a transferir a titularidade da quota da C para a D. Assim, deram-se por provados os factos constantes dos quesitos 10° a 19° e 21° a 36°.
  Uma vez que consideramos que a C e os seus colegas trabalharam nos vários projectos explorados pela Autora por ter uma relação subordinada com esta, actuando por conta e interesse da Autora, e não actuou por conta da Ré, por ordem lógica, não consideramos, simultaneamente, como provados, que a Ré, na qualidade duma sociedade autónoma, prestou os mesmos serviços à Autora. Pelo que não se deram como provados os factos dos quesitos 46° e 47°.
  2)- No que diz respeito aos factos da relação estabelecida entre a Autora e C, cabe referir ainda que, não obstante da sentença, transitada em julgado, proferida no processo LB1-14-0155-LAC, que a C move contra a Autora para obter a remuneração não paga resultante da relação de trabalho, donde não se resultam provados os factos de relação de trabalho entre C e a Autora. Essa sentença não constitui caso julgado em relação ao presente processo, visto que não são mesmos os sujeitos processuais num e noutro.
  De acordo com as provas carreadas aos autos, temos uma convicção diferente daquele processo, por seguintes razões:
  -Consta de documento de fls. 89 quanto ao acordo celebrado entre C e a Autora sobre o recrutamento da C como Directora executiva e “Chief Operationg Officer”.
  Disse a testemunha G que o acordo nunca entrou em vigor por que a C não desvinculou, definitivamente, a relação com a RAEM. Para já, a letra da referida cláusula não permite uma interpretação tão restritiva de que não inclui a situação de licença sem vencimento, como o caso da C. Por outro lado, atentas às situações pessoais da C, funcionária do quadro com antiguidade na administração pública, parece que a existência dessa cláusula ser justamente para esse caso específico, sob o ponto de vista do interesse dela, a melhor opção será a licença sem vencimento e não a desvinculação definitiva. Na verdade, se a C pretendesse sair definitivamente, da função pública, bastava um requerimento formulado por sua iniciativa para fazer a desvinculação da sua relação mantida com a Administração, não dependendo da autorização superior, nem parecer haver possibilidade de “não autorização”, mas carecendo sempre da autorização a licença sem vencimento. Já para a Autora, não se vê qual é relevância para ela a desvinculação definitiva ou não definitiva da C com a administração. Assim, por razão lógica e de razoabilidade, não entendemos que o que se refere realmente nessa cláusula é desvinculação definitiva, por uma lado e por outro lado, foi estipulado no referido acordo que a C tinha direito a automóvel e um motorista, o que foi efectivamente, concretizado (fls. 751), o que demonstra o acordo de recrutamento foi executado pelos contraentes.
  -Os documentos de fls. 615 a 620, 622 a 625, 739 a 750, 761 a 763, 765 a 771, ilustram que a C e os outros funcionários que trabalhavam no 16 andar participaram nos trabalhos da Autora ou das outras empresas conexas com a Autora, no período de Junho de 2011 a Agosto de 2012, do respectivo teor se deduz que a C e outros funcionários actuaram sob instrução e ordem da D, com conhecimento ao H.
  -A Autora e outra empresa relacionada com a H reembolsaram as despesas despendidas por C em Macau e na viagem oficial fora da RAEM, de fls. 746 a 752.
  Se relação entre a Autora e a C fosse de cooperação comercial, não faria sentido que a Autora e outras empresas reembolsar os custos despendidos por C para a actividade comercial explorada por interesse própria por esta.
  Na verdade, consta dos documentos de fls. 338 a 393, os cheques passados a favor da C por I, A e O, no valor total de MOP$7.000.000,00 com a declaração da quitação passada por aquela, uns sob o título de honorários de consultaria. No entanto, reparamos igualmente, de acordo com o mapa da contabilidade consta de fls. 837 a 840, elaborado pela testemunha J, consta aqui despesas regulares no valor de $42.000,00 e 77.000,00, respectivamente, a K e Q entre Maio e Novembro, a título de honorário de consultaria.
  Segundo a testemunha K, o seu vencimento foi inicialmente pago pela Autora e posteriormente, passava a ser pago pela Ré, e o Q era seu colega da Autora que foi transferida também para a Ré. Sendo a K trabalhador da Autora, o que foi pago a ele mensalmente deverá ser vencimento, no entanto, mas o vencimento dele também foi pago a título de honorário de consultaria, daí se vê que a Autora, por motivo desconhecido, se calhar por razão da contabilidade, tem o hábito de pagar o vencimento de alguns dos trabalhadores sob o título de honorários de consultaria. Assim, não poderá afastar a hipótese de o montante pago à C, a título de honorários de consultoria, era, igualmente, vencimento desta.
