Reclamação nº 11/2020/R
A, Autor nos autos do processo CV2-15-0022-CAO que correm os seus termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que lhe indeferiu o pedido de citação dos dois dos habilitandos de uma Ré falecida, através de um advogado que indicou, por ele formulado na sequência do inêxito da tentativa de citação por via postal e que ordenou a repetição da citação por via postal.
Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
A (A), Autor nos autos à margem referenciados, notificado do douto despacho de fls. 337, o qual reteve o recurso de fls. 336 por si apresentado, atribuindo-lhe subida diferida e não imediata, como tinha sido requerido, vem dele reclamar, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil (CPC), o que faz nos seguintes termos:
1. No dia 10 de Setembro de 2015, o ora Autor apresentou requerimento para serem habilitados os herdeiros de B, Ré inicial no presente processo, por esta ter falecido, sendo que os seus termos correram por apenso ao presente processo - cfr. requerimento de habilitação de 10 de Setembro de 2015, o qual consta no apenso n.º CV2-15-0022-CAO-B, cuja certidão este acompanha.
2. Por despacho proferido em 11 de Maio de 2017, foram habilitados como herdeiros da falecida, entre outros, C e D - cfr. fls. 159 do apenso CV2-15-0022-CAO-B, cuja certidão este acompanha;
3. Os quais residem em …, no Canadá, V7R 2K4 - cfr. parágrafo 5 do requerimento de habilitação acima referido;
4. Os quais, primeiro porque a instância principal esteve suspensa entre Setembro de 2017 e Abril de 2019, e, depois, porque o correio que lhes era dirigido desapareceu, ainda não foram citados da petição inicial - cfr. fls. 314 a 317 dos autos, cuja certidão este acompanha;
5. Perante esta demora, o ora Autor requereu a citação edital dos aludidos réus, o que foi indeferido, tendo sido ordenado que se se repetisse a tentativa de citação por via postal - cfr. requerimento de fls. 320 e douto despacho de fls. 321, cujas certidões este acompanham.
6. Só que, perante a situação de epidemia que se tem vindo a viver por todo o mundo desde o início de 2020, os serviços de correio aéreo entre Macau e o Canadá encontram-se suspensos há vários meses, não havendo notícia de quando poderão ser retomados - cfr. conclusões de fls. 324 e 331, cuja certidão este acompanha, e avisos publicados na página de internet dos CTT de Macau, o último dos quais em 4 de Novembro de 2020, disponível em http://www.ctt.gov.mo/MacauPost/Contents/News.aspx?pm=3091, cuja cópia ora se junta como Doc. n.º 1, e aqui se dá por integralmente reproduzida.
7. Estando assim impossibilitada a realização de qualquer citação por via postal.
8. Perante este quadro, e por forma a contribuir para a celeridade do processo, o qual corre já desde 2015, o ora Autor disponibilizou-se para promover a citação dos habilitados C e D através de mandatário judicial no Canadá, nos termos e ao abrigo do n.º 3 do artigo 191.º do CPC - cfr. requerimento de fls. 325, cuja certidão este acompanha.
9. O que foi indeferido por douto despacho proferido a fls. 331 - cfr. certidão que este acompanha.
10. Do qual o ora Autor recorreu a fls. 336, requerendo que o recurso tivesse subida imediata e efeito meramente devolutivo porque, salvo melhor opinião, a sua retenção o tornaria absolutamente inútil - cfr. requerimento de fls. 336, cuja certidão este acompanha.
11. Sendo que, por douto despacho de fls. 337, foi determinado que o aludido recurso tivesse subida diferida, aguardando no autos o primeiro recurso a subir - cfr. fls. 337, cuja certidão este acompanha.
12. Sendo que é desta retenção que ora se reclama.
13. Sem obviamente se entrar nesta sede em discussão sobre o mérito material do recurso em si, porque tal será debatido em seu devido tempo, verifica-se que os autos principais aguardam apenas, e tão só, a citação dos réus C e D.
