Processo n.º 428/2020
(Autos de recurso cível)
Data: 7/Janeiro/2021
Recorrente:
- A, S.A. (autora)
Recorrida:
- B Limitada (ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, S.A. (doravante designada por “autora” ou “recorrente”) intentou acção declarativa comum sob a forma de processo ordinária contra B Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrida”), pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia global de MOP$4.733.909,61, juros de mora legais vencidos e vincendos.
Feito o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré absolvido do pedido de pagamento da quantia de HK3.695.807,25 reclamadas em virtude de ter havido perdas na sala de jogo e de os ganhos por mesa não terem atingido certo valor.
Inconformada, recorreu a autora jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo que julgou a presente acção parcialmente procedente e em consequência decidiu “condenar a Ré, B, S.A., a pagar à Autora, A, S.A., a quantia de HK$116.093,03, acrescido de juros à de 11,75% contados a partir de 30 de Setembro de 2015.”
II. A ora Recorrente não se conforma com esta decisão e está em crer que a mesma padece de nulidade por violação do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC e vício de erro na aplicação do direito.
III. A ora Recorrente não se conforma com o entendimento do douto Tribunal a quo no que respeita à (i) nulidade da cláusula contratual que estabelece que a remuneração da Ré corresponde a 55% dos ganhos da sala VIP por violação do limite estabelecido no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009 e (ii) à violação do disposto nos artigos 7º e 17º da Lei n.º 16/2001, de 24 de Setembro.
IV. Conforme resulta dos factos apurados, a comissão da Ré pode ser calculada com base nos ganhos da sala VIP e com base nas fichas adquiridas, sendo que a percentagem aplicável aos ganhos da sala variava entre os 45% e 55%, e sobre as fichas adquiridas, 0,04% e 0,12%, sendo que o que serve de base ao limite da remuneração do promotor de jogo fixado no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009 é o valor total apostado (net rolling).
V. Nenhuma ligação existe entre as fichas adquiridas por um lado e o valor total apostado por outro, e nem entre os ganhos da sala VIP e o valor total apostado, não se podendo retirar de uns valores os outros.
Assim sendo,
VI. Parece indiscutível que, da letra do contrato dos autos não resulta qualquer violação ao limite imposto pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009.
VII. Por outro lado, por não existirem nos autos quaisquer informações relativas ao net rolling (valor total apostado), também em termos de facto não poderia o douto Tribunal chegar à conclusão a que chegou.
VIII. Mas ainda que se conceba a hipótese de, na prática, a remuneração a pagar à Ré por força do contrato dos autos poder ultrapassar o limite estabelecido no mencionado Despacho, o certo é que não passa disso mesmo, de uma mera possibilidade não geradora de nulidade da cláusula contratual que estabeleceu a remuneração da Ré. Ademais,
IX. O normativo contido em tal Despacho prescreve apenas que a remuneração não pode ultrapassar um determinado limite, sendo que, na modesta opinião da ora Recorrente, caso esse limite seja de facto ultrapassado, a consequência seria a impossibilidade de a ora Autora pagar à Ré o valor que fosse em excesso daquele limite.
X. Nem do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, nem de qualquer outro que disciplina os contratos de promoção de jogo, resulta qualquer limitação à modalidade que pode revestir a remuneração do promotor e nem à forma como a mesma é estabelecida, sendo que a preocupação da lei nesta questão se prende só com o seu limite máximo e em claro beneficio das concessionárias que não só não estão obrigadas, como não podem, pagar mais do que o limite estabelecido na lei, independentemente de, de acordo com a forma de cálculo estabelecida no contrato, na prática, a remuneração poder atingir um valor que o ultrapasse.
XI. Ora, face ao supra exposto incorreu em erro de direito o douto Tribunal a quo ao considerar que a cláusula que estabelece o valor da remuneração da Ré viola o disposto no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, sendo por conseguinte nula.
