Processo nº 176/2020 Data: 18.12.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Concessão por arredamento de terreno.
Caducidade.
Culpa da concessionária no não aproveitamento.
Princípios de Direito Administrativo.
Acto vinculado.
SUMÁRIO
1. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
2. No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade.
3. Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 176/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “GOOD HARVEST – COMÉRCIO E FOMENTO PREDIAL, LIMITADA”, sociedade com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 19.07.2019 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento de duas parcelas de terreno com a área total de 2.782 m², situado na península de Macau, na Avenida Dr. Rodrigo Rodrigues, designado por lote D1, (ZAPE), devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 40 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão de 04.06.2020, (Proc. n.° 971/2019), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 101 a 137).
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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para produzir as conclusões seguintes:
“1. A D.S.S.O.P.T. nunca proferiu qualquer resposta a tal proposta de alteração ao projecto de aproveitamento.
2. Na sequência do falecimento do Sr. A em 12 JUN 2004, os seus 5 herdeiros foram apenas notarialmente habilitados em 3 AGO 2005 sem que tenham procedido a qualquer partilha do acervo hereditário, tendo os mesmos promovido em 10 SET 2004 o registo comercial da transmissão a seu favor - mas, realce-se, sem determinação de parte ou direito - da quota antes pertencente ao Sr. A.
3. Por existirem controvérsias e incerteza quanto ao acervo de bens e, sobretudo, indefinição quanto à sua partilha entre os vários herdeiros, foi em 21 JUL 2005 intentado no Tribunal Judicial de Base o Inventário Facultativo n.° CV3-05-0056-CIV, que corre ainda presentemente os seus termos, aguardando decisão.
4. Na sequência de uma assembleia extraordinária a recorrente acordou os termos da resposta a remeter à D.S.S.O.P.T. bem como que iria pedir a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno concedido.
5. As circunstâncias e vicissitudes que estiveram na base da não solicitação atempada da prorrogação do prazo originário de aproveitamento radicaram numa situação imprevisível e indesejada - o rapto, a incapacitação e o posterior falecimento da pessoa em quem estava centralizada a preparação das obres bem como do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento.
6. Depois do rapto do Sr. A, a recorrente não podia requerer a renovação do prazo do aproveitamento porque a Família A tinha o processo do inventário CV3-05-0056-CIV a correr no Tribunal, o qual era complexo por desentendimentos entre os herdeiros, situação que impediu realmente e objectivamente o normal funcionamento da empresa, concretamente o seu processo deliberativo e de tomada de decisões.
7. Quanto à não solicitação atempada da renovação do prazo de aproveitamento do terreno em causa, como resulta de todo o acervo documental constante do processo administrativo instrutor, não houve por parte da recorrente qualquer comportamento, activo ou omissivo, merecedor de um juízo administrativo de censura ou de exigibilidade de conduta diversa face às circunstâncias concretas do caso.
8. A decisão adoptada pelo T.S.I., ora recorrida, não censurou, conforme deveria e se imporia, a errada interpretação e aplicação feitas pela Administração das alíneas 1) e 2) do n.° 1 do art. 166.° e do art. 167.°, ambos da Lei de Terras e, consequentemente, deve o acórdão do T.S.I. ser revogado e, ergo, ser determinada a anulação do acto administrativo impugnado pela recorrente.
9. A recorrente veio em 2018 comprometer-se em aceitar 2 modificações profundas ao plano de uso e finalidades por si inicialmente delineados para o prédio a construir: das fracções habitacionais, uma sua determinada percentagem - entre 10% a 20% - ficaria exclusivamente destinada à "classe-média" de Macau, para tanto aceitando a recorrente que a D.S.S.O.P.T. - ou, porventura, outro organismo público da R.A.E.M., nomeadamente o Instituto de Habitação - determinasse um preço máximo vinculativo para a compra de cada uma dessas fracções habitacionais que se propôs reafectar; das fracções comerciais, uma sua determinada percentagem - entre 20% a 30% - ficaria exclusivamente destinada a fins de relevante utilidade pública e social, como sejam creches, lares, instituições de acompanhamento de menores no período pós-escolar, ou outras finalidades de uso a indicar pela D.S.S.O.P.T. ou outro organismo público da R.A.E.M., como seja a D.S.E.J. ou o Instituto de Acção Social.
10. Para tanto, a recorrente pediu em 2018 a prorrogação do prazo de aproveitamento para a construção do prédio, permitindo-lhe assim concluir as obras já iniciadas e, do mesmo passo, reafectar as finalidades originárias do prédio à prossecução dos interesses da R.A.E.M. e da sua população em matéria social e habitacional, tendo tal proposta de modificação e concomitante pedido de prorrogação do prazo para aproveitamento sido recusada.
11. A decisão adoptada pelo T.S.I., ora recorrida, não censurou, conforme deveria e se imporia, a errada interpretação e aplicação feitas pela Administração do art. 139.°, n.° 2, al. 2), da Lei de Terras e, consequentemente, deve o acórdão do T.S.I. ser revogado e, ergo, ser determinada a anulação do acto administrativo impugnado pela recorrente.
12. No procedimento administrativo tramitado pela Administração esteve em causa uma injustificada diferença de tratamento entre duas situações.
13. Na sequência de despacho do Chefe do Executivo, foi exarado o subsequente despacho n.° 35/2017 de 1 JUN, por via do mesmo permitindo que a C beneficiasse de uma modificação dos termos de aproveitamento do terreno que lhe fora originalmente atribuído em 1994.
14. A injustiça e desse tratamento arbitrariamente desigual é patente em face desse outro terreno junto ao Lote 1D, o qual ficou 22 anos sem qualquer construção e abandonado e, que, como que por milagre, em 2017 a D.S.S.O.P.T. deu a respectiva autorização de construção.
15. Subjaz ao despacho n.° 35/2017 uma simples e mera anexação de 3 terrenos individualmente concedidos tendo em vista o seu mais eficiente aproveitamento conjunto na óptica dos interesses privados prosseguidos pela concessionária C, tendo tais terrenos por destinação habitação, comércio e estacionamentos.
16. Já, diferentemente, no caso respeitante à recorrente, o que esta propôs foi que i) quanto às fracções habitacionais, entre 10% a 20% das mesmas ficasse exclusivamente para a "classe-média", cabendo às entidades públicas da R.A.E.M. indicar um preço máximo vinculativo por fracção; e ii) quanto às fracções comerciais, entre 20% a 30% das mesmas ficasse destinada a fins de relevante utilidade pública e social, como creches, lares ou instituições de acompanhamento de menores no período pós-escolar, ou outros fins a indicar entidades públicas da R.A.E.M.
17. Em sede de despacho n.° 35/2017 atendeu-se notoriamente apenas a uma perspectiva de maior rentabilidade e sinergia prosseguidas pela C - legitimamente, saliente-se -, sendo que tal despacho n.° 35/2017 foi assim ao encontro do que seriam tão-somente os interesses privatísticos e empresariais da C, de modo que apenas reverteram para o domínio público - como nunca poderia, aliás, deixar de ser - determinadas parcelas a fim de servirem de "via pública", nenhuma outra "contrapartida de interesse público" existindo senão esta última - cfr, cláusula 6.8 do contrato publicado em anexo ao despacho n.° 35/2017.
18. Todavia, o que a recorrente aceitou e sugeriu no seu "pedido de modificação aos termos de aproveitamento do terreno concedido" foram verdadeiras, efectivas e imediatas contrapartidas de interesse público, como sejam o controlo de preços máximos de uma determinada percentagem das fracções habitacionais a edificar e a reafectação de uma certa percentagem das futuras fracções comerciais a fins de relevantíssimo interesse social.
19. A não aceitação do pedido de modificação, lado a lado com o simétrico deferimento conferido à C, implicou a violação do princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de discriminação ou tratamento desigual - cfr. art. 25.° da Lei Básica e art. 5.° do C.P.A. -, não se vislumbrando qual o substrato de racionalidade que justifique a diferença de tratamento em que foi autorizada uma situação menos justificativa (e menos "amiga" do interesse público) que a da recorrente sendo que, quanto à recorrente, durante anos a D.S.S.O.P.T. não deu a autorização devida que lhe teria permitido ter terminado a obra vários anos antes.
