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Processo n.º 167/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 14 de Outubro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Suspensão de eficácia de acto administrativo
- Acto negativo propriamente dito

SUMÁRIO
1. O acto negativo propriamente dito é aquele que deixa a esfera jurídica do interessado inalterada, sem qualquer efeito positivo de natureza secundária ou acessória.
2. Com a prolação do acto de indeferimento do pedido de autorização de residência na RAEM, nada foi constituído, modificado nem extinto na esfera jurídica do interessado, que continua na mesma situação jurídica em que se encontrava antes da prática do acto, afigurando-se intocada a sua esfera jurídica.
3. Estando em causa um acto negativo propriamente dito, insusceptível é a suspensão da sua eficácia.
   
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos do art.º 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o procedimento de suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 31 de Julho de 2020, que indeferiu o seu pedido de autorização de residência na RAEM.
Por Acórdão proferido em 3 de Setembro de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Inconformada com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Versa o presente Recurso sobre o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (Proc. n.º 810/2020) que indeferiu o Pedido de suspensão de eficácia formulado pela ora Recorrente, sujeito a uma tramitação de recurso em processos urgentes, para efeitos do artigo 160.º do CPAC, assumindo um efeito suspensivo da decisão ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 155.º do CPAC;
2. O efeito suspensivo da decisão ora recorrida decorre de se aplicar, ao presente recurso ordinário, o regime geral previsto no n.º 1 do artigo 155.º do CPAC, que prevê que o recurso ordinário tenha, em regra, um efeito suspensivo da decisão recorrida,
3. E sem que se deva aplicar, ao presente recurso ordinário, o regime especial contido no n.º 2 do artigo 155.º do CPAC, nos termos do qual é de atribuir um efeito meramente devolutivo à decisão de suspensão da eficácia de actos administrativos (que, no caso infelizmente não foi assim tomada, não se tendo decidido suspender a eficácia do acto administrativo em causa);
4. Trata-se, de resto, da posição que tem vindo a ser seguida pela melhor doutrina, ao sublinhar que: “Quanto a decisão que indefere o pedido de suspensão da eficácia de actos administrativos ou normas, ela tem efeito suspensivo, nos termos do n.º 1. Assim, se o acto ou norma estiverem suspensos provisoriamente, nos termos do artigo 126.º, n.º 1, e o tribunal indeferir o pedido, o recurso tem efeitos suspensivos da decisão, continuando o acto ou norma suspensos” (Cfr. Viriato Lima / Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso – Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, pág. 408);
5. Mais se tem entendido que: “Se a decisão da providência tiver sido de improcedência do pedido de suspensão de eficácia o efeito do recurso jurisdicional será suspensivo. Também aqui se percebe a intenção do legislador, que é a de proteger o direito e interesse do requerente até que o tribunal se pronuncie definitivamente sobre a pretensão, acautelando-lhe assim a tutela judicial efectiva. Retomando o exemplo citado na anotação anterior, se o cidadão a quem foi revogada a autorização de residência na RAEM não teve sorte na 1.ª instância, por não ter sido deferida a pretensão, interpuser recurso jurisdicional, a este será atribuído efeito suspensivo. Haverá, então, que aguardar pela decisão do recurso jurisdicional. Se este lhe der razão e revogar a decisão recorrida, ficarão assegurados os seus direitos e interesses – o mesmo é dizer, poderá permanecer na RAEM – até que o recurso contencioso que tiver interposto venha a ser decidido com trânsito em julgado” (Cfr. José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Vol. II (Artigos 97.º a 187.º), Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2018, pág. 415).
