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Processo nº 696/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 17 de Dezembro de 2020

ASSUNTO:
- Contraprova
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação
- Acção de simples apreciação
- Causa prejudicial

SUMÁRIO:
- A contraprova destina-se a tornar certo facto questionado duvidoso, e não visa para provar o facto.
- A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 do artº 571º do CPCM só existe quando o Tribunal não cumpriu absolutamente o referido dever.
- A acção de simples de apreciação destina-se a obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (cfr. al. b) do nº 2 do artº 11º do CPCM). Esta declaração não constitui, nem modifica ou extingue a situação jurídica anterior, pelo que a sua existência não constitui uma causa prejudicial.
O Relator


Processo nº 696/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 17 de Dezembro de 2020
Recorrentes: A (Autor)
B, Limitada (Ré)
Recorridos: Os Mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 12/10/2017, foi deferida as diligências probatórias requeridas pelo Autor A nos pontos III) e IV) do requerimento de fls. 375.
Dessa decisão vem recorrer a Ré B, Limitada, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Sobre o requerimento probatório do Autor de fls. 374 e ss. recaiu o despacho de fls. 648 e 648v.
II. O despacho de fls. 648 e 648v deferiu as diligências probatórias requeridas pelo Autor nas alíneas i) e ii) do ponto III e no ponto IV) do requerimento de fls. 375.
III. Mas, salvo melhor opinião, outro devia ter sido o sentido da, aliás douta decisão recorrida, a qual, antes de mais, começa por ser nula.
IV. Com efeito, face à oposição da Ré de fls. 387 a 388 ao requerimento de fls. 375 impunha-se por força do disposto no artigo 108.º do CPC que a decisão proferida pelo Tribunal a quo integrasse, ainda que sucintamente, as razões porque se considerou irrelevante a oposição e se entendeu merecer deferimento o requerido pelo Autor.
V. Por se tratar de um pedido controvertido, cabia ao Tribunal a quo ter tomado posição sobre a controvérsia, decidindo fundamentadamente, para tanto indicando as razões de facto e de direito que suportassem o raciocínio lógico que determinou a decisão no sentido de deferir o requerido pelo Autor.
VI. Tal não sucedeu, pelo que o despacho de fls. 648 e 648v. é nulo e de nenhum efeito, na parte ora recorrida, por violação do disposto no artigo 108.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º ex vi do artigo 569.º, n.º 3, todos do CPC.
VII. Sem conceder, caso assim não se entenda, sempre deverá a decisão recorrida ser revogada.
VIII. Primeiro, porque na esteira do entendimento sufragado, entre outros, no Acórdão do TRL, de 27/05/2010, Relator: RUI DA PONTE GOMES, Processo: 1392/08.9TVLSB-A.L1-8, disponível na Base de Dados de Jurisprudência do ITIJ in http://www.dgsi.pt, «Quem deseja fazer contraprova tem de realizar a mesma. Não se pode obrigar a tal a contraparte, pois senão estaríamos tecnicamente em sede de ónus de prova».
IX. Segundo, porque o despacho recorrido deferiu a pretensão do Autor requerida nos pontos III) e IV) do requerimento de fls. 375
- sem que o Autor tivesse explicitado os factos que pretendia provar com tais documentos, como lhe impunha o artigo 455.º, n.º 1 do CPC, e
- sem que o Tribunal a quo tivesse formulado um juízo sobre se os factos que o Autor pretendia provar tinham interesse para a decisão da causa, como lhe impunha o artigo 455.º, n.º 2 do CPC.
X. Terceiro, porque o Tribunal a quo não verificou se a matéria perguntada no quesito 12.º da base instrutória era desfavorável à Ré, sendo certo que o não é, dado que mesmo se os sócios da Ré não tivessem realizado as participações de capital que lhe competiam dentro do prazo legal, tal em nada contenderia com a validade e plena eficácia do aumento do capital social deliberado na assembleia geral de 8/11/2012.
XI. E tinha o Tribunal a quo de o ter feito por o disposto no artigo 455.º do CPC ter apenas em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento, que, por isso, é notificado, a requerimento da parte contrária, para o apresentar. [JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Cód. Proc. Civil Anotado, 2ª ed., pp. 462.]
XII. Não podia, também por isso, ter-se notificado a Ré para que apresentasse documentos supostamente destinados a tomar duvidosos factos que não lhe são desfavoráveis e/ou documentos cujos originais ela não dispõe por terem sido enviados aos respectivos destinatários.
XIII. O requerido pelo Autor na alínea ii) do ponto (III) do requerimento de fls. 375 trata-se, além do mais, de um pedido fisicamente impossível, dado que os originais das convocatórias que o Autor pediu são os mesmos que ele próprio no seu pedido diz terem sido enviados pela Ré aos seus sócios!
XIV. Com efeito, tendo os originais das convocatórias que o Autor pediu já sido enviados aos restantes sócios da Ré aquando da convocação da assembleia geral, o requerido pelo Autor na alínea ii) do ponto (III) do requerimento de fls. 375 para contraprova dos factos descritos no quesito 9.º não passa de um pedido escusado porque inútil, logo ilícito (art.º 87.º do CPC), devendo nessa medida ter sido indeferido e tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas (art.º 15.º do RCT).
XV. A pertinência da apresentação de um documento em poder da parte contrária, está dependente da circunstância de os factos que se visam provar com esse documento interessarem à decisão da causa.
XVI. Daí ao Juiz caber o controlo da pretensa idoneidade do documento (em poder da parte contrária) para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, razão por que, para viabilizar o efectivo controlo judicial, exige o normativo que o requerente identifique tanto quanto possível o documento e especifique os factos que com ele quer provar. [Vide Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra, 2001, p. 431]
XVII. Quarto, porque em vez de especificar quais os factos concretos desfavoráveis à Ré que pretendia "provar" com os documentos, o Autor limitou-se a dizer:
- quanto aos documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social, que os mesmos serviam para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º
- quanto aos originais da convocatória enviados aos restantes sócios, que os mesmos serviam para contra-prova dos factos descritos no quesito 9.º.