20. Pese embora tudo o que foi já edificado pela recorrente, por vários anos a D.S.S.O.P.T. negou-se a responder aos sucessivos pedidos de licença para o reinício imediato das obras e trabalhos pela recorrente e tal situação consistiu num injusto e ilegal impedimento ou obstrução a que a recorrente edificasse o seu prédio, quando tal era ainda perfeita e atempadamente viável, tudo isso em flagrante assimetria de tratamento face à C
21. A decisão adoptada pelo T.S.I., ora recorrida, não censurou, conforme deveria e se imporia, a errada interpretação e aplicação feitas pela Administração do art. 25.° da Lei Básica, do art. 5.° do C.P.A. e da al. 5) do art.° 2.° da Lei de Terras e, consequentemente, deve o acórdão do T.S.I. ser revogado e, ergo, ser determinada a anulação do acto administrativo impugnado pela recorrente.
22. Existiu também um quadro de ostensivo desrespeito ao princípio da boa-fé e do conexo dever de cooperação leal entre a Administração e os particulares pois a recorrente estava em condições de prosseguir de imediato os trabalhos para aproveitamento do terreno, ainda dentro do prazo de arrendamento, que se estenderia até 2022.
23. As vicissitudes que estiveram na base da não solicitação atempada da prorrogação do prazo originário de aproveitamento por parte da recorrente radicaram numa situação imprevisível e indesejada respeitante a um dos seus sócios, o que não deveria responsabilizar ou ser imputado a título de um juízo de censura ou exigibilidade à recorrente enquanto entidade jurídica/pessoa colectiva no que respeita à não renovação do prazo de aproveitamento do terreno em causa.
24. Em termos de cumprimento de um contrato segundo os ditames do princípio da boa-fé e em observância do dever de cooperação leal dele decorrente, uma situação de força maior respeitante a um sócio não deveria ter sido de molde a vedar à recorrente, enquanto instituição ou entidade jurídica/pessoa colectiva, que tivesse podido prosseguir os trabalhos.
25. Sobretudo quando - conforme in casu! - tal reinício seria exequível de imediato e' seria passível de conclusão atempada, isto é, ainda dentro do prazo de arrendamento, que se estenderia até 2022.
26. A pertinência do acatamento pela Administração dos princípios que devem reger toda a actuação administrativa - concretamente, em sede de concessão de terrenos ao abrigo da Lei de Terras - foi salientada numa declaração de voto do Exm.° Juiz do Tribunal de Segunda Instância, Dr. Vasco Fong, cabendo salientar que o efeito persuasório de tal acto, ou a especial autoritas do respectivo autor, não podem ou devem ser simplesmente descartados ou relativizados pela Administração.
27. A circunstância de a recorrente estar de imediato apta a retomar as obras - mesmo face à proposta de modificação que apresentou à Administração -, de conseguir terminá-las antes do prazo final da concessão, em 2022, e, bem assim, a faculdade (ou poder-dever) de a Administração sancionar a recorrente mediante a aplicação de multas, tudo isso milita no sentido de concluir que a solução adoptada - declaração de caducidade da concessão - foi radical, excessiva, desproporcional e não atendeu a todas as circunstâncias e vicissitudes do caso vertente.
28. A vedação do excesso e a recondução à justa medida encontrar-se-ia, em linha com aquele princípio da proporcionalidade, na consideração de que o prédio (com ou sem as modificações propostas) poderia e seria edificado ainda antes do prazo final de concessão.
29. Para a Administração não seria uma dilemática questão de "tudo ou nada" pois que, autorizando a prorrogação do prazo de aproveitamento, sempre a Administração, se, esgotado esse prazo e atingido o término do prazo de concessão - e gorada pela recorrente a oportunidade para finalizar a edificação no terreno -, decidisse então não converter a concessão provisória em concessão definitiva.
30. Segundo o princípio da imparcialidade, na sua dimensão positiva, a Administração deve atender, considerar e carrear para o procedimento a globalidade do material fáctico relevante, a fim de aquando da tornada de decisão estejam reflectidos e representados todos os interesses e contra-interesses, públicos ou particulares, harmonizados ou conflituantes, que contextualizem o caso.
31. As circunstâncias económicas, sociais expostas e levadas ao processo instrutor e as vicissitudes de força maior igualmente levadas aos autos administrativos - todas acima explanadas _ não foram integradas no procedimento em termos de serem sopesadas no quadro da consideração holística de interesses que a situação concreta teria exigido.
32. Em face do que antecede, a decisão adoptada pelo T.S.I., ora recorrida, não censurou, conforme deveria e se imporia, a errada interpretação e aplicação feitas pela Administração que violou de forma flagrante e intensa, além do princípio da boa fé, também os princípios da proporcionalidade e da imparcialidade (na sua vertente positiva), acolhidos nos artigos 8.°, 5.°, n.° 2, e 7.°, todos do C.P.A. e, consequentemente, deve o acórdão do T.S.I. ser revogado e, ergo, ser determinada a anulação do acto administrativo impugnado pela recorrente.
33. Conforme resulta dos argumentos, considerações e fundamentos de facto e de direito expostos pelo digníssimo juiz dr. Vasco Fong na sua declaração de voto vencido de 4 JUN 2020, que a recorrente faz inteiramente seus, "Como pedir à concessionária para desenvolver a terra se não existem condições objectivas para desenvolver a terra (por exemplo, caso de herança não resolvido)? Além disso, nos termos do artigo 323° do «Código Civil», o reconhecimento do direito de uma parte pela outra parte também impede a declaração de caducidade; Dos factos nos pontos 24° e 25° acima, podemos ver que a administração pública não deu seguimento ao pedido feito pela concessionária em 1997, e mais tarde, em 2005, quando a concessionária voltou a apresentar o seu pedido, administração pública não tem qualquer responsabilidade? Como sublinhámos, num contrato de concessão, tanto o concedente e a concessionária têm obrigações de prestação principal e de prestações acessórias, que se caracterizam pela cooperação mútua e pelo desempenho de boa fé com base em contratos e regulamentos, por contraste com um único pedido às autoridades administrativas em circunstâncias normais,· Com base na análise e conclusão acima referidas, consideramos que o período de concessão referido no Artigo 47° da «Lei de Terras» é uma sanção caducidade, que pode ser prorrogado a concessionária iniciar incondicionalmente a aproveitamento do terreno por culpa da administração pública e incumprimento das obrigações relevantes, mas a decisão cabe à administração público. O presente caso é um exemplo típico; De acordo com o artigo 323° do Código Civil, a autoridade administrativa está impedida de declarar a nulidade do direito de aproveitamento do terreno quando a administração pública faz qualquer acto que consubstancie o seu reconhecimento do direito de aproveitamento do terreno por parte da concessionária.
34. Pelo que, também em face dos termos e fundamentos constantes da Declaração de Voto de 4 JUN 2020 do Exm.° Juiz Dr. Vasco Fong, a decisão adoptada pelo T.S.I., ora recorrida, não censurou, conforme deveria e se imporia, a errada interpretação e aplicação feitas pela Administração que violou de forma flagrante e intensa, além do princípio da boa fé e da igualdade e, consequentemente, deve o acórdão do T.S.I. ser revogado e, ergo, ser determinada a anulação do acto administrativo impugnado pela recorrente”; (cfr., fls. 144 a 178).
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Respondendo, diz a entidade recorrida o que segue:
“(…)
5.°
A declaração de caducidade da concessão do referido terreno teve como pressuposto a falta de aproveitamento do terreno no prazo contratualmente fixado para o efeito, imputável, a título de culpa, à concessionária e ora Recorrente.
6.°
A Lei n.° 10/2013 (Lei de terras) contém uma norma de direito transitório, o respectivo artigo 215.°, com o seguinte teor:
«A presente lei aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
(…)
3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.° 3 do artigo 104.° e no artigo 166.°».
7.°
O artigo 166.° da Lei de terras, por sua vez, reporta-se à caducidade das concessões provisórias ou definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano.
