Processo nº 671/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)
Data do Acórdão: 17 de Dezembro de 2020
ASSUNTO:
- Prescrição de créditos laborais
- Suspensão da prescrição
- Indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal no âmbito do artº 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M
SUMÁRIO:
- Não se demonstrando os factos que permitem concluir que a relação de dependência/subserviência entre trabalhador-empresa se mantinha igual apesar da mudança de uma empresa para a outra, que justifica a inibição do trabalhador reclamar os créditos que tivesse perante a anterior entidade patronal este (o trabalhador) não beneficia relativamente a esta (a anterior entidade patronal) da suspensão da prescrição prevista na al. c) do nº 1 do artº 311º do C.Civ.
- Nos termos do artº 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril para além do pagamento em singelo ao qual o trabalhador sempre teria direito, tem este ainda direito a receber o valor correspondente ao dobro do salário diário como remuneração do trabalho efectivamente prestado e indisponibilidade de gozar o dia de descanso semanal
____________________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 671/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Dezembro de 2020
Recorrentes: A (Recurso Final)
B, S.A.R.L. (Recurso Interlocutório e Recurso Final)
Recorridos: A
B, S.A.R.L.
C, S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
B, SARL,
e
C S.A.,
Pedindo a condenação destas a pagarem-lhe as quantias de MOP279.745,00 e MOP316.689,00, respectivamente, acrescidas dos juros legais até integral e efectivo pagamento.
Invocada a excepção da prescrição relativamente aos créditos vencidos antes de 29.04.2004, veio a mesma ser julgada improcedente no despacho saneador.
Proferida sentença, foi:
- A 1ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de MOP230.635,57, sendo MOP25,880.00, a título de subsídio de alimentação; MOP44,290.00, a título de subsídio de efectividade; MOP33,218.00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP82,988.57, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e dos dias de descanso compensatório; MOP11,073.00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho; MOP20,826.00, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; e MOP12,360.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento;
- A 2ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de MOP239.953,50 sendo MOP18,100.00, a título de subsídio de alimentação; MOP71,070.00, a título de subsídio de efectividade; MOP53,303.00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP14,308.00, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; MOP67,207.50, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo; e MOP15,965.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento; e
- Absolvendo as Rés do restante pedido.
Não se conformando com a decisão proferida no despacho saneador quanto à invocada excepção da prescrição, veio a Ré B, SARL interpor recurso do mesmo, apresentando as seguintes alegações:
I. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho proferido a fls. 108 a 113v dos autos.
II. A Ré B, ora Recorrente, não se conforma com o aludido Despacho, por entender que o mesmo incorre em erro na aplicação de Direito, pugnando pela revogação do mesmo por banda desse Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
III. O Autor intentou contra a B, aqui Recorrente e a C, a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré B no pagamento de uma indemnização global de MOP$279.745,00 e da 2ª Ré C no valor global de MOP$316.689,00, a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à 1ª Ré B entre 11 de Setembro de 1999 a 21 de Julho de 2003 e prestou serviço à 2ª Ré C desde 22 de Julho de 2003 até 31 de Julho de 2018.
IV. Em sede de contestação, as Rés aduziram uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré B, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
V. O Autor apresentou resposta, alegando, em suma, que os créditos reclamados pelo Autor não se encontram prescritos, tendo também respondido à matéria que as Rés em sede de contestação impugnaram por desconhecimento.
VI. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 108 a 113v dos autos, não admitiu a parte da resposta apresentada pelo Autor que versou sobre a matéria de impugnação por desconhecimento alegada pelas Rés, dando por não escrito. Tendo, no entanto, concordado com o teor dos artigos 1º a 7º da resposta do Autor e decidiu julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição.
VII. Verificou-se uma efectiva cessação - termo - do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e a Ré B, ora Recorrente, iniciou-se a 11 de Setembro de 1999 e terminou a 21 de Julho de 2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do CPT, e artigos 302.º, 311.º, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, todos do CC.
VIII. A B e a C, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrido.
IX. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
X. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
XI. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: “Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO X - S.T.D.M. para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços”.
XII. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré B, ora Recorrente, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré C, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo.
XIII. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré B.
XIV. A decisão constante do douto Despacho proferido a 108 a 113v dos autos, isto é, a decisão de julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição invocada pela ora Recorrente, deverá ser revoga da, por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do CC, declarando-se em conformidade prescritos os créditos vencidos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral com a Recorrente B até 29 de Abril de 2004, ou seja, até 15 anos antes, contados da data da notificação das Rés para a tentativa de conciliação.