XVIII. Ora, esta referência não constitui uma especificação de factos concretos que se pretendam provar, entendidos estes como ocorrências da vida real, pelo que o Autor não especificou os factos desfavoráveis à Ré que, com os documentos em poder dela, queria provar, como lhe impunha a última parte do 455.º, n.º 1 do CPC.
XIX. Isto porque, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 339.º do Código Civil, a contraprova não se destina à prova de factos materiais, mas apenas a tomar duvidosos os factos já objecto da prova produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, não cabendo por isso no escopo do artigo 455.º do CPC as diligências probatórias requeridas nos pontos III) e IV) do requerimento de fls. 374 e ss.
XX. Na verdade, o Autor não quis provar quaisquer factos materiais desfavoráveis à Ré, mas antes tomar duvidosos os factos descritos nos quesitos 12.º e 9.º da base instrutória (artigo 339.º do Código Civil).
XXI. Logo, se o Autor nada quis provar, então não se podia ter socorrido dos artigos 455.º e 458.º do CPC no requerimento de fls. 374 e ss.
XXII. Assim,
- porque o Autor não especificou (nem o podia ter feito em sede de contraprova) os factos concretos que pretendia provar com os documentos em poder da parte contrária cuja junção pediu;
- e porque o Tribunal a quo não referiu se ou porque é que os factos que a parte pretendia "provar" com a diligência requerida em III) de fls. 375 tinham interesse para a decisão da causa,
XXIII. é de considerar que se não mostram preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 455.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 do Código de Processo Civil, devendo revogar-se o despacho recorrido que ordenou à Recorrente a apresentação dos documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social e os originais da convocatória da Assembleia Geral de 8/11/2012 enviados aos outros sócios da Ré.
XXIV. Quinto, "mutatis mutandis", o mesmo se diga em relação à diligência requerida pelo Autor no ponto IV) do seu requerimento de fls. 375, ao abrigo do artigo 458.º (Documento em poder de terceiro) do CPC.
XXV. Isto porque no seu requerimento probatório, o Autor não só, não afirmou que o relatório das contas da Ré em 2012 se encontrava em poder do auditor C, como não observou nenhuma das imposições do artigo 455.º. para onde o artigo 458.º do CPC expressamente remete, pelo que também não devia a diligência do ponto IV) do requerimento de fis. 375 ter sido deferida.
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Por despacho de 24/11/2017, foi deferida as diligências probatórias requeridas pelo Autor.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A decisão que recaiu sobre os requerimentos de fls. 658 e fls. 559 não especifica os fundamentos de facto e de direito que a justificam, pelo que deverá ser julgada nula, por violação do disposto no na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º ex vi do artigo 569.º, n.º 3, ambos do CPC.
II. Sem prescindir, outro deveria ter sido o sentido da decisão que recaiu sobre o requerimento de fls. 658.
III. Primeiro, porque o requerimento probatório de fls. 658 foi deduzido para além do prazo legal para o efeito (acrescido dos 3 dias úteis com multa), pelo que o direito de o apresentar precludiu por força do artigo 95/3 ex vi do 431/1 do CPC.
IV. Segundo, porque o requerido a fls. 658 configura um censurável desrespeito pelas regras do processo, dado que, como é sabido, a prova testemunhal é, por definição, uma prova constituenda, a produzir em audiência de julgamento (art.º 485.º, n.º 3 do CPC), que não pode surgir travestida em prova documental.
V. Daí que qualquer resposta por escrito do C sempre configuraria um meio de prova inadmissível em juízo por se tratar de depoimento testemunhal escrito à margem do disposto no artigo 525.º do CPC.
VI. Terceiro, porque o perguntado ao C - ainda que ele gozasse da prerrogativa de depor primeiro por escrito (e não goza) - sempre seria de indeferir por não incidir sobre quaisquer factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos na base instrutória ou necessitados de prova (artigo 433.º do CPC).
VII. Sem prescindir, outro deveria ter sido o sentido da decisão que recaiu sobre o requerimento de fls. 659.
VIII. Primeiro, porque o requerimento de fls. 659 sobre o qual recaiu esta decisão, não foi apresentado dentro do prazo legal para o efeito (artigo 95/3 ex vi do 431/1 do CPC.
IX. Segundo, porque a decisão recorrida não indica a utilidade da diligência probatória requerida pelo Autor, nem qual o facto necessitado de prova por ela visado, sendo certo que a sua realização não faz prova de nenhum facto controvertido de que ao tribunal seja lícito conhecer.
X. Sempre seria, pois, de indeferir o assim decidido por o perguntado não incidir sobre quaisquer factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos na base instrutória ou necessitados de prova (artigo 433.º do CPC).
XI. Terceiro, porque quer queiramos, quer não, quem deseja fazer contraprova é que a tem de realizar. Não se pode obrigar a tal a contraparte, senão estaríamos tecnicamente em sede de ónus de prova.
XII. Neste sentido, p. ex., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/05/2010, Relator: RUI DA PONTE GOMES, Processo: 1392/08.9TVLSB-A.L1-8, disponível na Base de Dados de Jurisprudência do ITIJ in http://www.dgsi.pt.
XIII. A decisão recorrida violou, nessa medida, o disposto no art.º 108.º ex vi do art.º 571.º, no n.º 1 al. b), 1, aplicável aos despachos por força do artigo 569.º, n.º 3, no art.º 95/3 ex vi do 431/1, no art.º 485.º, n.º 3, ex vi do n.º 5 do art.º 539.º, no art.º 525.º, n.º 3, no artigo 6.º, n.º 3 e 433.º, todos do CPC, bem como o disposto no artigo 339.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 700 a 705 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por despacho de 18/09/2018, foi deferida a pretensão do Autor.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Em suma, ao deferir o novo requerimento probatório deduzido pela Autor a fls. 732-733, o despacho de fls. 734 violou:
II. - o prazo peremptório de quinze dias fixado o disposto no artigo 431/1 do CPC.
III. - o caso julgado formal (art.º 575.º do CPC) formado sobre a decisão proferida no despacho de fls. 726.
IV. - o disposto no 457/1 do CPC, dado que na resposta/requerimento de fls. 732/733 que recaiu sobre a resposta/declaração de fls. 730, o Autor optou por não indicar prova com vista a demonstrar que tal resposta/declaração da Ré não correspondia à verdade.
