Processo n.º 1024/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 17 de Dezembro de 2020
ASSUNTOS:
- Autoridade de caso julgado e fraccionar pelo trabalhador a reclamação de créditos laborais por vários processos e por vários períodos
- Ratio legis do artigo 42º/2 do CPT
SUMÁRIO:
I – Há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menor ao nível quantitativo. E, houve já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal.
II – A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da mesma relação material controvertida aqui invocada.
III - É do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pede.
IV - Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por subsídio de efectividade, a remuneração pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado e pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, referentes a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois de cessação da relação laboral, pedir apenas parte destas remunerações, não pode agora, nesta segunda acção, vir a pedir a restante das mesmas, por as mesmas questões já terem sido decididas por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir ad mesmas questões.
V – Salvaguardar uma maior justiça material em termos de direitos laborais assistidos ao trabalhador e resolver todos os litígios emergentes da mesma relação laboral no mesmo processo são os fins que o legislador pretende realizar através da consagração de uma norma excepcional prevista no artigo 42º/2 do CPT (em comparação com o artigo 564º do CPC).
VI – No caso de o trabalhador não agir desta maneira, fraccionando a reclamação de créditos laborais por processos diferentes e por períodos de tempo faseados, e, o Tribunal a quo conheceu também o mérito do último processo, este violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 1024/2020
(Autos de recurso em matéria laboral)
Data : 17 de Dezembro de 2020
Recorrente : A, S.A. (Ré)
Recorrido : B (Autor)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
B, Autor, intentou, em 14/11/2019, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-19-0183-LAC), pedindo condenar a Ré a pagar a título de créditos laborais, a quantia total de MOP$65,452.20.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$5,150.00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
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A, S.A., Ré, discordando da decisão, veio em 13/07/2020, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 151 a 171, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 139 e ss, na parte em que condenou a ora Recorrente a pagar ao ora Recorrido a quantia de MOP5,150.00 pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e pela compensação de descanso compensatório não gozado, por entender não se verificar a excepção do caso julgado, por não se ter verificado cumulativamente a tríplice identidade entre a acção antiga e a presente, sustentando que não existe nem identidade do pedido nem a da causa de pedir, porquanto na acção anterior se pediu e se julgou o trabalho prestado em cada período de sete dias com o período diferente que na presente acção se alega e pede.
II. Está a Recorrente em crer, com todo o devido respeito, que não assiste razão à decisão recorrida, na parte em que condena a ora Recorrente a pagar ao ora Recorrido uma compensação pelo trabalho prestado ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e pelo descanso compensatório não gozado.
III. Em 14/11/2019 o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação desta ao pagamento de uma indemnização global de MOP65,452.20 a título de subsídio de efectividade, devolução das quantias de comparticipação no alojamento, trabalho extraordinário, descanso compensatório não gozado e pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana.
IV. Em outros processos, que correram termos no mesmo Juízo Laboral sob os nº s. LB1-17-0170-LAC e LB1-18-0147-LAC o Autor alegou que trabalhou para a Ré entre 12/12/2003 até 31/07/2010, sendo que, no processo LB1-18-0147-LAC a Ré foi condenada a pagar uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
V. Em face da identidade de pretensões a aqui Recorrente invocou nos presentes autos a existência de caso julgado, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a invocada excepção por entender que, por um lado, o Autor desistiu dos pedidos relativos ao subsídio de efectividade, à devolução das quantias de comparticipação no alojamento e às compensações pelo trabalho extraordinário e que, apesar de o Autor vir peticionar os mesmos créditos pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana, o período é diferente.
VI. Está a Recorrente em crer, com todo o devido respeito, que não assiste razão à decisão recorrida.
VII. O art.º 416º do CPC, dispõe que: «As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição da causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.»
VIII. O art.º 417º do mesmo Código que: «2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o fado concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido».
IX. O artigo art.º 574º n° 1 do CPC relativamente ao valor da sentença transitada em julgado dispõe que, «Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 416º e ss (...)».
X. Segundo a noção dada por Manuel de Andrade (In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976,304), o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) - quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.».
XI. Para o aludido Mestre o instituto do caso julgado assenta, por um lado, no prestígio dos tribunais - que ficaria altamente comprometido se a mesma situação concreta uma vez definida em determinado sentido pudesse ser validamente decidida em sentido diferente - e, por outro-lado, numa razão de certeza e segurança jurídica - já que sem o caso julgado acabaríamos perante uma situação de instabilidade jurídica.
XII. Conforme o mesmo sabiamente ensina, «O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (...), por força da qual (...) a sentença (...) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e, portanto, os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado (...) Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça - a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança - a paz social (Schӧnke)».
XIII. Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes. Uma vertente negativa, reconduzida à excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura e uma positiva designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
XIV. Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 417.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir, já quanto à autoridade de caso julgado, apesar de divergências doutrinárias, parece ser maioritariamente aceite que não se requer aquela tríplice identidade.
