Processo nº 162/2020 Data: 11.11.2020
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Propriedade industrial.
Pedido de patente.
Pressupostos.
”Invenção”.
“Actividade inventiva”.
SUMÁRIO
1. Só podem ser objecto de protecção mediante a concessão de um título de patente, as “invenções” que reúnam os requisitos de patenteabilidade, ou seja, que sejam “novas”, impliquem “actividade inventiva” e “sejam susceptíveis de aplicação industrial”; (cfr., art. 60° e 61° do “Regime Jurídico da Propriedade Industrial” aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M de 13.12).
2. “Invenção” é vulgarmente entendida como uma solução (técnica) para um problema, estando intimamente ligada ao desenvolvimento de um processo experimental, (não se confundindo com uma “descoberta”, que consiste na revelação de alguma coisa até então desconhecida, mas já existente, ou a (mera) “inovação tecnológica”, que consiste na possibilidade de inserção no mercado de determinado produto ou processo, com viabilidade económica e de mercado, mas nem sempre passível de protecção pelo direito de propriedade industrial).
3. Uma “patente”, é assim (usualmente) entendida como um direito exclusivo, (ou um privilégio), concedido a uma invenção, e que, pode consistir num “produto” ou “processo” que, em geral, implique, uma “nova maneira de fazer algo”, uma (nova) solução (técnica) para um problema, constituindo, a nível jurídico, um “título de exploração (temporal)”, (“direito privativo de propriedade industrial”), concedido pela Administração (Estado ou Organização Internacional) ao inventor, em contrapartida de divulgação, bem como da exploração fidedigna do seu invento.
4. Uma invenção é “nova” quando não está compreendida no “estado da técnica” que se define como tudo o que, (por descrição, utilização ou qualquer outro meio), foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente; (cfr., art. 65° do R.J.P.I.).
5. Implica “actividade inventiva” se, para um “profissional do sector”, ou perito na especialidade, “não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica”, sendo que, neste contexto, como “evidente” se deve entender o que não vai para além do progresso do estado da técnica, tratando-se de uma “solução óbvia, manifesta e lógica do estado da técnica na data do pedido”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 162/2020
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença de 04.04.2019 do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, negou-se provimento ao recurso judicial pela sociedade “A” aí interposto e que tinha como objecto a decisão da DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA DE MACAU que lhe indeferiu o pedido de patente de invenção com o n.° I/1286; (cfr., fls. 78 a 83 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, a referida sociedade recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 24.10.2019, (Proc. n.° 812/2019), negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida; (cfr., fls. 131 a 141).
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Ainda inconformada, traz a mesma sociedade o presente recurso, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“(…)
2. O douto acórdão recorrido não interpreta correctamente a invenção reivindicada e, em particular, a delimitação do âmbito de protecção que deve ser conferido à mesma pela consideração das suas duas reivindicações independentes;
3. Tal erro teve como consequência concreta e prática a de que o Tribunal a quo tenha necessariamente tido de alcançar um juízo jurídico errado quanto ao cumprimento do requisito de patenteabilidade enunciado no Artigo 66° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial;
4. Os Autos dispõem dos elementos necessários para que o Venerando Tribunal de Última Instância, substituindo-se ao Tribunal a quo, conheça do mesmo problema de direito a partir de uma interpretação corrigida da patente de cujo registo se trata.