V. - o disposto no 569/1 e 3 do CPC (extinção do poder jurisdicional) quanto ao decidido no despacho de fls. 726, face à declaração da Ré de fls. 730 e à opção do Autor de não indicar qualquer prova no requerimento de fls. 732/733 com vista a demonstrar que tal declaração não correspondia à verdade.
VI. - o disposto no 457/1, al. d) do CPC por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, sem que o Autor tivesse optado por exercer o direito à que lhe era conferido pelo 457/1 do CPC, visto não ser tal omissão suprível pelo Tribunal, dado vigorar no processo civil o princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes pela sua estratégia processual.
VII. Nada obstado, por isso, à sua revogação.
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Por despacho de 13/02/2019, foi indeferida a diligência probatória requerida pela Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Salvo melhor opinião, outra devia ter sido a, aliás douta, decisão que recaiu sobre o requerimento de fls. 761.
II. Primeiro, porque «A revisão e confirmação de sentença do exterior só é necessária para a sua execução em Macau (artigo 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) ou para ter efeitos como título de registo (artigo 6.º, n.º 1, do Código de Registo Civil).» [Acórdão do TUI, de 19/10/2016, Processo n.º 57/2016]
III. Segundo, porque «Mesmo que uma sentença do exterior seja invocada num processo judicial como facto probando, a sua revisão e confirmação não é necessária, como resulta do n.º 2 do artigo 1199.º do Código de Processo Civil» [Idem]
IV. Terceiro, porque na apreciação da admissibilidade de uma diligência probatória, não deve entrar o juízo sobre a força probatória dessa diligência, ou seja, não há que curar, nessa ocasião, de saber se o requerido é suficiente à prova do facto a que respeita. É o que decorre dos artigos 6.º, n.º 1-3, 433.º e 435.º (à contrario), todos do CPC.
V. Isto por a relevância da diligência requerida não se confundir com a sua aptidão para, ''per se", conduzir à prova dos factos a que respeita, dado que para que essa relevância se surpreenda na diligência basta que ela seja susceptível de concorrer para a prova de tais factos.
VI. É o que decorre dos artigos 6.º, n.º 1-3, 433.º e 435.º (à contrario), todos do CPC.
VII. Quarto, porque, no caso "sub judice", a diligência requerida a fls. 761 não é, nem impertinente, porque respeita ao objecto da causa, nem dilatória, porque não retarda a normal marcha do processo a ponto de afectar o direito de obter uma decisão em prazo razoável, nem desnecessária, porque respeita a factos controvertidos e necessitados de prova perguntados nos quesitos 1 e 1A da Base Instrutória, logo susceptíveis de contribuir para o exame e decisão da causa.
VIII. Quinto, porque do cumprimento do requerido a fls. 761 não resultará o retardamento da normal tramitação da causa face ao elevado grau de cooperação e intercâmbio judiciário existente entre o interior da China e a RAEM.
IX. Assim não entendeu o Tribunal a quo, pelo que a decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 6/1-3, 433.º, 438/2 (provas constituendas), 436.º (à contrario) e 1199/2, todos do CPC, e em consequência "o direito à prova relevante" que assiste ao ora Recorrente.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 812 a 815 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por despacho de 07/01/2020, foi deferido a suspensão da instância.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O regime legal de suspensão da instância está previsto nos artigos 220.º a 226.º do Código de Processo Civil, sendo que uma análise perfunctória do artigo 223.º permite concluir que não estamos perante um poder absoluto ou discricionário mas antes perante um poder vinculado, sujeito a determinadas balizas: (i) a existência de uma questão prévia, (ii) que não existam razões fundadas para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão e que (iii) a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos de suspensão superem as suas vantagens.
B. O Recorrente discorda em absoluto que a acção interposta pela Ré B Limitada (a que foi atribuído o n.º CV2-19-0139-CAO) constitua uma verdadeira questão prejudicial, pois esta contém nada menos que 4 pedidos, um principal e três subsidiários, sendo o último (subsidiário) relativo à exclusão judicial do Autor enquanto sócio da Ré.
C. O pedido principal (não subsidiário) é que o sócio A seja declarado que não é sócio da Ré (a referida B) com fundamento em decisões da China continental que nunca foram reconhecidas ou confirmadas em Macau.
D. A referida acção CV2-19-0038-CAO não constitui qualquer causa prejudicial, porque (i) na mesma não podem ser reconhecidas e confirmadas essas decisões (só o Tribunal de Segunda Instância tem competência) e (ii) a respectiva causa de pedir assenta em decisões judiciais da China Continental que não têm eficácia em Macau.
E. Mesmo que fossem considerados os pedidos subsidiários, a conclusão seria que os pedidos ii) e iii) não têm qualquer relevância, pois suportam factos que ocorreram há quase 30 anos (em 1991) pelo que se encontram há muito prescritos…
F. As normas legais aplicáveis em 1991, tal como as aplicáveis agora (após a aprovação do Código Comercial em 1999) prevêem um prazo de prescrição de 5 anos pelo que há muito que se encontram prescritos os direitos dos sócios ou da própria sociedade de recorrer aos Tribunais para dirimir a questão.
G. Nesta lista de pedidos que alegadamente constituem uma questão prejudicial o último é o seguinte: "iv) ser declarada a exlcusão judicial do A como sócio da B, Limitada".
H. Os factos, mais recentes, que a Ré considerou que ofendem o seu nome e constituem uma conduta tão gravosa por parte do Autor que devem determinar a sua exclusão [enquanto sócio da Ré] respeitam à acção ora suspensa e às que a antecedem (com os números CV1-16-0017-CPE e CV3-18-0021-CPE).