8.°
Segundo esse normativo, as referidas concessões caducam quando se verifique, entre outras, a seguinte circunstância: não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.° 3 do artigo 104.° daquela Lei, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
9.°
A caducidade da concessão por arrendamento prevista no referido artigo 166.° da Lei de terras surge associada, não ao simples decurso do tempo, mas a um incumprimento por parte do concessionário e a ele imputável de uma obrigação que deriva da lei e do contrato e que reveste carácter essencial na economia da própria concessão.
10.°
Trata-se da chamada caducidade-sanção, dado que aquilo que essencialmente está em causa não é estabilizar uma situação em virtude do não exercício de um direito por um determinado período de tempo mas, antes, sancionar o concessionário em virtude de um seu comportamento faltoso.
11.°
Assim, a partir da entrada em vigor da Lei n.° 10/2013 e relativamente a concessões provisórias anteriores, verificando-se que o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno expirou sem que o aproveitamento tenha sido realizado por culpa do concessionário, a Administração estará legalmente vinculada a declarar a caducidade da concessão.
No caso em apreço,
12.°
O prazo fixado para a conclusão do aproveitamento do terreno terminou em 29 de Julho de 1999, sendo que, até essa data, a concessionária e ora Recorrente não realizou o aproveitamento do terreno.
13.°
Incorreu, assim, em incumprimento da obrigação legal e contratual de aproveitar o terreno que sobre si impendia.
14.°
Além disso, essa inobservância da referida obrigação ficou a dever-se exclusivamente à Recorrente, a qual, devendo aproveitar o terreno e podendo fazê-lo no prazo que dispunha para o efeito, não o fez.
15.°
É, por isso, culposa a falta de aproveitamento do terreno.
16.°
De resto, a culpa do devedor presume-se (cfr. n.° 1 do artigo 788.° do Código Civil), cabendo-lhe, por isso, ilidir tal presunção.
17.°
Contudo, no presente processo, o que se verifica é que a Recorrente não logrou provar a ocorrência de quaisquer motivos, nomeadamente de força maior ou imputáveis à Administração, que a tenham impedido de aproveitar o terreno aqui em causa.
18.°
Na verdade, nenhum dos factos que a Recorrente alegou no sentido de demonstrar que a falta de aproveitamento do terreno não se deveu a culpa sua foi dado como provado pelo Tribunal a quo.
19.°
Deste modo, demonstrando-se, tal como já consta da fundamentação do acto recorrido, (i) que o prazo fixado para o aproveitamento do terreno expirou e que (ii) o aproveitamento do terreno não foi realizado por culpa da concessionária e ora Recorrente, a concessão caduca, limitando-se a Administração, no exercício de poderes vinculados, a declarar a caducidade, tal como decorre do disposto na alínea 3) do artigo 215.° e na alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.°, ambos da Lei de terras.
20.°
No que concerne aos vícios invocados pela Recorrente, o Recorrido não pode deixar de acompanhar o douto Acórdão recorrido.
21.°
É evidente que não houve, ao contrário do que vem alegado pela Recorrente, violação dos princípios da igualdade, da boa fé, da proporcionalidade e da imparcialidade, pois que,' estando em causa uma actuação vinculada da Administração, torna-se irrelevante, como é pacífico, a alegada violação de tais princípios a qual, de resto, sempre se diga, não existiu.
22.°
Demonstra-se, assim, que o acto praticado pelo ora Recorrido está em absoluta conformidade com a Lei de terras, e daí que deva manter-se intocado na ordem jurídica, tal como muito doutamente decidiu o Tribunal de Segunda Instância.
(…)”; (cfr., fls. 183 a 188).
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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso.
Tem este Parecer o teor seguinte:
“Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a revogação do Acórdão em questão, pelo qual o Venerando TSI julgou improcedentes todos os vícios reiteradamente assacados pela recorrente ao despacho impugnado no recurso contencioso.
Argumentando o pedido de revogação, a recorrente invocou que o Acórdão em questão eiva do erro de direito – infringindo os preceitos legais aludidos nas conclusões 8), 81) e 21) das referidas alegações, e ainda os princípios da igualdade, da boa fé, da proporcionalidade, da imparcialidade e da real colaboração entre a Administração e os particulares.
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Comparando atenciosamente as supramencionadas alegações com a petição inicial, colhemos tranquilamente que são cabais, deliberadas e acertadas as análises do ilustre colega no seu Parecer que se encontra o douto acolhimento pelo Venerando TSI no Acórdão em escrutínio.
Bem, é sem sombra de dúvida que a recorrente não cumpriu o prazo de aproveitamento contratualmente fixado que é de 30 meses e terminou peremptoriamente em 29/07/1999, e não requereu a prorrogação do prazo de aproveitamento nos subsequentes 30 meses.
Na nossa óptica, é prudente e equilibrada a jurisprudência, segundo a qual a crise no sector imobiliário, bem como as circunstâncias menos favoráveis ocorridas desde 1996 até 2005 não podem servir de justificação para o não aproveitamento, nomeadamente se o contrato de concessão foi celebrado já durante o período de crise e se o concessionário nunca comunicou, por escrito, ao concedente, o mais rapidamente possível, a ocorrência dos referidos factos. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º433/2015)
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, afigura-se-nos que não são capazes de justificar o incumprimento do prazo de aproveitamento as demais vicissitudes alegadas na petição, tais como a arrogada escassez do pessoal no sector de construção e a controvérsia dos herdeiros quanto à partilha (arts.17.º e 29.º da petição).
Tudo isto leva-nos a subscrever tranquilamente a criteriosa posição e a respectiva explanação do ilustre colega, no sentido de que não é refutável nem ilegal a decisão administrativa consubstanciada em imputar o incumprimento do prazo de aproveitamento à culpa da recorrente como concessionária de terreno e em declarar a caducidade da concessão.
A nossa leitura dos arestos dos Venerandos TUI e TSI convence-nos de ser constante e unânime a orientação jurisprudencial, no sentido de ser vinculado o poder administrativo para declarar a caducidade, quer de preclusão quer de sanção, das concessões de terrenos (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º62/2017 e 111/2018, do TSI nos n.º433/2015, n.º436/2015 e n.º743/2016). Convém frisar que perante a falta de aproveitamento por culpa do concessionário no respectivo prazo previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º15/2020)
No actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, segundo ai quais os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Na nossa óptica, não se descortina nenhuma razão ponderosa que justifique a alteração da consolidada jurisprudência supra aludida. O que nos assegura a extrair sossegadamente que são inconsistentes todos os argumentos aduzidos nas supramencionadas alegações.
(…)”; (cfr., fls. 199 a 200).
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Cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
“1. Pelo requerimento registado sob o número 2086, datado de 25 de Setembro de 1989, a I (doravante designada por “D”) requereu a renovação da concessão das parcelas do terreno assinaladas na planta n.º 518/89, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, em 12 de Julho de 1989, com as letras A e B, uma com a área de 9.899 m2 que foi aproveitada para a construção do J e outra com a área de 3.050 m2 que foi aproveitada para a construção dum edifício destinado à prestação dos serviços de apoio técnico ao referido Palácio (Bloco dos Serviços Centrais do mesmo Palácio).
2. No requerimento, “D” manifestou a sua pretensão de manter o J existente e proceder ao novo aproveitamento da parcela do terreno que está por trás do Palácio em apreço, onde fica o Bloco dos Serviços Centrais do mesmo Palácio, no sentido de construir um edifício comercial multifuncional, incluindo um hotel.
3. Para complementar o requerimento supra mencionado, em 31 de Outubro de 1989, “K” apresentou um estudo prévio do aproveitamento do terreno. Depois da emissão de pareceres pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e pela Direcção dos Serviços de Turismo em relação ao aludido estudo, em 4 de Maio de 1990, foi apresentada uma nova versão do estudo no que diz respeito à pretensão de construir um hotel (Hotel D).
4. Na reunião realizada em 28 de Março de 1991, o então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas e H alcançaram o consenso sobre a altura hotel e o prémio.