XV. Segundo Lebre de Freitas (in Código Civil Anotado Vol. 2) «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito (...)» ao passo que «a autoridade do caso julgado tem (...) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.».
XVI. No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa ("O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss"), ensina que «a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior", já "quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior».
XVII. O caso julgado, em qualquer uma das suas vertentes implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior obstando que a relação jurídica venha a ser contemplada de novo de forma diversa.
XVIII. Sobre a problemática do caso julgado não poderá deixar de se atender ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 20 de Junho de 2012 extraído do processo 241/07.0TTLSB.L1.S1 que se invoca a título de direito comparado e para o qual se remete.
XIX. Nos presentes autos vem o Autor alegar que, de 12/12/2003 a 31/07/2010 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando as funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente, peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP65,452.20 a título de subsídio de efectividade, devolução das quantias de comparticipação no alojamento, trabalho extraordinário, descanso compensatório não gozado e pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana.
XX. No processo LB1-18-0147-LAC ora Recorrido alegou que: «Entre 12/12/2003 a 31/07/2010 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente», peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$127,205.00, a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, tendo a Recorrente sido condenada a pagar a quantia global de MOP123,600.00.
XXI. Em qualquer uma das duas acções Autor e Réu são os mesmos, o pedido, ainda que quantitativamente diferente, é idêntico em face da coincidência dos efeitos jurídicos pretendidos na presente acção e na acção que correu termos sob nº LB1-18-0147-LAC, cumprindo não perder de vista que a lei não impõe que haja coincidência do ponto de vista quantitativo para que se mostre preenchido este requisito, também é idêntica a causa de pedir porquanto a pretensão deduzida em qualquer um dos processos procede do mesmo facto jurídico, qual seja, a relação laboral outrora estabelecida entre as partes.
XXII. O Autor, no processo já transitado em julgado LB1-18-0147-LAC, assume que trabalhou para a Autora até ao dia 31/07/2010, no entanto, pede uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias até 31/12/2008.
XXIII. A questão é, se o Autor, tendo pleno conhecimento dos factos e estando na posse de todos os elementos necessários, intenta uma acção laboral que tem como fundamento a relação de trabalho, já extinta, com a sua antiga entidade patronal, alegando os factos que consubstanciam a causa de pedir e os pedidos que considera lhe serem devidos, com o intuito de receber todas as quantias que alegadamente não lhe foram pagas, não pode, depois da referida decisão transitar em julgado, propor nova acção com a mesma causa de pedir, entre as mesmas partes, pretendendo receber outras quantias que alegadamente terá deixado de fora na acção judicial já julgada, sob pena de violação dos Princípios de boa-fé, lealdade e de economia processual.
XXIV. Portanto, se em duas acções laborais, o Autor e o Réu são os mesmos, a causa de pedir é o extinto contrato de trabalho que ligava as partes e, o efeito jurídico que o Autor pretende obter é o pagamento de quantias pecuniárias, em razão da extinta relação laboral, existe então uma repetição de causas, independentemente da designação que o Autor resolva atribuir a cada uma das parcelas que reclama.
XXV. O objectivo do Autor, é obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, mais dinheiro do que aquele que lhe foi pago em razão dos mesmos-factos jurídicos.
XXVI. Tendo a Ré sido condenada numa primeira acção laboral ao pagamento de uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, e tendo tal decisão já transitado em julgado, constitui por isso, caso julgado entre as partes, aqui Recorrente e Recorrido, não podendo agora voltar a ser objecto de apreciação pelo mesmo Tribunal Judicial de Base.
XXVII. Entendemos assim que a decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 413°, alínea j), 416.°, 417.°, 574.° n.º 1, 576.°, todos do CPC, ex vi art.º 1.° do CPT, bem como o Princípio do Caso Julgado.
XXVIII. É que, como se viu, a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita estendendo-se à decisão de questões preliminares que foram antecedente lógico e indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
XXIX. Nas palavras de Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil pag.579) «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
XXX. Ao Autor competia alegar os factos constitutivos da relação laboral que estabeleceu com a Ré com base na qual delineou os seus pedidos e ao fazê-lo foi claro ao invocar no processo LB1-18-0147-LAC que "entre 12/12/2003 a 31/07/2010" O Autor esteve ao serviço da aqui Ré e que dentro deste período, houve um no qual não lhe terão sido pagas determinadas quantias.
XXXI. O Autor, teve a oportunidade, no processo LB1-18-0147-LAC de peticionar o que faz nos presentes autos, pois tinha todos os elementos à sua disposição, os mesmos que tinha aquando da apresentação da presenta acção, mas não o fez.
XXXII. Se cometeu um erro foi por culpa sua tendo aqui plena aplicação a máxima latina sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit [Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar - in Codex lustiniani 4.29.22.1].