6. De onde, salvo melhor opinião, deve o presente Recurso ter efeito suspensivo, mantendo-se a suspensão provisória decorrente do artigo 126.º do CPAC, devendo o Recorrido não prosseguir com a execução, devendo impedir, com urgência que os serviços competentes procedam ou continuem a proceder à execução, até à apreciação do presente recurso ordinário por parte do Tribunal de Última Instância;
Em particular,
7. Deve ser atendido a que, no dia 4 de Setembro de 2020, a ora Recorrente já se viu confrontada com impedimentos (indevidos e injustificados) a que a sua filha, menor, pudesse ter sido “provisoriamente” autorizada a frequentar a [Escola], num momento em que a Decisão tomada pelo Tribunal de Segunda Instância no sentido de indeferir o pedido de Suspensão de Eficácia formulado pela Recorrente, que aqui se recorre, não tinha ainda transitado em julgado;
8. Requer-se, assim, que o Recorrido deva diligenciar para que os efeitos suspensivos que decorrem do presente recurso ordinário sejam respeitados, nomeadamente informando a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) para que acautele devidamente o efeito suspensivo decorrente do presente Recurso Ordinário, até que o Tribunal de Última Instância se possa pronunciar de forma útil sobre o mérito dos presentes autos;
Sem prescindir,
9. Decidiu o Tribunal de Segunda Instância que o pedido de suspensão de eficácia apresentado pela Recorrente teria apenas um conteúdo negativo, sem uma vertente positiva, não sendo susceptível de ser suspenso, nos termos do artigo 120.º do CPAC;
10. Ora, salvo o devido respeito, está a ora Recorrente em crer que, contrariamente ao avançado pelo douto Tribunal de Segunda Instância, o acto suspendendo em apreço, embora sendo um acto negativo não deixa de apresentar uma vertente positiva, nos termos do artigo 120.º, alínea b) do CPAC e, como tal, se trata de um acto susceptível de ser suspenso;
11. Com efeito, existe, no entender da Recorrente, uma alteração na sua esfera jurídica decorrente do acto de indeferimento do pedido de autorização de residência por si oportunamente formulado;
12. Desde logo, porque, há sensivelmente um ano que a Recorrente, e a sua filha menor, estão autorizadas a permanecer na RAEM, enquanto aguardam decisão relativamente ao seu pedido, período durante o qual a Recorrente, e a sua filha menor, desenvolveram laços sociais, de amizade e de natureza amorosa na RAEM;
13. Em concreto, durante este período de 1 ano de vida em Macau e dentro dos condicionalismos legais a que se encontra obrigada, a Recorrente procurou diligenciar no sentido de proceder no futuro – acaso a sua autorização de residência fosse aprovada – à instalação na RAEM de um Centro de distribuição e de venda de “produtos de beleza e de cosmética” de diversas marcas de elevada reputação e notoriedade internacional pertencentes à [Sociedade];
14. Para o efeito, a Recorrente procurou encetar diversos contactos com vista a encontrar um espaço comercial destinado à instalação de uma loja de venda ao público, bem como de um armazém, tendo igualmente diligenciado no sentido de procurar trabalhadores residentes para prestação de trabalho nos referidos locais, caso o seu pedido de residência fosse aprovado;
15. Decorre do acto administrativo em causa que todo este “investimento” e “desenvolvimento comercial” – com evidente interesse para a diversificação económica da RAEM, servindo também o interesse público da RAEM – corre o risco de “ir por água abaixo”, acaso a ora Recorrente não possa continuar em Macau a diligenciar pela criação de toda esta estrutura produtiva e, em concreto, de um Centro de distribuição e de venda de produtos de cosmética para a [Sociedade];
Acresce, ainda,
16. Que a estadia da Recorrente – e da sua filha menor – na RAEM implicou que a mesma tivesse de arrendar uma habitação, dotando-a do conforto necessário para uma vida condigna em Macau, pelo que desde há 1 ano que casa de morada de família da Recorrente – e da sua filha menor – é na RAEM (residindo numa casa de família em Coloane);
17. Sendo na RAEM que a Recorrente – e da sua filha menor – há sensivelmente um ano têm o seu centro de vida, tendo aqui permanecido e residido dentro dos condicionalismos que uma “autorização de permanência” necessariamente implica;
18. Decorre do acto administrativo em causa que a Recorrente – e a sua filha menor – terão necessariamente de abandonar a sua casa de morada de família onde habitam há mais de 1 ano;
Não se olvide, igualmente, que,
19. Durante este período de 1 ano de vida em Macau a filha menor da Recorrente frequentou, com bom aproveitamento, o 7.º ano de escolaridade, e que de momento se encontra, “condicionalmente”, matriculada e a frequentar o 8.º ano do [Escola];
20. Decorre do acto administrativo em causa que a filha menor da Recorrente terá de abandonar os seus estudos e a sua escola, sem poder concluir o ano lectivo que se iniciou (no dia 07 de Setembro de 2020), e sem que tenha qualquer hipótese de se inscrever e ou de frequentar uma qualquer outra escola no exterior, sabido que, ao tempo, o ano lectivo já estará em pleno primeiro Semestre;