Notificado do despacho de admissão do recurso o Autor silenciou.
Proferida sentença, na parte relativa à condenação da Rés no pagamento da compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, uma vez que a forma de cálculo usada se distancia da que tem vindo a ser usada por este Tribunal de Segunda Instância, vem o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação das Rés (B e C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar as Rés a pagarem ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação das Rés apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene as Rés em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, deve a Ré (B) ser condenada a pagar a quantia de MOP$82.989,70 - e não apenas MOP$41.494,85 e, deve a Ré (C) ser condenada a pagar ao Autor quantia de MOP$134.415,00 – e não apenas MOP$67.207,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Relativamente ao recurso interposto pelo Autor, pelas Rés foram apresentadas contra-alegações de onde constam as seguintes conclusões:
I. Veio o Recorrente no recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente a quantia reclamada pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, de 3 de Abril.
II. A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no sobredito artigo 17º do Decreto-lei nº 24/89/M, de 3 de Abril.
III. Estando em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
IV. A tese defendida pelo Recorrente subverte por completo a letra da Lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da Lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nº 40/2009, nº 58/2007 e nº 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo nº 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
VI. Diga-se aliás que, em face da redacção conferida pela Lei nº 7/2008 ao artigo 43º, nº 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
VII. Se o trabalhador já recebeu a remuneração, só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
VIII. O Recorrente não tem razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Ainda da sentença foi também interposto recurso pela 1ª Ré apresentando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, a ora Recorrente recorreu do despacho saneador de fls. 108-113v, por não se conformar com a decisão ali proferida de julgar improcedente a alegada excepção de prescrição dos créditos laborais contra si reclamados pelo Autor, ora Recorrente, por entender que a relação laboral entre a Recorrente e o Autor cessou há mais de 15 anos, na verdade, o Autor, ora Recorrido, esteve ao serviço da B (1ª Ré / ora Recorrente) entre 11/09/1999 a 21/07/2003, sendo que só em 01/04/2019 veio o Autor reclamar os seus créditos, portanto há mais de 15 anos, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que todos os créditos em que foi condenada a pagar ao Autor/Recorrido encontram-se prescritos.
2. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1ª Ré B, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global MOP$230,635.57, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença.
3. A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto à matéria fáctica vertida no ponto F) da Matéria Assente e bem assim quanto à matéria inserta na base instrutória, nomeadamente referente aos artigos 3º e 4º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os quesitos levados à base instrutória ter sido provados, salvo devido respeito por opinião contrária, incorrectamente julgada pelo douto Tribunal a quo.
4. Também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento.
5. Entendeu o Digno Tribunal a quo manter nos Factos Assentes as alíneas F), nunca tal facto poderia ter sido dado como assente, nem os quesitos 3º e 4º da base instrutória poderia ter sido dados como provados, porquanto dos autos não resultam prova de tais factos.
6. A Recorrente alegou desconhecer a sobredita factualidade mas acrescentou que tal resultava da falta de documentos que não possuía por não estar obrigada a conservar documentos respeitantes ao Autor e à vida da Sociedade pela facto da sua relação laboral ter terminado há mais de 16 anos (21/07/2003), não estando a Recorrente, legalmente obrigada a conservar os documentos referentes ao Autor, não se vislumbra norma substantiva ou adjectiva que obrigasse a considerar assente a sobredita matéria vertida na alínea F) com as demais consequências legais.
7. Entende a Recorrente que também a matéria vertida no questionário foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo, pois da prova produzida em sede de julgamento, a resposta aos quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento, da prova produzida em sede de julgamento, a resposta aos quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
8. A verdade é que é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
9. Nos presentes autos foi ouvida apenas uma única testemunha, a qual depôs sobre os factos em discussão não apenas nos presentes autos mas também nos demais processos que foram julgados no mesmo dia, sendo esse depoimento feito sempre no plural, sem concretizar a situação do ora Recorrido, ou seja, foi um depoimento genérico sem ter conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma, pois tal depoimento mais parecia um depoimento de parte, não podendo deixar de se estranhar que a testemunha consiga com certeza dizer as datas de início e termo e os locais de trabalho, salários, horários, turnos, dos Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 16 de Março de 2020, além desta mesma testemunha ser a mesma para diversos outros julgamentos.