XXXIII. O facto de o Autor ter cometido um lapso - como discretamente procura invocar em nota de rodapé do seu articulado inicial - não retira a autoridade ao caso julgado.
XXXIV. Aliás, o douto Tribunal de Segunda instância já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica no acórdão proferido no processo 314/2019 de 11 de Julho, tendo concluído que há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menor ao nível quantitativo e que, havendo já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal e que sendo do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42.º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pede.
XXXV. Acrescentando ainda o Venerando Tribunal que: «Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por dias totais de descanso semanal não gozados, referente a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois da cessação da relação laboral, pedir apenas, parte desses dias não gozados, não pode agora, nesta segunda acção, vir pedir a restante parte dos dias de descanso semanal não gozados, por a mesma questão já ter sido decidida por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir a mesma questão. Não agindo dessa maneira, o Tribunal a quo, ao conhecer do mérito, violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.».
XXXVI. Em face da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir e, em obediência à autoridade do caso julgado, o Tribunal a quo não poderia senão ter julgado procedente a invocada excepção e em consequência absolver a aqui Recorrente da presente instância.
XXXVII. Ao decidir de modo diverso a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 413° alínea j), 416°, 417° e 574° todos do CPC ex vi artigo 1° do CPT, devendo ser revogada e substituída por outra que julgando procedente a invocada excepção absolva a Ré e aqui Recorrente da presente instância.
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B, Autor, Recorrido, ofereceu a resposta constante de fls. 176 a 188, tendo formulado as seguintes conclusões:
i) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, em caso algum se pode concluir que a douta Decisão enferme de qualquer erro e/ou vício, tendo antes apreciado a excepção - de caso julgado - invocada com rigor e certeza jurídica, razão pela qual a mesma não merece um qualquer juízo de censura;
ii) Em concreto - conforme a própria Recorrente bem o afirma ao longo das suas Alegações de Recurso - os "pedidos" formulados pelo Autor nos presentes autos são temporalmente distintos dos formulados anteriormente e, em grande parte, tendo como pano de fundo (leia-se, como fundamentação de Direito) a Lei n.º 7/2008 e já não o Decreto-Lei n.º 24/89/M, diploma que serviu de base ao processo anterior;
iii) Trata-se, pois, de matéria de facto e de direito nova e não alegada e/ ou apreciada anteriormente pelo Tribunal a quo;
Depois,
iv) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a autoridade de caso julgado apenas pode ser admitida em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas nos termos e limites precisos em que julga;
v) O mesmo é dizer que “a autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu";
Acresce que,
vi) Distintamente do afirmado pela Recorrente, é entendimento pacífico que: “O autor não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta, o que está de acordo com o princípio do dispositivo (...)" e, deste modo, “(...) ao contrário do que sucede com o réu (que deve concentrar toda a defesa na contestação (...), quanto ao autor tal não ocorre, visto que não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta;
vii) Especificamente no campo laboral não existe qualquer regime especial da obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos, pelo que o Recorrido não estava “obrigado" a formular todos os pedidos contra a Recorrente no momento da propositura da acção em juízo;
Seja como for,
viii) ln casu, enquanto no processo anterior estava em causa a apreciação dos créditos laborais devidos pela Recorrente ao Recorrido e temporalmente delimitados entre o início da relação de trabalho e 31/12/2008, nos presentes autos está em causa a apreciação e análise dos créditos formados e vencidos entre 01/01/2009 a 31/37/2010 à luz da Lei n.º 7/2008;
ix) Resulta, pois, claro que os pedidos de ambas as ações são diferentes e assentam em causas de pedir igualmente distintas;
x) Do mesmo modo, as questões formuladas nas duas acções são jurídica e temporalmente distintas, sendo igualmente diferente o efeito jurídico que em ambas as acções se pretende obter e tutelar e bem assim o concreto facto jurídico em que assentam as pretensões para as quais se pede a tutela jurisdicional;
Acresce ainda que,
xi) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não vislumbra em que medida é que a decisão a proferir nos presentes autos possa vir a contradizer ou a reproduzir a decisão anteriormente proferida, sabido que as questões submetidas à apreciação e decisão nos presentes autos nunca foram objeto de qualquer pronunciamento e análise por parte do mesmo órgão decisor;
xii) Em concreto, a causa de pedir dos presentes autos não foi objecto da primeira acção, nem podia ter sido, pela simples razão de que não foram alegados os respectivos factos nem as suas respectivas razões de direito, conforme resulta com clarividência da respectiva Sentença que delimitou e concretizou as quantias a pagar pela Ré ao Autor, tendo por base os pedidos concretamente formulados. Só assim não teria sido acaso a primeira decisão tivesse condenado a Ré em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido pelo Autor, o que manifestamente não ocorreu;
xiii) Em momento nenhum nos autos precedentes se discutiu ou sequer se alegou os créditos do autor à luz da Lei n.º 7/2008 - Nova Lei das Relações de Trabalho, porquanto a sua análise se centrou em exclusivo na aplicação do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Tratam-se, pois, de pedidos e de causas de pedir novos e nunca apreciados anteriormente, pelo que a função do caso julgado não impede que, com base na decisão anteriormente proferida, se peticione um efeito processual não abrangido pela decisão proferida.