5. Por despacho do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Informação de 2 de Abril de 1991, através do ofício n.º 350/507.3/SOLDEP/91, de 4 de Abril de 1991, foi notificada “D” do acordo do assunto em causa e do montante do prémio. Pela carta registada sob o número 1592, de 11 de Junho de 1991, “D” revelou a aceitação do assunto.
6. Posteriormente, conforme o estipulado nas cláusulas 23ª e 24ª da escritura da revisão do contrato de “concessão do exclusivo de exploração da Pelota Basca” celebrado entre o Governo de Macau e “D”, “D” deve reverter a favor do Território de Macau os bens identificados nas cláusulas.
De acordo com o contrato, a reversão decorre automaticamente e sem que o Território tenha de pagar qualquer compensação, pelo que, por despacho n.º 99/GM/91, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 16, de 22 de Abril de 1991, determinou-se que a Direcção dos Serviços de Finanças deveria diligenciar no sentido de ser inscrito a favor do Território o direito de propriedade sobre os prédios designados por “J” e “Bloco dos Serviços Centrais do J”, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs 21209 e 21210, a fis. 27 e 27v. do livro B-48, respectivamente.
7. Pelo requerimento registado sob o número T-4922, submetido em 17 de Setembro de 1991 ao Governador de Macau, conforme o estipulado na cláusula 4ª do “Protocolo do Acordo sobre o J e os respectivos anexos” (doravante designado por “Protocolo”) celebrado em 6 de Julho de 1990, “D” requereu a concessão, por arrendamento, do terreno em apreço, para ser aproveitado com a construção de um hotel, e, posteriormente, apresentou uma cópia do “Contrato de arrendamento das instalações do J e do Bloco dos Serviços Centrais do mesmo Palácio” celebrado em 3 de Abril de 1992.
8. Em 8 de Junho de 1992, o Director da DSSOPT proferiu o despacho de não concordância face ao estudo prévio do terreno apresentado por “D” em 17 de Setembro de 1991.
9. A planta de alinhamento oficial do terreno em causa foi emitida em 4 de Março de 1993. Tal terreno tornou-se a ser designado por lote 1D da ZAPE.
10. Em 5 de Julho de 1993, “D” apresentou o novo requerimento registado sob o n.º 6516, solicitando a alteração da finalidade do lote 1D concedido, inicialmente proposta, no sentido de passar a construir um prédio para fins habitacional e comercial, bem como, em 6 de Outubro de 1993, entregou um estudo prévio que foi condicionalmente aprovado.
11. A seguir, em 7 de Abril de 1994, “D” solicitou a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno adjacente ao lote 1D, onde se encontra um auto-silo de vários pisos, a fim de ser aproveitado juntamente com o terreno acima referido.
12. Por despacho de 23 de Janeiro de 1995 do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Informação n.º 149/SOLDEP/94, de 30 de Novembro de 1994, foi autorizado o procedimento de concessão, por arrendamento, do lote 1D da ZAPE a “D”, em conformidade com o estudo prévio de 6 de Outubro de 1993 que tinha sido considerado condicionalmente aprovado em 14 de Novembro de 1994, bem como foi permitido o pagamento do prémio calculado com base na tabela vigente na altura, no valor de MOP75.573.870,00.
13. No entanto, “D” reclamou do prémio, considerando que o valor era demasiado alto, verificando-se, no seu entendimento, a violação da justiça e igualdade nos interesses de ambas as partes abordadas no “Protocolo” celebrado em 6 de Julho de 1990. Por despacho de 9 de Maio de 1995 do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Informação n.º 064/SOLDEP/95, de 24 de Abril de 1995, confirmou a manutenção do referido montante do prémio a pagar.
14. Após demorado certo espaço de tempo para negociar sobre a questão do prémio e com base na conclusão extraída da reunião realizada em 29 de Junho de 1995, por despacho de 17 de Julho de 1995 do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado no Memorando do chefe do Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT, foi determinado o novo montante do prémio. “D” revelou a sua concordância quanto a isso, mas apresentou um requerimento em 18 de Setembro de 1995, solicitando que o contrato fosse celebrado em nome da sociedade “Good Harvest-Comércio e Fomento Predial, Limitada”.
15. Depois da emissão de parecer por parte do director da DSSOPT, por despacho de 17 de Junho de 1996 do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Informação n.º 105/SOLDEP/96, de 5 de Junho de 1996, foi decretado o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos emissão de parecer.
16. Tendo analisado o processo na reunião realizada em 4 de Julho de 1996, a Comissão de Terras não se opôs à autorização, conforme as condições da minuta convencionadas pela DSSOPT, da desistência, por parte de “D”, da concessão, por arrendamento, dum terreno, com a área de 2.584,24 m2, situado em Macau, na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, e à autorização do pedido de concessão, no mesmo regime, dum terreno, com a área de 2.782 m2, à sociedade “Good Harvest-Comércio e Fomento Predial, Limitada”.
17. Através do despacho n.º 8/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 5, de 29 de Janeiro de 1997, foram tituladas a desistência, por parte de “D”, da concessão, por arrendamento, dum terreno, com a área de 2.584,24 m2, situado em Macau, na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, e a concessão, no mesmo regime, à sociedade “Good Harvest-Comércio e Fomento Predial, Limitada” (doravante designada por “Good Harvest” ou sociedade concessionária), de duas parcelas do terreno, com a área total de 2.782 m2, destinadas a aproveitamento conjunto, terreno esse é designado por lote D quarteirão 1 da ZAPE.
18. Conforme a cláusula 2ª do contrato, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contado a partir da data da publicação do despacho supra mencionado, ou seja, terminará em 28 de Janeiro de 2022
19. Segundo a cláusula 3ª do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício com 22 pisos, em regime de propriedade horizontal, compreendendo duas torres, assentes num pódio com quatro pisos, dois dos quais em cave, destinado às finalidades de habitação (26.453 m2), comércio (3.893 m2) e estacionamento (5.599 m2).
20. O prazo de aproveitamento foi fixado, na cláusula 5ª do contrato, em 30 meses contados a partir da data da publicação do despacho no Boletim Oficial de Macau, ou seja o mesmo teria de estar concluído até 29 de Julho de 1999.
21. Ademais, como dever adicional (encargos especiais), caberia à sociedade concessionária a construção de infra-estruturas nas parcelas destinadas a integrar o domínio público (vide cláusula 6ª).
22. Segundo a cláusula 9ª do contrato, o valor do prémio é de MOP46.040.157,00 que foi integralmente liquidado em 15 de Dezembro de 2015.
23. O terreno foi descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23237 e seu direito foi inscrito a favor de “Good Harvest” sob o n.º 31959F.
24. Pelo requerimento registado sob o n.º T-3826, datado de 20 de Outubro de 1997, assinalou “Good Harvest” que o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21210 ainda se encontrava inscrito a favor de “D”, pelo que solicitou a alteração do contrato de concessão do terreno, a fim de especificar no contrato a desistência, por parte de “D”, da concessão.
25. Em 7 de Março de 2005, H, na qualidade de Administrador-Delegado da “C” e não na qualidade de sócio de “Good Harvest”, apresentou um requerimento de alteração da finalidade do terreno (registado sob o n.º T-1561), pretendendo aproveitar o lote 1D juntamente com os terrenos de “D” e de “E”, com vista a realizar um grande projecto de construção (Plano do oceano).
26. Em 13 de Junho de 2005, B (乙), um dos herdeiros do sócio maioritário de “Good Harvest” A (甲), apresentou ao Chefe do Executivo um requerimento registado sob o n.º 3043, no qual revelou que só tinha tomado conhecimento do pedido de alteração da finalidade do terreno através dos Media, bem como manifestou a sua discordância com o aproveitamento referido no “Plano do oceano”, e solicitou ainda ao Governo da R.A.E.M. que deixasse de prosseguir o aludido Plano antes da existência do consenso entre os sócios de “Good Harvest”.
