Processo n.º 593/2018
(Autos de recurso contencioso)
Data: 14/Janeiro/2021
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Conselho Superior de Advocacia
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Conselho Superior de Advocacia que lhe aplicou a pena disciplinar de advertência, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“i. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Recorrido que condenou o Recorrente na pena disciplinar de advertência, por invocada violação, em autoria material, dos deveres deontológicos previstos nos arts. 10º e 24º do Código Deontológico (“CDe”), com referência ao disposto no art. 1º, n.º 3 do mesmo Código, e considerando ainda o disposto no art. 41º e 42º do CDi (adiante o “Acórdão Recorrido”).
ii. O Recorrente foi notificado do Acórdão Recorrido em 05.06.2018.
iii. Para além de incorrer em erro de julgamento substantive, o Acórdão Recorrido, assim como diversos actos e omissões verificados no decurso do Processo Disciplinar (“PD”), estão também crivados de vícios adjectivos, quer seguidamente passa a detalhar:
iv. Na formação da convicção que presidiu à condenação de que ora se recorre, o Acórdão Recorrido atribuiu “especial relevância” ao chamado “depoimento” da Sra. B (adiante a “Sra. B”), prestado ainda em sede de instrução, e cuja nulidade fora já arguida pelo ora Recorrente na sua defesa de fls. … do PD (adiante a “Defesa”), arguição que o Acórdão Recorrido julgou improcedente.
v. Não se conformando o Recorrente com esta decisão, aqui a impugna, reiterando e detalhando os motivos da arguição, nos termos que seguem:
vi. Para melhor compreensão do vício de que enferma o “depoimento” em causa, importa aqui historiar a forma como o mesmo foi obtido.
vii. A “audição” (sic) da Sra. B foi requerida pelo Participante na sua participação disciplinar de fls. … do PD (adiante a “Participação”), enquanto prova “Testemunhal” (sic).
viii. Em 07.11.2016, veio aos autos o Participante – não a Sra. B – dar conta de que a “testemunha” (sic) se encontrava em gozo de licença de maternidade, pelo que apenas teria disponibilidade para prestar o seu “testemunho” (sic) no seguinte mês de Dezembro (fls. 36 do PD).
ix. Em face desta declarada – ainda que não comprovada – impossibilidade da Sra. B de se deslocar a Macau, requereu o Participante que aquela fosse ouvida por escrito, ou que se aguardasse pelo início do seguinte mês de Dezembro para levar a cabo a sua inquirição (fls. 36 do PD).
x. Como se autos do PD comprovam, o ora Recorrente, ali arguido, não foi notificado deste requerimento do Participado.
xi. Seguidamente, por despacho de fls. 37 do PD, e não obstante a declarada impossibilidade durasse apenas as escassas semanas que mediavam entre 7 de Novembro e o início de Dezembro, o Sr. Instrutor consignou que, “por motivos de celeridade”, se lhe afigurava que a melhor solução seria a elaboração de um questionário a que a “testemunha” (sic) deveria responder, o qual lhe seria expedido por carta registada com aviso de recepção.
xii. Como os autos do PD de novo comprovam, o Recorrente também não foi notificado deste despacho do Sr. Instrutor.
xiii. Preparado o questionário, em 10.11.2016 o Sr. Instrutor remeteu carta à Sra. B, solicitando-lhe que, enquanto “testemunha” (sic) indicada pelo Participante, respondesse ao dito questionário (fls. 39 do PD).
xiv. Tal carta foi recebida em 14.11.2016 (fls. 44 do PD).
xv. Porém, apenas em 23.12.2016 foi apresentado o “depoimento” da Sra. B (fls. 46 do PD).
xvi. Tal “depoimento” consiste em duas folhas de papel, contendo uma transcrição das perguntas que compunham o questionário enviado à “testemunha”, com inserção, por baixo de cada uma, das respectivas respostas.
xvii. O “depoimento” está datado de 01.12.2016 e apresenta no final uma assinatura, supostamente da Sra. B.
xviii. Nos termos do art. 23º, n.º 1 do CDi, todos os meios de prova permitidos em Direito são admissíveis na instrução do processo disciplinar.
xix. Tal permissão remete para a tipicidade do catálogo de meios probatórios previstos na Lei (nomeadamente na Lei adjectiva civil e penal), e por isso não consente a criação ad hoc de novos meios de prova.
xx. In casu, dúvidas não restam de que a inquirição da Sra. B foi requerida e admitida como prova testemunhal – assim o evidenciam as repetidas referências nesse sentido que acima o Recorrente fez questão de assinalar com “(sic)”.
xxi. Ora, a produção de prova testemunhal tem regras.
xxii. Tem, desde logo, as regras que resultam do próprio CDi, nomeadamente do seu art. 23º, n.º 5, que prescreve que as testemunhas devem “comparecer para ser ouvid[a]s”, as suas declarações “reduzidas a escrito”, e “objecto de acareação sempre que necessário”.
xxiii. Verifica-se, assim, que tudo no regime da prova testemunhal previsto no CDi aponta para a prestação de depoimento pessoal e oral, como de resto é próprio desse tipo de prova em qualquer regime processual que o preveja.
xxiv. A pessoalidade e oralidade da prova testemunhal pode conhecer excepções – e, para o que ao caso importa, as excepções serão as que constam do Código de Processo Civil (“CPC”), supletivamente aplicável na integração das lacunas do CDi, nos termos do art. 65º, b) deste Código.
xxv. Nos termos do disposto nos arts. 540º e 541º do CPC, a substituição do depoimento presencial de testemunha por um depoimento escrito, para além de pressupor a existência de impossibilidade ou grave inconveniente de comparência daquela, reclamava que o depoimento a produzir por escrito observasse um conjunto de trâmites e formalidades.
xxvi. A admissão de tal depoimento deveria ter sido precedida de audição do Recorrente.
xxvii. Assim determina o art. 540º, n.º 1 do CPC, e assim determina, em qualquer caso, o princípio do contraditório plasmado no art. 10º do CDi – com especial referência à subordinação ao contraditório dos actos instrutórios, sob pena de nulidade.
xxviii. Princípio esse que é também concretizado no art. 3º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 65º, b) do CDi.
xxix. No entanto, o Recorrente não foi notificado do despacho de fls. 37 do PD, que determinou a utilização de formalismo alternativo para inquirição da Sra. B.
xxx. E muito menos foi, previamente à prolação desse despacho, ouvido acerca do que a esse respeito fora requerido pelo Participante.
xxxi. Tivesse o Recorrente sido ouvido sobre o tema, como a Lei mandava que fosse, e teria tido a oportunidade de assinalar que escassas três semanas de diferimento na inquirição de uma testemunha não justificariam que se prescindisse da comparência da mesma nas instalações do Recorrido, a fim de ali depôr em pessoa, perante o Sr. Instrutor, com as evidentes vantagens que daí adviriam para a descoberta da verdade.
xxxii. Segundo o Participante, a Sra. B podia prestado depoimento pessoal no início de Dezembro, acabou, a pretexto de maior celeridade, por prestar depoimento escrito no final desse mês…
xxxiii. O depoimento escrito da Sra. B deveria mencionar todos os seus elementos de identificação, indicar eventuais relações de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes no PD, ou qualquer outro interesse no mesmo (cf. art. 541º, n.º 1 do CPC).
xxxiv. O depoimento escrito da Sra. B deveria conter a declaração de que se destinava a ser junto ao PD e de que esta estava consciente de que a falsidade das declarações nele constantes a faria incorrer em responsabilidade criminal (cf. artigo 540º, n.º 2 do CPC).
xxxv. O depoimento escrito da Sra. B deveria possuir reconhecimento notarial da Sra. B, caso na sua apresentação não fosse exibido documento oficial de identificação daquela (cf. art. 540º, n.º 3 do CPC).
xxxvi. Do ponto de vista da influência que a preterição de formalidades veio a ter na decisão do PD, constata-se desde logo, que a obrigatória referência às eventuais relações de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes no processo, ou qualquer outro interesse no mesmo (vulgo, os costumes) tem como finalidade possibilitar uma verificação do grau de imparcialidade e distanciamento com que a testemunha estará em condições de depôr.
xxxvii. Por seu turno, a obrigatória declaração expressa de que o depoimento se destina a ser junto a um dado processo e de que a testemunha está consciente de que a falsidade das declarações nele constantes a faz incorrer em responsabilidade criminal visa assegurar que, ao depôr, a testemunha está ciente da finalidade do que declara, da seriedade e solenidade do acto que pratica, da obrigação de declarar com verdade, e das consequências em que incorre caso o não faça.
xxxviii. Na ausência de tais formalidades, constata-se pois que, ao formar a sua convicção, o julgador concedeu “especial relevância” a um depoimento cujo grau de imparcialidade e distanciamento não estava em condições de apreciar (por lhe faltar a referência a que alude o art. 38º supra).
xxxix. E também um depoimento prestado por testemunha cujo animus, no tocante à concreta finalidade das suas declarações e às consequências que adviriam se nelas faltasse à verdade, não podia igualmente ser aferido (por lhe faltar a declaração expressa a que alude o art. 39º supra).
xl. A produção do depoimento de fls. 46 e seguintes, nos termos em que ocorreu, constituiu, no confronto com o disposto nos arts. 10º e 23º, n.º 1 do CDi, (i) uma violação do princípio do contraditório, e também (ii) a prática de acto que a Lei não admite, ou, no mínimo, (iii) a omissão de formalidades que a Lei prescreve.
xli. O que fere a produção de tal depoimento, na vertente referida em (i) supra, de nulidade tipificada (cf. art. 10º do CDi) e, nas vertentes referidas em (ii) ou (iii) supra, de irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão do PD (cf. art. 147º do CPC), o que para todos os efeitos aqui se invoca.
xlii. Não é sustentável a visão, propugnada no Acórdão Recorrido, de que será lícito, em sede de processo disciplinar, degradar os meios de prova permitidos em Direito, tal como o art. 23º, n.º 1 do CDi os prevê, para, em lugar deles, lançar mão de versões simplificadas desses mecanismos probatórios, verdadeiros minus em relação aos previstos na Lei, adoptados no contexto por natureza mais garantístico de um processo sancionatório, em que, pelo contrário, se exigiria o maius.
xliii. Por outro lado, mesmo que vingasse um tal entendimento, sempre se diria que que as formalidades prescritas nos arts. 541º e 542º do CPC estão, de facto, consignadas na Lei para assegurar o valor intrínseco e o peso jurídico dos depoimentos escritos, os quais, na ausência de tais formalidades, perdem a integridade própria desse meio de prova.