Por último,
xiv) Contrariamente ao que a Recorrente sugere, a situação apreciada pelo douto Tribunal ad quem no Acórdão n.º 314/2019 é substancialmente distinta da questão em apreciação nos presentes autos, desde logo porque nos referidos autos estava em apreciação créditos laborais que já haviam sido objecto de uma decisão anterior e relativamente a um mesmo período temporal, o que manifestamente se não verifica nos presentes autos;
Pelo contrário,
xv) Questão semelhante à trazida pela Recorrente já terá sido apreciada pelo douto Tribunal de Recurso no Ac.1220/2019, nos termos do qual se decidiu que, tratando-se de períodos temporalmente diferentes, não existe identidade de pedido, razão pela qual deverá improceder o Recurso da Recorrente.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
‐ Entre 12/12/2003 e 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (Artigo 1º do Petição Inicial)
‐ O Autor foi recrutado pela C, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002. (Cfr. fls. 14 a 19 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (Artigo 2º do Petição Inicial)
‐ O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (Artigo 3º do Petição Inicial)
‐ Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (Artigo 4º do Petição Inicial)
‐ Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (Artigo 5º do Petição Inicial)
‐ Entre 01/04/2010 a 31/07/2010, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré (A), sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (Artigo 7º, 10º e 15º do Petição Inicial)
‐ Entre 01/01/2009 e 31/07/2010, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 7º, 10º e 15º. (Artigo 8º, 40º e 41º do Petição Inicial)
‐ Até Julho de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00 (equivalente a Mop$7.725,00) a título de salário de base mensal. (Artigo 11º do Petição Inicial)
‐ Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (Artigo 14º do Petição Inicial)
‐ Entre 01/04/2010 a 31/07/2010, a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (Artigo 16º do Petição Inicial)
‐ Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (Artigo 18º do Petição Inicial)
‐ Entre 01/04/2010 a 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (Artigo 19º do Petição Inicial)
‐ A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (Artigo 20º do Petição Inicial)
‐ Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, por ordem da Ré (A), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (Artigo 27º do Petição Inicial)
‐ Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (Artigo 28º do Petição Inicial)
‐ O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de 30 minutos, e permaneceu sob as ordens dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 7º, 10º e 15º. (Artigo 29º do Petição Inicial)
‐ A Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (Artigo 30º do Contestação)
‐ A Ré (A) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (Artigo 31º do Contestação)
‐ Entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos (leia-se, uma semana). (Artigo 34º do Contestação)
‐ A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (Artigo 35º, 39º e 43º do Contestação)
‐ Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (A) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (Artigo 38º do Contestação)
‐ Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (Artigo 42º do Contestação)
‐ A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (Artigo 123º do Contestação)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO
B, cuja identidade consta dos autos, veio intentar a presente Acção de Processo Comum do Trabalho contra A, S.A., cuja identidade consta dos autos.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$4.120,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$3.090,00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
c) Mop$11.151,80, a título de trabalho extraordinário prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
d) Mop$7.435,40, a título de descanso compensatório não gozado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
e) MOP$39.655,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
f) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 13 a 22.
*
Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
*
A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 45 a 70 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
*
II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
(...)
*
IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
1. Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
No presente caso, segundo os factos provados, não há nenhumas dúvidas em qualificar como relação laboral a relação existente entre o Autor e a Ré nos termos do art. 1079º do CC, tal qual passou nas acções antigas entre um e outro.
No entanto, reclama-se aqui os créditos laborais que nascem desde 01/01/2009, créditos a que se deve aplicar a Lei n. 7/2008 quer por analogia (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010, mutatis mutandis) quer por força da Lei n. 21/2009 no seu art. 20º.
Ao mesmo tempo, aplica-se ainda aos contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente a título de contrato a favor de terceiro. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010, e mais recentemente, 893/2016, 894/2016, 815/2016, 322/2016, 317/2016, 376/2016, 394/2016, 353/2016, 300/2016, 274/2016, 98/2016, 38/2016, 42/2016, 966/2015, 956/2015, 1009/2015, 1018/2015, 844/2015, 1010/2015, 879/2015, 878/2015, 610/2015, 609/2015, 715/2015, 534/2015, 573/2015, 624/2015, 481/2015, 574/2015, 487/2015, 486/2015, 399/2015, 395/2015, 401/2015, 400/2015, 204/2015, 168/2015, 193/2015, 195/2015, 712/2014, 749/2014, 634/2014, 681/2014, 441/2014, 697/2014, 742/2014, 662/2014, 714/2014, 653/2014, 627/2014, 483/2014, 609/2014, 583/2014, 338/2014, 384/2014, 622/2014, 345/2014, 168/2014, 128/2014, 291/2014, 308/2014, 171/2014, 189/2014, 240/2013, 627/2013, 775/2010, 680/2013, 169/2014, 704/2013, 111/2014, 420/2012, 118/2014, 90/2014, 138/2014, 374/2012, 415/2012, 414/2012, 824/2010, 557/2010 e 322/2013)
2. No que se respeita aos créditos laborais reclamados em causa, não se ignora que o Autor já desistiu o pedido relativo ao subsídio de efectividade, à devolução das quantias de comparticipação no alojamento e ao trabalho extraordinário.