27. Em 30 de Dezembro de 2015, por ofício n.º 1054/507.04/DSODEP/2015, a DSSOPT notificou “Good Harvest” de que lhe aplicaria sanção estipulada no contrato, como multa, declaração da caducidade ou extinção do contrato, por conseguinte, para efeitos de análise, solicitou à sociedade concessionária que apresentasse as informações consideradas justificativas do incumprimento do contrato e os respectivos documentos adicionais.
28. Em resposta ao ofício em apreço, em 2 de Fevereiro de 2016, “Good Harvest”, representada por seu gerente F, apresentou um requerimento registado sob o n.º 18562/2016, justificando o incumprimento do contrato, bem como prometendo que cumpriria o contrato e pedindo a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por 72 meses e a não declaração da caducidade da concessão.
29. Em prosseguimento do aludido requerimento, em 11 de Fevereiro de 2016, a sociedade concessionária solicitou a emissão da planta de condições urbanísticas, por seu turno, o Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT elaborou a Informação n.º 516/DPU/2016, de 7 de Junho de 2016, e, por despacho de 15 de Junho de 2016 do director da DSSOPT, exarado na referida Informação, pediu ao Departamento de Gestão de Solos da mesma Direcção que fornecesse informações relativas ao processo em causa. Assim, não foi emitida a nova planta de condições urbanísticas relativa ao terreno em causa.
30. Em 28 de Julho de 2016, a sociedade concessionária apresentou um novo requerimento (registado sob o n.º XXXXXX/2016), onde não só repetiu o conteúdo do requerimento anterior, assim como solicitou ansiosamente a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 72 meses, a não aplicação de multa e não declaração da caducidade da concessão, a par disso, salientou que a escassez do consenso entre os herdeiros de A (甲) afectava o funcionamento normal da sociedade, o que constituiu uma das causas de impossibilidade de aproveitamento do terreno.
31. Apontou a sociedade concessionária que a escassez de um acordo na partilha de bens entre os herdeiros do sócio maioritário A (甲) era a causa principal de impossibilidade de aproveitamento do terreno, afectando sempre o funcionamento normal da sociedade, portanto, pela Proposta n.º 273/DSODEP/2016, de 1 de Setembro de 2016, o Departamento de Gestão de Solos propôs que o processo fosse prosseguido da seguinte forma: oficiar à sociedade concessionária, solicitando-lhe que forneça documentos adicionais efectivamente justificativos relativos ao processo e demonstre que o problema da partilha de bens era a causa principal de impossibilidade de aproveitamento do terreno no prazo estipulado, bem como a sociedade concessionária não é responsável pelos referidos factos; se a sociedade não conseguir apresentar os documentos supra mencionados no prazo estipulado, ou se esses documentos não forem suficientes para justificar a impossibilidade de aproveitamento do terreno no prazo estipulado na cláusula 5ª do contrato de concessão, considera-se incumprimento contratual, constituindo a falta de aproveitamento do terreno no prazo estipulado; caso essa falta seja imputada à sociedade concessionária, nos termos da cláusula 13ª do despacho n.º 8/SATOP/97, constitui-se a causa da caducidade da concessão, reunindo-se assim os requisitos para a declaração da caducidade da concessão. Por despacho de 7 de Outubro de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas concordou com o ponto 19 proposto na aludida Proposta, uma vez que os referidos documentos não eram relevantes.
32. No entendimento do Departamento de Gestão de Solos, o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas tem como objectivo acelerar o procedimento da declaração de caducidade da concessão do lote 1D da ZAPE, pelo que, em 7 de Novembro de 2016, foi enviado o ofício n.º 1002/507.05/DSODEP/2016 à sociedade concessionária, notificando-a da realização da audiência prévia face à intenção da declaração de caducidade da concessão do terreno devido ao incumprimento das obrigações contratuais.
33. A seguir, o Departamento de Gestão de Solos confirmou que a Administração não tinha a intenção da declaração de caducidade da concessão do terreno antes de solicitar à sociedade concessionária que fornecesse os documentos adicionais, por isso, em 22 de Novembro de 2016, enviou o ofício n.º 1038/507.5/DSOOEP/2016 para cancelar o ofício anteriormente enviado.
34. Em 11 de Janeiro de 2017, a DSSOPT recebeu da sociedade concessionária um novo requerimento (registado sob o n.º XXXX/2017) e os documentos adicionais relativos ao processo. No requerimento, a sociedade requerente revelou que tinha sempre a intenção de aproveitar o terreno de acordo com o contrato; no entendimento da sociedade requerente, A (甲) era responsável pelo prosseguimento das formalidades na celebração de contrato com o Governo de Macau e só lhe competia requerer a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, porém, após o falecimento deste em 2004, os membros familiares dele, por falta de conhecimento do assunto, não prosseguiram o procedimento da solicitação da prorrogação do prazo.
35. Face a esse requerimento, o Departamento de Gestão de Solos elaborou a Informação n.º 136/DSO/2017, de 6 de Abril de 2017, relatando que nenhum dos documentos apresentados pela sociedade concessionária era suficiente para justificar a impossibilidade de apresentação tempestiva do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno e a impossibilidade de aproveitamento do terreno no prazo estipulado na cláusula 5ª do contrato de concessão. Ademais, segundo a certidão registo emitida em 21 de Julho de 2016 pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, a sociedade concessionária iniciou a actividade em 6 de Agosto de 1992, 50% do capital social eram detidos por A (甲) (sócio maioritário) e os restantes 40% eram detidos por G e 10% por H, a assinatura de qualquer elemento da classe de administração valia como a da sociedade, e os elementos da classe de administração podiam efectuar a delegação de poderes e a sociedade podia nomear comitente. Assim, vislumbra-se que qualquer elemento da classe de administração podia apresentar o requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno.
Por outro lado, desde o falecimento de A (甲) em 12 de Junho de 2004 até 30 de Dezembro de 2015, data em que foi enviado o ofício n.º 1054/507.04/DSODEP/2015 para notificar a sociedade concessionária do incumprimento do aproveitamento do terreno, o único progresso do processo é a apresentação, em 2005, de um requerimento de alteração da finalidade do terreno, onde se revelou a pretensão de aproveitamento do lote 1D juntamente com os terrenos de “D” e de “E” (Plano do oceano), contudo, tal requerimento foi apresentado por H, na qualidade de Administrador-Delegado da C
Assim sendo, o Departamento de Gestão de Solos propôs na Informação supracitada o indeferimento do requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno designado por lote 1D da ZAPE, a autorização do prosseguimento do procedimento da declaração de caducidade da concessão provisória devido ao término do prazo de aproveitamento do terreno e o envio do processo à Comissão de Terras, para efeitos de emissão de parecer e de prosseguimento dos trâmites ulteriores, bem como, a publicação do despacho do Chefe do Executivo no Boletim Oficial da R.A.E.M., ao abrigo do disposto no art.º 167º da Lei de Terras.
36. Por despacho de 9 de Maio de 2017 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, decretou-se a realização da audiência prévia relativa ao indeferimento do requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno designado por lote 1D da ZAPE.
37. Assim, em 25 de Maio de 2017, por ofício n.º 374/507.5/DSODEP/2017, do assunto foi notificada a sociedade concessionária.
38. Em 8 de Junho de 2017, a DSSOPT recebeu uma resposta escrita (registada sob o n.º T-7491), na qual a sociedade concessionária reafirmou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, bem como apresentou um estudo sobre a alteração de aproveitamento do terreno, considerando que as finalidades propostas no estudo eram favoráveis ao interesse público; a par disso, acrescentou a concessionária que lhe poderia ser aplicada a multa pelo incumprimento do contrato se fosse autorizada a dita alteração, e enfatizou a sua posição de ser capaz de concluir a obra antes do término do prazo de arrendamento.