I. Ora, o mero exercício pelo Autor dos seus direitos legais e sob supervisão dos Tribunais de Macau, que correu termos sob os n.ºs CV1-16-0017-CPE (com a absolvição do administradores da instância - não da Ré), CV3-18-0021-CPE (suspensa por se entender que a causa CV1-16-0077-CAO constituía uma causa prejudicial) e CVl-16-0077-CAO (suspensa por se entender que a causa CV2-19-00138-CAO constituía uma causa prejudicial) não podem constituir a causa prejudicial que determina ... a suspensão dessas mesmas acções.
J. Adicionalmente, a relação de prejudicialidade está invertida: pois caso o pedido de exclusão de sócio viesse a ser procedente, qual o valor relevante para efeitos de cálculo de indemnização? Deveria o mesmo ser calculado para a quota de 0,03% que o Autor detém actualmente? Ou para a quota de 10% que o Autor deteria caso se conclua que o aumento de capital social é nulo porque não foi pago?
K. Foi esse o entendimento da jurisprudência em circunstâncias semelhantes - i.e. suspender a causa prejudicial e não a dependente - nomeadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 940/08.9TVPRT.P1 onde se dispôs que "(...) não sendo aconselhável a suspensão da instância na causa dependente - designadamente, por se encontrar em fase mais adiantada - e se a questão prejudicial (discutida, na acção prejudicial, a título principal) já estava a ser discutida na acção dependente (por ter sido invocada, na respectiva contestação, como meio de defesa e com vista a impedir a procedência da pretensão, aí, deduzida), ocorre motivo justificado para a suspensão da instância na causa prejudicial até à decisão da causa dependente, de forma a evitar o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as acções, que poderia decorrer do prosseguimento simultâneo de ambas as acções."
L. Finalmente e segundo o artigo 223.º, n.º 2 do CPC, "(...) não deve ser ordenada a suspensão se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos de suspensão superam as vantagens". Ora, a expressão "não deve ser ordenada", significa que constitui um dever para o juiz que é chamado a decidir a suspensão, de ponderar estas circunstâncias e de incluir esta ponderação na decisão a produzir, o que manifestamente não foi feito.
M. Andou mal a decisão recorrida e omitiu a aplicação deste requisito legal. O Tribunal a quo tinha obrigação de ponderar que era demasiado tarde para suspender a instância e que a audiência deveria ter lugar respeitando as pessoas que se deslocaram (por vários dias) da China continental e de Hong Kong para comparecer à mesma.
N. A Ré B sabe perfeitamente que a CV2-19-0138-CAO não é a instância própria para executar as invocadas decisões judiciais da China continental, sabe que os factos relativos à alegada não realização das entradas de capital prescreveram em 2006 e sabe que a alegada "má conduta" não está descrita de forma a permitir a sua prova em julgamento e a posterior exclusão do Autor na decisão final. A Ré B sabe disso tudo. Mas sabe também que irá levar 2 ou 3 anos até essas conclusões serem obtidas em sede judicial própria.
O. Se todos estes factos estão patentes na petição, quando se lê a mesma de princípio ao fim então o Tribunal a quo também deveria ter constatado o óbvio: O único propósito da interposição da acção CV2-19-0138-CAO foi suspender os presentes autos (ora em recurso).
*
A Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 943 a 946v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
1. Em 18/09/2017, o Autor apresentou o seguinte requerimento (fls. 374 a 375):
“…
(III) Documentos em Poder da Parte Contrária
Requer, nos termos do artigo 455º do Código de Processo Civil, a notificação da R. para, em prazo a fixar por V Exa., juntar aos autos:
i) documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social, incluindo cópia dos respectivos cheques, duplicados do respectivo depósito na conta bancária da R. e comprovativo do lançamento contabilístico desse valor, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º;
ii) originais da convocatória enviados aos restantes sócios (D e E, Limitada) relativa à Assembleia Geral de 8 de Novembro de 2012, para contra-prova dos factos descritos no quesito 9.º.
(IV) Documentos em Poder de Terceiros
Requer, nos termos do artigo 458º do Código de Processo Civil, a notificação do Sr. C, auditor da R., com escritório na Av. XX nº XX, Edf. XX, XXº andar “XX”, Macau, para, em prazo afixar por V Exa., juntar aos autos o relatório das contas da R. em 2012, ano em que foi deliberado o aumento do capital social, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º….”.
2. Notificada do requerimento probatório do Autor acima referido, a Ré opôs-se-lhe nos termos constantes de fls. 387 a 388 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos.
3. Sobre o requerimento probatório do Autor em referência, recaiu, na parte que interessa para os recursos ora interpostos, o despacho com o teor seguinte: (fls. 648 e 648v):
“…
Quanto à diligência requerida em III) de fls. 375, notifique a Ré para no prazo de 10 dias juntar os documentos referidos aos autos.
*
Quanto à diligência requerida em IV), defere-se.
Assim, notifique o auditor aí referido para se juntar os documentos no prazo de 10 dias bem como os CTT para, também no mesmo prazo, juntar aos autos documentos comprovativos do motivo da devolução das cartas melhor referidas nas fls. 292, 294 e 296…”.
4. Em 03/11/2017, o Autor apresentou dois requerimentos a fls. 658 e a fls. 659:
Fls. 658 – “…A aliás A, A. nos autos à margem identificados, tendo sido notificado da resposta oferecida pelo auditor C (submetida no dia 24 de Outubro de 2017), a fls. 652 que antecede e face ao teor críptico da mesma, vem requerera V. Exa. que se digne notificar o referido auditor para, em complemento da recente resposta oferecida, prestar os seguintes esclarecimentos:
1. Quais os anos fiscais em que prestou assistência (nos termos do nº. 2 do artigo 4.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos) à ora Ré?
2. Se após o ano de 2012 (em que alegadamente não foi mandatado para examinar as contas da Ré) tomou a prestar qualquer assistência à Ré (ou seja, nos exercícios de 2013 a 2016)? Em caso afirmativo, para juntar aos autos os relatórios de contas da Ré e o respectivo parecer sobre o mesmo.
3. Se foi contactado por qualquer outro auditor inscrito em Macau junto da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas para transferir (para o mesmo) a documentação necessária (da Ré) ao cumprimento das obrigações previstas no nº. 2 do artigo 4.º do Regulamento supra referido?