  Para além desse montante, foi registado no referido mapa, o pagamento mensal à C, duma quantia de MOP$239.000,00 entre Maio e Agosto, quantia esta se corresponde, exactamente, à remuneração estipulada no acordo de fls. 89.
  O e-mail enviada pela ao funcionário da Autora, constante de fls.777 pedindo a instrução da Autora sobre a forma de pagamento de vencimento da C e a sua falta de pagamento.
  O teor das correspondências electrónicas de fls.765 a 776 demonstra que D deu várias instruções de trabalho à C e aos outros alegados funcionários da Ré.
  Todas essas provas mostram que entre a C e a Autora existia uma relação de subordinação e não mera relação de prestação de serviço de consultaria por parte daquela à esta, o que levaram ao Tribunal a convencer pelos factos dos quesitos 7° a 9°.
  3)- Quanto aos factos de relação entre as várias empresas de pertença do H e D, conforme o teor das certidões do registo comercial constantes de fls. 242 a 259, a Companhia I é detida por H e D, a XX é detida, na sua maioria, por eles, enquanto às XX e XX, o H e D fazem parte do conselho administrativo e que detém os poderes para obrigar as sociedade, a companhia Pro-man, a D é sócia com a participação social de 25% e com poder para obrigar a sociedade, tendo em conta as relações íntimas do H e D com essas sociedade, sendo o H sócio com quota social de 90% da participação social, não obstante, como a Autora não tem participações sociais em nenhuma das empresas acima referida, rigorosamente, ela não pode dizer que essas empresas são do grupo da Autora, pelo que apenas se deu como provado que essas são empresas relacionadas à Autora, tal como responde no quesito 20°.
  4)- Por último, sobre os factos de empréstimo, apesar de constar nos autos (doc. de fls. 30 a 31) o cheque emitido pela Autora a favor da Ré e a declaração do recibo com a declaração da dívida prestada pela gerente-geral da Ré, C, não entendemos que por trás desses documentos existe a correspondência material de empréstimo por seguintes razões: 1) segundo a análise acima exposta, ter considerado como provado os factos de que a Ré é, materialmente, controlada pelos sócios da Autora, a remodelação da sede social foi realizada sob a instrução destes e que quer a C quer os outros funcionários do 16° andar prestaram, no fundo, serviço à Autora; 2) de acordo com o e-mail de fls.614, a abertura das duas contas bancárias da Ré foi comunicada por testemunha Jà D; 3) segundo esta testemunha, o uso da quantia depositada na conta bancária aberta em nome da Ré está condicionado com a instrução da Autora e que toda a quantia foi utilizada, por ordem da Autora para suportar as despesas das empresas relacionadas à esta, tendo essa testemunha elaborado o mapa constante de fls.837 a 839, em que se discriminam, com detalhares, a utilização desse montante para pagar quais despesas; 4) consta do doc de fls. 637 que essa testemunha solicitou ao H para conceder novo fundo com vista a manter o funcionamento da Ré. Como concluímos que a Ré é empresa sob controlo dos H e D, tendo em conta o depoimento da testemunha J, complementado com os documentos supra referidos, cujo teor é compatível com o depoimento dessa testemunha, considerando ainda que, conforme o depoimento da testemunha da Autora, G, a Ré era, originalmente, pensada a ser empresa da pertença da filha do H e D, que não foi, finalmente, concretizada, e foi, justamente, no pressuposto de ser empresa da filha do casal é que procedeu à concessão gratuita do XX° andar do XX e à entrega da quantia de $2.500.000,00 à Ré, pelo que convencemos que esse montante foi, realmente, fundo disponibilizado pela Autora à Ré para satisfazer os interesses próprios da Autora e das outras empresas relacionadas, por consequente, assim, não concluímos que é empréstimo concedido pela Autora à Ré. Nestes termos, deram-se por provados os factos dos quesitos 3° a 5°, 37° a 39° e não se deram por provados os factos dos quesitos 1°, 2° e 6°.
  O facto do quesito 48° é comprovado documentalmente conforme o teor do documento de fls. 321 a 366.
  Quanto aos factos de circunstâncias concretas em que a C subscreve a declaração de fls. 31, por só ter o depoimento duma testemunha, sem outro suporte mais consistente, assim, deu-se por provado apenas o facto do quesito 40° e não se consideram como provados os factos constantes dos quesitos 41° a 45°.».