10. Para a prova da factualidade alegada pelo Autor deu o douto Tribunal a quo ainda relevância aos documentos juntos aos autos, dos quais nada resulta quanto aos turnos, às presenças e ausências do Recorrido, e às compensações que alegadamente não recebeu, tendo por base unicamente no depoimento da testemunha nunca poderia o Tribunal a quo ter dado por provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24, isto quanto passaram já mais de 16 anos sobre o termo da relação laboral, tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso ora afirma que gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados (cfr. artigo 8.º da petição inicial) reconhecendo que faltou ainda que justificadamente e que teve dispensas ao serviço, pois no seu articulado o autor afirma que gozou de períodos de ausência ao trabalho, vindo agora a testemunha dizer que o mesmo trabalhou continuamente.
11. Não se pode aceitar o alegado pelo Autor relativamente às ausências e trabalho efectivo para a lª Ré (B) referente aos artigos 8º a 10º da petição inicial, porquanto da listagem de movimentos de entradas e saídas dos Postos Fronteiriços anexa como documento 5 (fls. 36 a 41 dos autos) junto ao petitório resulta que as informações fornecidas foram baseadas nos Passaportes do Nepal números …, …, … e …, informação que foi fornecida pelo Autor aos Serviços de Migração, mas não poderá comprovar que o mesmo não se tivesse ausentado da RAEM com base em qualquer outro documento, mas ainda que se entenda que o Autor apenas se ausentou da RAEM nos períodos descritos no documento 5 (fls. 36 a 41 dos autos) supra referido, não significa que os restantes dias tenham sido de trabalho efectivo.
12. Se o Autor alega ter faltado ao serviço por gozo de férias anuais e por dispensas de trabalho não remuneradas, pergunta-se então quantos foram esses dias de faltas e quando ocorreram essas faltas? Não se sabe se durante o tempo que prestou trabalho para a Ré o Autor deu, ou não deu, qualquer falta ao serviço.
13. Entende a Recorrente com todo o respeito devido, que é necessário apurar os dias concretos de trabalho e os dias de ausência ao trabalho do Autor para se poder determinar as diferentes compensações, pois do registo de entradas e saídas do Autor da RAEM não resulta que o mesmo tenha trabalhado efectivamente 1294 dias para a Ré, complementando somente pelo depoimento da única testemunha ouvida em julgamento, pois tal depoimento é genérico, sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma.
14. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados, relativamente à ora Recorrente e consequentemente ser a Recorrente absolvida dos pedidos por total ausência de prova.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a B, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, aprovado pelo Despacho n.º 01621/IMO/SACE/99 (Cfr. fls.24 a 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
Entre 11/09/1999 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da B, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da B para a Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003. (Cfr. fls.32 a 34, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
Entre 22/07/2003 até 31/07/2018, o Autor exerceu as suas funções para a 2.ª Ré (C), enquanto trabalhador não residente. (Cfr. fls. 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (D)
Mantendo na 2.ª Ré (C) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (B). (E)
Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, entre: (F, 3º e 5º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
11/21/2000
12/14/2000
23
11/6/2001
11/29/2001
23
12/4/2003
12/31/2003
27
11/4/2004
11/27/2004
23
10/6/2005
11/5/2005
30
10/17/2006
11/9/2006
23
10/6/2007
10/27/2007
21
11/4/2008
12/4/2008
30
Até Julho de 2010, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (G)
Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor exerceu a sua prestação de trabalho, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (H)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (I)
Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (J)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pelas Rés. (2º)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sem prejuízo das férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas constantes da al. F) dos Factos Assentes, bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da 2ª Ré. (4º, 7º, e 10º)
Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (6º, 34º e 35º)
Entre 01/09/1999 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (8º)
Entre 22/07/2003 a 31/12/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (9º)
Entre 01/09/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (11º)
Entre 22/07/2003 a 31/07/2010, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (12º)
Entre 01/09/1999 a 31/12/2002, a 1.º Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (13º)
Entre 01/09/1999 a 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório, em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (14º)
Entre 01/09/1999 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pelas Rés (C), sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (15º e 17º)
Entre 01/09/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (16º)
Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (18º)
Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Julho de 2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (19º)
A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (20º)
Durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré (B), o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h). (21º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (22º)
Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (23º)
Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas. (24º)
A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo referido trabalho prestado. (25º)
Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (26º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (27º)
Entre 01/09/1999 e 31/12/2008, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (28º e 29º)
As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (30º)
Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (31º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (32º)
Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a 2.ª Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (33º)
A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (36º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (37º)
2. DO DIREITO
São vários os recursos interpostos nestes autos, a saber:
- Do despacho saneador quanto à excepção da prescrição;
- Da matéria dada por assente na alínea F) dos factos assentes e quesitos 3º e 4º da Base instrutória;
- Do cálculo da indemnização devida pelos dias de descanso semanal não gozados.
