Reclamação nº 10/2020/R
A Limitada, Ré nos autos da acção ordinária de reivindicação nº CV2-18-0037-CAO, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que lhe indeferiu o pedido de declaração da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
“A LIMITADA”, Ré nos autos à margem referenciados, notificada do despacho de admissão de fls. 359 e 359v que reteve o recurso interposto do despacho de fls. 340 a 341v, dele vem reclamar para o Presidente do Tribunal de Segunda Instância, ao abrigo do disposto no artigo 595/1 do Código de Processo Civil (CPC), o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
Em 17/06/2020, a Ré deduziu um pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (fls. 317 a 318v).
Sobre este pedido recaiu o despacho de fls. 340 a 341v que o julgou improcedente.
Em 27/07/2020, a ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância do despacho de fls. 340 a 341v - com subida imediata (art.º 601.º,n.º 2), em separado (art.ºs 603.º, a contrario, e 604.º, n.º 1, do CPC) e efeito suspensivo (art.º 607.º, n.º 2, alínea a), do CPC (fls. 358).
Sobre este requerimento de interposição de recurso recaiu o despacho de admissão de fls. 359 e 359v que o reteve nos seguintes termos: «por legal e tempestivamente interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso, que é de ordinário e sobe com o primeiro recurso que tenha de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo, nos termos do art. 581º, art. 583º, 585º, n.º 1, 591º, 594º, n.º 4, 602º, 607º (a contrario), todos do CPCM.»
Mas, salvo o devido respeito, devia o recurso ter sido admitido tal como peticionado a fls. fls. 358.
Primeiro, porque o recurso interposto não tem por objecto a discussão de qualquer excepção dilatória, mas a decisão que julgou julgou improcedente o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Logo, se o presente recurso subir diferidamente com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente, tal tornará o recurso ora em causa absolutamente inútil, dado que o primeiro recurso que irá subir imediatamente é o próprio recurso da sentença final!
Desta sorte, a eventual procedência do presente recurso será inútil, porque já não terá o mérito de extinguira instância antes do julgamento e da prolação da sentença em 1.ª instância.
Isto porque o que se pretende com o presente recurso, não é simplesmente fazer extinguir a instância, mas fazer que isso aconteça agora, ou seja, antes de realizado o julgamento e e proferida a sentença.
Segundo, porque a subida diferida do presente recurso viola os princípios fundamentais da economia e celeridade processuais.
Os princípios supra referidos determinam a prática dos actos processuais estritamente necessários, com a finalidade de poupança de meios e tempo em cada processo que se hão de repercutir em ganhos de maior escala quando considerados todos os processos),[1] segundo os quais é proibida a prática de actos desnecessários e inúteis ( art.º 87.º, do CPC). [2]
Isto significa que, se se considerar verificada, nesta fase, a impossibilidade superveniente da lide que é uma das causas de extinção da instância, não será necessário continuar o processo, poupando-se tanto tempo como recursos, quer humanos, quer materiais.
Terceiro, porque mesmo que venha a proceder o presente recurso (entretanto retido), na prática o Recorrente, ora reclamante apenas poderá obter a revogação do despacho de indeferimento do pedido de extinção da instância, e já não a verdadeira extinção da instância antes do julgamento pretendida pela ora reclamante.
Isto porque o que se pretende é extinguir-se a instância, agora, por impossibilidade superveniente da lide, e não aquando da prolação da sentença que conhecer do mérito da causa após conclusão do julgamento em 1.ª instância.
Logo, a proceder o recurso ora retido, tal procedência não terá o condão de fazer retroceder a marcha processual ao momento em que a instância deveria ter sido extinta.
Isto porque tal implicaria que todos os actos praticados desde esse momento em diante fossem necessariamente inválidos (e não são necessariamente).
Por outras palavras, a retenção do presente recurso torná-lo-á absolutamente inútil, ainda que o mesmo venha a ser julgado procedente, se o mesmo só for conhecido juntamente com o recurso que haja de ser interposto da decisão final, pelo facto de não ser possível fazer “recuar” a marcha processual de uma acção que já tenha terminado em primeira instância (com a prolação da sentença final) para o momento em que foi proferido o despacho objecto do recurso, mesmo na hipótese de o recurso dele interposto vir a ser julgado procedente, a final.
Daí, a retenção do presente recurso conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, dado que se o mesmo for procedente já não terá qualquer reflexo sobre a marcha do processo.