No entanto, começamos ainda pela apreciação da excepção do caso julgado invocada pelo Ré na contestação.
Nos termos do art. 416º, n. 1º e 2º do CPC, ex vi do art. 1º do CPT, “1. As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
Ao mesmo tempo, dispõe o art. 417º do mesmo Código que, “1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.”
Das referidas normas resulta que a excepção do caso julgado destina-se a proibir a repetição duma causa ou acção, que depende da verificação simultânea da identidade dos sujeitos, da causa de pedir e do pedido entre as duas acções. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
No caso subjudice, dúvida não resta que entre a presente acção e as acções sob os processos n. LB1-17-0170-LAC e n. LB1-18-0147-LAC há identidade dos sujeitos. No entanto, tendo em conta que o Autor já desistiu o pedido relativo ao subsídio de efectividade, à devolução das quantias de comparticipação no alojamento e ao trabalho extraordinário, não existe a identidade do pedido, porquanto, por um lado, se peticiona na presente acção o pedido novo das compensações pelo descanso adicional emergente do trabalho extraordinário que não se peticionou na acção anterior, por outro lado, na acção anterior se pediu e se julgou a compensação pelo trabalho prestado em cada período de sete dias com o período diferente que na presente acção se alega e se pede.
Assim, não se verifica a excepção do caso julgado por não se ter verificado cumulativamente a tríplice identidade entre a acção antiga e a presente, julgando-se improcedente a excepção do caso julgado.
3. Quanto às compensações pelo descanso adicional não gozado resultado do trabalho extraordinário, tudo se passa na vigência da Lei n. 7/2008.
Assim, nos termos do art. 38º da mesma lei, “1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração: 1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo; 2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo. 2. O disposto no número anterior aplica-se à situação prevista na alínea 3) do n.º 2 do artigo 36.º se o trabalhador prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos. 3. O direito ao descanso compensatório é gozado nos quinze dias seguintes ao da prestação do trabalho extraordinário, em dia escolhido pelo trabalhador, com a concordância do empregador. 4. Na falta de acordo entre trabalhador e empregador quanto ao dia em que o descanso compensatório deve ser gozado, o mesmo é fixado pelo empregador.”
Ao mesmo tempo, dispõe o art. 33º, n. 1º da Lei n. 7/2008 que, “1. O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta e oito horas por semana.”
Dispõe ainda o art. 36º, n. 1º e 2º da Lei n. 7/2008 que, “1. O trabalho extraordinário é prestado: 1) Por determinação prévia do empregador, independentemente do consentimento do trabalhador, nas situações e com os limites previstos no número seguinte; 2) Por solicitação prévia do empregador, obtido o consentimento do trabalhador; 3) Por iniciativa do trabalhador, obtido o consentimento prévio do empregador. 2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando: 1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; 2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas; 3) O empregador tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder doze horas.
No presente caso, segundo os factos provados, o Autor trabalhava junto da Ré com o regime de turnos rotativos e ele sempre comparecia no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho; e excepto os dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso efectivamente gozados, o Autor prestava sempre trabalho nos outros dias durante a relação de trabalho sem que desse qualquer falta ao trabalho. No entanto, a Ré não concedeu ao Autor o gozo dum descanso adicional remunerado a partir de 01/01/2009.
Porém, não se verifica o trabalho extraordinário nem por razões de força maior ou iminência de prejuízos importantes, nem de acréscimo trabalho não previsível, razões com que se confiram o descanso adicional para os trabalhadores depois de ter prestado trabalho extraordinário.
Assim, não deixa de entender que não tem direito a qualquer compensação a título de descanso adicional não gozado, pela razão de não se verificar nenhum dos pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 36.º da Lei n. 7/2008.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, somos de entender que, com a entrada em vigor da Lei n. 7/2008, o legislador deixou de exigir, porém, o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas1, exigência que estava prevista no art. 18º do DL 24/89/M.
Ao invés, prevê-se no seu art. 42º, n. 2º, “2. O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.”
Por outro lado, dispõe o art. 43º, n. 1º, 2º e 4º do mesmo diploma que, “1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando:…2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;…4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;...”