Vejamos então.
- Do recurso do despacho saneador quanto à excepção da prescrição.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
Excepção por prescrição
Na contestação, vieram as Rés invocar a excepção por prescrição relativamente a todos os créditos vencidos até 29/04/2004.
O Autor negou a sua procedência.
Cumpre decidir.
Na petição inicial, o Autor alegou, entre outros, que ele prestou trabalho para a 1ª Ré entre 11/09/1999 e 21/07/2003 e para a 2ª Ré entre 22/07/2003 e 31/07/2018, e pediu ele a condenação da 1ª Ré para o pagamento do subsídio de alimentação, do subsídio de efectividade, das compensações pelo trabalho em dia de descanso semanal, do descanso compensatório e do feriado obrigatório remunerado, da comparticipação no alojamento descontadas, compensações pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo e os juros de mora. Pediu-se ainda a condenação da 2ª Ré para o pagamento do subsídio de alimentação, do subsídio de efectividade, das compensações pelo trabalho em dia do feriado obrigatório remunerado, da comparticipação no alojamento descontadas, compensações pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, compensações pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e os juros de mora.
Face aos referidos créditos, tendo em conta a inexistência das regras próprias nas leis laborais referentes à prescrição, deve aplicar-lhes a regra geral prevista no Código Civil.
Sendo que os factos que causariam o pedido em causa ocorreram antes da entrada em vigor do actual Código Civil, mas que só se propôs a presente acção durante a sua vigência, está por resolver a questão de aplicação da lei no tempo.
Quanto a isso, prevê-se no art. 290º, n. 1º que, “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.”
Nos termos do art. 309º do antigo Código Civil, o prazo ordinário da prescrição era de 20 anos, enquanto ele é de 15 anos nos termos do art. 302º do vigente Código Civil.
Assim, aos créditos vencidos durante 01 de Novembro de 1994 e 01 de Novembro de 1999 deve aplicar-se o prazo de 15 anos previsto no vigente Código, prescrevendo em 01 de Novembro de 2014, enquanto para os créditos vencidos antes mantém-se o prazo antigo de 20 anos pela razão de que falta menos tempo que o prazo novo. E quanto à última hipótese, a maioria da jurisprudência entende a não aplicação do art. 318º, al. e) do antigo Código à relação de trabalho não doméstico tal qual o presente caso.
E quanto aos créditos vencidos após a entrada em vigor do Código Civil vigente, corre sem dúvida o prazo de 15 anos.
Todavia, nos termos do art. 27º, n. 3º do CPT, a prescrição interrompe-se pela notificação das Rés para a tentativa de conciliação. Por outro lado, o art. 311º, n. 1º, al. c) do Código Civil vigente dispõe na sua versão chinesa que “一、在下列期間,時效不完成:…c) 就擔任家務工作之人與其僱主間所存在之一切債權,在此種工作關係存續期間直至關係終止後兩年;對於其他工作關係之當事人之間就該工作關係而產生之債權,在工作關係存續期間直至關係終止後一年;…1”(sublinhado nosso). Sendo a relação de trabalho em causa não doméstico, a prescrição só não se completaria se o trabalhador exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da mesma relação.
No caso subjudice, dado que o Autor mantém a relação de trabalho com a 2ª Ré até 31/07/2018 e as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, dúvida não resta que ainda não opera a prescrição porque ela não completa por suspensão e interrompe posteriormente nos termos dos art. 311º, n. 1º, al. c) do Código Civil vigente e art. 27º, n. 3º do CPT.
Nestes termos, julga-se totalmente improcedente a excepção por prescrição invocada pelas Rés.
Custas pelas Rés.
Notifique.
Resulta do despacho recorrido que se considerou como uma única relação laboral o contrato celebrado entre o Autor e a 1ª Ré e o contrato celebrado entre aquele e a 2ª Ré.
A questão suscitada não é nova, tendo sido levantada há vários anos nos tribunais, também relativamente a estas empresas e aos trabalhadores que transitaram de uma para a outra, porém, ao tempo, invocavam-se factos que a provarem-se permitiriam concluir que a relação de dependência/subserviência entre trabalhador-empresa se mantinha igual apesar da mudança de uma empresa para a outra, justificando que, ainda relativamente à B, os efeitos da al. c) do nº 1 do artº 311º do C.Civ. se aplicassem apenas quando a relação laboral com a C terminasse.