XII. O douto Tribunal a quo entende que se estabeleceu uma parceria entre a Autora e a Ré na exploração do jogo, sendo que, nada indica que a Ré foi autorizada nos termos do artigo 17º, n.º 9 da Lei n.º 16/2001, e por conseguinte julgou ser nulo o contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos.
XIII. Sem perder de vista o convite veiculado pelo despacho de fls. 148, esta decisão trata-se de uma decisão surpresa.
XIV. O despacho de fls. 148 foi proferido já depois de realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto e a ele respondeu a ora Recorrente através do requerimento apresentado a juízo em 03 de Setembro de 2019, para o qual se remete.
XV. Face ao teor do despacho de fls. 148 dos autos, a ora Recorrente podia contar que o douto Tribunal a quo antevia questões que se poderiam prender com a eficácia das cláusulas relativas à remuneração da Recorrida, porém, para além das que se prendem com a eventual violação dos limites impostos pelo Regulamento Administrativo 27/2009 e o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009 não lhe era possível antever em que outras eventuais violações tais cláusulas poderiam incorrer.
XVI. Em termos gerais, na sua resposta a ora Recorrente remete para o controlo que a Direcção de Inspecção de Jogos faz dos Contratos de Promoção de Jogos realiza em relação não só aos Contratos de Promoção de Jogos para de toda a actividade desenvolvida pelas Concessionárias e os seus Promotores, e mais especificamente, no que respeita à eventual violação dos limites impostos pelo Regulamento Administrativo 27/2009 e o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, tentar afastá-la com recurso aos factos apurados, ao direito aplicável e à mais recente jurisprudência firmada no douto Acórdão do TUI, no que respeita à vertente negativa da remuneração.
XVII. Foi por isso com evidente surpresa que a ora Recorrente se deparou com o entendimento de que as referidas cláusula contratuais contendiam com o disposto nos artigos 7º e 17º da Lei n.º 16/2001, estando em crer, face à extensão da Lei em que os mesmos se enquadram e nunca a questão tendo sido abordada nos presentes autos, dever o douto Tribunal a quo ter mencionado especificamente estas disposições legais no referido despacho de fls. 148, assim dando cabal cumprimento ao princípio do contraditório nele invocado, não se compreendendo por que motivo não o fez por forma a dar às partes a oportunidade de se pronunciarem de forma completa e esclarecida.
XVIII. Tanto mais quando o entendimento do douto Tribunal a quo em relação à alegada violação daquelas disposições legais se reputou essencial e determinante na decisão da causa.
XIX. Donde, salvo devido respeito, a decisão ora em crise, uma decisão surpresa, por não dar cabal cumprimento ao disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, padece de nulidade, desde já se remetendo na íntegra para o claríssimo e douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/19/2018, proferido no âmbito do processo n.º 533/04.OTMBRG-K.G1, disponível em www.dgsi.pt, e que, não obstante a sua extensão, face à sua clareza e adequação a título de direito comparado se invoca.
XX. Salvo devido respeito por melhor opinião, nesta matéria, não é este o único vício que se pode assacar à decisão recorrida, estando-se em crer que nenhuma das cláusulas do contrato de autos, designamente aquelas que incidem sobre a remuneração da Recorrida, viola o disposto nos artigos 7º e 17º, n.º 9 da Lei 16/2001.
XXI. Conforme resulta das disposições legais que o douto Tribunal considera violadas, é nula a transferência/cessão para terceiro da exploração de jogos, não nos parece porém que isso se verifique no caso dos autos.
XXII. Para que se fale em transferência/cessão da exploração de jogos necessários nos parece ser que a concessionária, neste caso a ora Recorrente, transfira para um terceiro a faculdade de explorar, de forma autónoma e independente e por sua conta e risco, a actividades de jogos de fortuna ou azar em casino, essa transferência pode ocorrer limitada à exploração de jogos numa específica sala VIP, mas, quer nos parecer que o que a lei pretendeu impedir é o exercício autónomo e por entidade não autorizada da actividade de exploração de jogos e não uma mera partilha de resultados, positivos e negativos.