Os esclarecimentos e documentos ora solicitados servem também para contraprova dos factos descritos no quesito 12º (em particular, para se provar que não existem quaisquer documentos comprovativos de que o aumento de capital foi pago, e de que o mesmo nunca foi confirmado por “contabilista ou auditor inscrito nos Serviços de Finanças”, tal como exigido pela lei vigente)…”.
Fls. 659 – “…A aliás A, A. nos autos à margem identificados, tendo sido notificado da resposta da Ré sobre o requerimento probatório do A. (submetida no dia 4 de Outubro de 2017), vem expor o seguinte:
1. De acordo com a referida resposta a fls. que antecedem, o auditor C “não é depositário da escrituração mercantil da Ré, nem dos documentos a ela relativos”.
2. Face ao teor desta, vem requerer a V. Exa. que se digne notificar a Ré para identificar o auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré (nomeadamente relativo à conta do ano 2012), bem como os dados de contacto deste, para o efeito de entrega do relatório das contas da Ré em 2012;
3. Nos termos do artigo 8.º do Código de Processo Civil, e ao abrigo do princípio da cooperação, devem as partes (incluindo a Ré) prestar informações necessárias à descoberta de verdade material e ao adequado andamento do processo…”.
5. Notificada destes dois requerimentos, a Ré opôs-se-lhes nos termos constantes a fls. 664 a 665 e 663 a 663v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Sobre estes dois requerimentos recaiu o despacho de fls. 666 a 666v, a saber:
“…
Fls. 658 e 664 a 665:
O A. em seguimento da resposta oferecida pelo auditor C, pretende que o mesmo informe o Tribunal se tenha conhecimento do auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré.
A Ré opõe-se com os argumentos constantes a fls. 664 a 665.
Salvo o devido respeito, não assiste razão a Ré.
A diligência foi requerida na sequência da resposta do mesmo auditor, pelo que entende o Tribunal que, em prol do princípio do apuramento da verdade, o requerimento é de atender.
Nestes termos, notifique auditor C para, no prazo de 10 dias, responder às perguntas 1, 2 e 3 constante de fls. 658.
*
Fls. 659 e 663 e 663v:
O A. pretende que a R. identifique o auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré bem como os dados de contacto deste.
A Ré, opõe-se com os argumentos constantes a fls. 663 a 665.
Salvo o devido respeito, não assiste razão a oposição da Ré.
O que o A pretende é obter informação sobre a escrituração mercantil da Ré para a contra-prova do quesito 12.º.
O T entende que em prol do princípio do apuramento da verdade o requerimento é de atender.
Assim, notifique a R para, no prazo de 10 dias, informar este Tribunal quem foi o auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré relativo à conta do ano 2012 e o seu contacto…”.
7. Em 20/04/2018, o Tribunal a quo, na sequência dos recursos interpostos pela Ré, emitiu o seguinte despacho de sustentação (fls. 706 e 707):
“…
Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 617.º do CPC e em relação ao recurso requerido a fls. 660 admitido a fls. 666, cumpre-nos proferir seguinte despacho de sustentação:
O objecto do recurso em causa incide sobre o deferimento das diligências probatórias requeridas pela A. em III e IV de fls. 375, em que a R. se opõe.
O A. vem a fls. 375 e nos termos do artigo 455.º do CPC requerer a notificação da R para juntar aos autos documentos no seu poder, os quais dizem respeito a
i) Comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social, incluindo cópia dos respectivos cheques, duplicados do respectivo depósito na conta bancária da R. e comprovativo do lançamento contabilístico desse valor, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º.
ii) Originais da convocatória enviados aos restantes sócios (D e E, Limitada) relativa à Assembleia Geral de 8/11/2012, para contra prova dos factos descritos no quesito 9.º.
No mesmo requerimento também a A. vem requer documentos em poder de terceiros, nos termos do artigo 458.º do CPC, para que seja notificado o Sr. Auditor C, para juntar aos autos o relatório das contas da R. em 2012, ano em que foi deliberado o aumento do capital social, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º.
A R. em contraditório vem dizer que o requerimento da A não tem fundamento atendível, entendendo que em suma que não pode exigir a parte contrária (neste caso a R.) seja obrigada à prova dos factos de que se serviu na sua defesa por excepção.
Salvo o devido respeito não assiste razão a R.
A matéria controvertida e quesitada no 12.º da base instrutória reside em saber se efectivamente a sociedade R. se procedeu ao aumento de capital deliberado e se foi realizado e pago.
Ora, entende o Tribunal que a prova idónea para fazer prova dessa matéria controvertida é através de documentos.
Quanto à violação das regras da repartição do ónus de prova alegada pela R. também se não verifica. Pois, o que a A pretende fazer é a contraprova do quesito 12.º e não a prova do mesmo que, em princípio, cabe a R a fazer, por ter trazido com a sua excepção deduzida na contestação.
Se a melhor prova (documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social) está em poder da R, e tendo o A manifestado o seu interesse em usá-los em audiência de discussão e julgamento para a contraprova, o que coaduna com o disposto no artigo 455.º do CPC, e por seu turno, atento também à circunstância em que esses factos terrem interesse para a decisão da causa, resta o Tribunal senão deferir o requerido e notificar a parte contrária (neste caso a R.) para se juntar.
Quanto à entrega dos originais da convocatória, a R opõe-se, entendendo que é um acto inútil, limitando a dizer que o que interessa à resposta ao quesito 9.º é saber se o Autor foi convocado para a Assembleia Geral de 8/11/2012 nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 do Código Comercial.
Salvo o devido respeito, não se percebe a razão de ser propagada pela R. Se efectivamente o que se pergunta no quesito 9.º é saber se o autor foi convocado para a Assembleia Geral de 8/11/2012, a junção da competente convocatória se nos afigura idónea para saber se o autor foi ou não foi convocado para a tal Assembleia.
E é por esta razão, entende este Tribunal que a junção da tal convocatória nos autos manifesta interesse para a discussão da causa e por isso ordenou a R para a juntar.
Quanto à notificação dos CTT-Correios de Macau para juntar aos autos documentos comprovativos do motivo da devolução das cartas de convocatória. Apesar de a R já tinha junto aos autos as cartas devolvidas (fls. 347 a 352), nada impede que com os CTT-Correios passam vir contribuir mais informações sobre o motivo da devolução das referidas cartas.