5. O douto Acórdão recorrido incorre em erro de direito na configuração do requisito de inventividade por desconsiderar que a perspectiva do perito do sector que a lei tem em vista é a perspectiva do perito do sector ao tempo do requerimento de registo, (sic) "mas só se na data de depósito relevante um perito na matéria tivesse razão para combinar os ensinamentos das várias referências (…)";
6. As características do perito da técnica têm de ser avaliadas no momento da invenção, e não em retrospectiva, e têm de ser avaliadas à luz do estado da arte e das respectivas possibilidades combinatórias naquele mesmo momento - e não in hindsight (ou seja, não em retrospectiva);
7. Acresce ainda que o padrão normativo utilizado pelo relatório de revisão elaborado pela CNIPA, e que foi aceite qua tale, primeiro pela Direcção dos Serviços de Economia do Governo da RAEM e, depois, pelas instâncias, seguiu um padrão normativo que, por tanto quanto se sabe, não vigora em Macau - o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes assinado em Washington em 1970;
8. Porque assim é, constitui um erro de direito justificativo da revogação do douto Acórdão recorrido que o mesmo não contenha qualquer indicação quanto à pertinência do conceito normativo que utiliza por equivalência com o conceito normativo do direito de Macau e que, por isso, em substância, o juízo quanto à novidade, à susceptibilidade de industrialização e quanto à inventividade, não possa tenha sido feito, nas várias instâncias, à luz do direito de Macau;
9. No melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, a pessoa em que se corporiza o perito da especialidade integra o acervo de especialista da disciplina ou sector de actividade económica onde se coloca o problema técnico objectivo a resolver;
10. Não foi essa a perspectiva seguida, quer pela revisão administrativa da CNIPA, nem pelas instâncias, que ignoraram completamente o sector da actividade económica em vista do qual as soluções e funcionalidades propiciadas pela invenção da ora recorrente se mostram quer úteis, quer inventivas;
11. Um conclusão clara e fundada quanto ao erradamente apontado carácter óbvio da invenção teria implicado uma análise do estado da arte no sector de actividade relevante - o dos jogos de fortuna ou azar em casino - e, nesse mesmo contexto, uma conclusão positiva no sentido de que um perito da especialidade ao tempo do depósito devesse ter tido uma razão para combinar os ensinamentos das várias referências e que fosse óbvio fazê-lo ou o ser levado a fazê-lo.
12. A não adopção do padrão normativo correcto de profissional do sector inquina o ,juízo de direito quanto ao requisito de patenteabilidade que a inventividade é, e justifica a revogação da decisão recorrida”; (cfr., fls. 204 a 228).
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Adequadamente processados, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.
A tanto de passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Em sede da sua “decisão sobre a matéria de facto” assim consignou o Tribunal de Segunda Instância:
“1. Em 9 de Maio de 2014, B constituiu o advogado, Dr. Luís Reigadas, como seu mandatário, para submeter a esta Direcção o pedido de registo de patente de invenção n.º I/1286 que tem por epígrafe: “Sistema de máquina de jogo electrónico”.
2. Finda a apreciação formal, verificou-se que o presente pedido de registo reunia condições para ser publicado. Nos termos do art.º 10º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, em conjugação com o art.º 83º do mesmo Regime Jurídico, este pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 1, II Série, de 16 de Janeiro de 2016.
3. Em 13 de Março de 2017, a Sr.a C (丙) (doravante designada simplesmente por 1ª reclamante) deduziu reclamação para esta Direcção contra o pedido de registo de patente de invenção n.º I/1286, considerando que o pedido em causa carecia de novidade e de criatividade. Tal reclamação foi publicada no Boletim Oficial da RAEM n.º 14, II Série, de 5 de Abril de 2017.
4. Em 31 de Março de 2017, o Sr. D (丁) (doravante designado simplesmente por 2º reclamante) deduziu reclamação para esta Direcção contra o pedido de registo de patente de invenção n.º I/1286, considerando que o pedido em causa carecia de novidade e de criatividade. Tal reclamação foi publicada no Boletim Oficial da RAEM n.º 18, II Série, de 4 de Maio de 2017.
5. Nos termos do n.º 2 do art.º 84º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, a requerente poderia responder a partir da recepção das reclamações. Assim, esta Direcção transmitiu as aludidas reclamações à requerente, através dos ofícios n.ºs 60415/DPI e 60506/DPI, de 14 de Março e 3 de Abril de 2017, respectivamente, bem como lhe comunicou que poderia apresentar contestação para esta Direcção, no prazo de 4 meses a contar da notificação de tais reclamações.
6. B não contestou as referidas reclamações no prazo acima exposto.
7. Em 22 de Junho de 2017, B apresentou o pedido de apreciação substancial.
8. Em 14 de Julho de 2017, esta Direcção recebeu o pedido de averbamento de modificação de identidade do pedido em causa, isto é, em primeiro lugar, a requerente passou a ser designada como E e depois como A1 (doravante designada simplesmente por requerente). O despacho de autorização do averbamento em apreço foi publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 33, II Série, de 16 de Agosto de 2017.
9. Através do ofício n.º 61396/DPI, esta Direcção transmitiu os documentos relativos ao presente pedido de registo e as reclamações à Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, para servirem de materiais de referência na elaboração do relatório de pesquisa internacional e da notificação de parecer de exame.