XXIII. A actividade de exploração de jogos de fortuna e azar é uma actividade muito complexa e mediante a qual se disponibiliza ao cliente o jogo, providenciando um espaço, mesas de jogo, slot machines, cartas, fichas, croupiers, aceitação de apostas, pagamento ou apropriação do resultado do jogo… e no presente caso, nenhuma destas obrigações foi transferida para o promotor do jogo, tendo sido sempre a ora Recorrente quem, durante a execução do contrato, providenciou aos jogadores a sala, as mesas de jogo, as cartas, as fichas, os croupiers, aceitou as apostas e pagou/reteve o resultado do jogo.
XXIV. A Recorrida por seu turno angariava clientes para jogar na sala VIP e aproveitava ou participava da actividade desenvolvida pela Recorrente, na medida em que a sua retribuição dependia dos resultados obtidos pela sala VIP, sem que isso signifique que explorasse ou sequer lhe tivesse sido transferida/cedida a exploração do jogo.
XXV. Explorar a actividade de jogo não pode senão significar a prática de todo o conjunto de actos materiais e jurídicos que o jogo envolve, por forma a se obter as virtualidades económicas que o mesmo encerra, em benefício próprio e exclusivo, pelo que a participação nos resultados, quer eles sejam positivos quer negativos, de uma determinada sala VIP não é subsumível à figura da transferência/cessão da actividade prevista na Lei, tal participação, por si só não é suficiente para se preencher a previsão da norma.
XXVI. A exploração de jogo, conforme é prevista na própria Lei do Jogo, implica e traz consigo sempre a execução de um concreto jogo ou o exercício autónomo da actividade em questão – veja-se a propósito os artigos 1º, n.º 2, alínea a), ou art. 3º, n.º 1, art. 4º, n.º, art. 5º, n.º 5 – e é esta exploração, salvo devido respeito, que a norma contida no artigo 17º, n.º 9 quis prevenir.
XXVII. Parece-nos claro que a Lei nos referidos preceitos legais (artigo 7º e 17º, n.º 9) não teve em vista uma mera participação nos resultados da sala, como forma de remuneração da actividade do promotor, o que tais preceitos pretendem evitar é que um terceiro não autorizado tome as rédeas da exploração de uma actividade altamente regulada e a qual só entidades devidamente autorizadas, face às responsabilidades sociais que acarretam, estão em condições de facultar ao grande público.
XXVIII. Quanto à licitude de essa remuneração ser negativa, já se pronunciaram os doutos Tribunais de Segunda e Última Instância, no âmbito do processo 4/2015, nos acórdãos citados na decisão recorrida e para os quais face à sua relevância se remete, tendo em tais arestos sido decidido que a vertente negativa da remuneração da promotora cabe na autonomia das partes e não contende com qualquer norma que regula o contrato dos autos, conforma aliás reconheceu o próprio tribunal a quo.
XXIX. Assim sendo, a possibilidade da Recorrente participar nas perdas da sala VIP e de se ver sujeita a penalizações por não atingir os objectivos contratualmente impostos, não importa qualquer transferência da exploração da sala, representando somente uma fórmula de cálculo da comissão a que a Recorrida estava intitulada por força do contrato de promoção de jogo.
XXX. Esta prática é uma prática normal e comummente aceite na indústria do jogo da RAEM, sendo que os contratos entre concessionária e promotor de jogo não são o resultado de uma mera relação específica entre uma concessionária e um determinado promotor de jogo, mas antes obedece a um padrão ou a um standard já aceite no sector de jogo, sendo apenas normal fixar o valor ou a percentagem específica a um determinado promotor de jogo num modelo de contrato já existente.
XXXI. Tal modelo de contrato existe no sentido em que ele plasma a vontade dos próprios promotores de jogo de quererem participar nos lucros e prejuízos resultantes do trabalho por eles desenvolvido, sendo esta uma forma de obterem um maior rendimento.
