Processo nº 574/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data do Acórdão: 17 de Dezembro de 2020
ASSUNTO:
- Regime geral das infracções administrativas
- Requisitos da decisão sancionatória
- Nulidade
SUMÁRIO:
- Em matéria de infracções administrativas são cumulativos os requisitos fixados no artº 14º do Decreto-Lei nº 52/99/M, sendo nula a decisão sancionatória a que falte algum deles.
____________________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 574/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 17 de Dezembro de 2020
Recorrente: Director dos Serviços de Saúde
Recorridos: A
B Limitada
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A e
B Limitada, ambos com os demais sinais dos autos,
vêm interpor recurso da decisão do
Director dos Serviços de Saúde,
que lhes aplicou três multas ao primeiro no montante total de MOP10.000,00 e uma multa à segunda no montante de MOP10.000,00.
Pelo Tribunal Administrativo foi proferida sentença na qual se deu provimento ao recurso declarando nulo o acto recorrido porque violou as disposições das alíneas e), f) e g) do artº 14º do Decreto-Lei nº 52/99/M.
Não se conformando com a decisão recorrida veio o Director dos Serviços de Saúde da RAEM interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
i. O ora Recorrente não pode concordar nem com os fundamentos, nem com o sentido da sentença do Tribunal a quo, porquanto, ao considerar que a decisão sancionatória é nula por não conter os elementos referidos nas alíneas e), f) e g) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, a sentença recorrida padece do vício de errada interpretação e aplicação de lei.
ii. Na parte final do Ofício n.º 1340/OF/UTLAP/2019, de 24 de Abril de 2019, mediante O qual a decisão proferida pelo ora Recorrente foi notificada aos Recorridos, consta o prazo de 15 dias para o cumprimento da sanção aplicada, a possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre, e, bem assim, que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada.
iii. A notificação aos ora Recorridos operada pelo Ofício n.º 1340/OF/UTLAP/2019 inclui o texto integral do acto administrativo, pelo que caso constasse no seu ponto 5. os elementos plasmados na 2.ª parte da alínea e) e as alíneas f) e g) do Decreto-Lei n.º 52/99/M, como é defendido na sentença recorrida, dado que a notificação tem de cumprir os elementos contidos no artigo 70.º do CPA teríamos como consequência a dupla indicação no mesmo documento da possibilidade de impugnação da decisão, do prazo para o efeito e do tribunal para o qual se recorre.
iv. Os ora Recorridos foram devidamente notificados, nos termos legais, de todas as informações necessárias e suficientes, de tal modo que o exercício do direito de defesa em nada ficou afectado, como é disso prova o recurso contencioso oportunamente interposto.
v. O ora Recorrente cumpriu integralmente o seu dever de notificação, pelo que a falta da indicação da 2.ª parte da alínea e) e das alíneas f) e g) do artigo 14.º do DecretoLei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, na deliberação do órgão instrutor, e que mereceu o despacho de concordância do aqui Recorrente em 9 de Abril de 2019, em nada afecta a perfeição e a validade do acto administrativo.
vi. É pacificamente aceite que a 2.ª parte da alínea e) e as alíneas f) e g) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, se aproximam das alíneas c) e d) do artigo 70.º do CPA, sendo ainda certo que na determinação das consequências jurídicas decorrentes de uma notificação insuficiente, isto é, que não contenha algum dos elementos contidos no artigo 70.º do CPA, importa fazer a distinção entre elementos essenciais e elementos não essenciais da notificação do acto administrativo quando ela é obrigatória.
vii. De acordo com o entendimento unânime da Doutrina e da Jurisprudência, o prazo para o cumprimento da decisão, os meios de impugnação e respectivo prazo e a indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada devem ser considerados elementos meramente informativos em vez de essenciais do próprio acto administrativo, o que equivale a dizer que tais elementos deverão constar da notificação do acto, gerando a falta deles uma notificação insuficiente, que pode afectar a sua eficácia e não a validade do acto administrativo.
viii. Quem aplica uma norma jurídica está a aplicar todo o sistema jurídico, daí que o primeiro e mais importante dos elementos que o n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil aponta ao intérprete para a descoberta e fixação do pensamento legislativo é a unidade do sistema jurídico.