No caso vertente, tendo em conta que a lei admite a concessão do descanso em cada 8º dia como descanso semanal nos termos do art. 42º, n. 2º da Lei n. 7/2008, o Autor já gozou 67 dias (539 dias/8) de descanso semanal e não gozou 10 dias (539 dias/7 - 539 dias/8) de descanso semanal nem os mesmos dias de descanso compensatório durante o mesmo período, tem direito de receber um acréscimo dum dia de remuneração de base mais um outro dia de remuneração de base a título de compensações pelo dia de descanso compensatório não gozado.
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$5,150.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 10 dias X 2).
3. Sendo os créditos supra mencionados (MOP$5,150.00) ilíquidos, à quantia a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$5,150.00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
* * *
Quid Juris?
A Recorrente/Ré veio a interpor o presente recurso com fundamento de que se verifica caso jugado em relação à matéria discutida nos presente autos, enquanto o Recorrido/Autor defende que não se verificam todos os requisitos do caso julgado, por os créditos ora reclamados serem TEMPORALMENTE diferentes dos decididos nos processos anteriores.
Quem tem razão?
Relativamente à mesma matéria, sem contar este processo, o Recorrido chegou a instaurar 2 processos, tal como alegou a Recorrente nos termos seguintes:
“(…)
XIX. Nos presentes autos vem o Autor alegar que, de 12/12/2003 a 31/07/2010 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando as funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente, peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP65,452.20 a título de subsídio de efectividade, devolução das quantias de comparticipação no alojamento, trabalho extraordinário, descanso compensatório não gozado e pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana.
XX. No processo LB1-18-0147-LAC ora Recorrido alegou que: «Entre 12/12/2003 a 31/07/2010 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente», peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$127,205.00, a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, tendo a Recorrente sido condenada a pagar a quantia global de MOP123,600.00.
XXI. Em qualquer uma das duas acções Autor e Réu são os mesmos, o pedido, ainda que quantitativamente diferente, é idêntico em face da coincidência dos efeitos jurídicos pretendidos na presente acção e na acção que correu termos sob nº LB1-18-0147-LAC, cumprindo não perder de vista que a lei não impõe que haja coincidência do ponto de vista quantitativo para que se mostre preenchido este requisito, também é idêntica a causa de pedir porquanto a pretensão deduzida em qualquer um dos processos procede do mesmo facto jurídico, qual seja, a relação laboral outrora estabelecida entre as partes.
(…)”.
E, neste processo, registado sob o nº LB1-19-0183-LAC na primeira instância veio o Recorrido/Autor a formular os seguintes pedidos:
- Subsídio de efectividade;
- Remuneração pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado;
- Remuneração pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e;
- Devolução de quantias de comparticipação no alojamento;
- Remuneração de trabalho extraordinário prestado;
- Compensação de descanso compensatório não gozado.
O fundamento que o Recorrido invocou para tentar afastar o caso julgado é o período do tempo em que tais créditos nasceram, ou seja, os créditos reclamados reportam-se ao período de 01/01/2009 a 31/07/2010, tal como confessou nas conclusões sob viii) da resposta ao recurso interposto pela Recorrente/Ré, por entender que os créditos reclamados nestes autos são regidos pela Lei 7/2008, de 18 de Agosto, que entrou em vigor a partir de 1/1/2009.
Ou seja, o Recorrido fraccionou a reclamação dos créditos laborais em 3 processos.
Ora, salvo o melhor respeito, não é um critério juridicamente válido para fraccionar os créditos a data de entrada em vigor duma lei nova, porque não há nenhuma norma jurídica que assim mande! Quer a antiga lei, quer a actual, disciplinam a mesma matéria, apesar de ser diferente em alguns aspectos. Quem opta por este critério, certamente terá de suportar também os riscos daí decorrentes!
O último processo que decidiu as mesmas questões foi o processo LB1-16-0147-LAC, proposto em 10/05/2018, conforme o teor da cópia de fls. 81. E, este processo, nº LB1-19-0183-LAC, que deu origem aos presentes autos de recurso jurisdicional, foi instaurado em 14/11/2019 (fls. 2 destes autos), pergunta-se, pertinentemente, aquando da propositura da acção do processo LB1-16-0147-LAC, o Recorrido/Autor ainda estava a servir a Recorrida/Ré? Não estava ainda em condições de exercer todos os seus créditos contra a mesma entidade patronal?
A resposta só pode ser negativa, pois, conforme os factos assentes fixados em 3 processos acima referidos, a relação laboral entre a Recorrente e a Recorrida foi no período de 22/07/2003 a 31/07/2010, ou seja, quando o Recorrido/Autor propôs essa penúltima acção em 01/04/2016, já terminou a relação laboral com a Ré/Recorrente, não há razão para fraccionar a reclamação dos créditos por fases e por processos diferentes!
Sendo certo que, não deixa para margem de dúvida a causa de pedir dos pedidos residirem todos no mesmo contrato de trabalho celebrado entre o Recorrido e a Recorrente e na mesma relação laboral estabelecida, o que constitui a causa de pedir de todos os 3 processos indicados! E agora pretende vir apurar a respectiva responsabilidade contratual.
