Processo nº 980/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)
Data do Acórdão: 7 de Janeiro de 2021
ASSUNTO:
- Hipoteca
- Efeitos constitutivo do registo
- Suspensão da execução
SUMÁRIO:
- Nos termos do artº 683º do C.Civ. o registo da hipoteca é constitutivo;
- Estando pendentes acções onde se discute da validade do registo da hipoteca, estas são causa prejudicial, para se decidir da legitimidade para a execução nos termos do nº 4 do artº 68º do CPC do terceiro a quem o bem hipotecado pertence;
- Havendo causa prejudicial de que depende a decisão sobre a legitimidade do executado/embargante haveria de ter sido ordenada a suspensão dos embargos.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 980/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 7 de Janeiro de 2021
Recorrentes: A e B
Recorrido: C
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A e B, ambos com os demais sinais dos autos,
vieram deduzir embargos à execução em que é exequente C, também, com os demais sinais dos autos.
Sob a epígrafe “Da inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo” vinham os embargantes invocar que qualquer execução hipotecária só poderá prosseguir enquanto o registo da hipoteca não caducar ou se extinguir por qualquer outro motivo e que a hipoteca que havia sido registada sob a fracção autónoma “E17” melhor identificada nos autos, já havia caducado tendo sido averbado ao registo o respectivo cancelamento, não podendo por isso a execução seguir contra os ora embargantes.
Mais haviam requerido a suspensão da instância por entender que havia que aguardar a decisão de causa prejudicial a qual indicam.
Foi proferido despacho saneador onde foi julgada improcedente a invocada inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo e indeferido o pedido de suspensão da instância.
Pelos embargantes e agora Recorrentes foi interposto recurso daquele despacho na parte em que lhes é desfavorável incluindo o pedido de suspensão da instância, apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
a) Os Recorrentes pretendem com o presente recurso a revogação da parte dispositiva desfavorável do despacho recorrido e que seja ordenada a suspensão da presente instância com fundamento na existência de uma relação de prejudicialidade com as acções autuadas sob os números CV3-19-0011-CRJ e/ou CV2-19-0048-CAO.
b) O Tribunal a quo julgou improcedente a excepção de inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo em relação aos embargantes, porque o título executivo em que se fundou a execução é a escritura pública de fls. 10 a 13 - e não a hipoteca.
c) Em sede de embargos os ora Recorrentes alegaram que, por não se encontrar registada qualquer hipoteca sobre a fracção autónoma “E17” do 17.º andar “E”, propriedade dos embargantes, a falta desse registo gera ininvocabilidade absoluta, pois o negócio, embora válido, não produz quaisquer dos efeitos.
d) Mais alegaram que o título executivo dado à execução deixou de existir ou tornou-se inexequível contra eles nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do art.º 697.º, do CPC.
e) Os Recorrentes não defenderam que o título executivo era a hipoteca.
f) Independentemente da escritura pública de constituição de hipoteca servir de título executivo contra os embargantes, porque o registo da hipoteca é constitutivo tal é condição de eficácia e mesmo não intervindo na constituição ou na validade da hipoteca, gera uma ininvocabilidade absoluta, pois o negócio, embora válido, não produz quaisquer dos efeitos e, como tal, é como se a hipoteca não existisse.
g) A decisão que julgou improcedente a excepção aduzida pelos embargantes violou o disposto no art.º 4.º, n.º 2, do Código do Registo Predial e o no art.º 683.º do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a referida excepção.
h) O Tribunal a quo decidiu que não existia qualquer causa prejudicial entre a presente acção e as dos autos que correm termos pelo Tribunal Judicial de Base com os números CV3-19-0011-CRJ; CV1-19-0024-CRJ; e CV2-19-0048-CAO, sempre com o mesmo argumento: o título executivo (escritura pública de constituição de hipoteca) manter-se-ia válido independentemente do desfecho das causas prejudiciais.