  Nas suas alegações de recurso vem a Recorrente essencialmente desacreditar o depoimento da testemunha E, invocando por oposição o testemunho de F o qual considera ser mais credível.
  Contudo da fundamentação supra transcrita constam as razões pelas quais entendeu o tribunal convencer-se pela veracidade do depoimento das testemunhas Je K em detrimento daquele outro - Das declarações das testemunhas, depara-se que a testemunha F deu a entender que nem o H nem D deu qualquer instrução quanto à remodelação do XX° andar, depoimento esse é manifestamente incompatível com as provas documentais acima citadas. Bem ao contrário, as declarações prestadas pelas testemunhas J e K, com excepção de alguns pontos, é mais ou menos, coerente com as provas documentais, merecendo a maior credibilidade do Tribunal. -.
  A passagem do depoimento de F citada em XXV das alegações de recurso nada de concreto refere, pois esta testemunha refere apenas que houve desentendimentos com C mas acabou por não ser capaz de os situar no tempo, nada concretizando se antes ou após a assinatura do documento de fls. 31.
  Da mesma forma quanto à relação de C com a Autora e a empresa R citada em XXXIV pouco ou nada dali resulta que não seja de que a C começou por ser atribuído um “cargo/título” naquelas empresas (Autora e R) para poder começar a trabalhar, para além de fazer referências vagas e inconclusivas quanto às obras, que nada nos permite concluir em sentido contrário ao que se decidiu.
  O mesmo se diga para as demais passagens das gravações citadas em XXXVII e que no fundo correspondem também ao que consta do documento a fls. 89 referido na fundamentação da matéria de facto.
  De igual modo ataca a Recorrente o documento de fls. 837/840 por ser da autoria da testemunha J e por ausência de outros documentos que o suportassem.
  Porém, para além desse documento de fls. 837/840 ser identificado na fundamentação da decisão sobre a base instrutória como da autoria da referida testemunha o que demonstra que essa circunstância foi ponderada pelo tribunal a quo, não é ele o único que permite ao tribunal concluir pelo domínio da Autora (melhor dizendo dos sócios e administradores da Autora) sobre a Ré e de quem nesta operava a mando e segundo as instruções daquela (daqueles, os sócios e administradores da Autora), os quais transferiam funcionários de umas sociedades para as outras, entre elas a Ré, decidiram quanto à realização das obras nas instalações da Ré, celebração do respectivo contrato, seguro da obra, escolha de mobiliário, pagamentos respectivos, etc., tudo se fundamentando em vários documentos indicados na decisão sob recurso que vêm depois a ser corroborados pelos depoimentos das testemunhas indicadas.
  Pelo que, a autoria do documento de fls. 837/840 acaba por se tornar apenas um elemento entre outros, em face dos outros documentos invocados pelo tribunal a quo para fundamentar a sua posição.
  No que concerne à impugnação de se ter dado como provada a relação de subordinação e emprego entre a Autora e C, o certo é que nas conclusões de recurso e pedido a Recorrente não ataca as respostas dadas aos quesitos 7º a 9º, pelo que é inócuo tudo quanto se alega a propósito nas conclusões de recurso N) a R) e T) – após correcção dado que houve duplicação na indicção das alíneas das conclusões -.
  Destarte, mostrando-se a decisão recorrida quanto à matéria de facto devidamente fundamentada, e não resultando dos meios probatórios invocados nas conclusões de recurso decisão diversa daquela, impõe-se concluir que não colhem provimento nenhuma das conclusões de recurso invocadas e em consequência negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
  - Concede-se provimento ao recurso do despacho de fls. 510 na parte em que não admitiu o requerimento de fls. 448 a 452, revogando-o e substituindo por outro em que se admite o requerimento de fls. 448 a 452 tendo-se por não escrito o que consta dos artigos 1º e 2º do mesmo e admitindo-se os documentos com ele juntos;
  - Nega-se provimento ao recurso do despacho constante da acta de fls. 933 em que foi admitido o depoimento da testemunha E;
  - Nega-se provimento ao recurso interposto da decisão quanto à Base Instrutória, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  Custas a cargo da Recorrida quanto ao recurso interlocutório do despacho de fls. 510 e da Recorrente quanto aos demais recursos, fixando-se à taxa de justiça em 2UC’s quanto a cada um dos recursos interlocutórios.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 17 de Dezembro de 2020
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
  

1 Veja-se Viriato Lima em Manual de Direito Processual Civil, Acção declarativa Comum, 3ª Ed., pág. 483
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703/2020 CÍVEL 1