XXXII. A existência no contrato de promoção de jogo de uma variante de cálculo da comissão que passe também pela aplicação de uma percentagem às perdas verificadas na sala VIP objecto do contrato de promoção e que a aplicação de tal variante possa implicar para o promotor a obrigação de compensar a concessionária pelo mau resultado da sua actividade, não implica, salvo devido respeito por melhor opinião, a cessão ou transferência, ainda que parcial, da exploração dos jogos naquele Sala VIP.
XXXIII. Ademais, se o contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos implicasse uma verdadeira cessão da exploração da sala VIP objecto do mesmo não autorizada, a entidade reguladora do sector, ou seja, a Direcção de Inspecção e coordenação de Jogos (DICJ) há muito teria intervindo enquanto entidade reguladora e fiscalizadora da actividade de jogo e mais especificamente da legalidades dos contratos celebrados entre concessionárias e promotores, cfr artigo 6º, alíneas 2) e 4) do supra mencionado Regulamento Administrativo.
XXXIV. Assim salvo devido respeito por melhor opinião, não se afigura correcto o entendimento do douto Tribunal a quo de que o contrato de promoção de jogo celebrado entre a ora Recorrente e a Recorrida é nulo por violação do disposto no artigo 17º, n.º 9 da Lei 16/2001, uma vez que o mesmo implica uma cessão, ainda que parcial, da exploração da sala VIP para a Recorrida.
XXXV. Motivo pelo qual, por violar o disposto nos artigos 27º do Regulamento Administrativo 27/2009, o n.º 1 do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, o artigo 3º, n.º 3 do CPC e os artigos 7º e 17º, n.º 9 da Lei 16/2001, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que, face à factualidade assente e provada no âmbito dos presentes autos, julgue procedentes por provados os pedidos da ora Recorrente.
Termos em que e nos demais de Direito deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que julgue a acção procedente por provada. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso não respondeu a ré ora recorrida, por se encontrar em revelia absoluta.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica à exploração de jogos de fortuna e azar em casino.
A Autora é concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, nos termos do contrato celebrado por escritura pública em 28 de Março de 2002 entre a primeira outorgante e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), publicado no Suplemento da Série II do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau nº 14, de 3 Abril de 2002, e posteriormente alterado por escritura de 19 de Abril de 2005, lavrada de folhas 90 a 122 do Livro 373 da Divisão de Notariado da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, alteração essa publicada na Série II do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau nº 18, de 4-5-2005.
A Ré é uma sociedade registada na Conservatória do Registo comercial de Macau sob o nº XXX que se dedica à actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em Casino.
Em 3 de Março de 2011 a Autora celebrou com a Ré um Contrato de Promoção de Jogos de Fortuna ou Azar em Casino para a Sala XXX B Vip Club (HJ224), sita no Casino C.
Aquando da celebração e vigência do contrato acima referido no artigo anterior, a Ré era titular da licença de promotor de jogo n.º E102 emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos.
No âmbito do referido Contrato de Promoção de Jogos, a Ré comprometeu-se a tomar todas as diligências necessárias à promoção do mercado, entre as quais, o aprovisionamento de transporte, alimentação, alojamento e entretenimento, com vista a captar os interessados para jogarem na Sala XXX B Vip Club (HJ224).
A Ré obrigou-se contratualmente a adquirir mensalmente à Autora, para os jogadores por si angariados, fichas de jogo especiais, destinadas a serem exclusivamente utilizadas na sala: XX國際會HJ224, tendo depois a denominação da referida sala sido alterada para XX貴賓會XXX B VIP Club.
A Ré obrigou-se a adquirir mensalmente, para os jogadores por si angariados, um volume mínimo de fichas especiais por mesa correspondente a HKD250.000.000,00.
Sendo a sua remuneração calculada de acordo com o estipulado no Plano A constante do Anexo I do contrato.
A retribuição acordada era paga pela Autora à Ré até ao dia 10 do mês seguinte a que a mesma diz respeito.