i) Este raciocínio lógico dedutivo assenta na errónea aplicação do Direito, justamente porque do disposto no art.º, n.º 2, do Código do Registo Predial e o no art.º 683.º do Código Civil resulta que sem o registo da hipoteca esta não produz quaisquer efeitos, deixando assim de haver título executivo exequível na única parte (a hipoteca) que aos embargantes respeita nos termos e para os efeitos do art.º 68.º, n.º 4, do CPC, diz respeito;
j) sendo irrelevante se o título executivo contra o 3.º Executado D é, ou não, válido, porque, para todos os efeitos, é como se não existisse qualquer negócio de hipoteca, ou seja, é como se não existisse a garantia real exigida no n.º 4 do art.º 68.º, do CPC,
k) Logo, sem que a dívida exequenda se mostre provida de garantia real actualmente inscrita no registo predial, a execução só pode seguir contra quem no título executivo tenha a posição de devedor, ou seja o D.
l) Qualquer uma das acções com os números CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ constituía assim causa prejudicial, precisamente porque o registo de hipoteca é constitutivo e, consequentemente, sem ele a hipoteca não produz quaisquer efeitos.
m) Se a hipoteca não se mantiver registada (por ter sido averbada a sua caducidade) não é possível tomar uma decisão nos presentes autos com base num título executivo ineficaz, partindo de pressuposto que existe uma hipoteca que a lei considera corno inoponível e a doutrina caracteriza de inexistente.
n) Mas também existe uma situação de prejudicialidade com o processo n.º CV2-19-0048-CAO, porquanto, caso a mesma venha proceder tal implicaria a extinção da instância nos presentes embargos.
o) Ao indeferir a suspensão da instância, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 223.º, n.º 1, do CPC, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que determine imediatamente a suspensão da instância.
TERMOS EM QUE a parte dispositiva desfavorável do despacho recorrido deverá ser revogada e substituída por outra que, cumprindo os preceitos legais aplicáveis, julgue procedente a excepção aduzida pelos Embargantes e ora Recorrentes, absolvendo-os da instância executiva, com as legais consequências.
Caso assim não se entenda, ao contrário do que se espera, deverá ser proferido acórdão que decrete a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado das acções autuadas sob os números CV3-19-0011-CRJ e CV2-19-0048-CAO, face à relação de prejudicialidade existente.
Vossa Ex.ª decidirão, porém, como for de Direito e JUSTIÇA!
Pelo exequente e agora Recorrido foram apresentadas contra-alegações de onde constam as seguintes conclusões:
A- Entende o ora Recorrido que não assiste qualquer razão aos Recorrentes, tendo o Tribunal a quo dilucidado de forma correcta, no despacho saneador ora recorrido, as questões relativas à alegada inexistência (inexequibilidade) do título executivo e pedido de suspensão com fundamento na existência de causa prejudicial.
B- Tal como resulta do despacho saneador ora recorrido, o título executivo existe e consiste na escritura de mútuo (com hipoteca). Contra tal facto, não existe qualquer argumento, nem os Recorrentes são capazes de o pôr em causa.
C- Sucede que, contrariamente ao que os Recorrentes alegam no seu recurso, não é verdade que a inscrição hipotecária n.º 18****C tenha caducado.
D- Como bem resulta dos autos, o recurso administrativo interposto pelo ora Recorrido para impugnação do averbamento n.º 4 à inscrição hipotecária n.º 18****C (cfr. averbamentos 5 e 6) foi declarado procedente, pelo que se encontra dado sem efeito o averbamento que considerou a inscrição hipotecária (a favor do aqui embargado) caducada pelo decurso da provisoriedade, razão pela qual se encontra pendente o processo de rectificação judicial do registo.
E- Resulta, aliás, da certidão do registo predial do imóvel (cfr. doc. 6 dos embargos) que a inscrição hipotecária a favor do embargado existe, tanto que aparece no registo.