Neste sentido, veja-se a lógica (crê-se que inatacável) da ratio decidendi do decidido na Reclamação n.º 5/2017/R, de 12/09/2017, in www.court.gov.mo:
Todavia, a validade desses actos não depende da bondade do despacho recorrido que indeferiu a requerida suspensão da instância, por serem autónomos em relação a este despacho.
E só podem ser eliminados se forem em si injustos, errados ou violadores das normas processuais que protegem a justiça processual.
Todavia, a não suspensão de uma instância, mesmo errada, não ofende a justiça processual dentro de um determinado processo.
Pois tal como vimos supra ao citar a afirmação doutrinária do Alberto dos Reis, as normas que permitem a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial visam tutelar os bens jurídicos da economia processual e da coerência dos julgados, portanto nada têm a ver com a justiça processual de uma determinada acção.
Assim sendo, dada a impossibilidade prática e jurídica, mesmo na hipótese de vir a ser julgado procedente o recurso ora retido, da anulação de todo o processado após a prolação do despacho que indeferiu a suspensão, a retenção do recurso não pode deixar de conduzir à inutilidade absoluta do mesmo.
(...)
Por tudo quanto exposto supra, podemos concluir que, in casu, a melhor forma, para salvaguardar os bens jurídicos da economia e coerência dos julgamentos, que o artº 223°/1 do CPC visa tutelar, será obviamente a de para fazer subir imediatamente o recurso que tem por objecto o despacho que não determinou a suspensão da instância com fundamento na pendência da causa prejudicial.3
No mesmo sentido, também, entre outros, o Ac. TSI, de 7/01/2010, Processo nº 575/2009 e o entendimento sobre esta matéria fixado nas decisões das Reclamações n.º 4/2011/R, de 02/06/2011 e n.º 3/2017/R, de 12/09/2017, in www.court.gov.mo.
Mutatis mutandis, a mesma ratio decidendi se aplica na situação ora em apreço. O recurso interposto do despacho de fls. 340 a 341v deveria por isso ter sido admitido com subida imediata - art.º 601.º, n.º 2, do CPC, por a sua retenção o tornar absolutamente inútil.
Termos em que, deverá ser fixado o regime de subida imediata ao presente recurso - art.° 601.º, n.º 2, do CPC.
Porque o recurso há-de subir em separado - art.º 604.º, n.º 1, do CPC - deverá o mesmo ser instruído com certidão das seguintes peças processuais: i) requerimento de extinção da instância de fls. 317 a 318v; ii) despacho de fls. 340 a 341v, iii) requerimento de interposição de recurso de fls. 358 e iv) despacho de admissão do recurso de fls. 359 a 359v.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exa., muito doutamente, não deixará de suprir, deve o recurso interposto do despacho de fls. 359 a 359v ser mandado subir imediatamente, com as legais consequências.
Passemos pois a apreciar a reclamação.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.
Ou seja, a inutilidade absoluta do recurso só se verifica, quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
In casu, o objecto do recurso retido é um despacho do Tribunal a quo que indeferiu o pedido de declaração da extinção da instância.
Dessa decisão interpôs recurso pedindo ao Tribunal de recurso que revogasse a decisão recorrida, e em consequência disso declarasse a extinção da instância.
Assim, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, será determinada a revogação do despacho recorrido e em substituição declarada a extinção da instância.
Eis a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso.
Ex abundantia, cabe notar que a citação da nossa decisão ditada na reclamação nº 5/2017R não é pertinente, a situação ali tratada não é bem paralela à situação sub judice.
Pois ali o recurso retido tem por objecto um despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância com fundamento na pendência da causa prejudicial, a utilidade de recurso é justamente a lograr a suspensão imediata ou mais cedo possível da instância.
Ao passo que aqui a utilidade do recurso é lograr a extinção da instância, que é justamente o efeito prático ou o reflexo visado pelo recurso sobre processo, desde que se encontra ainda pendente a instância.
Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
Fixo a taxa de justiça em 1/8.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.
R.A.E.M., 16DEZ2020
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
1 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/09/2018 (Processo n.º 1809/17.1T8ACB.C1), in http://www.dgsi.pt/.
2 Artigo 87.º do CPC (Princípio da limitação dos actos) Não é lícito realizar no processo actos inúteis.
3 Decisão do Presidente do TSI, Processo n.º 5/2017/R, de 12/09/2017, disponível na Página dos Tribunais da RAEM.
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Recl.10/2020-1