A Ré comprometeu-se a compensar a Autora pelas perdas verificadas na Sala VIP por si promovida até ao dia 5 do mês seguinte a que tais perdas digam respeito e autorizou a Autora a descontar nas retribuições que lhe competissem os valores das penalizações.
A Ré autorizou a Autora a descontar os impostos legalmente estabelecidos nas remunerações cujo pagamento lhe fosse devido.
A Sala VIP promovida pela Ré contava, aquando da celebração do Contrato de Promoção de Jogo, com 12 mesas de jogo, tendo gradualmente sido este número reduzido até que, aquando da cessação do contrato já só contava com 4 mesas.
O contrato foi inicialmente celebrado pelo prazo de 3 anos, tendo depois vindo a ser prorrogado até 30 de Junho de 2015 através dos aditamentos ao contrato celebrados em 22 de Abril de 2014 e 2 de Março de 2015.
Através do Aditamento ao Contrato celebrado em 22 de Abril de 2014, a Autora e a Ré concordaram, entre outros, por um lado alterar os objectivos da Ré, sendo que agora esta teria que promover a aquisição um volume mínimo de fichas especiais por mesa correspondente a HKD200.000.000,00 ou assegurar que cada mesa tivesse um ganho mensal superior a HKD5.000.000,00.
Bem assim como alterar a forma de cálculo da remuneração que à Ré cabia, nos termos seguintes:
Montante de Fichas por mês
Comissão baseada nos ganhos
Comissão sobre fichas adquiridas
Subsídio
De
Até
(%)
(%)
(%)
100.000.000.000
mais
47,50
0,120
0,03
950.000.000
100.000.000.000
47,50
0,120
0,03
900.000.000
950.000.000
47,50
0,120
0,03
850.000.000
900.000.000
47,50
0,120
0,03
800.000.000
850.000.000
47,50
0,120
0,03
750.000.000
800.000.000
47,50
0,120
0,03
700.000.000
750.000.000
47,50
0,110
0,03
650.000.000
700.000.000
47,50
0,100
0,03
600.000.000
650.000.000
47,50
0,090
0,03
550.000.000
600.000.000
47,50
0,080
0,03
500.000.000
550.000.000
47,50
0,070
0,03
450.000.000
500.000.000
46,00
0,060
0,03
400.000.000
450.000.000
46,00
0,0550
0,03
350.000.000
400.000.000
46,00
0,050
0,03
300.000.000
350.000.000
46,00
0,045
0,03
250.000.000
300.000.000
46,00
0,040
0,03
200.000.000
250.000.000
46,00
0,000
0,03
Menos de 200.000.000
45,00
0,000
0,03
O subsídio de 0,03% que consta da última coluna da tabela, diz respeito a uma provisão no valor máximo correspondente a 0,03% das fichas adquiridas, para fazer face às despesas de alojamento e transporte incorridas no âmbito da sua actividade.
Essa provisão não era dada em numerário, devendo, ao invés, ser por meio de bilhetes de oferta de jetfoil e vouchers de alojamento em quartos de hotel designados.
Ainda nos termos acordados no referido Aditamento, caso a Ré não conseguisse atingir os objectivos mencionados, a sua comissão seria calculada à razão de 55% dos resultados líquidos da Sala VIP, acrescida ou deduzida de uma penalização correspondente a HKD500.000,00 por mesa de jogo.
Caso as receitas da sala de jogo promovida pela Ré fossem negativas e/ ou caso a penalização a que a Ré estava sujeita, ultrapassassem o valor da Comissão a que estava intitulada, a Autora estava autorizada a descontar nas retribuições que lhe competissem tais valores a suportar pela Ré.
O contrato de promoção de jogo celebrado entre as partes terminou no prazo estipulado para o efeito, ou seja, 30 de Junho de 2016.
Durante o período de vigência do contrato, Autora e Ré mantiveram uma conta corrente reflectindo na mesma a fórmula de cálculo da Comissão acordada.