ix. A redacção da 2.ª parte da alínea e) e das alíneas f) e g) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M não é a mais adequada atentas a unidade do sistema do direito administrativo da RAEM e o objectivo pretendido pelo legislador, motivos pelos quais entendemos ser absolutamente necessário proceder a uma interpretação correctiva destas normas, sob pena de se quebrar a tão almejada coerência do ordenamento jurídico e de se proferir decisões inadequadas e até injustas, sobretudo quando estamos perante a prática de actos que lesam, e muito, o interesse público.
x. Na senda deste entendimento, vide as sábias palavras do Ilustre Juiz deste Venerando Tribunal no voto de vencido proferido no âmbito do Processo n.º 52/2005 e a decisão proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo, em 10 de Fevereiro do corrente ano, no Processo n.º 2856/19-ADM.
xi. Uma vez que estamos perante elementos com um carácter informativo/notificatório, e tendo eles sido devidamente indicados na notificação que incorpora os fundamentos de facto e de direito que suportam a motivação do acto, a sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação da 2.ª parte da alínea e) e das alíneas f) e g) do Decreto-Lei n.º 52/99/M.
xii. O Relatório n.º 107/R/UTLAP/2019, onde foi exarado o despacho de concordância do ora Recorrente, indica, de forma clara e expressa, as sanções aplicadas, o que significa que da decisão sancionatória consta o elemento referido na 1.ª parte da alínea e) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
xiii. O douto Tribunal a quo declarou a nulidade do acto administrativo por violação de toda a alínea e) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, não tendo feito, como deveria, a distinção entre a 1.ª parte e a 2.ª parte do referido normativo legal, pelo que ao julgar como não cumprida toda a alínea e) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, quando a decisão sancionatória contém as sanções aplicadas, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento.
xiv. A falta de distinção entre elementos essenciais e elementos não essenciais da decisão sancionatória e o não recurso à interpretação correctiva da lei, com vista à descoberta do pensamento legislativo, conduziu o Tribunal a quo a uma errada interpretação e aplicação de lei, incorrendo em erro de julgamento.
Pelos Recorridos não foram apresentadas contra-alegações.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi emitido o seguinte parecer:
1.
A e B Limitada, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso do acto praticado pelo Director dos Serviços de Saúde que aplicou três multas ao primeiro Recorrente no montante total de 10.000,00 patacas e de uma multa de 10.000,000 à 2.ª Recorrente.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
Inconformado com a dita sentença, veio o Director dos Serviços de Saúde interpor o presente recurso jurisdicional, sustentando, em síntese, que o Tribunal recorrido, ao declarar nulo o acto recorrido, errou na interpretação e na aplicação das normas das alíneas e), f) e g) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
2.
A questão que vem colocada pelo Recorrente não é nova. É a de saber se a inobservância das normas contidas nas alíneas e), f) e g) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M que contém o Regime Geral das Infracções Administrativas é geradora da nulidade do acto que aplica uma sanção administrativa.
É o seguinte o teor do artigo 14.º do referido diploma legal na parte que agora releva:
«A decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade:
(...)
e) A indicação da sanção aplicada e o prazo para o seu cumprimento, que não pode ser inferior a 10 dias nem superior a 30;
f) A indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre; e
g) A indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada».
A verdade é que sobre essa questão o Tribunal de Segunda Instância tem-se pronunciado de forma constante no sentido afirmativo, ou seja, de que o acto que não observe tais cominações fica irremediavelmente ferido de nulidade, sendo irrelevante, portanto, que a Administração, como no caso, quando da notificação do acto, dê plena satisfação a tais exigências legais uma vez que, como se decidiu no Acórdão desse Tribunal de 24.10.2013 tirado no processo n.º 216/2013, «as causas de nulidade não se degradam em fontes não invalidantes, uma vez que os actos nulos não produzem efeitos “ab initio”».