21. Ora, o abandono forçado e repentino da escola por parte da filha menor da Recorrente irá implicar a perda de um ano de escolaridade e, sem dúvida, representar para aquela um conjunto de graves e nefastas consequências negativas para a sua formação pessoal e escolar, obrigando-a a ter de seguir os seus estudos a meio do ano escolar em curso, num outro país ou região, e quem sabe numa outra língua e com métodos de ensino e de avaliação muito distintos do seguido na sua actual escola;
22. O que irá representar, com elevado grau de certeza, que a filha menor da Recorrente seja obrigada a “reprovar” um ano e, deste modo, a perder de forma desnecessária um ano na sua formação escolar, sendo elevados e de difícil reparação os prejuízos que podem advir da execução da decisão recorrida ao nível da boa formação escolar da menor, o que se impõe evitar;
Ao que se diz, acresce que,
23. Desde final do ano passado, a Recorrente vive um relacionamento amoroso com um residente de Macau, estando, desde Junho do corrente ano, a Recorrente a viver numa situação de união de facto com o seu noivo, residente de Macau;
24. Em concreto, a Recorrente já deu início aos preparativos para a realização do seu casamento civil junto do Consulado de Portugal e da Conservatória do Registo Civil da RAEM, tendo em vista agendar o casamento para uma data o mais próximo possível, sendo que apenas por razoes burocráticas e administrativas não foi ainda possível à Recorrente proceder à realização do seu casamento;
25. Decorre do acto administrativo em causa que a Recorrente não poderá celebrar o seu casamento, com um residente de Macau, na RAEM, na data a ser agendada, porquanto a mesma será “forçada” a abandonar todos os preparativos relativos à celebração e festividade da sua cerimónia nupcial;
26. Pelo exposto, está a Recorrente em crer serem estas as modificações em relação à situação existente, que se repercutem na esfera jurídica da Recorrente, que resultam do acto administrativo suspendendo, pelo que se entende existir, salvo o devido respeito, uma vertente positiva para efeitos do artigo 120.º, alínea b) do CPAC e que te evidente que o acto de indeferimento prejudicou a situação anterior, modificando o “status” anterior, de forma muito gravosa ...;
27. Dado que em resultado do acto suspendendo, a Recorrente irá perder a autorização de permanência na RAEM que existia e que lhe foi concedida, enquanto aguardava a decisão final junto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, relativamente ao pedido de autorização de residência por si formulado e extensivo à sua filha menor;
28. Da mesma forma que uma decisão que revogue uma autorização de permanência na RAEM oferece uma vertente positiva, sendo potencialmente susceptível de ser suspensa, também o presente acto suspendendo contém essa mesma vertente;
29. Isto porque, na pendência da apreciação do pedido de autorização da Recorrente, junto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, a Recorrente – e a sua filha menor – beneficiaram de uma autorização de permanência na RAEM;
30. De onde, contrariamente ao concluído pelo douto tribunal recorrido, todo este conjunto de factualidades, devidamente alegadas pela Recorrente, denota a existência de uma notória e manifesta vertente positiva para efeitos do artigo 120.º, alíneas b) do CPAC;
31. Por último, não deixe de se sublinhar, salvo o devido respeito, que a decisão ora recorrida não chegou sequer a pronunciar-se sobre a gravidade e relevância destas várias consequências do acto suspendendo, que no entender da Recorrente consistem manifestamente em prejuízos de difícil reparação para a Recorrente, para efeitos do artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do CPAC;
32. Assim sendo, sem prescindir, deve o douto tribunal de recurso dar como certo e verdadeiro que “alguma coisa mudou na vida” da Recorrente – e da sua filha menor – com a decisão tomada, e que a Recorrente pretende suspender, enquanto aguarda pela decisão do Recurso contencioso que já interpôs contra o acto administrativo que indeferiu o seu pedido de autorização de residência na RAEM – extensivo à sua filha menor;
A terminar,
33. Salvo melhor entendimento, apenas se avança que, contrariamente ao que refere o douto Tribunal recorrido, com a devida vénia, não se visa com a suspensão de eficácia em apreciação que a Recorrente “(…) poderia ficar em Macau a título de residente”, mas antes apenas que o acto administrativo em causa seja suspenso e que a Recorrente e a sua filha menor possa(m) permanecer temporariamente na RAEM, na pendência do Recurso Contencioso de Anulação do Acto Administrativo suspendendo que corre já os seus termos junto do Tribunal de Segunda Instância sob o Proc. n.º 880/2020, o que desce já e para os legais efeitos se requer;
34. Está, pois, em causa, assegurar o efeito útil do recurso contencioso já interposto junto do Tribunal de Segunda Instância, o que corresponde ao exigido pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva, que se refere expressamente aos procedimentos preventivos e conservatórios necessários para acautelar o efeito útil do recurso contencioso, nos termos constantes do art. 2.º do CPAC.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera provada a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Em 18/09/2019, a Requerente formulou junto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência um pedido de autorização de residência para si – e extensivo à sua filha menor B, titular do Passaporte Português n.º PXXXXXX.