Por isso, sempre se nos afigura útil a notificação dos CTT-Correios para colher mais informações sobre o motivo da devolução das cartas, razão pela qual foi deferida a diligência requerida…”.
8. Em 18/09/2018, foi proferido o seguinte despacho (fls. 734):
“…
Fls. 730 e 732:
Assiste razão o Autor.
A explicação dada pela Ré é falível, uma vez que os documentos relativos à realização do capital social são documentos que, nos termos da Lei Comercial, devem estar depositados na sede social, tal como explanou e bem o Autor.
Assim e para não protelar mais a entrega dos documentos referidos notifique a Ré para, no prazo de 15 dias, juntar os devidos documentos, sob pena de ser condenada em 10 UC de multa, nos termos do artigo 442.º n.º 2 do CPC…”.
9. Em 18/12/2018, a Ré apresentou o seguinte requerimento (fls. 761):
“…
B LIMITADA”, Ré nos autos à margem referenciados, notificada do requerimento do Autor de fls. 748 a 752, vem dizer o seguinte:
No ponto 15 do requerimento a que ora se responde diz o Autor que “É certo que o Autor foi condenado a restituir a sua quota de 45% (como consta dos autos), ficando a deter uma quota de 10% do capital social, correspondente ao valor de MOP30,000 (como se pode verificar na Certidão do Registo Comercial - Doc. 1 da P.I.), ou, após o aumento de capital, de 0,033%.”
Tal asserção, não é, entanto, verdadeira.
Isto porque na notificação do Tribunal Popular do Bairro Nam Hoi da Cidade de Foshan da Província de Guangdong (佛山巿海南區人民法院), datada de 23/08/2018, está escrito que “…现查明A在澳门B公司【澳门商业及动产登记局登记编号4XX6 (SO)】还拥有0.03%份额股权(该公司增资扩股后),对该部分财产应予没收,现通知你司,有关A在澳门B公司的股权须由本院作没收处理,且涉及相关股权的事项应通知本院。”
A quota de 0,033% do capital social faz, pois, parte do objecto da execução a que se refere a notificação do Tribunal Popular do Bairro Nam Hoi da Cidade de Foshan da Província de Guangdong.
Acresce resultar do 2.º parágrafo da página 63 da certidão do acórdão proferida em 03/04/2004 pelo 佛山巿海南區人民法院que todos os bens do A devem ser confiscados.
Por isso aí se escreveu“….决定执行有关徒刑二十年,剥夺政治权利四年,并处没收财产。” para significar que todo o património, incluindo necessariamente a quota de 0,033% do capital social da ora Ré, ficou abrangido na pena da confiscação.
Requer-se, pois, seja solicitado ao Mm.º Juiz白炳輝do佛山巿海南區人民法院 (vide o documento referido na nota de rodapé 1) se digne informar qual o estado do processo n.º 4690/2004 de execução para 追缴犯罪所得、没收财产、罚金contra o A e o Chu I Kuan, por tal relevar para a resposta à matéria dos quesitos 1 e 1A da Base Instrutória.
Respeitosamente,…”.
10. Sobre o requerimento acima em referência, recaiu o seguinte despacho (fls. 778):
“…
Fls. 761:
A Ré requer que seja solicitado ao Mmo Juiz da cidade Foshan da China白炳輝para informar qual o estado do processo n.º 4690/2004 (da China).
Antes de mais, é de realçar que as decisões dos tribunais do exterior só têm eficácia na RAEM depois de estarem revistas e confirmadas (artigo 1199.º do CPC), muito menos a forma de tramitação dos processos do exterior.
Por isso a tramitação de um processo de execução fora da RAEM não tem eficácia na RAEM, pelo que a diligência requerida é manifestamente dilatória, por isso vai indeferido…”.
11. Em 07/01/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“…
Fls. 846 e (870) 873:
Conforme resulta de fls. 848 a 863 a sociedade ora Ré instaurou no passado dia 19.12.2019 acção em que pede a título principal que o aqui Autor seja declarado como não sócio da Ré, a qual já se mostra ter sido inscrita no registo comercial – cf. fls. 888.
Visando a acção “sub judice” que seja declarada a nulidade de deliberação social, considerando que a apreciação/conhecimento da/das invocada(s) nulidade(s) depende da qualidade de sócio do Autor – nomeadamente no que concerne à falta de convocação, v.g. conjugação dos artº 228º nº 1 al. a) com o nº 2 do artº 217º ambos do C.Com., bem como, a invocada violação dos bons costumes por prejudicar um dos sócios -, considerando que nestes autos como resulta da base instrutória – itens 1º e 1º A – essa qualidade (de sócio) integra a base instrutória a decidir, sem prejuízo das nulidades em principio e se nada obstar poderem ser de conhecimento oficioso, sendo certo que só podem ser apreciadas numa acção instaurada por quem tenha legitimidade e interesse processual para o efeito, estando registada a acção instaurada onde é pedida a declaração de que o Autor não é sócio e considerando que se a mesma vier a ser julgada procedente o efeito se retroage à data do registo (artº 10º nº 2 do CRCom.), entendemos que a apreciação dessa questão ali a título principal e com efeito de caso julgado (enquanto neste processo é meramente instrumental/acessório) é prejudicial à apreciação da causa “sub judice”, pelo que, se defere a requerida suspensão da instância.
Notifique e solicite ao processo CV2-19-0138-CAO que informe estes autos após o trânsito em julgado da decisão que ali vier a ser proferida…”.
*
III - Fundamentação
1-Recurso da Ré quanto ao despacho de fls. 648 e 648v:
Tem razão a Ré no sentido de que havendo a oposição expressa da parte contrária, o Tribunal a quo ao deferir o pedido do Autor, deveria explicar a sua razão de ser, cuja falta gera, à partida, a nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos da al. b) do nº 1 do artº 571º do CPCM.
No entanto, uma vez que o juiz a quo no seu despacho de sustentação reparou a falta em causa, explicando os fundamentos de facto e de direito que determinaram a decisão de deferimento, entendemos a questão da nulidade já está ultrapassada.