xliv. Neste sentido, dão-se por reproduzidas as considerações expendidas nos arts. 38º a 41º da petição de recurso.
xlv. Desta feita para concluir que a inobservância das formalidades ali elencadas, e com ela as insuficiências do depoimento do ponto de vista das condições em que foi prestado, redundam num meio de prova tolhido no seu valor intrínseco e peso jurídico, pois que lhe faltam os elementos necessários à verificação da integridade do depoimento, nos termos acima expostos.
xlvi. Assim, também por esta via haverá que concluir que o depoimento escrito da Sr. B é nulo, o que de novo aqui se argui.
xlvii. O Acórdão Recorrido baseou-se também, em particular quanto à formação da sua convicção de que a C, escritório de advogados em que o Recorrente se integra (adiante a “C”), no “depoimento da declarante D, E, Head of Transactions (APACx) da F em Hong Kong, Taiwan e Macau”, que se diz ter sido “esclarecedor sobre quem presta e não presta serviços jurídicos à F em Macau”.
xlviii. É que o “depoimento da declarante D, E, Head of Transactions (APACx) da F em Hong Kong, Taiwan e Macau”, nos termos em que o Acórdão Recorrido o refere, não existe.
xlix. Na realidade, o que existe nos autos são dois depoimentos, um alegadamente prestado por um indivíduo do sexo feminino que declara chamar-se E e ser Head of Public Policy, Hong Kong, Taiwan & Macau da F (fls. 131 do PD).
l. E outro prestado por D, neste caso um indivíduo do sexo masculino, que declara ser actualmente Head of Transactions (APACx) da F, depois de ter sido Senior Counsel (fls. 129 do PD).
li. Face ao exposto, fico o Recorrente sem poder alcançar exactamente qual dos “depoimentos” o Acórdão Recorrido considerou ser “esclarecedor”, na medida em que os nomes das duas testemunhas aparecem combinados, como se de apenas uma se tratasse.
lii. Por outro lado, se a referência, no Acórdão Recorrido, ao cargo de “Head of Transactions (APACx) da F em Hong Kong, Taiwan e Macau” parecer apontar para que tenha sido o depoimento do Sr. D, o valorado, por ser ele que diz desempenhar tal cargo (fls. 129 do PD).
liii. A alusão a que o “depoimento” valorado foi prestada por uma declarante e foi “esclarecedor sobre quem presta e não presta serviços jurídicos à F em Macau” parece apontar no sentido oposto, para o “depoimento” da pessoa que diz chamar-se “E”, por ser a única do sexo feminino e ser quem declara que interage com todos os departamentos da companhia envolvidos na operação de Macau, e nunca ouviu o nome do Recorrente ou o do escritório de advogados C como prestadores de serviços à F em Macau (fls. 131 do PD).
liv. Assim, como se disse, não consegue o Recorrente descortinar qual dos “depoimentos” foi tido em conta, ou mesmo se ambos o foram.
lv. Esta obscuridade ou insuficiência é quanto basta para concluir pela falta de fundamentação do Acórdão Recorrido, quanto a este ponto crucial da motivação da sua convicção, nos termos dos arts. 114º e 115º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
lvi. Assim tornando anulável o Acórdão Recorrido, nos termos do disposto no art. 124º do mesmo CPA, anulabilidade que aqui se invoca para os devidos efeitos.
lvii. Nas circunstâncias descritas, manda então a cautela que o Recorrente se debruce sobre ambos os depoimentos.
lviii. Pelo que resulta do depoimento do Sr. D, este é exactamente o mesmo Sr. D que o Recorrente, na sua Defesa, indicara como sendo, na F, o contacto apropriado a quem devia dirigir-se o ofício solicitando à empresa confirmação da veracidade de um conjunto de factos que alegara.
lix. Nessa ocasião, o Sr. D não se dignou responder ao solicitado pelo Sr. Instrutor.
lx. Ou seja, como adiante se verá, o Sr. D aparece nos autos a prestar “depoimento” espontâneo, pela mão do Participante, declarando sobre a matéria que bem entendeu, depois de ter silenciado o pedido de colaboração com o PD que, na sua pessoa, fora anteriormente dirigido à F, neste caso para confirmar, não o que melhor lhe conviria, mas factualidade específica da Defesa do Recorrente.
lxi. Esta conduta do Sr. D tem o condão de iluminar o teor do depoimento que veio prestar, como mais adiante se verá.
lxii. Por meio de carta datada de 31.10.2017 e recebida em 03.11.2017, o Participante foi notificado para, no prazo de 5 dias, requerer o que tivesse por conveniente quanto a diligências complementares de prova (fls. … do PD).
lxiii. Prazo assinalado ao Participante para requerer o que tivesse por conveniente terminou, assim, em 08.11.2017.
lxiv. Em 09.11.2017, o Participante requereu prorrogação do prazo que lhe for a fixado (fls. … do PD) – um prazo, recorde-se, que expirara no dia anterior à apresentação deste requerimento…
lxv. Não obstante, logo em 09.11.2017 o Sr. Instrutor despachou o deferimento de tal prorrogação (fls. 116 do PD).
lxvi. O Participante foi notificado deste despacho por carta datada de 09.11.2017 e recebida em 10.11.2017 (fls. 119 e 120 do PD).
lxvii. E, embora o Participante tivesse requerido apenas que os 15 dias de prorrogação fossem adicionados ao prazo fixado na notificação inicial (entenda-se, pretendia beneficiar de um prazo total de 20 dias desde essa notificação, em vez de 5), o Sr. Instrutor comunicou-lhe que os concedidos 15 dias se contariam da data de recepção (fls. 120 do PD).
lxviii. Assim, nos termos do despacho de fls. 116 e da notificação de fls. 120 do PD, o prazo concedido ao Participante para requerer o que tivesse por conveniente sobre diligências complementares terminou em 25.11.2017 (Sábado, mas dia em que as instalações do Recorrido se encontram abertas).
lxix. Em 04.12.2017, o Recorrente consultou pessoalmente o PD nas instalações do Recorrido (fls. 125 PD).
lxx. E o que observou então foi que o Participante deixara esgotar o prazo para requerer diligências de prova complementares, tendo pois o Recorrente ficado a aguardar notícia do desfecho das diligências que ele próprio requerera na sua Defesa, nomeadamente a expedição de ofício à F.
lxxi. No dia 05.12.2017 (fls. 126 do PD) que o Participante juntou aos autos os requerimentos e declarações de fls. 126-A e seguintes do PD.
lxxii. No momento dessa junção, já estava esgotado o prazo concedido ao Participante para requerer diligências de prova complementares, tendo-se extinguido o seu direito a fazê-lo (cf. art. 95º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi do art. 65º, bº do CDi).
lxxiii. Estranhamente, porém, as extemporâneas diligências foram admitidas e ficaram nos autos.
lxxiv. Assim, e sem prejuízo do mais que se dirá sobre a validade dos depoimentos em causa, desde já se invoca que a admissão dos mesmos no PD constitui nulidade que influiu no exame e na decisão do PD – pois que é manifesto que um ou ambos os depoimentos extemporaneamente apresentados foram valorados no Acórdão Recorrido -, nos termos do disposto no art. 147º, n.º 2 do CPC, nulidade que aqui se arguiu para os devidos efeitos.
lxxv. Dito isto, cumprirá agora referir que aquilo que acima se consignou acerca do depoimento da Sra. B vale, mutatis mutandis, para os depoimentos da Sra. E e do Sr. D que o Participante fez juntar ao PD.
lxxvi. No caso destes depoimentos, eles surgem de imediato na forma de depoimentos escritos, sem que os respectivos declarantes tivessem sido, em momento algum, arrolados como testemunhas.
lxxvii. No caso destes depoimentos, eles surgem sem que tivessem sido convocados para comparecer nas instalações do Recorrido a fim de deporem perante o Sr. Instrutor, como mandava o art. 23º, n.º 5 do CDi.
lxxviii. E sem que se tivesse verificado qualquer impossibilidade ou grave inconveniente nessa comparência.
lxxix. Estes depoimentos, e é de depoimentos que estamos a falar, pois assim foram – ou pelo menos um foi – valorados no Acórdão Recorrido, foram submetidos pelo Participante como se de documentos se tratassem (fls. 127 e 128 do PD), como se fosse possível defraudar o regime da produção de prova testemunhal, furtando as testemunhas, sem motivo válido, ao contacto directo com a autoridade que deveria inquiri-las, resguardando-as do contraditório da parte contrária, fazendo simplesmente verter as suas declarações em folhas de papel, e chamando estas, candidamente, de documentos…
lxxx. Invoca-se, no Acórdão Recorrido, a pretexto da validade deste tipo de depoimentos, que também o Recorrente requereu idêntico meio de prova, relativamente ao Sr. D.
lxxxi. Tal não é exacto.
lxxxii. A prova testemunhal requerida pelo Recorrente, orientada à produção de depoimentos a serem valorados como tal, consta claramente identificada na sua Defesa, e no rol que aí se apresentou não consta o nome do Sr. D.
lxxxiii. Na realidade, a diligência que o Acórdão Recorrido afirma ser igual aos depoimentos que ora se impugnam foi, como facilmente se constata ao analisar a Defesa do aqui Recorrente, um pedido de informações a entidade terceira – a F B.V., sociedade com sede em XX XX, XX HL -, o qual foi formulado ao abrigo do disposto no art. 458º, n.º 1 do CPC.
lxxxiv. Na verdade, o facto de ali se ter identificado o Sr. D como sendo o funcionário da F a quem deveria ser dirigido o ofício solicitando informações à F não fez do aludido Sr. D uma testemunha.
lxxxv. Como facilmente se entende, estava em causa obter, não as declarações de um indivíduo sobre factos de que tivesse conhecimento directo, mas sim a confirmação, pela própria cliente a quem a C prestou serviços jurídicos, sobre a veracidade das alegações que a esse respeito constavam da Defesa.
lxxxvi. Prova disso mesmo é que, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de ausência de resposta por parte do Sr. D, o Recorrente logo requereu também que fosse oficiada a própria F B.V., na morada da sua sede, o que de novo indica que o sujeito destinatário do pedido de informações formulado pelo Recorrente foi sempre a própria F, por ter sido a cliente da C.
lxxxvii. Retomando, note-se agora, que os depoimentos, contrariamente ao da Sra. B, até já observam as formalidades referidas nos arts. 38º e 39º supra – o que aliás parece indicar que quem os preparou tinha alguma noção de que não estavam em causa simples documentos…
lxxxviii. Falta-lhes, porém, o reconhecimento notarial das assinaturas das testemunhas (ou, em alternativa, a exibição do seu documento de identificação), exigência erigida na Lei para a assegurar que o depoimento escrito é de facto prestado pela pessoa que diz nele intervir.