39. Em 14 de Julho de 2017, o Gabinete do Chefe do Executivo transmitiu um requerimento assinado por B (乙) em 28 de Junho de 2017, no qual se deduziram novamente a oposição e justificação relativas à falta de aproveitamento do terreno que anteriormente tinham sido analisadas, mais se indicou que H tinha apresentado à Administração um estudo sobre a anexação do lote 1D a outros terrenos adjacentes destinados a aproveitamento conjunto, com vista a desenvolver um projecto de diversões complexas, mas nunca obteve a resposta da Administração. No entendimento do requerente, a intenção do requerimento demonstrou indirectamente que a sociedade concessionária nunca deixou de aproveitar e desenvolver o terreno. O requerente acrescentou que tinha enviado carta à Administração, comunicando-lhe que estava a tratar da herança do sócio A (甲) junto dos tribunais de Macau, mas também não obteve a resposta da Administração, duvidando por que razão a sociedade concessionária era a única responsável pela falta de aproveitamento do terreno. Enfim, o requerente solicitou ao Chefe do Executivo que reponderasse o seu requerimento, a fim de permitir a conclusão dos projectos de desenvolvimento remanescentes pela sociedade concessionária, bem como garantiu o requerente que os projectos seriam concluídos dentro do prazo estipulado.
40. A sociedade concessionária não introduziu ao procedimento qualquer novo facto ou documento que ilida os fundamentos da intenção do indeferimento do requerimento, pelo que o Departamento de Gestão de Solos propôs na Informação n.º 471/DSO/2017, de 5 de Dezembro de 2017, a manutenção da decisão de indeferimento do requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote 1D da ZAPE, a autorização da instauração do procedimento da declaração de caducidade da concessão provisória titulada pelo despacho n.º 8/SATOP/1997, e, nos termos dos artigos 93º e subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, a notificação da sociedade concessionária da intenção da decisão da declaração de caducidade da concessão provisória, para efeitos de audiência prévia.
41. Em 14 de Março de 2018, o Chefe do Executivo proferiu, conforme o teor e fundamentos da Proposta, despacho que concordou com a negação do requerimento, desse despacho foi notificada a sociedade concessionária através do ofício n.º 0216/507.05/DSO/2018.
42. Em 18 de Abril de 2018, a DSSOPT recebeu a reclamação (registada sob o n.º 53267/2018) apresentada pela sociedade concessionária do terreno.
43. Cabendo ao Departamento Jurídico da DSSOPT apreciar a reclamação apresentada pela sociedade concessionária, em 2 de Maio de 2018, o mesmo Departamento elaborou a Informação n.º 44/DJU/2018, indicando que o requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento era juridicamente impossível e devia ser indeferido logo no início, já que, nos termos do art.º 80º do Código do Procedimento Administrativo, era impossível a prorrogação dum prazo esgotado, e, nos termos do art.º 146º do mesmo Código, sem margem de dúvidas, a reclamante sabia que não se verificava qualquer ilegalidade ou inconveniência no acto reclamado que desencadeava a revogação, alteração ou substituição deste pelo seu autor. O Departamento Jurídico concluiu que os factos e motivos expostos na reclamação pela reclamante à Administração não só não eram informações novas, mas também não continham fundamentos efectivos para revogar ou alterar o acto reclamado, pelo que seria alterada a decisão em causa, devendo ser rejeitada a reclamação e mantido o despacho de 14 de Março de 2018 do Chefe do Executivo.
44. Assim, pela Informação n.º 140/DSO/2018, de 28 de Maio de 2018, o Departamento de Gestão de Solos propôs a rejeição da reclamação apresentada pela sociedade concessionária e a manutenção do despacho de 14 de Março de 2018 do Chefe do Executivo que indeferiu o requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento dos lotes da ZAPE. Devido ao indeferimento do requerimento, propôs ainda a autorização da instauração do procedimento da declaração de caducidade da concessão provisória do terreno e, nos termos dos artigos 93º e subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, a notificação da sociedade concessionária da intenção da declaração de caducidade, para efeitos de audiência prévia.
45. Deste modo, por despacho de 15 de Junho de 2018, o Chefe do Executivo rejeitou a reclamação. Através do ofício n.º 0401/507.05/DSO/2018, de 21 de Junho de 2018, foi notificada a sociedade concessionária do aludido despacho e da autorização da instauração do procedimento da declaração de caducidade da concessão provisória do terreno, para, querendo, apresentar a resposta escrita à intenção da decisão no prazo de 30 dias.
46. Em 19 de Junho de 2018, por ofício n.º 05199/GCE/2018, o Gabinete do Chefe do Executivo enviou à DSSOPT a cópia do requerimento (registado sob o n.º 5981) apresentado em 6 de Junho de 2018 pela sociedade concessionária, no qual se solicitou a autorização da reiniciação imediata da obra de construção no lote 1D. Porém, na verdade, o teor do referido requerimento e os motivos nele expostos já foram invocados na reclamação anteriormente apresentada, não havendo novo conteúdo, portanto, o Departamento de Gestão de Solos apresentou a resposta através do ofício n.º 407/507.05/DSO/2018, notificando a sociedade concessionária de que seu requerimento foi respondido pelo ofício n.º 401/507.05/DSO/2018, de 21 de Junho de 2018, e, segundo o respectivo aviso de recepção, tal ofício foi recebido pela sociedade concessionária em 30 de Junho de 2018.
47. Com base no parecer jurídico supracitado e nas análises efectuadas nas propostas e informações acima referidas, pela Proposta n.º 002/DSO/2019, de 4 de Janeiro de 2019, o Departamento de Gestão de Solos efectuou a análise suplementar e concludente e, em seguida, propôs ao superior que, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 da cláusula 13ª (Caducidade) do contrato de concessão, e das alíneas 1) e 2) do n.º 1 do art.º 166º e art.º 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), autorizasse a intenção da decisão da declaração de caducidade da concessão do terreno em causa e notificasse “Good Harvest” da referida intenção, para que esta pudesse, nos termos dos artigos 93º e subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, realizar a audiência prévia através da entrega das alegações escritas, bem como autorizasse o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de análise, emissão de parecer e prosseguimento dos trâmites ulteriores depois de concluído o procedimento da respectiva audiência.
48. Em 12 de Fevereiro de 2019, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho na aludida Proposta, assinalando que o Chefe do Executivo tinha indeferido várias vezes o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno (anexos 4 e 5), pelo que o requerimento constante do anexo 6 não era idóneo. Mais, o Departamento Jurídico já emitiu parecer manifesto (anexo 8), por isso, devia ter sido instaurado o procedimento de declaração de caducidade por incumprimento e, em caso de dúvida, deveria contactar-se o Departamento Jurídico.
49. Tendo contactado com o Departamento Jurídico, finda a análise do processo, do conteúdo de todas as propostas e informações anteriormente elaboradas (n.ºs 273/DSO/2016, 136/DSO/2017 e 240/DSO/2018) e do teor do despacho do Chefe do Executivo, o Departamento de Gestão de Solos efectuou a comparação entre o teor da proposta e o do despacho do Chefe do Executivo e dela tirou a seguinte conclusão: até ao presente momento, o Chefe do Executivo não autorizou o prosseguimento do procedimento da declaração de caducidade e apenas autorizou a instauração do procedimento da declaração de caducidade no processo em causa.
Em termos de procedimento, as duas fases supra mencionadas são diferentes e estão sujeitas à autorização superior, a par disso, a instauração do procedimento da declaração de caducidade não exige a realização da audiência prévia (que foi erradamente realizada), enquanto o prosseguimento do procedimento da declaração de caducidade exige a realização da audiência dos interessados.
50. Com base no parecer jurídico emitido pelo Departamento Jurídico na Informação n.º 124/DJU/2018 e nas análises efectuadas na Proposta n.º 002/DSO/2019 e em outras propostas e informações anteriormente elaboradas, pela Informação n.º 045/DSO/2019, de 19 de Fevereiro de 2019, o Departamento de Gestão de Solos propôs que, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 da cláusula 13ª (Caducidade) do contrato de concessão do terreno titulado pelo despacho n.º 8/SATOP/97, e das alíneas 1) e 2) do n.º 1 do art.º 166º e art.º 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), se autorizasse o prosseguimento do procedimento da declaração de caducidade da concessão do terreno em causa, e que se notificasse a sociedade concessionária da intenção da decisão, para que esta pudesse, nos termos dos artigos 93º e subsequentes do Código do Procedimento Administrativo, realizar a audiência prévia, bem como se autorizasse o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de análise, emissão de parecer e prosseguimento dos trâmites ulteriores depois de concluído o procedimento da respectiva audiência.