Aliás, mesmo que declaremos a nulidade da decisão, este Tribunal recurso teria também de conhecer do pedido do Autor em causa face à regra de substituição prevista no artº 630º do CPCM.
Assim, passamos a analisar directamente o mérito da decisão.
No caso em apreço, o Autor, requereu que fosse ordenada a Ré juntar aos autos:
a) documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social, incluindo cópia dos respectivos cheques, duplicados do respectivo depósito na conta bancária da R. e comprovativo do lançamento contabilístico desse valor, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º;
b) originais da convocatória enviados aos restantes sócios (D e E Limitada) relativa à Assembleia Geral de 8 de Novembro de 2012, para contra-prova dos factos descritos no quesito 9.º.
Além disso, requereu ainda que fosse ordenado “o Sr. C, auditor da R., com escritório na Av. XX nº XX, Edf. XX, XXº andar “XX”, Macau), para juntar aos autos o relatório das contas da R. em 2012, ano em que foi deliberado o aumento do capital social, para contra-prova dos factos descritos no quesito 12.º”
Salvo o devido respeito, entendemos que os “documentos comprovativos do depósito ou pagamento do aumento do capital social, incluindo cópia dos respectivos cheques, duplicados do respectivo depósito na conta bancária da R. e comprovativo do lançamento contabilístico desse valor” não constituem contraprova para o quesito 12º da Base Instrutória.
O quesito 12º da Base Instrutória tem o seguinte teor:
“12º
O aumento de capital deliberado foi realizado e pago?”
Nos termos do artº 339º do CCM, “à prova que foi produzida pela parte contrária sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova”.
Ora, sendo “documentos comprovativos do pagamento do aumento capital”, os mesmos visam justamente para a prova do quesito em causa, pelo que não podem servir como contraprova nos termos requeridos pelo Autor.
É a Ré que tem o ónus da prova do quesito 12º.
Sendo o ónus e não o dever jurídico, o Tribunal não pode impor-lhe cumprir.
Ou seja, compete à própria Ré decidir, por sua livre vontade, se juntar ou não aos autos os documentos comprovativos do aumento de capital, caso não o fazendo, sofrerá as eventuais consequências do incumprimento do seu ónus da prova do quesito em causa.
O mesmo acontece para o requerimento da junção pela Ré dos “originais da convocatória enviados aos restantes sócios (D e E, Limitada) relativa à Assembleia Geral de 8 de Novembro de 2012, para contraprova dos factos descritos no quesito 9.º”.
Quanto ao deferimento da “notificação do Sr. C, auditor da R., com escritório na Av. XX nº XX, Edf. XX, XXº andar “XX”, Macau), para juntar aos autos o relatório das contas da R. em 2012, ano em que foi deliberado o aumento do capital social, para contraprova dos factos descritos no quesito 12.º”, cumpre-nos dizer que face à informação do Sr. C no sentido de que deixou de ser auditor da Ré desde 2010, pelo que não sabia do assunto, torna-se inútil de apreciar o recurso nesta parte.
Pelo exposto, é de revogar a decisão recorrida nas partes em que determinaram a junção de documentos pela Ré a título de contraprova.
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2-Recurso da Ré quanto ao despacho de fls. 666 e 666v:
O despacho recorrido é composto por duas partes, a saber:
1. Determinar o Sr. C para, no prazo de 10 dias, responder às perguntas nºs 1 a 3 constantes de fls. 658; e
2. Determinar a Ré para, no prazo de 10 dias, informar quem foi o auditor ou contabilista responsável pela sua escrituração mercantil relativa ao ano de 2012 e o contacto do mesmo.
Em relação à primeira parte da decisão recorrida, tendo em conta que a informação do auditor em causa – deixou de ser auditor da Ré desde 2010, pelo que não sabia do assunto perguntado (fls. 672 dos autos) – nada pode influenciar o mérito da decisão da causa, torna-se inútil apreciar esta parte do recurso.
Em relação à segunda parte da decisão recorrida, entende a Ré que a mesma é nula por falta de fundamentação, não tendo indicado a utilidade da diligência probatória ordenada, nem qual o facto visado.
Além disso, entende que o requerimento probatório do Autor foi apresentado fora do prazo legal, pelo que não deveria ser atendido.
Por fim e a título subsidiário, defende que a diligência em causa não constitui contraprova nos termos do artº 339º do CCM.
Quid iuris?
O dever de fundamentação prevista nos nºs 2 e 3 do artº 562º do CPCM visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Tribunal.
Assim, a nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 do artº 571º do CPCM só existe quando o Tribunal não cumpriu o referido dever.
No entanto, “não se deve confundir a falta de fundamentação da sentença, que só no caso de falta absoluta se pode conduzir à sua nulidade, com a escassez ou insuficiência da fundamentação ou o seu erro jurídico, consubstanciado no erro de julgamento, em que se baseia a discordância de recorrente” (Cfr. Ac. do TUI, de 16/01/2008, Proc. nº 5/2007).
No caso em apreço, a decisão recorrida tem o seguinte teor:
“…
   Fls. 659 e 663 e 663v:
   O A. pretende que a R. identifique o auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré bem como os dados de contacto deste.
   A Ré, opõe-se com os argumentos constantes a fls. 663 a 665.
   Salvo o devido respeito, não assiste razão a oposição da Ré.
   O que a A pretende é obter informação sobre a escrituração mercantil da Ré para a contra-prova do quesito 12.º.
   O T. entende que em prol do princípio do apuramento da verdade o requerimento é de atender.
   Assim, notifique a R para. no prazo de 10 dias, informar este Tribunal quem foi o auditor ou contabilista responsável pela escrituração mercantil da Ré relativo à conta do ano 2012 e o seu contacto”.
Como se vê, o Tribunal a quo fundamentou, embora de forma sintética, a decisão de deferimento, pelo que não se verifica a alegada nulidade da decisão por falta de fundamentação.
Quanto ao mérito desta decisão, vale aqui o que foi dito para o requerimento da junção pela Ré dos documentos comprovativos do aumento de capital.