lxxxix. A questão não é despicienda.
xc. É que, olhando para o depoimento da Sra. E (fls. 131 do PD), é notório que a assinatura ali aposta corresponde a uma montagem grosseira, feita por meios informáticos.
xci. Em termos tais que não há valor intrínseco e peso jurídico que resistam a tal vício do depoimento.
xcii. Assim, aqui vai expressamente impugnada a genuinidade aquela assinatura, com todas as consequências que devam caber.
xciii. Acompanhada da vigorosa arguição de nulidade da produção de ambos os depoimentos, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 1 do CDi, enquanto prática de acto que a Lei não admite, ou, no mínimo, a omissão de formalidades que a Lei prescreve.
xciv. O que, consubstanciando irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão do PD, fere a produção de tais depoimentos de nulidade (cf. art. 147º do CPC), o que para todos os efeitos aqui se invoca.
xcv. Mas mais ainda: mesmo que se consentisse uma visão minimalista da legalidade probatória, que permitiria ao instrutor em processo disciplinar degradar os requisitos legais do meio de prova utilizado, conquanto ficasse intacto o seu valor intrínseco e peso jurídico.
xcvi. Sempre haverá que assinalar o óbvio: o valor e peso jurídico de um meio de prova só podem firmar-se depois de ser sobre ele exercido o contraditório pela parte a quem é oposto!
xcvii. Admitir o contrário, para assim concluir que é legítimo que um meio de prova se produza nos autos de forma unilateral, de tal forma que arguido apenas vem a saber da sua existência porque o encontra referido na decisão que o condena – e foi precisamente isto que aconteceu in casu -, é totalmente inaceitável, por valor de maneira ostensiva os princípios do contraditório e da igualdade de armas.
xcviii. A este respeito, será de assinalar aqui os ensinamentos de Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro de Lima, segundos os quais:
- “Em nome do contraditório, no desenrolar do processo cada uma das partes é chamada a deduzir ou invocar as suas razões de facto e de direito e a oferecer ou produzir as suas provas; mas cada uma das partes tem também o poder de controlar as provas produzidas pelo seu adversário e de discutir o valor e os resultados de umas e outras”.
xcix. Não tendo os depoimentos sido notificados ao Recorrente, eis pois mais uma nulidade, agora por violação do princípio do contraditório (e da igualdade de armas), nos termos do art. 10º do CDi, o que aqui se argui para os devidos efeitos.
c. A tudo acresce que, no supra referido requerimento (já extemporâneo) em que requereu – e desde logo produziu – diligências de prova complementares, o Participante aproveitou o ensejo para apresentar dois requerimentos (fls. 126 a 128 do PD) que, pelo seu conteúdo, têm a natureza da verdadeiras alegação complementares, com a ratio com que o art. 34º do CDi prevê.
ci. Na verdade, o que se faz nesses requerimentos – o inicial, de fls. 126A-127, e o complementar, de fls. 128 – é sumariar, analisar e extrair conclusões a partir dos meios de prova apresentados, apontando o sentido em que, no entender do Participante, eles deveriam ser valorados.
cii. Também esses requerimentos não foram notificados ao Recorrente.
ciii. Aponte-se aqui, pelo seu interesse, a lição de Lebre de Freitas, segundo a qual:
- “Ao lado do princípio do contraditório, e com ele integrando o princípio, mais geral, da equidade ou da igualdade das partes, o princípio da igualdade de armas significa o equilíbrio entre as partes na apresentação das respectivas teses, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem”.
civ. E nada mais falta dizer para expor mais uma nulidade por violação do princípio do contraditório (e da igualdade de armas), nos termos do art. 10º do CDi, o que aqui se argui para os devidos efeitos.
cv. Na sua Defesa, o Recorrente requereu que se procedesse às seguintes diligências probatórias:
cvi. Tomada de declarações ao próprio Recorrente.
cvii. Inquirição de três testemunhas.
cviii. Expedição de ofício solicitando informações à F, na pessoa do seu Senior Legal Counsel Sr. D ou, na falta de resposta deste, directamente à sede da empresa, na Holanda.
cix. Após a acusação, o Sr. Instrutor não tomou declarações ao Recorrente – as únicas declarações que este prestou em todo o PD ocorreram ainda em sede de instrução.
cx. como tal, não teve o Recorrente oportunidade de, presencialmente e de viva voz, se pronunciar sobre o teor e estrutura da acusação, quando é certo que esta, nas palavras de Leal Henriques, citadas pelo Sr. Instrutor no relatório final e acolhidas no Acórdão Recorrido, “é o momento ou fase processual mais solene de todo o procedimento e o que lhe marca o destino, pois é com ela que o arguido fica a saber com rigor o que lhe é imputado”.
cxi. De facto, basta pensar que foi com a Acusação que o Recorrente foi pela primeira vez confrontado com uma imputação de violação do dever de urbanidade.
cxii. Pois que a participação que originou o PD omitia qualquer referência a uma tal violação.
cxiii. Repete-se: o Recorrente, que tem evidentemente o direito, não apenas a apresentar defesa escrita sobre a matéria da acusação, mas a ser efectivamente ouvido, de viva voz, sobre tal matéria, não foi, em momento algum após a prolação da acusação, convocado para prestar declarações, não obstante o tivesse requerido na sua Defesa.
cxiv. A falta de tomada de declarações ao Recorrente, nos termos acima descritos, constitui nulidade, e nulidade insanável, que aqui se argui para os devidos efeitos.
cxv. Assim ocorre por ser essa a cominação prescrita no art. 36º do CDi, quer para os casos em que o arguido não seja ouvido.
cxvi. Quer para os casos em que sejam omitidas diligências essenciais à descoberta da verdade.
cxvii. Quer ainda para os casos em que tal omissão seja susceptível de pôr em causa as garantias de defesa do arguido.
cxviii. Por outro lado, o Recorrente requereu também a inquirição de três testemunhas, que foram efectivamente inquiridas – entenda-se, que se deslocaram às instalações do Recorrido e aí responderam pessoalmente às questões que o Sr. Instrutor entendeu colocar-lhe e prestaram os esclarecimentos que essas respostas suscitaram…
cxix. E requereu ainda que se oficiasse a F para a mesma confirmasse nos autos a veracidade da matéria dos arts. 8º a 12º da Defesa.
cxx. Para o efeito da produção deste último meio de prova, requereu o Recorrente que o ofício solicitando aquela confirmação fosse primeiramente dirigido ao Sr. D, Senior Legal Counsel da F em Hong Kong.
cxxi. Mais requereu, subsidiariamente e prevenindo a ausência de resposta a esse ofício, que o mesmo fosse, nessa eventualidade, dirigido directamente à sede da F, sita em morada que indicou.
cxxii. Como se disse, o requerimento de ofício à F tinha em vista obter prova do que se alegara nos arts. 8º a 12º da Defesa, a saber.
cxxiii. Que a C, escritório de advogados em que o Recorrente se integra, já trabalhava para a F desde Setembro de 2015.
cxxiv. Que tinha prestado assistência jurídica à F em mais do que uma ocasião e relativamente a mais do que uma matéria.
cxxv. Que, para além dos serviços profissionais que prestou à F, desde Setembro de 2015 a C manteve contacto frequente com os responsáveis da empresa relativamente a outros temas jurídicos do interesse desta.
cxxvi. Que tal sucedeu, em particular, pelo facto de o Dr. G, advogado na C, ser também sócio da sociedade de advogados portuguesa “H, I, J & Associados”, a qual assiste e representa a F no tocante ao seu enquadramento regulatório em Portugal e, em particular, no litígio que a opõe à Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros daquele país; e
cxxvii. Que, já após 12.04.2016, data dos factos de que tratava a Acusação, a F contactou a C, no âmbito da relação profissional que ambas as partes vinham mantendo, solicitando-lhe que apresentasse uma proposta de prestação de determinados serviços jurídicos, o que aquela fez.
cxxviii. A diligência requerida pelo Recorrente foi admitida pelo Sr. Instrutor (fls. 116 do PD), tendo sido enviado email ao Sr. D em 10.11.2017 (fls. 121 e seguintes do PD).
cxxix. No corpo desse email, assinado pelo Sr. Instrutor, embora equivocadamente se mencionasse o Sr. D como sendo uma “testemunha” indicada pelo Recorrente – o que, como se demonstrou supra, não era exacto -, consignava-se também que o pretendido “depoimento” – de novo uma inexacta referência a prova testemunhal – seria “muito importante para a decisão do processo disciplinar” (fls. 122 do PD).
cxxx. Não surpreende o ênfase ali dado à importância da confirmação solicitada à F da factualidade acima referida, em que o Recorrente fizera assentar a sua defesa.
cxxxi. Na realidade, o próprio Sr. Instrutor reconhecera, no parecer que, concluindo a instrução do PD, subscreveu e colocou à apreciação do Recorrido, que “[importa] agora fazer prova segura sobre se o Sr. Advogado participado referiu “we would like very much to work with F”, ou se disse “we have actually been working with F in the past months as well” (fls. 74 do PD).
cxxxii. Pois que, entendia então o Sr. Instrutor, “saber se foi dito que “nós gostaríamos muito de trabalhar para a F” ou se, “nós também temos trabalhado para a F nos últimos meses”, faz toda a diferença” (fls. 74 do PD).
cxxxiii. E efectivamente fazia, sempre fez, e ainda faz, toda a diferença.
cxxxiv. Foi por fazer toda a diferença que, na estrutura da Defesa, o Recorrente procurou demonstrar que a frase que proferiu foi a segunda das frases acima citadas, mediante a prova da precedente relação profissional existente entre a C e a F, que tornava completamente absurdo que o Recorrente tivesse proferido a primeira.
cxxxv. Para tanto, o Recorrente alegou a factualidade contida nos arts. 8º a 12º da Defesa, e foi sobre ela que requereu que se solicitasse confirmação à F, primeiro na pessoa do seu Senior Counsel, Sr. D, e na falta de uma resposta deste, directamente na sede da empresa.
cxxxvi. Ora, o Sr. D não respondeu à solicitação que lhe foi dirigida.,
cxxxvii. E disso – ou seja, do insucesso de uma diligência de prova que requerera – não foi o Recorrente notificado.
cxxxviii. Embora entenda que uma tal notificação se justificava plenamente, não pretende o Recorrente queixar-se da ela não ter sido efectuada.
cxxxix. E não o pretende porque a verdade, recorde-se, é que, para a eventualidade do insucesso da solicitação a dirigir ao Sr. D, já o Recorrente requerera que o ofício fosse então dirigido directamente à sede da F – isto porque, recorde-se também, era a F, e não o próprio Sr. D, o terceiro a quem se solicitava informação.
cxl. Seria pois normal que, verificando-se tal insucesso, o Sr. Instrutor ordenasse a expedição do dito ofício para a sede de F sem que, de permeio, tivesse que notificar o Recorrente – pois estaria apenas a cumprir aquilo que este já requerera, numa hipótese que já antecipara.
cxli. Pois bem, sucedeu que, em 06.12.2017 – dois dias depois de o Recorrente ter consultado os autos do PD e um dia depois de o Participante ter, já fora de prazo, juntado aos autos os meios – o Sr. Instrutor proferiu o despacho de fls. 132 do PD,
cxlii. qual, desde já se adianta, não foi notificado ao Recorrente.
cxliii. Nesse despacho, o Sr. Instrutor consigna ter já decorrido mais de um mês desde o envio do email ao Sr. D, e que este não respondeu.
cxliv. E quando se esperaria que, na ausência dessa resposta, se ordenasse então a expedição de ofício directamente para a sede da F, conforme fora requerido, o Sr. Instrutor despacha que:
“Satisfazer o pedido de envio de uma carta para a Holanda significaria, com toda a certeza, protelar o processo por tempo indeterminado, com todas as consequências que daí poderiam advir.