Em 4 de Março de 2019, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho, ponderando que “a proposta foi autorizada, vide anexo 3 (Informação n.º 140/DSO/2018, de 28 de Maio de 2018). Decreta-se a realização urgente do assunto, visto que já se perdeu muito tempo nesta questão”.
51. Em cumprimento do despacho em apreço e conforme o despacho de 15 de Junho de 2018 do Chefe do Executivo, enviou-se o ofício n.º 0142/507.05/DSO/2018 à sociedade concessionária, para se pronunciar por escrito, no prazo de 10 dias, sobre a intenção da declaração de caducidade da concessão do lote 1D.
52. Pelo documento de 28 de Março de 2019, registado sob o n.º 43225/2019, “Good Harvest” apresentou, dentro do prazo, a resposta escrita que foi devidamente enviada ao Departamento Jurídico, para efeitos de análise.
53. Na Informação n.º 51/DJU/2019, de 22 de Maio de 2019, o Departamento Jurídico apontou que, na audiência prévia em apreço, a interessada não apresentou qualquer novo facto ou fundamento ao procedimento, ou seja, face ao incumprimento do prazo de aproveitamento estipulado no contrato, a sociedade concessionária não apresentou qualquer novo facto ou fundamento que não fosse conhecido nem devidamente analisado e ponderado pela Administração antes da elaboração das propostas da declaração de caducidade da concessão (nomeadamente da Informação n.º 471/DSO/2017, de 5 de Dezembro de 2017, Informação n.º 44/DJU/2018, de 2 de Maio de 2018, Informação n.º 240/DSO/2018, de 7 de Agosto de 2018, e Informação n.º 124/DJU/2018, de 5 de Dezembro de 2018), pelo que entendeu o Departamento Jurídico que a Administração deveria manter a intenção da decisão da declaração de caducidade da concessão provisória.
54. Tendo em consideração o teor do relatório da audiência prévia supra mencionada, pela Informação n.º 150/DSO/2019, de 30 de Maio de 2019, o Departamento de Gestão de Solos propôs ao superior que, na sequência do indeferimento do requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, por força das alíneas 1) e 2) do n.º 1 do art.º 166º da Lei de Terras, mantivesse a decisão da declaração de caducidade da concessão provisória dum terreno, com a área de 2.782 m2, sito na ZAPE em Macau, designado por lote 1D, titulada pelo despacho n.º 8/SATOP/1997, enviasse o processo à Comissão de Terras, para efeitos de emissão de parecer respeitante à declaração de caducidade da concessão provisória do terreno e de prosseguimento dos trâmites ulteriores, e, nos termos do disposto no art.º 167º da Lei de Terras, procedesse à publicação do despacho do Chefe do Executivo no Boletim Oficial da R.A.E.M. Por despacho de 31 de Maio de 2019, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manifestou sua concordância com a proposta em causa.
55. Pelo exposto, tendo analisado o processo e ponderado o parecer jurídico, as propostas e informações elaboradas, entendeu a Comissão de Terras que o facto invocado pela sociedade concessionária – rapto do sócio maioritário A (甲) em 1999 – não obstou à apresentação tempestiva do requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno pela sociedade em apreço. Porquanto, de acordo com o estatuto da referida sociedade, a assinatura de qualquer elemento da classe de administração vale como a da sociedade, além disso, o ordenamento jurídico não sustenta de forma alguma a pretensão de prorrogação dum prazo esgotado, devendo a mesma ser rejeitada por ser juridicamente impossível.
Na realidade, excepto a obra de fundação que foi concluída, desde a publicação do despacho n.º 8/SATOP/97 que titula a concessão do terreno até a presente data, o único progresso do processo é a apresentação, em 7 de Março de 2005, por um dos sócios da sociedade concessionária, H, na qualidade de Administrador-Delegado da “C”, de um requerimento de alteração da finalidade do terreno, onde se revelou a pretensão de aproveitamento do terreno em causa juntamente com os terrenos de “D” e de “E”.
Nesta situação, no entendimento da Comissão de Terras, a falta de conclusão do aproveitamento do terreno no prazo estipulado no contrato, o prazo da multa agravada de 120 dias e a interrupção do aproveitamento do terreno por mais de 90 dias (a sociedade concessionária não continuou a execução das restantes obras após a conclusão da obra de fundação) são factos indispensavelmente imputados à sociedade concessionária, sendo estas causas da caducidade em conformidade com as alíneas a) e c) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato de concessão.
Realizada a reunião em 4 de Julho de 2019, após ter analisado o processo e ter tido em consideração os pareceres e propostas constantes da proposta n.º 273/DSODEP/2016, de 1 de Setembro de 2016, das informações n.º 136/DSO/2017, de 6 de Abril de 2017, n.º 471/DSO/2017, de 5 de Dezembro de 2017, n.º 140/DSO/2018, de 28 de Maio de 2018, da proposta n.º 002/DSO/2019, de 4 de Janeiro de 2019, das informações n.º 045/DSO/2019, de 19 de Fevereiro de 2019, e n.º 150/DSO/2019, de 30 de Maio de 2019, e das informações n.º 44/DJU/2018, de 2 de Maio de 2018, n.º 124/DJU/2018, de 5 de Dezembro de 2018, e n.º 51/DJU/2019, de 22 de Maio de 2019, bem como os despachos do Chefe do Executivo, de 14 de Março de 2018 e de 15 de Junho de 2018, exarados nas informações n.ºs 471/DSO/2017 e 140/DSO/2018, e os despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 7 de Outubro de 2016, 9 de Maio de 2017, 12 de Fevereiro de 2019, 4 de Março de 2019 e 31 de Maio de 2019, exarados na proposta n.º 273/DSO/2016, na informação n.º 136/DSO/2017, na proposta n.º 002/DSO/2019 e nas informações n.ºs 045/DSO/2019 e 150/DSO/2019, a Comissão de Terras concluiu que deveria se declarar a caducidade da concessão do terreno mencionado em epígrafe, nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato de concessão, bem como o disposto nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 166º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras). A Comissão de Terras concordou igualmente com o entendimento segundo o qual, nos termos do artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a sociedade concessionária perderia, a favor da R.A.E.M., a totalidade das prestações do prémio e dos respectivos juros já pagos, no valor global de MOP46.040.157,00. Nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula 13ª do mesmo contrato e do n.º 1 do artigo 168º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), declarada a caducidade da concessão, reverteriam para a R.A.E.M. os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno.
Ademais, nos termos do n.º 2 da cláusula 13ª do mesmo contrato e do art.º 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a caducidade da concessão é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M.
Em 19/07/2019, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 24/2019 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 10 de Julho de 2019, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
Depois foi proferido o seguinte despacho:
Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 28/2019
Considerando que sociedade Good Harvest-Comércio e Fomento Predial, Limitada, com sede em Macau, na Avenida de Lisboa n.os 2-4, Hotel Lisboa, 9.º andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 6 854 (SO), é titular do direito resultante da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 2 782 m2, situado na península de Macau, na Zona de Aterros do Porto Exterior, doravante designada por ZAPE, junto ao D, identificado por lote D quarteirão 1, descrito na Conservatória do Registo Predial, doravante designada por CRP, sob o n.º 23 237, conforme inscrição a seu favor sob n.º 31 959F, para ser aproveitado com a construção de um edifício de 22 pisos, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 2 torres assentes sobre um pódio com 4 pisos, 2 dos quais em cave, destinado às finalidades de habitação, comércio e estacionamento.
Considerando que a sobredita concessionária não cumpriu com a obrigação de realizar o aproveitamento do terreno no prazo estipulado no número um da cláusula quinta do contrato que rege a concessão, doravante designado por contrato de concessão, titulado pelo Despacho n.º 8/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 5, II Série, de 29 de Janeiro de 1997.