É a Ré que tem o ónus da prova do quesito 12º.
Sendo o ónus e não o dever jurídico, o Tribunal não pode impor-lhe cumprir.
Não o fazendo, sofrerá as eventuais consequências do incumprimento do seu ónus probatório do quesito em causa.
Assim, é de revogar o despacho recorrido.
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3-Recurso da Ré quanto ao despacho fls. 734:
Com a revogação da decisão que determinou a junção pela Ré dos documentos comprovativos do aumento de capital, o despacho ora recorrido deixa de poder subsistir, pelo que é também revogado.
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4-Recurso da Ré quanto ao despacho de fls. 778:
Antes de mais, é de realçar que uma sentença do exterior para valer como prova, não carece da revisão/confirmação.
Uma coisa é a produção de efeitos da sentença do exterior, outra é o seu valor probatório sobre um determinado facto.
Estabelece de forma expressa o nº 2 do artº 1199º do CPCM que “não é necessária a revisão, quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais de Macau, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem deva julgar a causa”.
Assim e salvo o devido o respeito, o fundamento do indeferimento constante da decisão recorrida não é correcto.
Mas isto não significa que deve deferir a diligência requerida pela Ré.
Será que a informação pretendida pela Ré quanto ao estado do processo de execução nº 4690/2004 da Cidade Foshan da China tem interesse para a prova dos quesitos 1º e 1º-A?
A resposta, para nós, não deixa de ser negativa.
Os quesitos 1º e 1º-A têm os seguintes teores:

   O Autor é sócio da ora Ré, B, Limitada (a “Sociedade”)?
1º-A
   A quota do A na sociedade Ré foi confiscada por sentença do廣東省佛山巿海南區人民法院(2003)南刑初字第1036號 a qual foi despois sucessivamente confirmada pelo廣東省佛山巿中級人民法院, pelo廣東省佛山巿高級人民法院e pelo中華人民共和國最高人民法院?
Ora, para a comprovação do quesito 1º-A, a certidão dos respectivos acórdãos pode servir como prova documental sujeita à livre apreciação do Tribunal, não se necessitando, como atrás já referimos, a revisão/confirmação dos mesmos.
Em relação ao quesito 1º, uma vez declarado o confisco de um determinado bem por decisão judicial transitada em julgada, esse bem, em princípio, deixa de pertencer ao património do visado ao nível jurídico, independentemente de haver ou não lugar a execução efectiva.
No entanto, tratando-se de uma condenação penal proferida por um tribunal do exterior, que é o caso, a produção ou não de efeitos dessa condenação na RAEM constitui uma questão de direito, e não de facto, se bem que inexiste, até ao presente momento, qualquer acordo de cooperação judiciária entre o interior da China e a RAEM no âmbito penal.
Nesta conformidade, se conclui que a diligência probatória requerida pela Ré não é pertinente para o efeito, pelo que deve ser indeferida.
Assim, é de manter a decisão recorrida com fundamentos algo diversos.
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5-Recurso do Autor quanto à decisão da suspensão da instância:
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“…
   Conforme resulta de fls. 848 a 863 a sociedade ora Ré instaurou no passado dia 19.12.2019 acção em que pede a título principal que o aqui Autor seja declarado como não sócio da Ré, a qual já se mostra ter sido inscrita no registo comercial – cf. fls. 888.
   Visando a acção “sub judice” que seja declarada a nulidade de deliberação social, considerando que a apreciação/conhecimento da/das invocada(s) nulidade(s) depende da qualidade de sócio do Autor – nomeadamente no que concerne à falta de convocação, v.g. conjugação dos artº 228º nº 1 al. a) com o nº 2 do artº 217º ambos do C.Com., bem como, a invocada violação dos bons costumes por prejudicar um dos sócios -, considerando que nestes autos como resulta da base instrutória – itens 1º e 1º A – essa qualidade (de sócio) integra a base instrutória a decidir, sem prejuízo das nulidades em principio e se nada obstar poderem ser de conhecimento oficioso, sendo certo que só podem ser apreciadas numa acção instaurada por quem tenha legitimidade e interesse processual para o efeito, estando registada a acção instaurada onde é pedida a declaração de que o Autor não é sócio e considerando que se a mesma vier a ser julgada procedente o efeito se retroage à data do registo (artº 10º nº 2 do CRCom.), entendemos que a apreciação dessa questão ali a título principal e com efeito de caso julgado (enquanto neste processo é meramente instrumental/acessório) é prejudicial à apreciação da causa “sub judice”, pelo que, se defere a requerida suspensão da instância.
   Notifique e solicite ao processo CV2-19-0138-CAO que informe estes autos após o trânsito em julgado da decisão que ali vier a ser proferida”
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição assumida na decisão recorrida.
Como é sabido, a acção de simples de apreciação destina-se a obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (cfr. al. b) do nº 2 do artº 11º do CPCM). Esta declaração não tem efeito constitutivo, pelo que não constitui, nem modifica ou extingue a situação jurídica anterior.
Ou seja, o mérito da decisão da causa dos presentes autos não depende da decisão a proferir naquela acção, já que a mesma questão pode e deve ser resolvida no âmbito da presente acção.
Não se verifica, portanto, a alegada prejudicialidade que serviu à base da decisão da suspensão da instância.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso da Ré quanto ao despacho de fls. 778, confirmando a decisão recorrida com fundamentos algo diversos;
- conceder provimento aos recursos da Ré em relação aos despachos de fls. 648 e 648v, 666 e 666v e 734, revogando as decisões recorridas e indeferindo as diligências probatórias requeridas pelo Autor nos termos acima consignados; e
- conceder provimento ao recurso do Autor quanto ao despacho que determinou a suspensão da instância, revogando a decisão recorrida e indeferindo o pedido da suspensão da instância da Ré.
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Custas pela Ré quanto aos recursos do despacho de fls 778 e do despacho que determinou a suspensão da instância.
Custas pelo Autor quanto aos recursos dos despachos de fls. 648 e 648v, 666 e 666v e 734.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 17 de Dezembro de 2020.



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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong




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