Fazer prova de que foi prestado um serviço jurídico a certo cliente, poderá ser feito de forma mais expedita, caminho que o Sr. Advogado participado entendeu não seguir.”
cxlv. Ou seja, o Sr. Instrutor indeferiu a segunda diligência de prova requerida pelo Recorrente em 4. do requerimento probatório contido na sua Defesa.
cxlvi. Sendo certo que essa diligência de prova era substitutiva da primeira que se requerera no mesmo parágrafo, e que o objecto da prova que ambas visavam produzir era – nas já citadas palavras do próprio Sr. Instrutor – “muito importante” para a decisão do PD.
cxlvii. Como se disse, o despacho em causa – repete-se, um despacho de indeferimento de uma pretensão do Recorrente atinente à produção de prova da sua Defesa – não foi notificado ao Recorrente, e nenhuma dúvida pode restar de que deveria tê-lo sido, bastando para tanto o que dispõe o art. 68º, a) do CPA.
cxlviii. A primeira conclusão a retirar neste passo é que o despacho de fls. 132 do PD indeferiu – e portanto omitiu – uma diligência de prova requerida pelo Recorrente e que se mostrava essencial à descoberta da verdade, pondo em causa as garantias de defesa do Recorrente, o que constitui nulidade insanável, nos termos do disposto no art. 36º, n.º 2 do CDi, e que aqui se argui para os devidos efeitos.
cxlix. Uma outra conclusão é que a ausência de notificação desse despacho ao Recorrente, inviabilizando que, por sua iniciativa, fosse requerida diligência alternativa mais expedita visando a prova da factualidade em apreço, constituiu omissão de acto que a Lei prescreve e que teve influência no exame e na decisão da causa, o que constitui nulidade nos termos do disposto no art. 147º, n.º 1 do CPC, supletivamente aplicável por mor do disposto no art. 65º, a) do CDi, a qual aqui vai também arguida para os devidos efeitos.
cl. Dito isto, vejamos agora o que ocorreu em seguida, e para isso recapitulemos o contexto em que o PD se encontra, no momento em que o Sr. Instrutor acaba de escrever o primeiro parágrafo de fls. 132 versos do PD.
cli. O Recorrente alinhara na sua Defesa factualidade cuja prova o Sr. Instrutor tivera por “muito importante” para a decisão do PD, factualidade que visava clarificar a questão, que, também no entender do Sr. Instrutor, fazia toda a diferença, de qual das frases da discórdia havia, afinal, sido proferida pelo Recorrente.
clii. Uma diligência que almejava produzir essa prova resultara infrutífera; e
cliii. A diligência substitutiva requerida para essa exacta eventualidade acabara de ser indeferida.
cliv. Dir-se-ia então que o Sr. Instrutor, vinculado que estava a “promover as diligências que considerasse convenientes para a instrução”, assim procurando “atingir a verdade material” (tudo conforme o art. 18º do CDi), e para mais tendo consignado que outras formas mais expeditas existiriam para que se produzisse a prova a que se dirigia a diligência indeferida, não deixaria de, por sua própria iniciativa, promover o que se lhe afigurasse adequado.
clv. De modo a que a veracidade da factualidade em causa, não podendo comprovar-se mediante ofício expedido para a sede da F, pudesse sê-lo por um qualquer outro meio probatório.
clvi. E sendo que, ao consignar no despacho que essa prova poderia ser feita de forma mais expedita, o Sr. Instrutor seguramente já teria as suas ideais sobre o que seria adequado promover nesse sentido.
clvii. O certo, porém, é que o Sr. Instrutor, obrigado a procurar a verdade material e tendo evidentemente alguma opinião sobre como ela poderia ser encontrada, não fez nada!
clviii. Ou melhor dizendo, fez pior do que nada: passou a escrever o segundo parágrafo que consta de fls. 132 verso do PD, decretando que:
“Nesta conformidade, entendendo que o processo contém já todos os elementos necessários a uma, digo, à elaboração de um consciencioso parecer ou relatório final, é isso que iremos de seguida fazer.”
clix. O Recorrente confessa aqui o seu esforço de contenção nos qualificativos a aplicar ao que acaba de descrever.
clx. Objectiva e factualmente, o que aconteceu foi que:
clxi. A indagação sobre determinada factualidade foi tida por “muito importante” para a decisão do PD.
clxii. Diligências requeridas pelo Recorrente para prova dessa factualidade foram, uma infrutífera, e a outra indeferida.
clxiii. Não se notificou o Recorrente desse indeferimento.
clxiv. Sabia-se que havia outras diligências que poderiam ser levadas a cabo – quanto mais não fosse, o levantamento de segredo profissional que o Dr. G se prontificou a requerer, no seu depoimento de fls. 113 do PD.
clxv. E ainda assim, entendeu-se que não valia a pena continua rem busca da verdade material.
clxvi. Ora, nestas circunstâncias, como poderia dizer-se que os elementos dos autos eram bastantes para a emissão de uma opinião conscienciosa?
clxvii. Como poderia produzir-se o que quer que fosse de consciencioso, quando fora amputada ao Recorrente uma diligência de prova manifestamente essencial?
clxviii. Clamou o Sr. Instrutor, a fls. 133 do PD, que a prova pretendida poderia ser feita de forma mais expedita, e que foi o Recorrente quem entendeu não seguir esse caminho.
clxix. O Recorrente, como é evidente, sabe bem qual seria o caminho mais expedito para fazer prova de que o seu escritório prestara serviços jurídicos à F.
clxx. Era o caminho da divulgação de correspondência com um cliente, da divulgação de pareceres jurídicos elaborados para um cliente, quiçá da divulgação das contas de honorários enviadas a um cliente, ou porventura mesmo o da divulgação dos comprovativos do pagamento desses honorários por um cliente.
clxxi. Todos eles documentos protegidos por segredo profissional (conforme art. 5º, n.º 6 do CDe).
clxxii. Ocorre, contudo, que o Recorrente tem pelos valores que regem a sua profissão um apego bem maior do que lhe foi dado crédito ao longo do PD.
clxxiii. E por isso tentou, até ao limite, que a prova em causa fosse produzida com recurso a informação prestada pela própria F, a cliente, o sujeito que o segredo visa em primeira linha tutelar, e que, informando com verdade sobre a matéria cuja confirmação lhe foi solicitada, deixaria claro nos autos que o Recorrente dizia a verdade.
clxxiv. Mais ainda: sabendo-se que a obrigação de segredo profissional apenas cessa em “em tudo quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado”, é manifesto que o caminho que conduz a tal cessação (mediante a necessária autorização da Associação dos Advogados) está longe de ser expedito.
clxxv. Pelo contrário – é o caminho mais longo, aquele que esgota todas as possibilidades alternativas, e que assim revela não existir outra forma de tutelar a posição a posição do advogado que não a de quebrar o selo do segredo profissional.
clxxvi. Sejamos claros: Se, por meio da primeira ou da segunda diligência requeridas pelo Recorrente, a F – a F, não os declarantes seleccionadas pelo Participante – tivesse respondido ao que lhe foi solicitado – o que lhe foi solicitado, não aquilo a que aqueles declarantes, ou alguém por eles, escolheram responder -, não seria absolutamente necessário fazer cessar a obrigação de segredo profissional que protege os potenciai meios de prova que, pela natureza das coisas, estavam e continuam a estar na posse da C.
clxxvii. Pois que a dignidade profissional do Recorrente, e o seu direito a defender-se de uma imputação irrefragavelmente injusta, ficariam assegurados pela confirmação, pelo próprio cliente, de que era verdade o que aquele alegara.
clxxviii. Foi por isso que o Recorrente requereu a produção de prova nos termos em que o fez:
clxxix. Se falhasse a primeira diligência, proceder-se-ia à segunda.
clxxx. E se falhasse também a segunda, quedaria então – mas só então – demonstrada a absoluta necessidade de fazer cessar a obrigação de segredo, para que pudesse oferecer-se como meio de prova os documentos acima referidos.
clxxxi. Porém, a supra descrita actuação do Sr. Instrutor vedou esta possibilidade, pois nem o Recorrente pôde fazer tal prova.
clxxxii. Nem o Sr. Instrutor, no exercício das funções que lhe estavam cometidas, sugeriu que se levasse a cabo aquela diligência, ou qualquer outra destinada a produzir a prova que, pelo indeferimento da requerida expedição de ofício à F, ficara por fazer.
clxxxiii. Assim, o Sr. Instrutor omitiu diligências de prova de cuja relevância era inteiramente conhecedor, cujo possível conteúdo concreto lhe fora até já apontado no depoimento do Dr. G, e que notoriamente se mostravam essenciais à descoberta da verdade, pondo em causa as garantias de defesa do Recorrente, o que constitui nulidade insanável, nos termos do disposto no art. 36º, n.º 2 do CDi, e que aqui se argui para os devidos efeitos.
clxxxiv. Não é verdade que o Arguido tenha proferido a expressão “we would like very much to work with F”.
clxxxv. Não é verdade que tenha procurado angariar clientela.
clxxxvi. Nem é verdade que tenha querido protagonizar ser menos correcto ou leal com o Participante.
clxxxvii. Na sequência do que a este respeito já deixou dito na sua Defesa e do que esclareceu nas declarações que prestou a fls. 62 do PD, o Arguido reitera que não apenas não proferiu a frase que lhe é imputada, como jamais o faria, e não tinha razão alguma para o fazer.