Até Março de 2015 a Ré conseguiu atingir, pelo menos, um dos objectivos estipulados no Aditamento ao Contrato.
A partir de Março de 2015 e até Junho desse mesmo ano, a Ré deixou de conseguir atingir os seus objectivos.
Em Março de 2015, a Ré conseguiu promover a aquisição de fichas para a sala de jogo por si promovida no valor de HKD311.200.000,00.
Tendo a Autora suportado, por conta da aquisição de tais fichas, o pagamento de um imposto no valor de HKD31.120,00.
Nesse mês, a Sala VIP apresentou uma perda de HKD1.052.000,00.
No mês de Abril de 2015, a Ré conseguiu promover a aquisição de fichas para a sala de jogo por si promovida no valor de HKD126.500.000,00.
Tendo a Autora suportado, por conta da aquisição de tais fichas, o pagamento de um imposto no valor de HKD12.650,00.
A sala VIP teve um ganho no valor de HKD6.386.000,00.
Em Maio de 2015, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor de HKD93.700.000,00.
Tendo a Autora suportado, por conta da aquisição de tais fichas, o pagamento de um imposto no valor de HKD9.370,00.
Nesse mês a sala VIP apresentou perdas no valor de HKD606.000,00.
No mês de Junho de 2015, a Ré promoveu a aquisição de fichas especiais para serem jogadas na Sala VIP no valor de HKD34.700.000,00.
Tendo a Autora suportado a título de imposto o valor de HKD3.470,00.
Nesses mês, a Sala VIP apresentou um lucro de HKD3.097.805,00.
Nos meses compreendidos entre Março e Junho de 2015, a Ré incorreu em despesas com alojamento e transporte de clientes em valor superior ao valor da provisão que, para esse efeito, tinha direito, excedendo em HKD32.265,03.
A título de despesas de alimentação incorridas nos estabelecimentos de comidas e bebidas da Autora, a Ré gastou, em Março de 2015, o valor de HKD18.740,00.
Em Abril de 2015, HKD5.114,00.
Em Maio de 2015 HKD775,00.
Em Junho de 2015 HKD2.589,00.
Sendo que, nos termos contratualmente estipulados, na remuneração que à Ré cabia não se incluíam as despesas de alimentação.
Por carta datada de 25 de Junho de 2015, para além de reconhecer que tinha uma dívida para com a Autora lhe solicitou o pagamento da mesma em 10 prestações mensais, sendo a primeira a pagar em 15 de Agosto de 2016 e última em 15 de Maio de 2016.
A Autora verbalmente aceitou a proposta assim apresentada pela Ré.
Solicitou-lhe que em 13 de Julho de 2015 fosse às suas instalações para assinar os documentos relativos à cessão do contrato e ao acordo do pagamento de dívida em 10 prestações mensais e sucessivas.
Depois do encerramento da sala VIP no dia 30 de Junho de 2015, a Autora não mais conseguiu contactar com a Ré.
Consequentemente enviou-lhe a carta junto de fls 85 dos autos, solicitando-lhe que no prazo de 7 dias se deslocasse às instalações da Autora a fim de assinar não só dos documentos referentes à cessação do contrato de promoção de jogo e encerramento da sala VIP, mas ainda o documento referente ao acordo de pagamento da dívida de HKD6.151.067,38 em dez prestações mensais e sucessivas, com a consequente emissão de 10 cheques pré-datados.
Tendo-a advertido expressamente que caso não comparecesse na referida data a dívida ser-lhe-ia exigida integralmente.
A Ré não só não compareceu nas instalações da Autora para os fins solicitados na referida missiva.
Como também nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia.
A Autora, através do seus mandatários, enviou ainda à Ré, para os seus endereços conhecidos, cartas de interpelação junta a fls 86 a 94 para pagamento da quantia em dívida.
Porém tais cartas vieram devolvidas por não terem sido reclamadas.