10. Em 8 de Janeiro de 2018, esta Direcção recebeu da Direcção Nacional da Propriedade Intelectual o relatório de pesquisa internacional e a notificação de parecer de exame relativos ao presente pedido de registo. Segundo o conteúdo da notificação de parecer de exame, o pedido de registo em causa não reunia requisitos para a concessão da patente. TW200900121A e US2007060267A1 invocados pela 1ª reclamante na sua reclamação, bem como CN102847300A invocado pelo 2º reclamante na sua reclamação foram alistados no relatório de pesquisa internacional como materiais de referência de tipo X (i.e. documentos especialmente relevantes, basta ponderar esses documentos, não se deve considerar nova ou inventiva a invenção constante da reivindicação de patente).
11. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 89º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, a requerente poderia introduzir modificações às reivindicações, à descrição e aos desenhos, por uma única vez, na sequência da recepção da notificação de parecer de exame. Assim, esta Direcção transmitiu à requerente o relatório de pesquisa internacional, a notificação de parecer de exame e os respectivos documentos para efeito de comparação, através do ofício n.º 60064/DPI, de 8 de Janeiro de 2018, bem como lhe comunicou que poderia apresentar alegações ou modificações para esta Direcção, no prazo de 3 meses a contar da notificação.
12. Em 20 de Março de 2018, esta Direcção recebeu as alegações e modificações apresentadas pela requerente, dentro do prazo estipulado, em resposta à notificação de parecer de exame.
13. Através do ofício n.º 60674/DPI, esta Direcção transmitiu as alegações e modificações em apreço à Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, para servirem de materiais de referência na elaboração da notificação de parecer de reexame.
14. Em 23 de Agosto de 2018, esta Direcção recebeu da Direcção Nacional da Propriedade Intelectual a notificação de parecer de reexame relativa ao presente pedido de registo, a par disso, essa notificação de parecer tornou-se parecer de exame concludente do presente pedido de registo.
15. Conforme o parecer de exame emitido pela Direcção Nacional da Propriedade Intelectual, as reivindicações n.ºs 1-9 do presente pedido de registo preenchiam os requisitos da novidade e da aplicabilidade industrial, só que não preenchiam os requisitos da criatividade, pois, ao abrigo do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, as reivindicações supra mencionadas não reuniram o requisito da “actividade inventiva” a que alude o art.º 66º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
16. Em virtude do não preenchimento, pelas reivindicações n.ºs 1-9 do presente pedido de registo, do requisito da actividade inventiva consagrado no art.º 66º, o pedido de registo em causa não reuniu os requisitos substanciais de patenteabilidade previstos no art.º 61º, possuindo, portanto, os fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial vedados pelos artigos 98º e 9º, n.º 1, al. a).
17. Deste modo, nos termos dos artigos 98º, 9º, n.º 1, al. a) e 61º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro, foi recusado o pedido de registo de patente de invenção n.º I/1286”; (cfr., fls. 133-v a 134 e 4 a 8 do Apenso).
Do direito
3. Merecendo o presente recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.
Em causa está – a recusa de – um “pedido de patente de invenção”.
O dito pedido foi recusado – pela Direcção dos Serviços de Economia, pelo Tribunal Judicial de Base, e, agora, pelo Tribunal de Segunda Instância – dado que se considerou que o mesmo não preenchia os requisitos (cumulativos) para a concessão de uma patente consagrados no “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M.
Diz, porém, (essencialmente), a ora recorrente, que o Acórdão recorrido “incorre em erro de direito na configuração do requisito de inventividade por desconsiderar que a perspectiva do perito do sector que a lei tem em vista é a perspectiva do perito do sector ao tempo do requerimento de registo”, sendo que as “características do perito da técnica têm de ser avaliadas no momento da invenção, e não em retrospectiva, e têm de ser avaliadas à luz do estado da arte e das respectivas possibilidades combinatórias naquele mesmo momento - e não in hindsight (ou seja, não em retrospectiva)”; (cfr., conclusões 5ª e 6ª).
Constatando-se que a questão a tratar diz respeito ao ramo do “Direito de Propriedade Industrial”, vejamos.
Como é sabido, esta matéria – para o caso que agora interessa – é regulada pelo referido D.L. n.° 97/99/M de 13.12 que aprova o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), e onde, no seu preâmbulo se consigna que:
“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
A instituição de um sistema autónomo de propriedade industrial também beneficia as empresas de Macau na medida em que estas passam a dispor, de forma crescente, de uma considerável quantidade de informação técnica que se vai acumulando no registo da propriedade industrial, após as sucessivas publicações de pedidos de patentes de Macau ou da extensão de patentes do exterior ao Território, para consulta pelo público, em geral, e pelos investigadores e agentes económicos interessados, em particular.