Por isso, independentemente do nosso entendimento sobre a matéria que, sempre se diga, não é coincidente com aquele que tem prevalecido nesse Tribunal (para além do mais que agora, por desnecessidade, não iremos referir, basta pensarmos na hipótese de apenas ter sido incumprida a alínea f) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, ou seja, faltar a indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre e de, ainda nessa hipótese, o particular ter impugnado a decisão no prazo legal e perante o tribunal competente, para facilmente alcançarmos que a declaração da nulidade do acto com fundamento na violação da alínea f) daquele artigo 14.º será, com todo o respeito o dizemos, a expressão de um paroxismo formal que, para além de inútil e vazio do ponto de vista das garantias do particular é também rejeitado, estamos em crer, à luz dos princípios que regem o nosso sistema jurídico-administrativo. E, no entanto, numa tal hipótese, será essa a consequência inelutável da jurisprudência que esse Tribunal de Segunda Instância firmou), O interesse sistémico de garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito que resulta do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil leva-nos a pugnar pela improcedência do recurso.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Na sentença recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
Em 20 de Junho de 2017, o pessoal dos Serviços de Saúde deslocou-se ao “Centro B” para proceder a uma patrulha conjunta e elaborou o respectivo relatório de patrulha e o auto de vistoria, bem como tirou fotografias no local, entretanto, fez cópias de segurança dos processos clínicos electrónicos e, guardaram e selaram-nas. No supracitado relatório, indicou-se que no referido centro médico, não eram guardados medicamentos anti-tumorais ou outros medicamentos (vide fls. 1 a 6, 320 a 323 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 26 de Junho de 2017, o “Centro B” apresentou dados aos Serviços de Saúde, nomeadamente, cópias das facturas de aquisição de medicamentos, dos processos clínicos de pacientes dos relatórios de exame (vide fls. 9 a 185 do apenso, o respectivo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 28 de Junho de 2017, o “Centro B” apresentou novamente dados aos Serviços de Saúde, nomeadamente, cópias das facturas de aquisição de medicamentos, dos processos clínicos de pacientes e dos relatórios de exame (vide fls. 186 a 319 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 29 de Junho de 2017, a 2ª. recorrente, através de seu mandatário e na qualidade de titular do “Centro B”, apresentou um requerimento à entidade recorrida para pedir destruir as cópias de segurança dos outos dados documentais electrónicos, excepto dos dados dos processos clínicos necessários (vide fls. 325 a 327 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 07 de Julho de 2017, a 2ª. recorrente, através de seu mandatário, requereu à entidade recorrida para consultar os respectivos autos (vide fls. 339, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 20 de Julho de 2017, o subdirector, substituto, dos Cuidados de Saúde Generalizados dos Serviços de Saúde proferiu um despacho, concordando com o teor da proposta no. 103/PP/UTLAP/2017, decidiu instaurar um processo (no. 044/Q/UTLAP/2017) e constituir um órgão instrutor (composto por 1 médico do Serviço de Oncologia e 1 farmacêutico do Departamento dos Assuntos Farmacêuticos, como representantes do órgão instrutor) a fim de iniciar o acompanhamento do processo (vide fls. 328 a 335 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 27 de Julho de 2017, o chefe de divisão da Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas dos Serviços de Saúde elaborou uma nota interna no. 511/DAF/2017, sugerindo nomear o farmacêutico Ho Ka Ieng como representante do órgão instrutor do supracitado processo e em 31 de Julho do mesmo ano, o subdirector dos Cuidados de Saúde Generalizados dos Serviços de Saúde deu consentimento (vide fls. 348 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 28 de Julho de 2017, o chefe do Serviço de Oncologia dos Serviços de Saúde elaborou uma nota interna no. NI-197-ONC-2017, sugerindo nomear o médico D como representante do órgão instrutor do supracitado processo. Em 09 de Agosto do mesmo ano, o subdirector dos Cuidados de Saúde Generalizados dos Serviços de Saúde proferiu despacho na referida nota interna: “Reentregue à “Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas” e “Acompanhe e lide com isso” (vide fls. 357 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 23 de Setembro de 2017, o pessoal do órgão instrutor ouviu as declarações do 1º. recorrente (vide fls. 366 a 370 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 17 de Outubro de 2017, o pessoal dos Serviços de Saúde dirigiu-se novamente ao “Centro B” para proceder à patrulha conjunta e elaborou o respectivo auto de exame, bem como através do computador no local, desentranhou, dos dados dos processos clínicos das cópias de segurança de 20 de Junho de 2017, 9 processos clínicos (vide fls. 385 a 396 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 26 de Outubro de 2017, o órgão instrutor procedeu a uma reunião e elaborou uma acta de reunião no. 158/ACTA/UTLAP/2017, tendo analisado todos os dados do processo envolvido e opinado, indicando a matéria sobre a insuficiência da capacidade profissional do 1º. recorrente, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea b) do no. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei no. 84/90/M, de 31 de Dezembro, bem como atendendo que o 1º. recorrente não tinha capacidade suficiente de prescrever os medicamentos anti-tumorais do processo envolvido, sugeriram que, nos termos da alínea b) do no. 1 do artigo 21º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$2.000,00; em relação à matéria de o 1º. recorrente ter assistido pacientes de forma não normalizada, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea b) do no. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei no. 84/90/M, de 31 de Dezembro e, atendendo ao zelo insuficiente do 1º. recorrente e a que os detalhes não foram bem definidos por este, promoveram que, nos termos da alínea b) do no. 1 do artigo 21º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$2.000,00; em relação à matéria de o 1º. recorrente ter redigido os processos clínicos de forma incompleta e imprecisa, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea 1) do no. 2 do artigo 8º da Lei no. 5/2016 – “Regime Jurídico do Erro Médico” e, atendendo a que o conteúdo manuscrito de processos clínicos podia ser escrito no tempo posterior ou não correspondente à verdade e que as circunstâncias eram mais graves, promoveram que, nos termos do no. 1 do artigo 30º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$20.000,00; em relação à matéria de o “Centro B” não ter assegurado a gestão adequada do processo clínico e garantido a sua integridade, o órgão instrutor entendeu que o centro médico em causa violou as disposições da alínea 3) do no. 2 do artigo 8º da Lei no. 5/2016 – “Regime Jurídico do Erro Médico” e, atendendo a que o referido centro médico, após a vistoria, começou a adoptar as medidas de melhoramento, promoveram que, nos termos do no. 1 do artigo 30º do mesmo diploma, aplicar ao referido centro médico uma multa ao limite mínimo de MOP$10.000,00 (vide fls. 409 a 417 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 16 de Julho de 2018, o pessoal da UTLAP dos Serviços de Saúde elaborou uma nota interna no. 1781/NI/UTLAP/2018, indicando que quanto às supracitadas infracções administrativas do 1º. recorrente e do “Centro B” e às respectivas sanções e para assegurar que os infractores tivessem o direito de ser ouvidos e de defesa, promoveram que fosse efectuada a audiência escrita ao 1º. recorrente e ao “Centro B” e notificaram-nos de exprimir opiniões no prazo de 20 dias contados a partir do dia seguinte da acusação de recepção da nota de notificação de audiência escrita. Em 24 de Julho do mesmo ano, o subdirector, substituto, dos Cuidados de Saúde Generalizados dos Serviços de Saúde proferiu despacho de consentimento na referida nota interna (vide fls. 419 a 426 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 30 de Julho de 2018, os Serviços de Saúde, através do ofício no. 2500/OF/UTLAP/2018, notificou o 1º. recorrente da supracitada decisão (vide fls. 427 a 434 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 20 de Agosto de 2018, o 1º. recorrente e o “Centro B”, através de seu mandatário, apresentaram a audiência escrita junto da entidade recorrida (vide fls. 440 e seu verso a 441 e seu verso do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 09 de Outubro de 2018, os representantes do órgão instrutor procederam a uma reunião e elaboraram uma acta de reunião no. 240/ACTA/UTLAP/2018, tendo analisado a audiência escrita apresentada pelo 1º. recorrente e pelo “Centro B” e opinado, indicando que depois de ter ouvido as opiniões do pessoal do sector jurídico, concordaram com o ponto de vista de que o “Centro B” não podia ser alvo de sanção e promoveram que cabia à sua patroa B Limitada (B有限公司) (ou seja, 2ª. recorrente) como alvo de sanção, emitiram novamente aos dois recorrentes a nota de notificação da audiência escrita, entretanto, indicaram que depois de ter novamente aprovado os dados de investigação neste processo, sugeriam fazer rectificação sobre a análise exarada na acta de reunião no. 158/ACTA/UTLAP/2017 (vide fls. 466 a 473 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 12 de Outubro de 2018, o pessoal da UTLAP dos Serviços de Saúde elaborou uma nota interna no. 2373/NI/UTLAP/2018, promoveram que fosse novamente emitida aos dois recorrentes a nota de notificação da audiência escrita. Em 22 de Outubro do mesmo ano, o subdirector dos Cuidados de Saúde Generalizados dos Serviços de Saúde