Cartas que, tendo sido enviadas para as moradas da Ré constantes do registo comercial mas não recebida pela Ré.
Até à presente data, a Ré não procedeu ao pagamento da referida quantia à Autora.
*
A recorrente começa por referir que o Tribunal recorrido teria violado o princípio do contraditório, na medida em que ao ser confrontada com a questão de eficácia das cláusulas contratuais constantes do contrato de promoção, não se deparou com o entendimento de que as referidas cláusulas contratuais podiam contender com o disposto nos artigos 7.º e 17º da Lei n.º 2001, face à extensão da Lei em que aqueles artigos se enquadram e nunca a questão foi abordada nos autos.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que não houve violação do princípio do contraditório, tendo em consideração que o Tribunal recorrido já teve oportunidade de notificar as partes de que as cláusulas contratuais constantes do contrato de promoção poderiam contender com o regime legal previsto na Lei n.º 16/2001, no Regulamento Administrativo n.º 6/2002 e no Regulamento Administrativo n.º 27/2009, daí que podendo as partes pronunciar-se sobre aquela questão, sendo que, em boa verdade, cabe ao Tribunal interpretar e aplicar as normas jurídicas que melhor entender.
Nestes termos, por não se vislumbrar a alegada violação do princípio do contraditório, improcede, assim, o recurso quanto a esta parte.
*
São duas as questões suscitadas no recurso.
A primeira consiste em saber se a cláusula acordada entre autora e ré, no sentido de impor a esta o dever de suportar 55% dos prejuízos das mesas de jogo, teria violado o disposto no artigo 27.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, com a nova redacçao dada pelo Regulamento Administrativo n.º 27/2009.
Dispõe aquele artigo o seguinte:
“1. O Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho, o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento; 2. Para efeitos do presente artigo, presume-se que têm carácter remuneratório, quaisquer bónus, liberalidades, serviços ou outras vantagens susceptiveis de avaliação pecuniária que sejam oferecidas ou proporcionadas ao promotor de jogo pela concessionária, na Região Administrativa Especial de Macau ou no exterior, quer seja por forma directa ou indirectamente, através de sociedade participada pela concessionária ou com a qual a mesma esteja em relação de grupo; 3. O despacho previsto no n.º 1 aplica-se a todas as comissões ou remunerações futuras, ainda que pagas ao abrigo de contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, e para tal é concedido um prazo aos interessados para apresentarem na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos novos contratos redigidos de acordo com os limites remuneratórios nele estabelecidos.”
Por sua vez, por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos foi fixado em 1,25% do valor total apostado (net rolling).
Entende a sentença recorrida que a cláusula estabelecida entre autora e ré no sentido de impor a esta última o dever de suportar 55% dos prejuízos das mesas de jogo é nula em virtude de a remuneração acordada ser superior a 1,25% do valor total apostado (net rolling).
Salvo o devido respeito por melhor opinião, não partilhamos a mesma opinião.
É verdade que o valor das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos não pode ser superior a 1,25% do valor total apostado (net rolling).
E no caso concreto, conforme a matéria de facto provada, é bom de ver que a comissão da ré é calculada com base nos ganhos da sala VIP, sendo a percentagem aplicável aos ganhos da sala variava entre os 45% e 55%, e também com base nas fichas adquiridas, entre os 0,04% e 0,12%, mas não se sabe, por não ter sido alegado muito menos provado, se a comissão recebida ou a receber pela ré ultrapassará o limite imposto pelo Senhor Secretário, isto porque o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos, fixado em 1,25%, diz respeito apenas ao valor total apostado (net rolling) e não está directamente relacionada com os ganhos da sala VIP nem com as fichas adquiridas.
Isto posto, por não se lograr a prova de que o valor da comissão recebida ou a receber pela ré seja superior ao limite máximo previsto na lei, não devemos considerar nula a cláusula estipulada pelas partes que estabelece a contrapartida da actividade desenvolvida por aquela ré, no valor correspondente a 55% dos lucros das mesas de jogo, procedendo, assim, as razões aduzidas pela recorrente.