A documentação técnica contida nas patentes constitui, seguramente, um factor importante para que as novas empresas tenham consciência do estado da técnica no seu domínio tecnológico, de modo a melhor se prepararem para um mercado global onde têm de defrontar uma concorrência cada vez mais acentuada; mas é também uma fonte de actualização técnica e de adaptação para as empresas existentes, ou seja, uma fonte de inovação que não deve ser ignorada, sob pena de tais empresas estagnarem ou entrarem em obsolescência.
(…)
Às vantagens de ordem económica que ficaram sucintamente referidas acresce que Macau, enquanto membro da Organização Mundial do Comércio, e como decorre do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relativos ao Comércio, está vinculado a introduzir na sua legislação os adequados mecanismos legais de protecção dos seguintes direitos de propriedade industrial: patentes, incluindo a protecção das obtenções vegetais; desenhos e modelos industriais; marcas de fábrica e de comércio, incluindo as marcas de serviços; indicações geográficas, incluindo as denominações de origem; e as topografias de configuração de circuitos integrados.
(…)”.
Estatui-se, por sua vez, no art. 1° deste referido R.J.P.I. que:
“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.
Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, cientifico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
Em causa estando um “pedido de patente de invenção”, cabe salientar que no art. 60° do referido “Regime” se prescreve que:
“Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante a concessão de um título de patente, as invenções que reúnam os requisitos de patenteabilidade previstos na presente subsecção”.
Em relação aos ditos “requisitos de patenteabilidade”, estatui-se no art. 61° do mesmo Regime que:
“São patenteáveis quaisquer invenções, em todos os domínios da tecnologia, quer se trate de produtos ou de processos de obtenção de produtos, substâncias ou composições, mesmo quando incidam sobre um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica, desde que tais invenções:
a) Sejam novas;
b) Impliquem actividade inventiva; e
c) Sejam susceptíveis de aplicação industrial”; (no mesmo sentido, vd. art. 27° do “Acordo Trips”, ou sobre os “Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio”, 1994).
Pois bem, “invenção” – de “acto de inventar”, e que para o caso, convém distinguir do conceito de “descoberta”, que consiste na revelação de alguma coisa até então desconhecida, mas já existente, e que não é passível de ser patenteada, (cfr., art. 62°, n.° 1, al. a) do R.J.P.I.) – é vulgarmente entendida como uma solução (técnica) para um problema, estando intimamente ligada ao desenvolvimento de um processo experimental, (e que não se confunde com a (mera) “inovação tecnológica” que consiste na possibilidade de inserção no mercado de determinado produto ou processo, com viabilidade económica e de mercado, mas nem sempre passível de protecção pelo direito de propriedade industrial).
Na falta de uma definição legal de “invenção”, (e tendo a patente por objecto uma invenção), vale pois a pena recordar que, numa perspectiva mais tradicional, e como refere Luís Couto Gonçalves, (in “Manual de Direito Industrial”, 2ª ed., pág. 56 e 57), “a invenção surge como um ensinamento para uma acção planeada, com a utilização das forças da natureza susceptíveis de serem dominadas, para a obtenção de um resultado causal previsível”, ou, de outra forma, constituindo regras técnicas destinadas a solucionar problemas técnicos ou a determinar uma nova via de solução tecnicamente mais perfeita (ou economicamente mais eficiente).
Assim, a invenção surge como “regra técnica” ou “doutrina” para solucionar um problema (técnico), utilizando para tal as forças da natureza susceptíveis de serem dominadas para obtenção de um resultado causal previsível; (cfr., também Pedro Sousa e Silva, in “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 44, que seguindo a definição da O.M.P.I. – Intellectual Property Handbook; Policy, Law and use, Cap. 2°, pág. 17 – considera que o conceito de invenção pode ser definido como a “solução de um problema específico no domínio da tecnologia”).
Cabe ainda salientar que como invenções contam-se as relativas a “produtos” e as concernentes a “processos”, sendo estas as relativas a métodos técnicos sequenciais de fabrico de determinados produtos.
Por sua vez, nota-se, igualmente, e de qualquer forma, que esta “noção tradicional de invenção” tem sido posta em causa.