Situação diferente será aquela em que, por ainda manter uma relação laboral, o trabalhador poderia sofrer de alguma “pressão” da entidade patronal, então justificar-se-ia deixar a reclamação de alguns créditos para outra oportunidade, mas não é o caso dos autos.
Perante este quadro factual, importa ver quais as repercussões que eles têm no campo jurídico.
É o instituto de caso julgado que deve ser chamado para resolver a situação em causa.
*
O artigo 416º do CPC sobre o qual a doutrina entendia que os limites do caso julgado eram traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto, e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, era preciso atender aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tinha autoridade - fazia lei - para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Não podia, portanto, impedir que em novo processo se discutisse e dirimisse aquilo que ela mesma não definira.(cf., por exemplo, M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 285); Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil (s/d., 1968); e M. Teixeira de Sousa, Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1977, págs. 309 a 316).
O caso julgado – regulados artigos 574º a 580º do CPC - visa, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, isto é, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados.
Trata-se de um corolário, do conhecido princípio dos praxistas, enunciado na fórmula latina tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, taxativamente, consagrado no artigo 576º do CPC, nos termos do qual a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga: e os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Quanto ao seu fundamento, à luz da doutrina dominante, ele reside em imperativos de certeza e segurança jurídica e na necessidade de salvaguardar o prestígio dos tribunais, os quais se desenvolvem numa dupla vertente: uma vertente negativa (excepção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
A função negativa do caso julgado é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 413º/-f), 416º e 417º, todos do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o artigo 417º do CPC, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Por via dela, o caso julgado material pode mesmo produzir efeitos num processo distinto daquele em que foi proferida a sentença transitada, aí valendo como excepção de caso julgado.
Já a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a sua função positiva, pode funcionar, independentemente, da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 18/06/2014, citado aqui em nome de Direito Comparado: “A autoridade de caso julgado é um conceito que tem sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.”
Ainda assim, Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é, os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312).
Noutros casos, a afirmação da “autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório, mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado.
Tal pode ocorrer, segundo Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. (...) “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581). Acresce que todos os exemplos apresentados acerca dos efeitos da sentença relativamente a terceiros (efeitos directos ou efeitos reflexos)2.
Mais recentemente, num acórdão do STJ, datado de 2018/11/08, (disponível in www.dgsi.pt), concluiu-se:
“Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” (No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.).
Nesta linha de pensamento, importa realçar que a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.
São estas ideias fundamentais que seguimos ao falarmos do caso julgado.
No caso, está assente que o Recorrido mantinha a sua relação laboral com a Recorrente no período de 22/7/2003 a 31/7/2010, deveria reclamar todos os créditos nascidos nesse período de uma só vez!
No caso sub judice, não só os sujeitos e as causas de pedir são os mesmos, como, na prática, são idênticos os objectos das três acções.
nos termos acima por nós vistos.
Ora, no processo nº 314/2019, de 11/07/2019, em que decidimos uma situação semelhante, pronunciamos nos seguintes termos:
I – Há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menor ao nível quantitativo. E, houve já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal.
II - É do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pede.
III - Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por dias totais de descanso semanal não gozados, referente a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois de cessação da relação laboral, pedir apenas parte desses dias não gozados, não pode agora, nesta segunda acção, vir a pedir a restante parte dos dias de descanso semanal não gozados, por a mesma questão já ter sido decidida por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir a mesma questão.
IV – Não agindo desta maneira, o Tribunal a quo, ao conhecer do mérito, violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.
Estas ideias continuam a valer para o caso em apreciação.
*
Isto por um lado;
Por outro, podemos tirara também algumas ideias conclusivas a partir do artigo 42º (Sentença) do CPT, através do qual o legislador manda:
1. Encerrada a audiência de discussão e julgamento, a sentença é proferida no prazo de 15 dias.
2. Quando a simplicidade das questões de direito o justificar, a sentença é imediatamente lavrada por escrito ou ditada para a acta e pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado.
3. O tribunal deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.
4. À sentença que condene em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, não se aplica o disposto no n.º 2.
Quando o legislador introduziu estas excepções ao regime geral consagrado no artigo 564º do CPC, pretende nitidamente:
1) – Em termos substantivos, salvaguardar uma maior justiça material no processo laboral, permitindo o julgador condenar em quantidade superior à pedida (ou em objecto diverso pedido) pelo autor/trabalhador, desde que estejam provados todos os factos necessários;
2) – Em termos adjectivos, resolver todos os litígios de natureza laboral entre as partes no mesmo processo judicial, evitando-se instaurar mais processos para reclamar créditos laborais adicionais.