F- Assim, porque a hipoteca a favor do Recorrido não se encontra caducada, não faz sentido tudo quanto os Recorrentes alegam no seu recurso e sintetizam sob as alíneas c) a g) das conclusões.
G- Quanto à questão da prejudicialidade invocada, entende o Recorrido que igualmente bem decidiu o Tribunal a qua, porquanto, atendendo à finalidade dos embargos, de facto, não existe qualquer causa prejudicial que justifique ou, muito menos, imponha a suspensão dos presentes embargos.
H- Com efeito, não existe claramente qualquer causa prejudicial entre o que se discute nos presentes autos com a factualidade em apreço no processo CV2-19-0048-CAO, porque nos referidos autos não está em causa a escritura publica de mútuo com hipoteca que serve de base/título executivo na presente acção, mas tão só a escritura pública de compra e venda pela qual os Recorrentes adquiriram o imóvel em apreço nos autos.
I- Quanto à acção de rectificação judicial que corre seus termos sob o n.º CV3-19-0011-CRJ, também não existe relação de dependência ou necessidade que imponha a suspensão.
J- Como bem se consigna na decisão recorrida: “A validade e/ou caducidade da hipoteca está a ser discutida nos autos CV3-19-011-CRJ (...). Se aqueles autos procederem, então, mantém-se a hipoteca, e se não procederem, manmantém-se a caducidade da hipoteca”.
K- Sendo que, os Recorrentes não invocam qualquer argumento que demonstre a dependência, repetindo antes que, no seu entender, a hipoteca a favor do Recorrido já caducou e, como tal, é inexistente.
L- Entende, assim, o Recorrido que o despacho recorrido não merece qualquer reparo, sendo ainda de acrescentar que os prejuízos da suspensão sempre superariam as suas vantagens, nos termos do disposto no art. 223.º, n.º 2 do C.P.C., atendendo à enorme discrepância das fases em que se encontram: os presentes processos de embargo encontram-se em fase de julgamento: os processos CV3-19-011-CRJ e CV2-19-0048-CAO foram objecto de duas decisões de indeferimento liminar, encontrando-se em recurso quanto à questão prévia do indeferimento.
M- Pelo que, em qualquer caso, o abrigo do disposto no art. 223º, n.º 2 do CPC, sempre deverá ser negada a suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial.
Termos em que se requer a V. Ex.rs que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho saneador e a improcedência das excepções invocadas.
Com o que será feita JUSTIÇA!
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos
a) C instaurou a execução de que estes são apenso contra F e G, casados entre si e D, para cobrança do montante de HKD5.000.000,00 que havia emprestado ao executado D e que este na data acordada para o efeito não pagou;
b) Para garantia do pagamento daquele mútuo D constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma da sua titularidade designada por “E17” do 17º andar “E”, para escritório, do prédio sito em Macau, com os números 160 a 206 da Avenida ......, números 395 a 505 da Rua ......, números 396 a 506 da Rua ...... e números 159 a 207 da Alameda ......, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 2**** e inscrito na matriz predial sob o nº 7****;
c) Relativamente à fracção autónoma identificada em b), na Conservatória do Registo Predial, pela apresentação nº 33 de 16.04.2007, inscrição nº 15****G foi inscrita a favor de D a aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção – cf. certidão do registo predial a fls. 32 da execução -;
d) Na inscrição referida na alínea anterior ficou a constar que D era casado no regime de separação com H, vindo pela apresentação nº 36 de 17.12.2014 a inscrever-se sob o averbamento nº 1 à inscrição que eram casados sob o regime de comunhão de adquiridos – cf. certidão do registo predial a fls. 32 da execução -;
e) Pela apresentação nº 114 de 12.11.2014, relativamente à fracção autónoma identificada em b), na Conservatória do Registo Predial foi inscrita a constituição de hipoteca a favor do exequente C fazendo-se constar como sujeito passivo D casado no regime de separação – cf. certidão do registo predial a fls. 33 da execução -;