clxxxviii. O Recorrente vem condenado por ter dito que a C, escritório de que faz parte, “[gostaria] muito de trabalhar para a F”.
clxxxix. Ora, sucede que a C já trabalhava para a F desde Setembro de 2015.
cxc. Tendo prestado assistência jurídica à empresa em mais do que uma ocasião e relativamente a mais do que uma matéria.
cxci. Mais: pais além dos serviços profissionais que prestou à empresa, desde Setembro de 2015 a C manteve contacto frequente com responsáveis da F relativamente a outros temas jurídicos do interesse desta.
cxcii. O que sucedeu, em particular, pelo facto de o Dr. G, advogado na C, ser também sócio da sociedade de advogados portuguesa “H, I, J & Associados”, a qual assiste e representa a F no tocante ao seu enquadramento regulatório em Portugal e, em particular, no litígio que a opõe à Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros daquele país.
cxciii. Mais ainda: já após 12.04.2016, data dos factos em apreço, a F, no âmbito da relação profissional que ambas as partes vinham mantendo, contactou a C solicitando-lhe que apresentasse uma proposta de prestação de determinados serviços jurídicos, o que aquela fez.
cxciv. Uma vez mais se pergunta: por que insondável motivo diria o Recorrente que a C gostaria de trabalhar com a F, quando a indesmentível realidade era que a C já trabalhava com a F?
cxcv. Porque desejaria o Recorrente que acontecesse algo que já tinha acontecido? Porque ambicionaria o Recorrente que a C tivesse aquilo que já tinha?
cxcvi. O que vem de ser dito redunda, de restp, na impossibilidade do objecto da infracção de solicitação ou angariação de clientes por que o Recorrente vem condenado.
cxcvii. Pois que só é possível solicitar ou angariar clientes que não se tem, e a F, como se disse, já era cliente da C.
cxcviii. Em suma, como facilmente se compreende, o Recorrente não disse, nem tinha razão alguma para dizer, a frase por que vem condenado.
cxcix. E apenas pode conceber as declarações prestadas em contrário pelo Participante e pela Sra. B – neste caso, sem conceder na arguição de nulidade do seu depoimento escrito – no contexto de uma deficiente compreensão das palavras que o Recorrente efectivamente proferiu, que foram, repete-se, “we have actually been working with F in the past months as well”.
cc. O que era, repete-se, inteiramente verdade, visto que à data dos factos em apreço, a F e a C mantinham uma relação profissional que durava há mais de 6 meses, materializada na prestação de serviços pela C em mais do que uma ocasião, em contactos entre o Dr. G e o Senior Counsel da F a respeito da evolução geral da situação regulatória da F em Macau, e que de resto viria a ter sequência num posterior pedido de proposta de prestação de outros serviços.
cci. É frequente que, em ocasiões do tipo daquela em que ocorreram os factos sub iudicio, se proporcionem encontros entre pessoas que integram organizações que mantém relações, sem que no entanto essas pessoas se conheçam ou tenham tido qualquer contacto no decurso dessas relações.
ccii. É muito usual que tal aconteça com empresas multinacionais da magnitude da F, ou com escritórios de advogados internacionais como são vários dos que opera mem Hong Kong, e acontece também com variadíssimos escritórios de advogados de Macau, de entre aqueles que têm alguma dimensão no nível do número de profissionais que os integram.
cciii. E quando assim acontece, é usual que as pessoas em causa, ao apresentaram-se ao seu interlocutor, o informem que já tiveram contacto anterior com as organizações de que fazem parte.
cciv. Naquela particular ocasião, estavam presentes a Sra. B e o Recorrente, representantes da F e da C, que no entanto não se conheciam, por não terem mantido contactos entre si no decurso da aludida relação profissional.
ccv. A referência, feita pelo Arguido à Sra. B, ao facto de pertencer a um escritório de advogados que vinha prestando serviços à F, era uma peça de informação relevante na interacção profissional que ali ocorria, e a sua transmissão algo de corriqueiro.
ccvi. Na realidade, estavam presentes no evento em causa diversas pessoas representantes de várias organizações, e seguramente todas elas se apresentaram à Sra. B dizendo quem eram e o que faziam.
ccvii. No caso do Recorrente, dava-se o caso de integrar um escritório de advogados que vinha prestando serviços jurídicos à empresa representada pela Sra. B.
ccviii. Sendo, pois, inteiramente normal que fizesse referência a esse facto, e mais, seria até estranho que o não referisse.
ccix. Foi essa, e apenas essa, a referência que o Recorrente fez.
ccx. O Recorrente exerce a profissão forense há mais de 16 anos, desde que, em Janeiro de 2002, iniciou em Portugal o seu estágio de advocacia.
ccxi. Jamais, ao longo do seu percurso profissional, foi alvo de qualquer sanção disciplinar, não obstante exerça a profissão predominantemente na área do contencioso judicial, em que, como é facto notório, são frequentes as situações de confronto e mesmo atrito entre os intervenientes.
ccxii. É um advogado que conhece e pratica as regras deontológicas que regem a sua profissão, e que dedica aos demais advogados o respeito, lealdade, cortesia e colaboração devidos entre profissionais do mesmo ofício.
ccxiii. E assim é reconhecido pelos seus colegas.
ccxiv. É pois injusta a condenação de que foi alvo, não apenas porque se suporta num facto que não é verdadeiro, mas também porque esse facto consubstancia um tipo de conduta profissional que de todo não é praticada pelo Recorrente.
ccxv. De resto, cumprirá aqui reiterar que os factos alegados pelo Recorrente relativamente à relação existente entre a C e a F em sua defesa foram integralmente confirmados pelo Dr. G – a pessoa que se alegara ser o principal ponto de contacto da F na C – no depoimento que prestou a fls. 113 do PD, e depoimento digno desse nome, prestado pessoalmente perante o Sr. Instrutor, como o art. 23º, n.º 5 do CDi manda que se faça.
ccxvi. Depoimento também, que o Acórdão nem sequer menciona, e muito menos pondera criticamente ou confronta com os demais elementos de prova que afirma terem baseado o seu juízo, nem que fosse para concluir que, por este ou aquele motivo, o Dr. G não lhe merecia crédito algum, devendo por isso ser integralmente desconsiderado, à laia de falsidade, tudo aquilo que declarou.
ccxvii. Como tal, aqui se aponta de novo, por este outro motivo, a falta de fundamentação, por insuficiência, do Acórdão Recorrido, e com ela a sua anulabilidade, nos termos dos arts. 114º e 115º, n.º 2 e 125º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos.
ccxviii. Sendo igualmente certo que, por tudo o que se expôs supra, o Acórdão Recorrido incorre em erro quanto aos pressupostos de facto, sendo assim anulável, nos termos do referido art. 125º do CPA, o que aqui também se invoca.
ccxix. O entendimento do Recorrente pende no sentido de que ao participante em processo disciplinar não assiste legitimidade passiva enquanto contra-interessado no recurso contencioso interposto.
ccxx. Por se lhe afigurar que, à luz do critério prescrito no art. 39º do CPAC, nenhum prejuízo directo resulta para o participante em caso de provimento de um tal recurso.
ccxxi. A jurisprudência deste Venerando Tribunal parece apontar em tal sentido, porquanto, da análise dos vários acórdãos tirados em recursos semelhantes ao presente que se encontram disponíveis para consulta, resulta que em nenhum deles foi indicado contra-interessado, e em nenhum deles essa questão foi suscitada, nomeadamente para efeito de aplicação dos dispositivos dos arts. 46º, n.º 2, f) ou 47º do CPAC.
ccxxii. Ainda assim, o Recorrente observa também que o art. 46º, bº do CDi atribui aos interessados no processo disciplinar legitimidade para recorrer da decisão que nele seja proferida.
ccxxiii. O que aponta para – ou pelo menos torna plausível – entendimento distinto do exposto supra.
ccxxiv. Ademais, no que ao caso em apreço diz respeito, tendo em conta a natureza das considerações tecidas no requerimento subscrito pelo Participante a fls. 126 do PD, assim como o que já se notou e arguiu sobre o documento de fls. 131, que acompanha tal requerimento, é plausível o entendimento de que a procedência do presente recurso poderá ter consequências adversas que possam traduzir prejuízo directo para o Participante.
ccxxv. Assim, face ao acima exposto e ainda exercendo a cautela de patrocínio adequada a evitar qualquer motivo para rejeição do presente recurso, optou o Recorrente por nele indicar como contra-interessado o Participante.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as legais consequências. Para tanto, deve ser ordenada a citação do Recorrido e do Participante para contestarem, querendo, sob a cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos do recurso.”
*
Regularmente citados o Conselho Superior de Advocacia e o contra-interessado K, apenas apresentou contestação aquela entidade recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A petição de recurso apresentada pelo recorrente não contém verdadeiras conclusões pelo que, em nosso entendimento, deverá rejeitar-se liminarmente o recurso interposto nos termos dos artigos 42º, ala e) e 46º, n.º 1 e n.º 2, b), ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Sem conceder ainda se dirá o seguinte:
2. Como logo se referiu na decisão recorrida, o artigo 18º do Código Disciplinar dos Advogados confere uma larga margem de liberdade ao instrutor para proceder às diligências que considere convenientes – desformalização própria do processo disciplinar – embora não dispensando a obediência aos princípios gerais do processo penal (v. g., os princípios da presunção de inocência, da audiência, da defesa, do contraditório, do “in dúbio pro reo”) sem que isto signifique, como acima se explica, que o processo penal seja o direito supletivo em caso de lacunas ou omissões.
3. Cabe ao instrutor socorrer-se de todos os meios de prova em direito permitidos para alcançar a verdade, sem necessidade do rigor do procedimento criminal, mas servindo-se do modelo e respeitando um mínimo de formalismo, de modo que não possam ser postos em dúvida o seu valor intrínseco e o seu peso jurídico. Cf. Leal Henriques, Ma de Direito Disciplinar, pág. 234.
4. O princípio/regra no processo disciplinar é que as nulidades nele praticadas têm normalmente caracter relativo, o que significa que, de um modo geral, as nulidades cometidas durante a sua tramitação não têm como consequência a lesão irremediável do acto em que ocorram ou dos actos posteriores.
5. Só em casos excepcionais as nulidades são insupríveis ou insanáveis, a saber: a) na falta de audição do arguido; b) havendo a omissão de quaisquer diligências essenciais à descoberta da verdade ou susceptíveis de por em causa as garantias de defesa do arguido – art.º 36º do Código Disciplinar dos Advogados.