Na verdade, como refere Luís C. Gonçalves: “(…) deve reconhecer-se que o conceito de invenção tem vindo a ser questionado, nos últimos anos, especialmente em relação ao duplo requisito de tecnicidade (solução e problemas técnicos). O conceito tradicional de invenção técnica (technological arts) começa a ser confrontado com o conceito mais amplo e menos exigente de invenção-útil (useful arts), pelo que a patente pode alargar o seu âmbito a actividades não estritamente técnicas”, (in ob. cit., pág. 58, sendo de referir que esta situação, deve-se, em grande parte, ao surgimento de um conjunto de novos produtos ligados a áreas de grande expansão, como a biotecnologia e a informática, que adopta o conceito mais amplo de “invenção-útil”, não estritamente técnica, considerando-se que invenção de processo ou produto deve ser nova e útil, ou “useful arts”).
Por sua vez, uma “patente”, é (usualmente) entendida como um direito exclusivo, (ou um privilégio), concedido a uma invenção, e que, como se viu, pode consistir num “produto” ou “processo” que, em geral, implique, uma “nova maneira de fazer algo”, ou como se referiu, uma (nova) solução (técnica) para um problema, constituindo, a nível jurídico, um “título de exploração (temporal)”, (“direito privativo de propriedade industrial”), concedido pela Administração (Estado ou Organização Internacional) ao inventor, em contrapartida de divulgação, bem como da exploração fidedigna do seu invento.
A concessão de patentes aos seus inventores tem como vantagens permitir que o seu titular impeça que terceiros “utilizem” – ou seja, (essencialmente), possuam, produzam ou ponham à venda – a invenção patenteada sem sua autorização, tendo assim o poder de controlar ou evitar, (ou limitar), a concorrência no prazo de validade da patente, (que nos termos do art. 103°, n.° 1 do R.J.P.I. é de 20 anos, após o qual ela fica no domínio público).
Pode assim o titular da patente opor-se a “todas os actos” que constituam a sua violação, mesmo que se fundem noutra patente com data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funda; (cfr., art. 104° do R.J.P.I.).
Feitas estas observações (preliminares) que se nos mostram adequadas a título de introdução na análise do presente recurso, e ponderando sobre a “questão” pela recorrente colocada, cremos que ao mesmo não se pode reconhecer razão.
Com efeito, contesta a recorrente a consideração no sentido de que o seu pedido não preenche o requisito da “actividade inventiva” enunciado na “alínea b)” do atrás transcrito art. 61° do R.J.P.I., afirmando, em síntese, (e se bem ajuizamos), que o mesmo não terá sido bem compreendido, devendo também ser apreciado – tanto na perspectiva do “perito” como da “técnica” – em conformidade com o “momento da invenção” e da “apresentação do pedido”.
Porém, como as Instâncias recorridas já o demonstraram, e perante o que provado está nos presentes autos, não se mostra de acolher este argumento.
Vejamos.
No que toca (especificamente) à “actividade inventiva” dispõe o art. 66° que:
“Considera-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um profissional do sector, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica”.
Nesta conformidade – e enquanto que em relação ao critério da “novidade” se mostra de consignar que uma “invenção é nova” quando não está compreendida no “estado da técnica”, que por sua vez se define como tudo o que, (por descrição, utilização ou qualquer outro meio), foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, (cfr., art. 65° do R.J.P.I.) – apresenta-se pois de considerar que (atento o preceituado no dito art. 66°), uma invenção implica “actividade inventiva” se, para um (“profissional do sector”, ou melhor), perito na especialidade, “não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica”, sendo que, neste contexto, como “evidente” se deve entender o que não vai para além do progresso do estado da técnica, tratando-se de uma “solução óbvia, manifesta e lógica do estado da técnica na data do pedido”, (sendo que os factos supervenientes não devem ser considerados).
No fundo, o critério (da “actividade inventiva”) em questão, (introduzido no início do século XIX e constituindo uma “exigência” que se acrescentou ao critério da “novidade” e “utilidade”, ou susceptibilidade de aplicação industrial), pretende dar resposta à questão das características (específicas) que deve ter uma “invenção (patenteável)”, para se diferenciar de um simples melhoramento ou de uma combinação nova, mas evidente, de elementos já conhecidos, sendo de se notar que se tem também entendido que o seu objectivo, (do requisito de actividade inventiva), é, essencialmente, o de complementar o requisito da “novidade”, procurando expandir as fronteiras do estado da técnica para além das que seriam as de uma pessoa com conhecimentos correntes no campo da invenção, assegurando-se, assim, que uma invenção constitui um avanço de facto significativo na tecnologia para merecer um direito exclusivo, (nesse sentido, cfr., v.g., Józef Markó in “The inventive Step Requirement”, 1995).