Considerando que as razões justificativas expostas pela concessionária na resposta à audiência escrita não lograram alterar o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão por falta de realização do aproveitamento do terreno nas condições contratualmente definidas imputável à concessionária, estando portanto preenchidos os pressupostos previstos na alínea a) e c) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º, por força do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º e do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 19 de Julho de 2019, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 2 782 m2, situado na península de Macau, na ZAPE, identificado por lote D quarteirão 1, descrito na CRP sob o n.º 23 237, a que se refere o Processo n.º 24/2019 da Comissão de Terras, ao abrigo das alíneas a) e c) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 10 de Julho de 2019, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da sociedade Good Harvest-Comércio e Fomento Predial, Limitada, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contado a partir da publicação do presente despacho ou da notificação do acto, se esta ocorrer posteriormente, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, alterada pelas Lei n.º 7/2004, Lei n.º 9/2004, Lei n.º 9/2009 e Lei n.º 4/2019 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A referida sociedade pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da mencionada sociedade na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 16.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
6 de Agosto de 2019.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário”; (cfr., fls. 108-v a 115 e 4 a 31 do Apenso).
Do direito
3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.
Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.
O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).
Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.
Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, desde já se mantém; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 11.04.2018, Proc. n.° 38/2017; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020; de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020; de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020; de 27.11.2020, Procs. n°s 132/2020, 133/2020, 141/2020, 142/2020, 143/2020, 144/2020, 157/2020 e 161/2020 e de 04.12.2020, Procs. n°s 128/2020, 145/2020 e 175/2020).
Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.
Pois bem, apreciando o anterior recurso contencioso da ora recorrente, e subscrevendo o então opinado pelo Ministério Público, assim decidiu o Tribunal de Segunda Instância o que segue:
“…
É objecto do presente recurso contencioso o despacho de 19 de Julho de 2019, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 2 782 m2, situado na Zona dos Aterros do Porto Exterior, na Península de Macau, identificado como lote D1.
A recorrente, "Good Harvest - Comércio e Fomento Predial, Limitada", imputa ao acto o conjunto de vícios abordados na sua petição de recurso, contra o que se manifesta a entidade recorrida, que refuta os invocados vícios e assevera a legalidade do acto.
Vejamos.
Está em causa a caducidade por via do não aproveitamento do terreno no prazo contratualmente estipulado para o efeito. Esse prazo era de 30 meses, com termo em 29 de Julho de 1999.
Entende a recorrente que a falta de aproveitamento tempestivo se deveu a um conjunto de vicissitudes, que não lhe são imputáveis e que também a impediram de solicitar atempadamente a prorrogação do respectivo prazo, o que não foi devidamente ponderado e valorado no despacho declarativo da caducidade, com o que se mostram violadas as normas dos artigos 166.°, n.º 1, alíneas 1) e 2), e 167.° da Lei de Terras.
Não podemos concordar. Todos os eventos arregimentados pela recorrente são posteriores ao termo do prazo fixado para o aproveitamento, com excepção da situação conturbada e algo instável que se registou em 1999, portanto já no final do prazo de aproveitamento. Só que esta situação de alguma instabilidade e violência, por que passou Macau em 1999, não apresentava virtualidade impeditiva para obviar ao aproveitamento do terreno, que, como referido, deveria ter-se concluído até 29 de Julho de 1999. Aliás, não consta que, em devido tempo, a recorrente haja dado conta da ocorrência de quaisquer factos impeditivos, nos termos do ponto 4 da cláusula oitava do contrato.
Improcede este fundamento do recurso.
Seguidamente, a recorrente alega que o acto declarativo da caducidade violou o artigo 139.°, n.º 2, alínea 2), da Lei de Terras, ao recusar uma proposta da recorrente, de 2018, que envolvia o alargamento do prazo de aproveitamento, num quadro de modificação da finalidade do terreno, de forma a afectar parte da construção a habitação de cariz social, com preços controlados, e a estruturas de relevante utilidade pública e social, tais como creches, lares, etc.
A regra que dimana do artigo 139.° da Lei de Terras é a da proibição da alteração da finalidade da concessão provisória. Uma das apertadas excepções a esta regra radica no interesse público no favorecimento do desenvolvimento da sociedade da Região Administrativa Especial de Macau. Ora, além de não estar demonstrado que a alteração preconizada redundava em favorecimento do desenvolvimento da sociedade, atenta a abrangência compreensiva que este conceito comporta, certo é que a necessária autorização prévia a dar pelo Chefe do Executivo envolve poderes eminentemente discricionários e lida com conceitos indeterminados, como os de "interesse público", que, pressupondo um juízo valorativo dos pressupostos da actuação da própria Administração, seguem regime idêntico ao da discricionariedade. Daí que a possibilidade de sindicância judicial se circunscreva aos casos de erro palmar ou ostensivo, que não vem alegado nem se divisa.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Acha ainda a recorrente que o acto não se conforma aos ditames do princípio da igualdade, porquanto o seu caso teve um tratamento diferente, desigual, daquele que a Administração conferiu a um outro, da C, alegadamente semelhante.
Sucede que o paralelo que traça entre os dois casos, para ilustrar as semelhanças, não se apresenta suficientemente conclusivo, no sentido de caracterizar situações substancialmente idênticas e, por isso, necessariamente merecedoras de tratamento idêntico, no que respeita ao apuramento da culpa, onde é possível surpreender um momento discricionário do acto e fazer actuar o princípio da igualdade. É até possível, pelos dados fornecidos pela própria recorrente, surpreender, pelo menos, uma diferença assinalável, que pode estar na base do diferente tratamento. É que o caso C envolveu uma anexação de três terrenos, o que não estava em causa no caso da recorrente.
Como quer que seja, tem sido unânime o entendimento dos tribunais superiores da Região Administrativa Especial de Macau no sentido de que, verificada a culpa da concessionária pelo incumprimento do aproveitamento no prazo contratual, a Administração está vinculada a declarar a caducidade sanção por incumprimento. Assim, e estando agora em causa um poder vinculado, a igualdade tem que ceder perante a legalidade. Se porventura a Administração decidiu mal noutros casos, não se pode, a coberto do princípio da igualdade, reclamar o nivelamento da actuação administrativa pela bitola da ilegalidade.
Claudica, assim, a invocada violação do princípio da igualdade.
Vêm, por fim, imputados ao acto a violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da imparcialidade.
Todavia, tal como a entidade recorrida sublinhou na sua contestação, a recorrente não curou de explicitar e demonstrar a alegada violação destes princípios. Vale aqui, no entanto, a ideia evidenciada supra, a propósito da invocada violação do princípio da igualdade, segundo a qual, verificada a culpa da concessionária pelo incumprimento do aproveitamento no prazo contratual, a Administração está vinculada a declarar a caducidade sanção do contrato de concessão. Estando agora em causa um momento vinculado no exercício de poder, tais princípios mostram-se inoperantes”; (cfr., fls. 115 a 116).
Aqui chegados, e perante o que se deixou transcrito, evidente se apresenta que o presente recurso não pode proceder, cabendo notar que a decisão recorrida se apresenta em total sintonia com o que por esta Instância se tem vindo a entender sobre a matéria e questões apreciadas.
Com efeito, e como tem constituído entendimento deste Tribunal de Última Instância:
“Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão”, sendo de realçar que “No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade”, pois que “Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 104/2020, de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020, de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020, de 27.11.2020, Procs. n°s 141/2020, 142/2020 e 157/2020 e, mais recentemente, de 04.12.2020, Procs. n°s 128/2020 e 145/2020).
No caso dos presentes autos, e como resulta da matéria de facto dada como provada e atrás retratada, há muito que esgotado estava o prazo de aproveitamento do terreno concessionado à ora recorrente, (o que sucedeu em 29.07.1999), quando, (em 19.07.2019), se decidiu pela sua caducidade.
E, colhendo-se da mesma factualidade que a falta de aproveitamento do terreno no seu prazo se deveu a motivos imputáveis à própria recorrente, visto está que outra solução não havia que não fosse a declarada caducidade da concessão, como efectivamente sucedeu.
Dest’arte, óbvio se apresenta que censura não merece o decidido no Acórdão ora recorrido, o que leva à necessária improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Dezembro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
Proc. 176/2020 Pág. 42
Proc. 176/2020 Pág. 1