Nesta óptica, aquando da propositura da penúltima acção pelo Recorrido, em 10/05/2018, tinha todas as condições para alegar todos os factos pertinentes, mas não o fez, precludiu o seu direito, e espelha-se também aqui uma atitude de renunciar pelo trabalhador tacitamente à revindicação dos direitos que tinha, expediente esta que é incompatível também com a ratio do artigo 42º do CPT nos termos acima vistos, razão pela qual tem de assumir as consequências daí decorrentes.
Uma situação idêntica já foi objecto da nossa reflexão no âmbito do processo nº 867/2020 do TSI, cujo acórdão foi proferido em 05/11/2020.
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Pelo expendido, é de julgar procedente o recurso e consequentemente revogar a sentença recorrida.
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Em síntese conclusiva:
I – Há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menor ao nível quantitativo. E, houve já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal.
II – A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da mesma relação material controvertida aqui invocada.
III - É do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pede.
IV - Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por subsídio de efectividade, a remuneração pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado e pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, referentes a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois de cessação da relação laboral, pedir apenas parte destas remunerações, não pode agora, nesta segunda acção, vir a pedir a restante das mesmas, por as mesmas questões já terem sido decididas por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir ad mesmas questões.
V – Salvaguardar uma maior justiça material em termos de direitos laborais assistidos ao trabalhador e resolver todos os litígios emergentes da mesma relação laboral no mesmo processo são os fins que o legislador pretende realizar através da consagração de uma norma excepcional prevista no artigo 42º/2 do CPT (em comparação com o artigo 564º do CPC).
VI – No caso de o trabalhador não agir desta maneira, fraccionando a reclamação de créditos laborais por processos diferentes e por períodos de tempo faseados, e, o Tribunal a quo conheceu também o mérito do último processo, este violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
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Custas pelo Recorrido.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 17 de Dezembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
(com declaração de voto vencido que segue)
Declaração de voto vencido
No Acórdão em apreço entendeu verificar-se a situação de caso julgado com fundamento de que em todas as acções anteriores foi alegado, e provado o facto de que o trabalhador, ora recorrido, esteve a trabalhar entre 22/7/2003 até 31/7/2010, mas não tendo o mesmo formulado naquelas acções anteriores créditos laborais relativamente a todo esse período, antes tendo fraccionado a reclamação dos créditos laborais em 3 processos, daí entendeu se ter formado caso julgado.
Salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, sou de entender que verificado não está o alegado caso julgado.
Como se refere no Acórdão em causa, para que haja caso julgado, é necessário verificar-se identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, ao abrigo do artigo 417.º do CPC.
No caso em apreço, sou de entender que apenas há identidade de sujeitos e causa de pedir entre todas as acções, sendo diferente o pedido.
Efectivamente, salvo melhor opinião, não há norma que obriga o credor a formular todos os pedidos numa só acção, pois vigorando o princípio do dispositivo, o credor pode escolher aquilo que melhor entender.
No caso vertente, não obstante ter sido alegado e provado em todas as acções que o autor esteve a trabalhar para com a sua entidade patronal ora recorrente entre 22/7/2003 até 31/7/2010, mas não tendo o autor formulado nas acções anteriores créditos laborais relativamente ao período compreendido entre 1/1/2009 e 31/7/2010 objecto de discussão nos presentes autos, não há, a meu ver, identidade de pedido e, consequentemente, não se ter formado caso julgado.
E não se diga que é para evitar decisões contraditórias.
Em boa verdade, observa Viriato de Lima3, citando as palavras de Rodrigues Bastos: “…embora o caso julgado se deva considerar restrito à parte dispositiva do julgamento, deve alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, às questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da sentença.”
No caso dos autos, está provado que nas acções anteriores o trabalhador esteve a trabalhar para com a sua entidade patronal ora recorrente entre 22/7/2003 até 31/7/2010 e que não recebeu determinados créditos laborais. Por ser aquela questão comum em todas as acções posteriores, constitui pressuposto da apreciação de ulteriores pedidos, daí que não se afigura ser lícito ao tribunal apreciar a tal questão em termos diferentes, isso significa que, no fundo, não haverá lugar a decisões contraditórias quanto àquela matéria de facto.
Ademais, mesmo no caso do processo referente a pequenas causas, o artigo 1285º, n.º 2 do CPC também não impede que o autor fraccione o pedido em várias acções, mas apenas determina que é irrelevante o fraccionamento do pedido com o mero propósito de aproveitar aquela forma de processo especial.
Tecidas as considerações acima expostas, sou de entender que, por não ter o autor formulado pedido de créditos laborais relativamente ao período compreendido entre 1/1/2009 e 31/7/2010, não há identidade de pedido entre as diversas acções e, consequentemente, não há lugar a caso julgado, devendo confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Tong Hio Fong
17.12.2020
1 Miguel Quental, Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2012, nota 275 e 276.
2 Cfr. processo 209/09.1PTPTL.G1.S1, Abrantes Geraldes (relator), disponível in www.igjef.pt.
3 Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, CFJJ, 2018, pág. 579
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