2. A Requerente fundamentou o seu pedido de residência na RAEM, tendo por base o facto de ter sido recentemente nomeada responsável pelo desenvolvimento e estratégia de marketing da [Sociedade], bem como pelo desenvolvimento e criação de novas marcas e produtos para o mercado asiático.
3. Por Despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 31/07/2020, foi indeferido o pedido de autorização de residência da Requerente.

3. Direito
A questão suscitada no presente recurso reside em saber se o acto administrativo em causa é acto negativo puro, sem nenhuma vertente positiva ou, antes, apresenta uma vertente positiva, não obstante o seu conteúdo negativo.
O Tribunal de Segunda Instância indeferiu o pedido de suspensão de eficácia apresentado pela recorrente, por entender que o acto administrativo em causa não era susceptível de ser objecto da suspensão de eficácia, pois é um acto negativo puro, não apresentando qualquer vertente positiva.
Defende a recorrente o contrário, alegando que o acto suspendendo em apreço, embora sendo um acto negativo, não deixa de apresentar uma vertente positiva, susceptível de ser suspenso.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Nos termos do art.º 120.º do CPAC, “a eficácia de acto administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Por outras palavras, a eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos “tenham conteúdo positivo” ou, “tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva”.
Daí resulta que, para efeito de suspensão de eficácia, os actos administrativos devem, pelo menos, apresentar uma vertente positiva.
E antes de entrar na análise sobre a verificação ou não dos requisitos previstos no art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia, há que ver, em antemão, se o acto administrativo concreto em causa é susceptível de suspensão de eficácia.
Se se concluir pela insusceptibilidade de suspensão de eficácia do acto administrativo, fica logo naufragada a providência requerida.
Como se sabe, são actos negativos aqueles cuja prolação não altera a situação jurídica em que se encontrava o interessado.
Ao contrário dos actos administrativos positivos, que produzem uma alteração da ordem jurídica, “são actos negativos aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Resulta claramente daquela norma citada que, mesmo se tratando dum acto de conteúdo negativo, pode ser suspensa a sua eficácia, desde que tenha uma vertente positiva.
Daí que, perante um acto de conteúdo negativo, há de analisar se o acto é mesmo puramente negativo ou, antes, com vertente positiva.
Ora, são actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica.”2
O acto negativo propriamente dito é aquele que deixa a esfera jurídica do interessado inalterada, sem qualquer efeito positivo de natureza secundária ou acessória. São exemplos destes últimos casos os pedidos de prorrogação ou manutenção de situações jurídicas quando legalmente permitidas.3
A lei possibilita a suspensão de eficácia do acto que, embora com conteúdo negativo, apresente uma vertente positiva, chamado acto aparentemente negativo.
Voltamos ao nosso caso concreto.
Constata-se nos autos que a ora recorrente apresentou o pedido de autorização de residência na RAEM (extensiva à sua filha), que foi depois indeferido pela entidade recorrida.
Na realidade e do ponto de vista jurídico, o indeferimento do pedido formulado pela recorrente, ou seja, a não autorização de residência, não implica qualquer alteração na sua esfera jurídica (e da filha), pois o seu status anterior se mantém na mesma situação, sem qualquer modificação.