6. A expedição de email para obter o depoimento da testemunha Sra B, então já a residir na Suécia, apresentava-se como o único meio disponível no âmbito de um processo disciplinar, já que seria impossível ouvi-la com recurso a meios formais, só disponíveis no domínio do poder judicial.
7. Acresce que a frase em questão lhe foi dirigida directamente, em língua inglesa que a testemunha domina perfeitamente e o seu depoimento é preciso, quer quando narra e distingue as frases em confronto, quer ainda quando revela perplexidade com que a frase que ouviu e foi efectivamente pronunciada, ou seja, a impressão que a mesma lhe causou; usando uma noção civilística, a “impressão do destinatário”.
8. A fidedignidade do depoimento não pode ser posta em causa, desde logo porque se trata de um email pessoal e a omissão de qualquer formalismo relativo ao compromisso de dizer a verdade não pode inquinar o que é essencial à descoberta da verdade, ou seja, a narração isenta dos factos ocorridos.
9. Como acima se referiu, a expedição de email foi requerida pelo queixoso, a sua fidedignidade está assegurada pelo endereço electrónico pessoal e pela resposta da testemunha que se mostra harmoniosa e explicativa dos factos em análise, daí termos considerado que o testemunho foi obtido para o processo de modo que não pode ser posto em dúvida, quer no seu valor intrínseco, quer no seu peso jurídico.
10. O contraditório foi assegurado pois o recorrente não só consultou várias vezes o processo disciplinar, como tomou posição sobre o depoimento em causa, tentou contraditá-lo e, para prova dos alegados serviços prestados, pediu que, usando o mesmo procedimento, (expedição de email) fosse ouvido o Sr. D da F de Hong Kong.
11. Só que, como se esclareceu no despacho de fls. 132 do processo disciplinar, o Sr. D não respondeu ao email que lhe foi enviado a solicitação do Sr. Advogado participado.
12. Satisfazer o pedido de envio de uma carta para a Holanda, exactamente porque o referido Sr. D, que reside em Hong Kong, (cf. fls. 101 “in fine” do processo disciplinar) não respondeu, significaria protelar, de forma intolerável, o processo disciplinar.
13. Como logo se referiu na decisão recorrida, esta questão seria facilmente torneada pelo recorrente, ou seja, a prova da eventual prestação de serviços à F poderia ser feita, por exemplo, com a junção aos autos de uma declaração do referido Sr. D, colhida pelo próprio Sr. Advogado participado em Hong Kong.
14. Se, como alega, o seu escritório prestou já serviços jurídicos à F, seria fácil contactar as pessoas que são, ou já foram, das suas relações profissionais.
15. Tudo o que deixamos dito relativamente ao depoimento da Sra B vale, “mutatis mutandis”, para o depoimento da Sra D, E.
16. A frase em questão constitui o núcleo central da participação, da acusação e, por isso mesmo, da decisão recorrida.
17. Ouvir o recorrente uma outra vez sobre esta matéria não iria trazer nada de novo ao processo, não beliscando, assim, a sua defesa que, como se disse, assenta na negação de que tivesse proferido tal frase.
18. Esta a razão pela qual na instrução se entendeu não ouvir de novo o recorrente após a acusação e, dado o conteúdo da defesa e demais elementos já contidos nos autos, dispensar a notificação para alegações complementares – art.º 34º do Código Disciplinar dos Advogados.
19. Por tudo isso pensamos ter demonstrado que não ocorre, “in casu”, qualquer nulidade sanável ou insanável ou mesmo irregularidade e não se mostra violado o princípio do contraditório.
20. A pena imposta é proporcional à culpa e às exigências de prevenção.
Termos em que, com os fundamentos expostos, sustenta-se e peticiona-se que ao recurso seja negado provimento. E assim se decidindo, SERÁ FEITA JUSTIÇA.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é advogado inscrito na Associação de Advogados de Macau.
Foi instaurado processo disciplinar contra o recorrente, registado sob o n.º 08/2016/CSA.
Na reunião realizada em 8.3.2018, foi deliberado pelo Conselho Superior de Advocacia o seguinte:
“Acórdão
Acordam os Membros do Conselho Superior da Advocacia no Processo Disciplinar Comum n.º 08/2016/CSA, no qual é participado o Dr. A, advogado melhor identificado nos autos acima referidos.
I. Instrução
O processo disciplinar foi inicialmente mandado instaurar pelo CSA como processo disciplinar de inquérito, por deliberação unânime tomada em reunião de 23 de Setembro de 2016, na sequência de uma participação apresentada pelo advogado Dr. K. Por deliberação de 20 de Abril de 2017, o C.S.A. determinou que o inicial processo disciplinar de inquérito deveria prosseguir como processo disciplinar comum.
*
Foi feita a instrução do processo onde, para além de outras diligências, foram inquiridas testemunhas.
Subsequentemente foi deduzida a acusação de fls 78 e ss que aqui se dá por reproduzida na íntegra.
Com base nos factos nela descritos, foi indiciariamente imputada ao Sr. Advogado participado a violação consciente das normas constantes dos artºs 10º nº 1 e 24º, com referência ao artº 1º nº 3 todos do Código Deontológico dos Advogados.
*
O Sr. Advogado arguido deduziu a sua defesa nos termos que fls. 91 e ss revelam e aqui se dá como reproduzida.
No essencial alegou não corresponder à verdade ter proferido a frase que lhe é imputada no artigo 4º da acusação.
Afirmou que o escritório de advogados C, de que faz parte, já trabalhava para a F desde Setembro de 2015 e, por isso, não havia razão alguma para proferir tal frase, que prestou assistência jurídica à empresa em mais de uma ocasião e relativamente a mais do que uma matéria, pelo não teria motivos para promover que acontecesse algo que já tinha acontecido.
Afirmou ainda que as palavras que proferiu foram as constantes do artigo 5º da acusação e só uma deficiente compreensão das palavras pode ter levado a Sra B a prestar as declarações que prestou.
Terminou pedindo a improcedência da acusação e consequente absolvição das infracções que lhe foram imputadas.
*
Foram de seguida inquiridas as testemunhas arroladas na defesa.
*
II. Factos provados e não provados
Cotejando criticamente todos os elementos probatórios contidos nos autos, podem dar-se como provados os seguintes factos:
1. O Sr. Advogado participado esteve presente no evento realizado no dia 12 de Abril de 2016, onde teve lugar uma apresentação feita pela General Manager da F de Macau, Sra B, perante os membros da British Business Association of Macao e terceiros.
2. Durante a apresentação, em resposta à questão colocada pela audiência, a Sra B referiu que a F estava a tratar das questões legais relativas à sua presença em Macau com o advogado da empresa, identificando em seguida como tal e perante todos, o Sr. Advogado participante Dr. K.
3. Finalizada a apresentação, vários participantes dirigiram-se à Sra B para apresentar cumprimentos ou trocar cartões de visita, incluindo o Sr. Advogado participado.
4. Ao apresentar o seu cartão de visita à Sra B, o Sr. Advogado participado algumas palavras, designadamente aludindo ao seu nome, à sociedade de advogados onde trabalha e, para além de outras expressões, referiu “we would like very much to work with F”, que poderá traduzir-se, “nós gostaríamos muito de trabalhar para a F”.
5. Também referiu, na mesma ocasião, que “I know it is kind of strange to tell you this in the presence of your very capable attorney”, sendo que desconhecia tais capacidades como reconhece no ponto 53 da sua resposta.
6. Ao proferir a expressão acima mencionada, (“we would like very much to work with F”) o Sr. Advogado participado visou insinuar-se perante a Sra B, tendo em vista angariar a F como cliente para o escritório onde trabalha.
7. Ao actuar do modo descrito e nas referidas circunstâncias, o Sr. Advogado Dr. A agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que, com a sua conduta, violava os deveres deontológicos inerentes à sua condição de advogado, designadamente os deveres impostos pelos artºs 10º nº 1 e 24º, com referência ao artº 1º nº 3, todos do Código Deontológico dos Advogados.
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8. Não se provou que a frase proferida nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas tenha sido: “We have actually been working with F in the past months as well.”
9. Não se provou, ainda, que o Sr. Advogado participado, ou a C, tenham prestado quaisquer serviços jurídicos à F em Macau.
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III. Fundamentação
A nossa convicção formou-se essencialmente a partir dos depoimentos das testemunhas ouvidas no decurso do processo.
Como é evidente, o depoimento da Sra B, a General Manager da F Macau, teve uma especial relevância na formação da nossa convicção. Com efeito, a frase foi-lhe dirigida directamente, em língua inglesa que domina perfeitamente e o seu depoimento (fls. 46, 47) é preciso, quer quando a narra e distingue as frases em confronto, quer ainda quando revela perplexidade com que a frase que ouviu e foi efectivamente pronunciada, ou seja, a impressão que a mesma lhe causou; usando uma noção civilística, a “impressão do destinatário”. Cf. pontos 6 – “My name is A, I work with C Law Firm and we would like to work with F”; 7 – “No, he did not say that…”; 9 – “I did and felt strange and unusual to be approached like that especially in the presence of our attorney K”.
Relativamente ao facto – alegado pelo Sr. Advogado participado – de que a C prestou serviços jurídicos à F, a nossa convicção, de que tal não ocorreu, baseia-se no depoimento da declarante D, E, Head of Transactions (APACx) da F em Hong Kong, Taiwan e Macau. O seu depoimento, dadas as funções que desempenha, é esclarecedor sobre quem presta e quem não presta serviços jurídicos à F em Macau.
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A questão do envio de uma carta à F na Holanda:
No despacho de fls. 132, esclareceu-se que o Sr. D não respondeu ao email que lhe foi enviado a solicitação do Sr. Advogado participado, apesar de já haver decorrido cerca de um mês após o seu envio. Satisfazer o pedido de envio de uma carta para Holanda, exactamente porque o referido Sr. D, que reside em Hong Kong, (cf. fls. 101 “in fine”) não respondeu, significaria protelar, de forma intolerável, o processo disciplinar.
De facto, esta questão seria facilmente torneada pelo Sr. Advogado participado, ou seja, a prova da eventual prestação de serviços à F poderia ser feita, por exemplo, com a junção aos autos de uma declaração do referido Sr. D, colhida pelo próprio Sr. Advogado participado em Hong Kong.
Se, como alega, o seu escritório prestou já serviços jurídicos à F, seria fácil contactar as pessoas que são, ou já foram, das suas relações profissionais. De resto, quem melhor do que a F de Hong Kong poderá comprovar a alegada prestação de serviços jurídicos? Foi isso que fez o Sr. Advogado participante, para contraditar o alegado, neste particular, pelo Sr. Advogado participado.