Aqui chegados, (e cremos nós, esclarecido o alcance do “critério” em apreciação), vale a pena atentar no aduzido na sentença do Tribunal Judicial de Base – que foi objecto de confirmação pelo Acórdão recorrido – e que, de forma claramente assertiva e fundada decidiu da mesma questão, considerando, (nomeadamente), o que segue:
“A recorrente pretende que lhe seja atribuído um título de patente relativamente a uma invenção que consiste num sistema electrónico de jogar jogos de fortuna e azar.
Segundo as reivindicações de novidade e o título e resumo da invenção, tal sistema consiste no seguinte:
- Ligação em rede informática de mesas de jogo, umas de jogar os jogos de fortuna e azar fisicamente com intervenção de um operador, designadamente no manuseamento de cartas de jogar e outras de jogar electronicamente tais jogos, consistindo num terminal electrónico onde os jogadores jogam jogos virtuais de fortuna e azar sem intervenção de qualquer operador.
- As mesas de jogar fisicamente podem também ser comutadas para executar jogo automático ou virtual e nelas o operador tem acesso aos jogos que decorrem nas mesas de jogo electrónico ou terminais de jogo da rede.
- Nos terminais ou mesas de jogo electrónico, automático ou virtual sem intervenção de operador, os jogadores podem jogar apenas este tipo de jogos originados num processador informático ou participar também nos que decorrem nas mesas de jogo físico da rede que são transmitidos para as mesas de jogo electrónico ou terminais por sistema de vídeo composto de câmaras colocadas nas mesas físicas de jogo e visualizadores colocados nas mesas de jogo electrónico ou terminais de jogo.
É facto notório que as redes informáticas de comunicação recíproca de dados entre terminais com processamento dos dados comunicados já haviam sido inventadas muito antes da apresentação do pedido de concessão de patente feito pelo recorrente.
É igualmente notória a invenção anterior das câmaras de vídeo, ecrãs de visualização e comutadores de dados e de direcção de dados.
Nem a recorrente reivindica estas invenções de produtos e processos de tecnologia.
O que reivindica realmente a recorrente é uma “conjugação de anterioridades” tecnológicas. A novidade consiste na junção do que já existia de uma forma que ainda não existia.
Como é também notório, já existiam inúmeras conjugações de tecnologia utilizando redes de comunicação informática com inúmeros terminais de input e output e inúmeras formas de colheita, processamento e apresentação dos dados comunicados ou transferidos.
(…)
O exame pericial feito na fase administrativa do processo recorreu ao documento de comparação D1 (CN102847300A) que divulgou um sistema de jogo electrónico em que os jogadores jogam a partir de terminais remotos jogos que decorrem em mesas de jogo físico, sendo tal sistema proporcionado por mesas de jogo físico com operador e transmissão via processamento informático através de processador de computação, câmaras de vídeo e visualizadores. Perante isto, concluiu o exame pericial que uma pessoa comum da área da tecnologia em causa poderia surpreender a “ideia” a patentear. Nem era necessário um especialista do sector. Aceitando como boa a conclusão pericial, haverá que concluir que se um não especialista chega à "conjugação" a patentear a partir das anteriores “conjugações”, então um especialista do sector aí chega por evidência e sem esforço criativo.
(…)”; (cfr., fls. 80 a 82).
Ora, sem prejuízo do muito respeito devido, estas considerações constituem, em nossa opinião, uma clara, cabal e correcta apreciação da pretensão pela recorrente apresentada, nenhum desvio se nos apresentando existir, seja no que toca ao seu próprio “conteúdo” ou “características”, sendo, pois, de manter.
Por fim, (e para além de assente nem estar o referido “momento da invenção”, cuja patente a recorrente pretende), o que da matéria de facto resulta é que entre a apresentação do “pedido” e notificação do (primeiro) parecer no sentido de que o mesmo não reunia os requisitos para ser patenteado decorreram (apenas) cerca de 3 anos e meio, certo sendo que, após uma modificação pela recorrente feita e apresentada em Março de 2018, foi o mesmo indeferido pelos Serviços de Economia em Agosto deste mesmo ano, não se mostrando, assim, relevante ou válido o argumento da recorrente quanto ao aludido “desfasamento temporal da invenção e sua apreciação”.
Nesta conformidade, por falta do requisito da “actividade inventiva”, vista está a solução para o presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com a taxa que se fixa em 10 UCs.
Notifique.
Macau, aos 11 de Novembro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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