No entanto, no caso em apreço nada se invoca que nos permita concluir que os contratos de trabalho celebrados com a B e a C não sejam dois contratos de trabalho distintos entre si.
Nem do despacho sob recurso consta facto algum que permita concluir em sentido diverso.
No caso em apreço o que ocorre é uma coligação de Réus nos termos do artº 64º do CPC.
Destarte, no que concerne à B o impedimento de que a prescrição se completasse (caso se tivesse completado), resultante da al. c) do nº 1 do artº 311º do C.Civ. (versão Portuguesa) terminou decorridos que foram 2 anos a contar da cessação do contrato, pelo que, no caso em apreço, quanto à B o prazo de prescrição deve ser contado nos termos das normas aplicáveis, sem que exista qualquer circunstância suspensiva do mesmo.
Às prestações exigidas nestes autos será de aplicar o prazo ordinário de prescrição.
No caso dos autos, segundo a A. alega os factos ocorreram entre Setembro de 1999 e Julho de 2003.
Logo, impõe-se determinar qual o prazo ordinário aplicável ao caso, a saber, o do actual Código Civil de Macau – cf. artº 302º, 15 anos – entrado em vigor em 01.11.1999 – artº 1º do DL 48/99/M de 27.09 - ou o do Código Civil Português, vigente até àquela data neste território, o qual era ao tempo (e ainda é para Portugal) de 20 anos – cf. artº 309º do C.Civ. Português -.
A questão coloca-se face ao disposto no artº 297º do C.Civ. Português e artº 290º do C.Civ. Macau.
Em ambas as disposições se estabelece que a lei que, «para qualquer efeito, (fixar) um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
Ora, no caso em apreço se tivermos como referência que os créditos reclamados eram de Setembro de 1999, isto é, apenas 2 meses antes da entrada em vigor da lei nova que fixa prazo mais curto em cinco anos, fácil é de concluir que o prazo novo ainda que a contar da entrada em vigor da lei nova (1.11.1999) se completará, sempre, primeiro.
Assim, de acordo com o C.Civ. Macau o prazo relativo ao último crédito reclamado completar-se-ia em 21.07.2018.
Dado que a 1ª Ré foi citada para a acção em 29.04.2019, nessa data, quanto à B aqui 1ª Ré já se havia completado o prazo de prescrição.
Destarte, estando prescritos os créditos reclamados contra a 1ª Ré improcede nessa parte a acção, devendo esta ser absolvida dos pedidos contra si formulados.
- Do Recurso da matéria dada por assente na alínea F) dos factos assentes e quesitos 3º e 4º da Base instrutória, interposto pela 1ª Ré.
Improcedendo a acção contra a 1ª Ré e sendo esta absolvida dos pedidos por força da procedência da excepção peremptória da prescrição, fica prejudicada a apreciação do recurso interposto pela 1ª Ré da decisão final.
- Do Recurso quanto ao cálculo da indemnização devida pelos dias de descanso semanal não gozados, interposto pelo Autor.
Sendo o objecto do recurso apenas a parte da decisão relativa ao cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mostra-se oportuno reproduzir aqui o que naquela a respeito se referiu.
«Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal e pelos dias de descanso compensatório não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
(…)
Quanto às compensações pelo trabalho prestado pelo Autor em cada período de 7 dias para a 2ª Ré, alegou que a 2ª Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Por sua vez, entendem as Rés que a 2ª Ré já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, já se pronunciou a nossa posição supra referida.
No caso vertente, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório até 31/12/2008, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de despesas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, a saber:
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$67,207.50 [HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (1831 dias / 7)], a título de compensação de descanso semanal.».
*
Na parte sob recurso a sentença recorrida seguiu o entendimento de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal era remunerado pelo dobro, considerando que a aplicação do factor de multiplicação 2 inclui a remuneração normal devida por esse dia, pelo que, tendo o Autor/Recorrente sido pago por esse dia e tendo trabalhado em descanso semanal, havia apenas que receber mais o valor correspondente a um dia de trabalho.
Contudo, não tem sido esse o entendimento sufragado por este Tribunal de Segunda Instância.
Consagra o artº 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, na redacção introduzida pelo nº 32/90/M o seguinte:
Artigo 17º
(Descanso semanal)
1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.