deu despacho de consentimento na referida nota interna (vide fls. 475 a 478 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 24 de Outubro de 2018, os Serviços de Saúde, através do ofício no. 3321/OF/UTLAP/2018, emitiram novamente ao mandatário dos dois recorrentes a nota de notificação da audiência escrita (vide fls. 479 a 485 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 15 de Novembro de 2018, os dois recorrentes, através de seu mandatário, apresentaram à entidade recorrida a audiência escrita (vide fls. 486 a 488 e seu verso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 30 de Novembro de 2018, a entidade recorrida proferiu despacho, concordando com o conteúdo da nota interna no. 0220/ONCO/ADJM/N/2018 e decidindo caber ao médico C substituir o médico D para participar no trabalho de acompanhamento dos ulteriores termos (vide fls. 490 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 12 de Janeiro de 2019, os representantes do órgão instrutor procederam a uma reunião e elaboraram uma acta de reunião no. 023/ACTA/UTLAP/2019, tendo analisado a audiência escrita apresentada pelos dois recorrentes e opinado, entenderam unanimemente manter a deliberação original (vide fls. 497 a 506 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 28 de Março de 2019, o pessoal da UTLAP dos Serviços de Saúde elaborou um relatório no. 107/R/UTLAP/2019, indicando que quanto à matéria sobre a insuficiência da capacidade profissional do 1º. recorrente, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea b) do no. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei no. 84/90/M, de 31 de Dezembro, bem como atendendo a que o 1º. recorrente não tinha capacidade suficiente de prescrever os medicamentos anti-tumorais no processo envolvido, sugeriram que, nos termos da alínea b) do no. 1 do artigo 21º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$2.000,00; em relação à matéria de o 1º. recorrente ter assistido pacientes de forma não normalizada, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea b) do no. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei no. 84/90/M, de 31 de Dezembro e, atendendo ao zelo insuficiente do 1º. recorrente e a que os detalhes não foram definidos por este, promoveram que, nos termos da alínea b) do no. 1 do artigo 21º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$2.000,00; em relação à matéria de o 1º. recorrente ter redigido os processos clínicos de forma incompleta e imprecisa, os representantes do órgão instrutor entenderam que o 1º. recorrente violou as disposições da alínea h) do no. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei no.84/90/M, de 31 de Dezembro e, atendendo a que a maior parte de processos clínicos cuja escrita foi impropriamente feita, promoveram que, nos termos da alínea a) do no.1 do artigo 21º do mesmo diploma, aplicar ao 1º. recorrente uma multa ao limite máximo de MOP$6.000,00; em relação à matéria de a 2ª. recorrente não ter assegurado a gestão adequada do processo clínico e garantido a sua integridade, o órgão instrutor entendeu que a 2ª. recorrente violou as disposições da alínea 3) do no. 2 do artigo 8º da Lei no. 5/2016 – “Regime Jurídico do Erro Médico” e, atendendo a que a 2ª. recorrente, após a vistoria, começou a adoptar as medidas de melhoramento, promoveu que, nos termos do no. 1 do artigo 30º do mesmo diploma, aplicar à 2ª. recorrente uma multa ao limite mínimo de MOP$10.000,00. Em 09 de Abril do mesmo ano, a entidade recorrida deu despacho de consentimento no referido relatório (vide fls. 509 a 521 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 26 de Abril de 2019, os Serviços de Saúde, através do ofício no. 1340/OF/UTLAP/2019, notificaram o mandatário dos dois recorrentes da supracitada decisão e na nota de notificação indicaram que os dois recorrentes podiam, no prazo indicado, apresentar a reclamação à entidade recorrida ou interpor o recurso contencioso junto do Tribunal Administrativo (vide fls. 522 a 533 e 535 do apenso, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
b) Do Direito
Na parte que releva para a apreciação do recurso, foi o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Violação das disposições do artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro
Os dois recorrentes indicaram que o órgão instrutor apenas rejeitou os fundamentos de contestação deduzidos por estes a fim de manter a deliberação original e aplicar-lhes multas, mas, não indicando os dados tais como a motivação jurídica da sanção, a explicação clara de aplicação da multa do limite máximo ao 1º. recorrente, quais erros concretos dos infractores, entretanto, indicaram que o acto recorrido não continha a indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre e a indicação de que havia lugar à execução da decisão caso esta não fosse impugnada, pelo que, violou as disposições das alíneas b), c), f) e g) do artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro.