14. Sendo que não existem quaisquer outras diligências pendentes necessárias para o prosseguimento do processo, nem, razoavelmente, se prevê que venham a surgir.
15. Nem se antecipando que sejam necessários recursos que possam subir imediatamente.
16. Ora, retendo-se o recurso apresentado, e não sendo previsível que ocorreram outros actos processuais até ao levantamento das restrições ao transporte aéreo de correio, verifica-se singelamente que, se e quando tal acontecer, o requerimento de fls. 325, o despacho de fls. 331 e, obviamente, o recurso de fls. 336 se tornam objectivamente inúteis.
17. Porque já desnecessários, uma vez que a razão que os motivou desapareceu - a citação por mandatário tornou-se redundante, porque os serviços de correio aéreo terão sido retomados.
18. E, até lá, ficará o processo parado, a aguardar desenvolvimentos.
19. Em violação do princípio da celeridade processual.
20. Por isso, salvo melhor opinião, afigura-se que a retenção do recurso torna-o absolutamente inútil, nos termos do n.º 2 do artigo 601.º do CPC.
21. Porque é muito previsível que, aquando da sua subida, o Recorrente já dele não retire qualquer efeito útil.
22. Por ter ficado retido.
23. E nem se diga que a retenção do recurso cria mera vicissitudes processuais ou inconveniências ao recorrente, o ora Autor.
24. De facto, a esperada procedência do recurso, quando este finalmente subisse, não aproveitaria em nada ao Autor, já que, nessa altura, é fortemente previsível que os réus C e D já estariam citados por via postal ou a sua citação teria sido realizada por editais - cfr. 321.
25. É jurisprudência uniforme que a inutilidade absoluta do recurso prevista no n.º 2 do artigo 601.º do CPC consiste no facto de a sua decisão, quando acontecer, não produzir quaisquer efeitos no processo, ou o recorrente não retirar dele qualquer efeito útil, ainda que procedente.
26. De facto, conforme vem dito na boa jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, em Portugal: “Recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil será aquele que, seja qual for a solução que o tribunal superior lhe der, será completamente inútil no momento da apreciação diferida: quando, ainda que favorável ao recorrente, já nada lhe aproveite, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada.” (cfr. Acórdão proferido no proc. n.º 8078/02.6TDLSB-A.P1, in www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
27. “... aquilo que o legislador pretende evitar é que o diferimento da subida inutilize por completo as potencialidades da impugnação...” (idem, sublinhado nosso)
28. “Como se encontra pacificamente aceite, a noção de inutilidade completa (do recurso) apenas se adequa a situações que, seja qual for a decisão a proferir em recurso, ela não nunca aproveita ao recorrente não obstante lhe seja totalmente favorável...” (cfr. Acórdão da Relação do Porto, proc. n.º 22/08.3ZRPRT-A.P1, citando o Tribunal da Relação de Lisboa, in www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
29. “... a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, ou seja, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.” (cfr. Ac. da Rel. do Porto, proc. n.º 387/02.0PEGDM.P1, in www.dgsi.pt,sublinhado nosso).
30. “Um recurso torna-se absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar.” (idem, sublinhado nosso).
31. Ou, nas palavras da boa jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, “... O recurso só se torna absolutamente inútil, por força da sua subida diferida, nas situações em que, sendo procedente, não possa já ter qualquer efeito útil na marcha do processo, resultando tal inutilidade precisamente da sua retenção” (Ac. do proc. n.º 6041/17.1T9LSB-B.L1-9, sublinhado nosso).
32. Ou, como se disse pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no proc. n.º 33/05.0JBLSB-B, “A doutrina e jurisprudência entendem unanimemente que a ... absoluta inutilidade corresponde a situações em que a retenção do recurso retira, de todo em todo, qualquer eficácia ao provimento do mesmo, ou seja, nada aproveita o recorrente da decisão favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada, sendo certo que, para este efeito, não constitui inutilidade absoluta a eventual perturbação do desenrolar do processo ou a inutilização de actos já praticados em resultado do provimento do recurso.” (in www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
33. Sendo certo que não está em causa, pela via do recurso retido, a mera anulação de actos processuais, antes se pretende a sua realização, porque o processo está parado (cfr. fls. 324).