A questão que se coloca consiste em saber se quando a lei fala em “dobro da retribuição normal” está a pensar apenas em o trabalho ser pago pela retribuição normal que seria devida pelo dia de descanso acrescida do equivalente à remuneração devida por mais um dia, ou se se pretende dizer que o “trabalho” prestado em dia de descanso semanal é pago com a retribuição equivalente ao dobro do que aquilo que seria devido por um dia de trabalho normal, sem prejuízo do trabalhador continuar a ter direito a receber o valor que já era devido por esse dia em que devia ter descansado.
Tem vindo a ser entendimento deste tribunal que a remuneração devida é igual ao dobro da remuneração normal, sem descontar o valor que é pago ao trabalhador por esse dia ainda que não trabalhasse.
A respeito de descanso semanal referem José Bento da Silva e Miguel Quental, em Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, 2006, que: «As razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).
A fixação do período de descanso semanal, nos termos do nº 2 do art. 17º, cabe ao empregador, e deve ser realizado (fixado) “com devida antecedência de acordo com as exigências de funcionamento da empresa”. Assim, e embora seja a entidade patronal quem tem o poder para determinar o dia de descanso semanal dos seus trabalhadores, tal fixação está, no entanto, subordinada às exigências de funcionamento da empresa, O que se compreende, atendendo a que no Território o normal é as empresas funcionarem todos os dias, inexistindo um dia de paralisação da actividade, logo torna-se necessário escalonar os dias de descanso semanal dos trabalhadores por forma a que a empresa se possa manter em funcionamento todos os dias da semana.
Como se referiu, a lei determina que o descanso semanal deve ser fixado com a “devida antecedência”: quer isto dizer que a entidade patronal deve avisar o trabalhador do seu dia de descanso com a antecedência suficiente, para que este possa organizar a sua vida de modo a poder usufruir efectivamente de todos os benefícios relacionados com o dia de descanso.».
O trabalho prestado em dia de descanso semanal reveste carácter excepcional, ainda que seja voluntariamente prestado, sendo as normas respectivas de carácter imperativo.
O trabalhador tem sempre o direito a receber a remuneração correspondente ao dia de descanso nos termos do artº 26º nº 1 do Decreto-Lei 24/89/M.
Destarte, tem este tribunal vindo a entender que quando na al. a) do nº 6 do artº 17º do indicado diploma legal se diz que “o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago (…) pelo dobro” se está a consagrar o valor remuneratório do trabalho efectivamente prestado e indisponibilidade de gozar o dia de descanso semanal, independentemente e para além da remuneração desse dia à qual o trabalhador, como já se referiu, sempre teria direito.
Em igual sentido se disse no Acórdão deste tribunal de 27.02.2020 proferido no processo 1247/2019: «Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de um dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X nº de dias devidos e não gozados X 2.».
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações e sendo esta a Jurisprudência consagrada de forma unânime nos Acórdãos proferidos por este tribunal, impõe-se decidir em conformidade, revogando a decisão recorrida nesta parte e substituindo-a por outra que respeite a indicada forma de cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Da factualidade apurada resulta que o salário mensal do Autor era de HKD7.500,00 e este prestou trabalho em 261 (1831/7) dias de descanso semanal, pelo que, lhe é devida a remuneração igual a HKD130.500,00 (HKD7.500,00:30x2x261), equivalente a MOP134.415,002.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Concede-se provimento ao Recurso interposto pela 1ª Ré do despacho saneador, julgando-se procedente a excepção da prescrição por si invocada e em consequência absolve-se a 1ª Ré de todos os pedidos, revogando a sentença recorrida na parte relativa à condenação desta (a 1ª Ré), ficando prejudicada a apreciação do recurso interposto pela 1ª Ré da decisão final;
- Concede-se provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença recorrida na parte respeitante à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, condenando a 2ª Ré por essa razão a pagar ao Autor o montante de MOP134.415,00 acrescida dos juros moratórios fixados nos termos daquela decisão a qual em tudo o mais no que concerne à condenação da 2ª Ré se mantém.
Custas pelo Autor quanto aos pedidos formulados contra a 1ª Ré e a cargo da 2ª Ré/Recorrida na parte em que decaiu.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Dezembro de 2020
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Mesmo que haja discrepância entre a versão chinesa e a portuguesa do texto legal, entende o Tribunal que, salvo o melhor entendimento, a primeira reflecte mais correctamente o pensamento legislativo e que deve ter a prevalência relativamente à segunda.
2 Pela aplicação do factor 1,03.
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671/2020 CÍVEL 2