Nos termos do artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro que define o “regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”:
“Artigo 14.º
(Decisão sancionatória)
A decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade:
a) A identificação do infractor;
b) A descrição do facto ilícito imputado;
c) A indicação da norma que prevê e sanciona o facto ilícito imputado;
d) A indicação dos meios de prova;
e) A indicação da sanção aplicada e o prazo para o seu cumprimento, que não pode ser inferior a 10 dias nem superior a 30;
f) A indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre; e
g) A indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada.”
Isso mostra que caso a decisão sancionatória falte de qualquer um dos elementos atrás descritos, causará, de forma indistinguível, a nulidade da respectiva decisão de sanção.
(…)
No entanto, em relação ao acto recorrido em violação da invocação da acção aludida nas alíneas f) e g) do artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro que define o “regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, face ao exposto, faltando qualquer um dos elementos enumerados na supracitada norma, Indistinguivelmente causou a nulidade da respectiva sanção. Vem pela presente transcrever a análise refinada feita pelo Mmo. Juiz do Tribunal de 2ª. Instância na sentença do processo no. 216/2013 (24 de Outubro de 2013) no que respeita à supracitada norma como o seguinte:
“… Vejamos.
O referido art. 14º. dispõe o seguinte:
“A decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade:
a) A identificação do infractor;
b) A descrição do facto ilícito imputado;
c) A indicação da norma que prevê e sanciona o facto ilícito imputado;
d) A indicação dos meios de prova;
e) A indicação da sanção aplicada e o prazo para o seu cumprimento, que não pode ser inferior a 10 dias nem superior a 30;
f) A indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre; e
g) A indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada (destaque a negro nosso).
O legislador teve uma preocupação especial no que concerne ao “regime procedimental” relativo às infracções administrativas. Preocupação que vem já do no.2, do artigo 11º do diploma, ao prescrever que “Sob pena de nulidade da decisão sancionatória, são assegurados ao infractor os direitos de audiência e defesa”. A sua ideia não foi estabelecer sanções de invalidade procedimental, como frequentemente sucede no procedimento administrativo comum. Como se sabe, por exemplo, a falta de audiência prévia, constituindo uma afronta ao direito de audiência e defesa nos processos administrativos de tipo disciplinar, representa uma nulidade procedimental com assento e fundamento na omissão de formalidade essencial. Contudo, a tradição na jurisprudência não é estender essa nulidade procedimental até ao acto final sancionador. Isto é, o que vem sendo hábito é decidir que tal nulidade procedimental apenas se reflecte na decisão final enquanto fonte de invalidade anulatória: o acto administrativo final não é, por essa razão, nulo, mas simplesmente anulável.
Contudo, o legislador do RJIA quis coisa diferente. Conhecendo bem, com toda a certeza, a problemática daquela nulidade procedimental e dos seus efeitos nos procedimentos administrativos comuns, foi mais além e, para este procedimento, que é especial, fixou a cominação insuperável, insubstituível ou incorrigível: a nulidade da decisão sancionatória! O legislador deixou muito evidente que a invalidade só podia ser a nulidade do acto! E, como é sabido, as causas de nulidade não se degradam em fontes não invalidantes, uma vez que, nos termos do art. 123º, no. 1 e 2, do CPA, os actos nulos não produzem efeitos “ab initio”(“ex tunc”), ainda que em certos casos às situações de facto deles decorrentes lhes possam ser atribuídos alguns efeitos jurídicos pela força do simples decurso do tempo (art. 123º, no. 3, CPA).