f) Pela apresentação nº 140 de 19.11.2014, relativamente à fracção autónoma identificada em b), na Conservatória do Registo Predial foi inscrito que F casado com G no regime de adquiridos havia instaurado acção contra D casado no regime de separação, com o seguinte pedido: 1. A presente acção deve ser julgada procedente por provada e em consequência, ser ordenada a execução específica do contrato-promessa de compra e venda da fracção em causa, através de sentença que produz os efeitos da declaração negocial em falta do réu; 2. E seja, para o efeito de expurgação da hipoteca, o réu condenado a entregar ao autor o montante do débito garantido, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento, vindo este registo a ser convertido em definitivo – cf. certidão do registo predial a fls. 35/36 da execução -;
g) Pela apresentação nº 52 de 15.03.2018, relativamente à fracção autónoma identificada em b), na Conservatória do Registo Predial sob o averbamento nº 4 foi inscrito que «O regime de bens do sujeito passivo foi rectificado para o da comunhão de adquiridos, consequentemente a inscrição supra passa a ter com carácter provisória por natureza nos termos do artigo 86º nº 1 al) D do C.R.P., a qual já se encontra caducada pelo decurso de Provisoriedade» - cf. fls. 85 e 86 do processo executivo -;
h) Relativamente à fracção autónoma identificada em b), na Conservatória do Registo Predial, pela apresentação nº 137 de 18.04.2018, inscrição nº 34****G foi inscrita a favor de A casado no regime de comunhão de adquiridos com B a aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção – cf. certidão do registo predial a fls. 129 da execução -;
i) Por decisão proferida nos autos apensos sob a letra B foram habilitados a prosseguir na acção no lugar de F e G, os agora embargantes e Recorrentes A e B;
j) Corre termos no TJB sob o nº CV3-19-0011-CRJ autos de rectificação judicial em que é Requerente o Conservador do Registo Predial onde pede que se declare nulo o averbamento nº 4 referido em g) – cf. fls. 18 a 45 dos autos de embargos sob o apenso C a que este recurso respeita -;
k) Corre termos no TJB sob o nº CV1-19-0024-CRJ autos de rectificação judicial em que é Requerente C onde pede que se declare nulo o averbamento nº 4 referido em g) – cf. fls. 54 a 78 dos autos de embargos sob o apenso C a que este recurso respeita -;
2. Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida na parte em que é atacada pelo Recurso:
Da invocada inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo:
Os Embargantes A e B invocam a inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo, alegando que a hipoteca inscrita a favor do C sob o n.º 18****C tinha sido caducado.
Não assiste razão os embargantes.
Antes de mais, há-de se referir que o que serviu de título executivo nos autos de execução não foi a hipoteca, mas sim a escritura pública constante a fls. 10 a 13 dos autos de execução celebrado entre o ora embargado C (C) e D (D), na qual aquele concedeu a este um empréstimo no valor de HKD5.000.000,00.
Enquanto que a hipoteca é uma garantia real que, nos termos do artigo 682.º n.º 1 do Código Civil, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Assim, ainda que existisse a caducidade da referida hipoteca, também não torna inexistente a escritura pública de fls. 10 a 13 dos autos de execução.
Efectivamente existe o título executivo nos termos do artigo 681.º do CPC.
Nestes termos e sem mais delongas, improcede a invocada inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo invocado pelos Embargantes.
Custas a cargo dos Embargantes.
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Da não suspensão da instância e da improcedência parcial do pedido dos embargantes:
Disseram os embargantes que se encontram pendentes as acções de rectificação judicial do averbamento da caducidade à inscrição hipotecária n.º 18****C (CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ), os quais existem a causa prejudicial nos termos do artigo 223.º n.º 1 do CPC.
Também alegam que existem a causa prejudicial com os autos CV2-19-0048-CAO onde se discutem a invalidade da acção de execução específica que correu seus termos no processo CV3-14-0089-CAO bem como a invalidade da escritura pública de compra e venda outorgada em 18/04/2018 entre (F e G) e (A e B).