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A segunda questão levantada pela recorrente é saber se as cláusulas contratuais acordadas pelas partes relativas à responsabilidade nos casos de perdas e nos casos em que os objectivos não são atingidos, estão feridas de nulidade por violação do disposto nos artigos 7.º e 17.º da Lei n.º 16/2001.
Quanto a esta questão, louvamos a acertada decisão proferida pela primeira instância com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, nos seguintes termos que se transcrevem:
“Apesar disso e bem vistas as cláusulas contratuais relativas à responsabilidade nos casos de perdas e nos casos em que os objectivos não são atingidos, constata-se que as mesmas violam o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino constante da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro.
Nos termos do artigo 7º dessa Lei “1. A exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada à Região Administrativa Especial de Macau e só pode ser exercida por sociedades anónimas constituídas na Região, às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, nos termos da presente lei. 2. É de três o número máximo de concessões para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.”
A isso acresce que o artigo 17º, nº 9, do mesmo diploma prevê que “É nula a transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, bem como de outras actividades que constituam obrigações legais ou contratuais da concessionária, sem prévia autorização do Governo.”
Ora, das regras relativas à responsabilidade nos casos de perdas e nos casos em que os objectivos não são atingidos vê-se que a Ré não se obrigou apenas a canalizar jogadores para os casinos da Autora como esta alega. Com efeito, para obter a “remuneração” correspondente a 55% dos ganhos verificados nas mesas de jogo da sala promovida pela Ré, a sala de jogo tinha que conseguir lucros com a sua actividade de exploração do jogo. A isso acresce o risco de suportar 55% das perdas tidas nessa mesma actividade e pagar uma quantia de HK$500.000,00 por mesa de jogo se o volume de venda não atingir HK$200.000.000,00 por mesa e os ganhos obtidos por cada mesa de jogo não forem superior a HK$5.000.000,00.
Trata-se manifestamente de uma parceria entre a Autora e a Ré na exploração do jogo assumindo esta parte dos riscos desta actividade, quer quando ocorram prejuízos quer ainda quando os ganhos não atingirem certo nível, em violação das normas acima transcritas.
Ora, nada indica que a Ré foi autorizada nos termos do artigo 17º, nº 9, da Lei nº 16/2001.
Por se tratar de uma área altamente regulamentada onde a liberdade contratual está sujeita às regras imperativas fixadas no regime regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, a parceria estabelecida entre a Autora e a Ré não pode ir contra o que está definido nas normas dos artigos 7º e 17º da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, acima transcrito.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 273º do CC e do artigo 17º, nº 9, da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, o acordo estabelecido entre a Autora e a Ré é nulo e não pode vincular as partes, não podendo a aquela exigir a esta o pagamento de parte das perdas tidas nas mesas de jogo.
Com o que se deve também absolver a Ré dos pedidos de pagamento de da quantia HK$3.695.807,25 (HK$8.000.000,00 - HK$4.304.192,75) reclamadas em virtude de ter havido perdas na sala de jogo sub judice e de os ganhos por mesa não terem atingido certo valor.”
Por economia de esforços, damos aqui por reproduzido o teor da análise acima efectuada, para o qual remetemos e, em consequência, negamos provimento ao recurso interposto pela autora ora recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela A, S.A., confirmando a sentenca recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 7 de Janeiro de 2021
Tong Hio Fong
(Não obstante ter aderido num Acórdão anterior deste TSI à posição algo diversa quanto à 2ª questão tratada no presente Acórdão e tendo reponderado a mesma, acabo por mudar dessa posição e passar a aderir à solução ora adoptada no presente Acórdão.)
Lai Kin Hong
(Voto vencido pelos fundamentos constantes do Acórdão de 30.07.2020 proferido no processo nº 267/2020 do qual fui relator.)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Recurso cível 428/2020 Página 24