De maneira que, tendo assim prescrito a lei, não pode o intérprete estabelecer qualquer interpretação correctiva que não tenha na letra da lei o mais pequeno suporte. E se o autor da lei colocou os elementos do art. 14º como condição de perfeição e validade do acto, a falta de qualquer deles afecta necessariamente essas perfeição e validade. Ou seja, apenas se pode fazer uma diferenciação entre elementos essenciais (os que fazem parte da própria noção do acto) e acessórios (os que podem, ou não, ser introduzidos no acto) na óptica do destinatário ou do intérprete, quando colocados perante o conteúdo concreto decisório isoladamente, isto é, sem a presença de uma norma definitória. Mas, essa óptica deixa de interessar, ou ter qualquer relevo autónomo, se a norma, independentemente de qualquer entendimento que o destinatário ou o intérprete possam fazer do acto em si mesmo, estabelecer especificamente a nulidade para o caso. O peso da norma, nessa situação, sobrepõe-se ao juízo do homem.
Explicitando melhor: ainda que alguns dos elementos ali previstos possam ter um carácter concomitantemente informativo – e, por isso mesmo, marcados preferencialmente para um conteúdo notificatório (é o caso das alíneas f) e g)) – a verdade é que a sua falta não afecta somente a sua eficácia externa. É que, podendo eles ter que ver mais com a sua dinâmica, com a sua externação, com a sua projecção perante os destinatários, a sua importância não pode deixar de ser a mesma que o legislador lhes pretendeu conferir, Eles têm o mesmo valor que os restantes, na medida em que o preceito legal não estabeleceu nenhuma hierarquia entre si, antes os colocou no mesmo plano de importância. Pode-se não concordar com esta forma de legislar, mas não se pode fazer de conta que o legislador não se declarou da melhor maneira ou que não soube expressar o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 8º do CC).
Ora, se para o legislador todos eles são elementos essenciais e, sobretudo, se para a falta de algum deles cominou expressamente essa forma de invalidade, então, até porque assim também do no. 1, do art. 122º do CPA, parece que outra solução não resta, senão a de considerar nulo este acto, tal como noutro momento da vida desde tribunal foi já decidido. Na verdade, o acto em apreço não fez constar do seu conteúdo os elementos das alíneas e) (na parte referente ao prazo de cumprimento) e g), do art. 14º citado, os quais apenas constam da notificação no. 206/R/2011, a fls. 105 e vo. do p.a….”
Pelo que, salvo o absoluto respeito a compreensões diferentes, este tribunal concorda com o artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro que define o “regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, todos os elementos enumerados no que respeitam à decisão de sanção são também relevantes.
Neste processo, apesar de na nota de notificação do acto recorrido (vide fls. 524 a 533 do apenso) constar esses conteúdos, nomeadamente, o prazo de cumprimento da decisão de sanção, a indicação da possibilidade de impugnação da decisão, o prazo para o efeito e o tribunal para o qual se recorre e a indicação de que havia lugar à execução da decisão caso esta não fosse impugnada, todavia, “notificação” não é “acto de sanção”, não é possível complementar as deficiências do conteúdo importante especificamente definido pela lei em relação ao acto de sanção.
Não é preciso dizer muito, uma vez que não se provou que o acto recorrido (vide relatório no. 107/R/UTLAP/2019) constava o conteúdo que estava reunido o conteúdo estipulado nas alíneas e), f) e g) do artigo 14º do Decreto-Lei no. 52/99/M, de 04 de Outubro que define o “regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, nos termos do artigo 20º do Código de Processo Civil e a segunda metade do no. 1 do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo, declara nula o acto recorrido.».
Em sentido idêntico ao da decisão recorrida tem vindo a ser o entendimento unânime deste tribunal em vários Acórdãos, nomeadamente, em 10.10.2019 no Processo nº 442/2018 entre outros, pelo que, remetendo-se para o conteúdo da decisão recorrida com a qual se concorda e aqui sufragamos, nada mais havendo a acrescentar, cabe negar provimento ao recurso, mantendo-se aquela.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas por delas estar isenta o Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Dezembro de 2020
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
574/2020 ADM 1