O embargado opinou que existe a referida causa prejudicial em relação às acções de rectificação judicial referidas e não se pronunciou em relação aos autos do CV2-19-0048-CAO.
A jurisprudência ensina-nos que “quando se verifica uma situação em que a decisão da causa que está a apreciar depende, no todo ou em parte, da existência ou inexistência de uma relação jurídica que constitua o objecto de outra causa pendente (a prejudicial), torna-se conveniente suspender a instância e aguardar que essa causa seja decidida, uma vez que a decisão da referida acção poderá destruir os fundamentos ou a razão de ser da presente acção (dependente). (TSI proc n.º 312/2017)”.
Não assistem razão ambas as partes.
Antes de mais, há-de realçar que nos presentes autos de embargos de execução não é a sede que se discute a validade da hipoteca. A validade e/ou caducidade da hipoteca está a ser discutida nos autos CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ). Se aqueles autos procederem, então mantém-se a hipoteca, e se não procederem, mantém-se a caducidade hipoteca.
Como já tivemos oportunidade de se reflectir que a hipoteca é apenas uma garantia real que de per si só releva para a graduação do créditos e não invalida o título executivo para a prossecução da acção de execução.
O que a hipoteca pode condicionar é a graduação no pagamento da venda dos bens hipotecários, e essa graduação é efectuada na sede de reclamação de créditos e não nos presentes de embargos de execução.
Por outro lado, os embargantes alegam nos artigos 21.º a 59.º, 63.º, 65.º e 93.º a 97.º do seu requerimento inicial factos atinentes à hipoteca as sacando a nulidade, a caducidade da hipoteca. Toda essa matéria não se deve ser discutida nesta sede de embargos à execução, pelo que os factos aí alegados devem ser considerados como não escritos.
Por isso, tudo o que os embargantes alegam sobre a hipoteca, devem fazê-lo em sede de reclamação de créditos e não nesta sede de embargos à execução.
Assim, concluímos que não existem causa prejudicial dos presentes autos com os autos CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ.
E em relação aos autos CV2-19-0048-CAO também se não verifica a assacada causa prejudicial.
Nos autos de CV2-19-0048-CAO se discutem a problemática sobre a (in)validade da acção de execução específica que correu seus termos no processo CV3-14-0089-CAO bem como a (in)validade da escritura pública de compra e venda outorgada em 18/04/2018 entre (F e G) e (A e B).
Seja aquela acção do CV2 procedente ou não procedente nunca afectaria o título executivo de fls. 10 a 13 da acção de execução, urna vez que não foi invocada naqueles autos de CV2-19-0048-CAO a invalidade da escritura de fls. 10 a 13 da acção de execução que serviu como título executivo.
Nestes termos indefere-se a suspensão da instância requerida e improcede-se o pedido da nulidade do registo da hipoteca, porquanto não é nesta sede que se discute a validade da hipoteca.
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Vejamos então.
Nos embargos começam os embargantes por invocar sob a epígrafe “Da inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo” que a execução apenas pode prosseguir contra os embargantes/executados A e B se o registo da hipoteca sobre a fracção autónoma em causa nestes autos se mantiver,
bem como,
que enquanto não se decidir sobre a validade do averbamento nº 4 referido supra em g) se impõe suspender os autos de embargos até que sejam decididas as acções que indica serem causa prejudicial.
O tribunal não está vinculado à designação jurídica com que as partes rotulam o que invocam.
Os aqui Recorrentes/embargantes são executados nesta acção por força do disposto no artº 68º nº 4 do CPC, isto é, por alegadamente haver uma hipoteca sobre o imóvel o qual pertence a um terceiro relativamente ao mútuo, isto é, uma pessoa que não é devedor mas cujo bem está onerado com uma hipoteca para garantia do pagamento do crédito do exequente embargado.