Com a prolação do acto de indeferimento do pedido, nada foi constituído, modificado nem extinto na esfera jurídica da recorrente (e da filha), sendo que tanto a recorrente com a sua filha menor continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando-se intocada a sua esfera jurídica.
Na óptica da recorrente, o acto suspendendo reveste uma vertente positiva para efeitos do art.º 120.º, al. b) do CPAC, na medida em que introduz alterações na sua vida profissional, familiar e na formação escolar da filha menor, que são “modificações em relação à situação existente, que se repercutem na esfera jurídica da Recorrente, que resultam do acto administrativo suspendendo”. E “o acto de indeferimento prejudicou a situação anterior, modificando o ‘status’ anterior, de forma muito gravosa”.
É verdade que, com o indeferimento do pedido e a consequente execução do acto administrativo, haverá alterações na vida da recorrente e da sua filha.
O que não se verifica, no entanto, é a alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da filha.
O que importa, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo, e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado.
Tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, “a esfera jurídica da Recorrente, que não a esfera dos seus interesses meramente fácticos, não sofreu, com o indeferimento em causa, qualquer efeito uma vez que a mesma se encontra em Macau ao abrigo de uma autorização de permanência que, rigorosamente, do ponto de vista jurídico, não é afectada pelo acto suspendendo”.
Não se pode olvidar que, com o pedido apresentado objecto de indeferimento, pretendeu a recorrente obter a autorização de residência na RAEM, que não tinha antes (e também não tem actualmente), introduzindo alteração na sua esfera jurídica, que não conseguiu.
Daí que não se vê modificação do ponto de vista jurídico.
Alega ainda a recorrente que ela e a filha beneficiaram de uma autorização de permanência na RAEM, enquanto aguardavam a decisão final relativamente ao pedido de autorização de residência por si formulado e extensivo à filha menor, pelo que, em resultado do acto suspendendo, irá perder tal autorização de permanência que existia.
Não se trata dum argumento relevante, para além de não se constatar nos factos provados, nem foi alegado pela recorrente na petição do recurso contencioso, quando falou no preenchimento do disposto no art.º 120.º do CPAC.
A autorização de permanência na RAEM, seja concedida a título de turista seja concedida por causa da pendência da apreciação do pedido de autorização da recorrente, reveste sempre a natureza esporádica e temporária, diferente da autorização de permanência.
Também se detecta uma distinção evidente entre o caso da recorrente e a situação em que a Administração revogue uma autorização de permanência na RAEM, invocada pela recorrente, ou indefira o pedido de renovação da autorização de residência, casos em que o statu anterior do interessado fica modificado pela prática do acto administrativo, pelo que o acto oferece uma vertente positiva.
Resta fazer uma nota final sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva finalmente invocado pela recorrente.
Está consagrado no art.º 2.º do CPAC o princípio em causa, segundo o qual “A todo o direito subjectivo público ou interesse legalmente protegidos corresponde um ou mais meios processuais destinados à sua tutela jurisdicional efectiva, bem como os procedimentos preventivos e conservatórios necessários para acautelar o efeito útil de tais meios”.
O direito à tutela jurisdicional efectiva assegurado ao interessado abrange claramente o direito de requerer e obter do tribunal a concessão de procedimentos preventivos e conservatórios necessários, destinados a garantir o efeito útil da decisão a proferir pelo tribunal ao pedido do interessado.
É de notar que, mesmo decretada no caso vertente a suspensão de eficácia pretendida pela recorrente, a sua situação ficaria na mesma, pois a continuação ou não de permanência da recorrente e da sua filha, para aguardar a decisão final a proferir no recurso contencioso (alegadamente já por si interposto), não depende da suspensão ou não de eficácia do acto suspendo.
Daí que se mostra irrelevante a invocação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Concluindo, entendemos que o acto administrativo em causa deve ser considerado como de conteúdo puramente negativo, sem nenhuma vertente positiva, pelo que é insusceptível de suspensão de eficácia.
É de julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.

Macau, 14 de Outubro de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, V. III, p. 155.
2 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 7 de Dezembro de 2005, Proc. n.º 29/2005.
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