34. Ora, sendo grandemente previsível que não haja lugar à prática de actos processuais nos autos até se realizar a citação dos réus C e D, os quais sejam susceptíveis de provocar recursos com subida imediata, patente se torna que, salvo melhor opinião, a retenção do recurso de fls. 336 o torna objectiva e absolutamente inútil.
35. Porque qualquer decisão que seja nele proferida torna-se, naquelas circunstâncias, redundante e sem qualquer efeito útil.
36. Sendo também certo que, porque o aludido recurso tem efeito meramente devolutivo (o que não se contesta), a sua subida nem sequer impede o eventual prosseguimento dos autos, caso tal se justifique, enquanto aquele estiver pendente no Venerando Tribunal de Segunda Instância.
37. E existe sempre a possibilidade de, proferida a decisão recursal, se esta, como se espera, der razão ao recorrente, e continuando os autos a agradar o levantamento das restrições postais, é realizada a pretendida citação por mandatário, assim se cumprindo o princípio da celeridade processual, consagrado no artigo 6.º do CPC.
38. Caso o recurso não proceda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, nada muda no processo, mantendo-se este inerte a aguardar a abertura dos serviços postais.
Nestes termos, deve ser revogada a decisão de fls. 331, na parte que reteve o recurso de fls. 336, por violar o n.º 2 do artigo 601.º do CPC, sendo determinada a subida imediata deste, por a sua retenção o tornar absolutamente inútil.
Passemos então a apreciar a reclamação.
Ora, a única questão levantada pelo reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pelo reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
In casu, o Autor, ora reclamante, na sequência da frustração da citação tentada por via postal dos dois dos habilitandos residentes no Canadá e na incerteza quanto ao momento em que poderá vir a ser levantada a suspensão dos serviços de correio entre Macau e o Canadá, por causa da pandemia Covid-19, pediu que a diligência da citação dos mesmos fosse realizada por um advogado, em exercício da advocacia no Canadá, por ele indicado, ao abrigo do disposto no artº 191º/3 do CPC.
Independentemente da viabilidade legal da realização da diligência da citação por um advogado que se encontra a exercer advocacia fora da jurisdição da RAEM, a tutela jurisdicional que visa obter, mediante a interposição do recurso, de cuja retenção ora se reclama, é a realização da tal diligência enquanto não tiver sido levantada a suspensão dos serviços de correio entre Macau e o Canadá.
É do nosso conhecimento qual é o motivo da suspensão dos serviços de correio entre Macau e o Canadá, que esse motivo poderá cessar mais cedo ou mais tarde e que os serviços de correio poderão voltar à normalidade quando a situação da pandemia Covid-19 deixar de justificar ou impor a suspensão dos serviços de correio.
Portanto, com a cessação, mais cedo ou mais tarde, desse motivo determinante da suspensão dos serviços de correio, a eventual procedência do recurso já não tem a virtualidade de satisfazer a pretensão do recorrente que visa obter mediante a interposição do recurso de cuja retenção ora se reclama.
Pois, mesmo que venha a proceder o recurso ora retido, numa altura em que a situação da pandemia já terá deixado de justificar ou impor a suspensão dos serviços de correio entre Macau e o Canadá, o que na prática poderá suceder é apenas a solene revogação do despacho recorrido, ou até a declaração da extinção do recurso com fundamento na inutilidade superveniente, e não também a determinação para a realização da diligência da citação nos termos pretendidos pelo recorrente, que obviamente só faz sentido enquanto não tiver sido levantada a suspensão dos serviços de correio entre Macua e o Canadá.
Assim, é de concluir a retenção do recurso ora interposto pelo reclamante poderá conduzir à sua inutilidade absoluta.
Tudo visto, resta decidir.
Pelo exposto, ordenamos que seja fixado o regime de subida imediata ao recurso interposto pelo ora reclamante.
Sem custas.
Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.
RAEM, 06JAN2021
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.11/2020R-1