Logo, nunca seria de título executivo “stricto sensu” que se trataria, isto é, do título em que foi constituído o mútuo.
O “título” que está aqui em causa é aquele que respeita à hipoteca e que face ao disposto no artº 683º do C.Civ. respeita aos efeitos constitutivos do registo, sendo que, segundo os embargantes não havendo registo da hipoteca esta não produz efeitos, logo, não produzindo efeitos não há garantia real sobre o imóvel/fracção autónoma, e em consequência não ocorre a previsão do nº 4 do artº 68º do CPC pelo que, não têm os Recorrentes embargantes legitimidade para a execução.
Embora, com o devido respeito se entenda que os Recorrentes/embargantes qualificam mal a questão que invocam, os argumentos estão nos artigos 1º a 10º da petição de embargos e concluem de forma que se entende perfeitamente que querem que a execução seja extinta quanto a si embora lhe chamem ser declarada a inexistência ou inexequibilidade do título.
Ora, para decidir esta questão é necessário antes de mais saber da validade do averbamento nº 4 referido na al. g) supra.
Sobre essa questão pendem duas acções judicias.
Entendeu o tribunal “a quo” que a decisão sobre essas acções não era causa prejudicial que justificasse a suspensão dos autos nos termos do artº 223º do CPC.
Sobre este segmento da decisão recorrida versa também o recurso.
Face ao antes exposto, entende este tribunal que, a decisão recorrida enferma de erro ao negar a suspensão da instância.
Dependendo a legitimidade dos Recorrentes/embargantes para a execução da existência de garantia real – a hipoteca – sendo o registo predial da hipoteca constitutivo face ao disposto no artº 683º do C.Civ., enquanto não se decidir se existe ou não registo predial da hipoteca não se pode decidir sobre a legitimidade dos Recorrentes/embargantes.
Contrariamente ao que se diz na decisão recorrida no caso em apreço isso não é uma questão a apreciar em sede de reclamação de créditos uma vez que da validade do registo e da possibilidade – ou não – da hipoteca ser invocada depende a legitimidade do chamamento de terceiros que não são devedores.
Se a hipoteca não for eficaz não há fundamento legal para instaurar e fazer seguir a execução contra os aqui Recorrentes/embargantes, nem tão pouco para ser ordenada a penhora em bens de terceiro, pelo que, salvo melhor opinião tem de ser decidida muito antes da fase de reclamação de créditos.
Logo, existe causa prejudicial e haveria de ter sido ordenada a suspensão da instância.
O mesmo já não se pode dizer quanto à acção que corre termos sob o nº CV2-19-0048-CAO cujo objecto em nada contende com o destes autos, tendo bem decidido o tribunal “a quo”.
Concluindo-se pela existência de fundamento para a suspensão de instância, que fazer quanto ao primeiro despacho proferido que julgou improcedente a excepção da inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo?
Sobre esta questão o despacho recorrido não chega a versar sobre os fundamentos invocados pelos embargantes, agora Recorrentes.
Atendendo apenas à literalidade da epígrafe usada no despacho recorrido diz-se (e bem) que o título executivo é o do mútuo e não a hipoteca, mas não se debruça sobre aquilo que efectivamente se invocava (embora sob um título erado) que era a eficácia da hipoteca e a legitimidade dos embargantes na execução.
Assim sendo, sem prejuízo desta questão nunca poder ser apreciada sem que antes sejam decididas as acções em que é suscitada a questão da eficácia da hipoteca, sempre seria de revogar o despacho recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão que efectivamente era colocada.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso, revogam-se os dois despachos recorridos – quanto à inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo e pedido de suspensão da instância por haver causa prejudicial – e em consequência ordena-se a suspensão destes autos até que seja proferida decisão nos processos CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ.
Custas a cargo do recorrido embargado/exequente.
Registe e Notifique.
RAEM, 7 de Janeiro de 2021
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
980/2020 CÍVEL 1