Importa aqui e agora enfatizar que este meio de prova que, como referimos, não pode ser posto em dúvida, quer no seu valor intrínseco, quer no seu peso jurídico, foi igualmente requerido pelo Sr. Advogado participado e aceite no âmbito da instrução, embora sem êxito, como vimos, já que o Sr. D nunca respondeu.
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Dado o conteúdo da defesa e demais elementos já contidos nos autos, entendeu-se dispensar a notificação para alegações complementares – artº 34º do Código Disciplinar dos Advogados.
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IV. Enquadramento jurídico dos factos:
1. A questão da nulidade da diligência para tomada de declarações à testemunha B.
O artº 18º do Código Disciplinar dos Advogados prescreve o seguinte: “Na instrução do processo deve o instrutor procurar atingir a verdade material, remover os obstáculos ao seu regular e célere andamento, recusar o que for impertinente, inútil ou dilatório, promover as diligências que considere convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados.”
Naturalmente que esta margem de liberdade do instrutor para proceder às diligências que considere convenientes (desformalização própria do processo disciplinar) não dispensa a obediência aos princípios gerais do processo penal (v.g. os princípios da presunção de inocência, da audiência, da defesa, do contraditório, do “in dúbio pro reo”) sem que isto signifique, contudo e como já a seguir explicaremos, que o processo penal seja o direito supletivo em caso de lacunas ou omissões.
De facto o processo penal não é subsidiário do processo disciplinar, desde logo porque o artº 65º do Código Disciplinar dos Advogados o não refere, antes elege, no domínio processual, o Código de Processo Civil como tal. De resto, como salienta Leal Henriques, (Ma de Dirtº Disciplinar, pag. 43/44) mesmo no domínio do direito disciplinar da Administração Pública “em parte alguma o legislador escolhe o processo penal como tábua de regras aplicáveis ao processo disciplinar em caso de lacuna ou omissão, o que nos leva a concluir que aquele nunca é subsidiário deste.”
Voltando à margem de liberdade do instrutor para proceder às diligências que considere convenientes, diremos que cabe a este socorrer-se de todos os meios de prova em direito permitidos para alcançar a verdade, sem necessidade do rigor do procedimento criminal, mas servindo-se do modelo e respeitando um mínimo de formalismo, de modo a que não possam ser postos em dúvida o seu valor intrínseco e o seu peso jurídico; L. Henriques, ob. cit. pág. 234.
Por outro lado, importa salientar que no processo disciplinar (como no processo penal) o instrutor (ou o Mº Pº) não está vinculado “aos factos alegados na queixa ou participação”, princípio consagrado no processo civil, antes tem, como se demonstrou, uma larga margem de liberdade para proceder às diligências que considere conveniente a partir da apresentação da queixa ou participação. Isto significa que no decorrer da instrução podem surgir factos novos (e mesmo novos arguidos) que não tenham sido mencionados na queixa ou participação, ou factos cujos contornos não sejam rigorosamente os relatados naquelas peças ou noutros requerimentos ou nas respostas dos interessados.
De facto, o que delimita o objecto do processo é a acusação. A acusação é o momento ou fase processual mais solene de todo o procedimento e que lhe marca o destino, pois é com ela que o arguido fica a saber com rigor o que lhe é imputado e é ela que define e delimita o objecto do processo daí em diante, não só no que toca à organização da defesa, mas também quanto à amplitude da decisão final que obrigatoriamente se terá de conter nos limites dessa mesma acusação. É ela (acusação) que vai formatar o expediente, estabelecendo-lhes as balizas para o futuro, na medida em que será dentro do conteúdo dessa mesma acusação que defesa se irá pronunciar e que a decisão final se há-de conter; cf. L. Henriques, ob. cit. pág. 184 e 241.
Por outro lado, importa enfatizar que o princípio/regra no processo disciplinar é que as nulidades nele praticadas têm normalmente carácter relativo. O que significa que, de um modo geral, as nulidades cometidas durante a sua tramitação não têm como consequência a lesão irremediável do acto em que ocorram ou dos actos posteriores.
Só em casos excepcionais as nulidades são insupríveis ou insanáveis, a saber: a) na falta de audição do arguido; b) havendo omissão de quaisquer diligências essenciais à descoberta da verdade ou susceptíveis de pôs em causa as garantias de defesa do arguido – artº 36º do Código Disciplinar dos Advogados.
No caso concreto e porque a testemunha em causa reside agora na Suécia, inviável se tornaria colher o seu depoimento, que consideramos indispensável à descoberta da “verdade material”, caso o mesmo não tivesse sido colhido nos termos em que foi (enfatiza-se que as frases em causa lhe foram directamente dirigidas – cf. as epígrafes “factos provados”, “factos não provados” e fundamentação”). Ou seja, o testemunha foi obtido para o processo de modo que não pode ser posto em dúvida, quer no seu valor intrínseco, quer no seu peso jurídico.
A omissão dessa diligência, isso sim, teria uma influência decisiva no exame e na decisão da causa, já que significaria não considerar um depoimento essencial à descoberta da verdade.
Sustentamos, por isso, ser manifesto que não ocorre, “in casu”, qualquer nulidade sanável ou insanável ou irregularidade que obste ao conhecimento do mérito.
Tudo o que ficou dito relativamente ao depoimento da Sra B vale, “mutatis mutandis”, para o depoimento da Sra D, E. De resto, como acima referimos, se por um lado este meio de prova não pode ser posto em dúvida, quer no seu valor intrínseco, quer no seu peso jurídico, por outro ele foi também oportunamente requerido pelo Sr. Advogado participado, embora sem êxito uma vez que o Sr. D nunca respondeu.
Finalmente, importa salientar que o Sr. Advogado participado teve todas as oportunidades de contestar matéria da acusação, designadamente requerendo inquirições, prestação de declarações ou juntando depoimentos ou documentos aos autos, como também fez o Sr. Advogado participante.
Por isso, jamais poderá alegar-se que o contraditório não foi aqui plenamente assegurado.
Assim sendo, repete-se, sustentamos que não ocorre no caso em análise qualquer nulidade sanável ou insanável ou irregularidade que obste ao conhecimento do mérito.
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2. O fundo da questão:
No seu artigo 3º, o Código Deontológico dos Advogados, regulando o dever geral de urbanidade, estipula que “no exercício da profissão deve o advogado proceder com urbanidade no seu relacionamento com terceiros, nomeadamente para com os magistrados, os outros advogados, os funcionários … e outros intervenientes nos processos.”
E regulando o dever de urbanidade de modo especial, o artigo 24º estipula, por sua vez, que “os advogados devem, nas suas relações recíprocas, proceder com a maior correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal ou alusão deprimente.”
Por sua vez o artigo 24º do mesmo corpo de normas, vedando a angariação de clientes, prescreve que “é proibido ao advogado solicitar ou angariar clientes, por si ou por interposta pessoa.”
Como é evidente, os deveres deontológicos existem para que determinadas profissões realizem o fim a que se propõem.
No caso dos advogados, a realização da justiça e do direito são os objectivos profissionais perseguidos e é neste enquadramento que a correcção, a urbanidade e a lealdade nas relações com os seus pares e a proibição de angariação de clientes assumem a qualificação de deveres deontológicos.
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Tal como resulta do quadro factual descrito, o Sr. Advogado participado, ao apresentar o seu cartão de visita à Sra B pronunciou algumas palavras, designadamente aludindo ao seu nome, à sociedade de advogados onde trabalho e, para além de outras expressões, referiu: “nós gostaríamos muito de trabalhar para a F”.
Como também resulta do ponto dois do mesmo acervo factual, a referida frase foi pronunciada na presença do Sr. Advogado participante, o mesmo sucedendo com a apresentação de cartões.
A primeira questão que esta situação criada pelo Sr. Advogado participado suscita, tem a ver com o cumprimento das simples normas de costumes, ou seja, as que respeitam à convivência, ao decoro, à etiqueta. A violação destas normas apenas acarreta a reprovação por parte de quem lhes atribui importância e poderá, quando muito, gerar um sentimento de mal-estar ou desconforto social em relação a quem delas se afastou. Digamos que há aqui uma sanção essencialmente social.
Salvo melhor opinião, referir perante o colega e dirigindo-se à “General Manager da F de Macau” – que o havia apresentado como advogado da empresa – dizendo “nós gostaríamos muito de trabalhar com a F”, não pode ser considerada uma frase adequada ao momento, nem respeitadora do cidadão ali presente que é, também, profissional do mesmo ofício. Isso mesmo é demonstrado pela referida testemunha Sra B quando refere: “I did and felt strange and unusual to be approached like that especially in the presence of our attorney K.”
Mas, no nosso entendimento, tal frase, pronunciada naquele contexto, merece ainda um outro tipo de censura. Não é ético-profissionalmente correcto oferecer os seus préstimos profissionais perante o colega e no exacto momento em que este acabava de ser apresentado aos presentes como advogado da empresa que, recorde-se, promovia a cerimónia a que todos os presentes haviam assistido.
Está aqui em causa o dever urbanidade a que alude o artigo 24º do citado Código Deontológico. Como diz Arnaut, “a correcção e a urbanidade, a lealdade e a confraternidade, são a essência dos deveres recíprocos dos advogados.” cf. “Iniciação à Advocacia” pág. 69.
A inoportuna referência aos seus préstimos profissionais é um exemplo paradigmático de violação daquele dever deontológico. Dizer que “nós gostaríamos muito de trabalhar para a F” no apontado contexto, pode ter sido, deve ter sido, razoavelmente entendido pelo Sr. Advogado participante como uma atitude deselegante, reveladora de falta de correcção, de falta de lealdade e tomada ainda com uma abordagem tendo em vista angariar um cliente.
Ora, se o oferecimento de serviços profissionais de advocacia é vedado em quaisquer circunstâncias, maior censura merecerá se tiver lugar, como teve, na presença do colega cujos serviços jurídicos já haviam sido anteriormente contratados pela empresa visada.
Resta acrescentar que, do nosso ponto de vista, ainda que o escritório do Sr. Advogado participado já tivesse prestado anterior e esporadicamente serviços jurídicos à F, tal circunstância não retiraria ao relatado comportamento a carga violadora do apontado dever deontológico.
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O número 1 do artigo 10º do referido Código Deontológico estipula o seguinte: “É proibido ao advogado solicitar ou angariar clientes, por si ou por interposta pessoa.”
Esta norma deontológica visa claramente assegurar o decoro da classe. A advocacia não é uma actividade mercantil e, por isso, não só não pode ser publicitada, como os clientes não podem ser angariados pelo advogado ou por interposta pessoa.
Dizer perante o colega e dirigindo-se à “General Manager da F”, “nós gostaríamos muito de trabalhar com a F”, só pode ser interpretado como significando que o Sr. Advogado participado estava a oferecer os serviços jurídicos do escritório que integra à representante da aludida empresa. Na nossa perspectiva não pode ser outra a conclusão a retirar e, o contexto em que foi proferida a frase, designadamente na presença do colega do participado, manifestamente acentua a culpa.
A própria destinatária de frase, como vimos, não deixou de referir que “I did and felt strange and unusual to be approached like that especially in the presence of our attorney K.”
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Pensamos ter demonstrado que a conduta do Sr. Advogado arguido viola, de forma clara, os normativos referidos na causação, concretamente as normas dos artigos 10º e 24º do Código Deontológico, com referência à norma do artº 1º nº 3 do mesmo diploma.
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V. A medida da pena
O artº 42º do Código Disciplnar dos Advogados determina que “na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.”
Naturalmente que o normativo citado tem ainda implícito que deverá atender-se ao juízo de desvalor que incide sobre os factos praticados, (ilicitude – juízo negativo sobre quem praticou certo facto proibido ou não adoptou o comportamento que devia ter adoptado) entendendo-se este, aqui, como a desconformidade da conduta do agente com os deveres deontológicos e também ainda à prevenção geral e especial.
Por outro lado, ao invés do que sucede no direito penal, no direito disciplinar a pena representa, por um lado, uma advertência, uma sanção para o infractor mas, por outro, a pena visa reconduzir aquele ao bom, ao correcto e deontológico exercício profissional.
O acervo factual dado como provado traduz, no nosso entendimento, uma violação deontológica com assinalável repercussão, por isso o juízo de desvalor sobre a conduta do Sr. Advogado arguido situa-se aqui num grau médio.
Quanto à culpa, também entendemos que o grau se situa num patamar médio. O Sr. Advogado arguido agiu livre e conscientemente, tendo representado que, com a sua conduta, violava normas deontológicas, uma vez que, sendo advogado, não podia ignorar as regras que o exercício da profissão impõe.
Na situação em análise, entendemos que a aplicação de uma pena disciplinar deve também visar a prevenção, quer especial, quer geral. A sanção a aplicar deve servir não só de advertência para o Sr. Advogado arguido como, também, para os restantes causídicos sobretudo os mais jovens. O advogado é um servidor da justiça e do direito e, por isso, no exercício do seu “múnus” deve pautar a sua conduta profissional e pessoal, designadamente no contacto com os colegas de profissão, de acordo com os valores da responsabilidade, da correcção e da urbanidade, tendo sempre em linha de conta que o prestígio da função depende do agir de todos, mas também do agir de cada um em particular.
Aos tipos de penas disciplinares alude o artº 41º do Código Disciplinar dos Advogados que aqui se dá como reproduzido.
É manifesto que os valores acautelados pelas normas contidas nos apontados artigos 10º e 24º do Código Deontológico são distintos. Daí que ocorra, em concreto, um concurso efectivo (ideal heterogéneo) de infracções deontológicas.
Assim ponderando no grau de culpa, nas consequências da infracção, nas necessidades de prevenção, no exercício profissional e disciplinar pregresso do Sr. Advogado arguido, entendeu-se inicialmente como proporcional e ajustada a imposição ao mesmo da pena disciplinar única de Censura, no entendimento de que o relatado comportamento traduz a prática, em autoria material, de infracções disciplinares por ofensa aos deveres previstos nos artsº 10º e 24º do Código Deontológico, aqui em concurso efectivo.
No entanto, uma vez que não existe registo que o Sr. Advogado participado tenha sido condenado por qualquer infracção disciplinar anterior, o CSA entendeu por maioria na sua deliberação tomada em reunião de 18 de Janeiro de 2018 atender à circunstância atenuante da primariedade, e assim deliberado aplicar uma pena disciplinar única de Advertência.
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VI. Sanção
Nos termos expostos, considerando ter o Sr. Advogado arguido Dr. A violado, em autoria material, os deveres deontológicos previstos nas disposições dos artºs 10º e 24º do Código Deontológico, com referência ao disposto no artº 1º, nºs 3 do referido Código, considerando ainda o disposto nos artºs 41º e 42º do Código Disciplinar dos Advogados, é-lhe imposta a pena disciplinar única de Advertência.
Registe e notifique, nos termos do art. 40º do Código Disciplinar dos Advogados.”
O recorrente foi notificado dessa deliberação em 5.6.2018.
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Pelo Digno Procurador-Adjunto foi emitido o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, o recorrente solicitou a anulação do Acórdão do Conselho Superior da Advocacia, que se consubstancia em condená-lo na pena disciplinar única de advertência, alegando a nulidade da produção da prova testemunhal, a inexistência do facto equacionado pelo referido Conselho na infracção disciplinar e ainda a falta de fundamentação.
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Repare-se que o Relatório Final e o Acórdão em questão mostram inequivocamente que o depoimento prestado pela Sra. B como testemunha do Sr. Participante é a prova mais essencial e, em boa verdade, decisiva para a aplicação da apontada pena disciplinar.
Sendo direito supletivo o CPC (art. 65º, alínea b), do Código Disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho n.º 53/GM/95), o n.º 2 do seu art. 541º exige a declaração expressa, no sentido de o deponente/testemunha estar consciente de que a falsidade das declarações constantes do seu depoimento escrito o fará incorrer em responsabilidade criminal. Por seu turno, o n.º 3 deste art. 541º prevê: A assinatura do deponente deve ser reconhecida notarialmente, quando não for possível a exibição do respectivo documento oficial de identificação.
Na nossa óptica, o verbo “deve” implica seguramente que os n.º 2 e n.º 3 constituem normativos imperativos, e o n.º 3 destina-se a assegurar que o assinante é o verdadeiro deponente e, deste modo, garantir tanto quanto possível a genuinidade do depoimento como meio de prova.
No vertente caso, é verdade que do depoimento escrito apresentado pela testemunha Senhora B, consta claramente a frase de que “swear to tell the truth and only the truth in regards to the following questions” (cfr. fls. 47 a 48 do P.A.), no entanto, no mesmo depoimento não há declaração expressa consagrada no n.º 2 do art. 541º supra.
Importa ainda acentuar que ela não forneceu fotocópia do seu documento oficial de identificação para devidos efeitos, pese embora o ilustre instrutor referisse claramente à fotocópia de “any supporting documents” (cfr. fls. 40 do P.A.); e a assinatura aposta no sobredito depoimento escrito não está notarialmente reconhecida.
Tudo isto evidencia, sem margem para dúvida, que ao depoimento escrito de fls. 47 a 48 do P.A. faltam os requisitos estabelecidos nos n.º 2 e n.º 3 do art. 541º do CPC, e nesta medida, torna-se dubitativo que a pessoa que apôs assinatura é a Senhora B.
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, inclinamos a opinar que o pode-dever prescrito no art. 18º do referido Código Disciplinar e a margem de liberdade do instrutor são incapazes e incompetentes para efeitos da dispensa dos requisitos imperativamente consignados nos n.º 2 e n.º 3 do art. 541º do CPC.
Tendo em conta que o recorrente suscitou na defesa a nulidade do depoimento escrito acima aludido (vide. fls. 93 a 104 do P.A.), e de acordo com a brilhante doutrina respeitante aos requisitos de forma de depoimento escrito (José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre: Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Almedina 3ª ed., pp. 401 a 402), o instrutor ficava vinculado a proceder a diligências para se certificar que foi efectivamente a Sra. B quem apôs a assinatura no supramencionado depoimento escrito.
Ora, a omissão de diligências neste sentido aconselha-nos a inferir que se verifica in casu a nulidade insuprível contemplada na alínea b) do art. 36º do Código Disciplinar dos Advogados, nulidade que determina a anulabilidade do Acórdão em escrutínio e, deste molde, prejudica a pronúncia sobre os restantes argumentos do recorrente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso contencioso.”
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
Efectivamente, conforme resulta do próprio acto impugnado, referiu-se que “o depoimento da Srª B, a General Manager da F Macau, teve uma especial relevância na formação da convicção” pelos Membros do Conselho Superior de Advocacia. Mais se conclui que “a frase foi-lhe dirigida directamente, em língua inglesa que domina perfeitamente e o seu depoimento é preciso, quer quando a narra e distingue as frases em confronto, quer ainda quando revela perplexidade com que a frase que ouviu e foi efectivamente pronunciada, ou seja, a impressão que a mesma lhe causou; usando uma noção civilística, a impressão do destinatário”.
Sendo essencial e imprescindível o depoimento dessa testemunha, esta só prestou depoimento por escrito e não foi o recorrente ouvido sobre o alegado motivo de impossibilidade ou dificuldade de a testemunha comparecer perante o instrutor do processo disciplinar. Ao que acresce ainda o facto de que, no caso de prestação de depoimento por escrito, o próprio documento em que consta do depoimento da testemunha terá que indicar todos os elementos de identificação do depoente, a existência ou não de alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes, ou qualquer interesse no caso; bem como a testemunha terá que declarar expressamente que está consciente de que a falsidade das suas declarações o fará incorrer em responsabilidade criminal. Mas nada ficou assim consignado (artigos 540.º e 541.º do CPC).
Prevê-se no n.º 5 do artigo 23.º do Código Disciplinar dos Advogados: “As testemunhas e os declarantes serão notificados do dia, hora e local em que devem comparecer para serem ouvidos, sendo as respectivas declarações reduzidas a escrito e objecto de acareação sempre que necessário.”
Por sua vez, no tocante à interpretação e integração das lacunas, o artigo 65.º do mesmo Código manda aplicar supletivamente as disposições legais previstas no Código de Processo Civil.
Mais se estatui no artigo 36.º do Código Disciplinar dos Advogados que: “Constituem nulidades insanáveis: a) A falta de audição do arguido; b) A omissão de quaisquer diligências essenciais à descoberta da verdade ou susceptíveis de pôr em causa as garantias de defesa do arguido.”
No caso vertente, tendo-se socorrido do depoimento da testemunha prestado por escrito, mas durante a instrução do processo disciplinar não foram observadas as regras previstas para a produção daquela prova testemunhal, nomeadamente o disposto nos artigos 540.º e 541.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados, aquela diligência essencial levada a cabo pela entidade recorrida está ferida de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 36.º do Código Disciplinar dos Advogados, acarretando, como consequência, a anulação do acto recorrido.
Por tudo quanto acima deixou exposto, este Tribunal julga procedente o recurso contencioso e, com efeito, anula o acto impugnado, deste modo ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar procedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A, anulando o acto administrativo impugnado.
Custas pela entidade recorrida, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 14 de Janeiro de 2021
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
Recurso Contencioso 593/2018 Página 1