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Processo nº 451/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data do Acórdão: 14 de Janeiro de 2021

ASSUNTO:
- Normas de conflito de direito privado
- Regime de bens entre os cônjuges
- Falta de consentimento dos cônjuges
- Aplicação do regime do artº 1554º do C.Civ.
- Simulação
- Valor da indemnização

SUMÁRIO:
- A norma consagrada no artº 1554º do C.Civ. para além de se aplicar entre outras situações sempre que haja alienação de bens comuns, não é uma norma que regula o regime de bens e como tal não cabe no quadro da previsão do artº 51º do C.Civ.;
- O artº 1554º do C.Civ. aplica-se sempre que do disposto no artº 39º e 45º do C.Civ. resulte a aplicação da lei de Macau;
- Concluindo-se pela inoponibilidade da declaração de nulidade quanto aos terceiros adquirentes de boa-fé, de acordo com o disposto nos artigos 556º, 558º e 560º do C.Civ., na fixação da indemnização o tribunal deve atender ao valor da venda ou ao valor de mercado consoante aquele que for maior por ser a expressão do benefício que o lesado, ainda que hipotecticamente, poderia ter auferido e consequentemente a medida do seu prejuízo.


____________________________
Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 451/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Janeiro de 2021
Recurso da Autora: A
Recorridos: B e C
Recurso do 1º Réu: B
Recorrida: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
B,
C,
D e E,
Banco X, S.A., também eles com os demais sinais dos autos,
Pedindo que:
A. Em relação à fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ..., do Livro ..., ser declarada a nulidade parcial da inscrição n.º ..., resultante da apresentação n.º 33 de 8/4/2003, no que concerne ao regime de bens do Sujeito Activo, e consequentemente, ser ordenado a rectificação de tal inscrição para que da mesma passe a constar que o sujeito activo é casado no regime da comunhão de adquiridos; e
B. No que respeita à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ... do Livro ..., ser declarada a nulidade parcial da inscrição n.º ..., resultante da apresentação nº 167 de 24/11/2006, no que concerne ao regime de bens do sujeito activo e consequentemente, ser ordenada a rectificada de tal inscrição para que da mesma passe a constar que o sujeito activo é casado no regime da comunhão de adquiridos;
Cumulativamente,
C. Ser anulada, por falta de consentimento da Autora, a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ... do Livro ..., do 1º para o 2º réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr X a fls. ... do Livro ..., e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 20 de 21 de Setembro de 2012;
D. Ser anulada, por falta de consentimento da Autora, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls ... do Livro ..., do 1º para o 2º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr X a fls. ... do Livro ..., e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 19 de 21 de Setembro de 2012;
Caso assim não se entenda, subsidiariamente aos pedidos C) e D),
E. Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ... do Livro ..., do 1º para o 2º réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr X a fls. ... do Livro ..., e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 20 de 21 de Setembro de 2012;
F. Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls ... do Livro ..., do 1º para o 2º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr X a fls. ... do Livro ..., e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 19 de 21 de Setembro de 2012;
Em qualquer dos caso,
G. Em relação à fracção “B7”, deverão ser também declaradas nulas a venda do 2º para os 3ºs Réus e a hipoteca voluntária a favor do 4º Réu, ambas tituladas pela escritura pública de compra e venda de 04 de Julho de 2016, celebrada no Cartório Notarial do Notário Privado Dr. G a fls. ... do livro ..., e consequentemente, ser também declarada a nulidade e ordenado o cancelamento dos registos que as titulam, ou seja, a inscrição n.º ..., decorrente da Apresentação n.º 61 de 13 de Julho de 2016, e a inscrição n.º ..., decorrente da Apresentação n.º 62 de 13/07/2016
Caso assim não se entenda, subsidiariamente ao pedido contido em G.,
H. Devem os 1º e 2º Réus ser condenados a pagar à Autora o valor de MOP4.017.000,00, acrescido de juros de mora desde a data em que tal montante foi recebido pelos 1º e 2º Réus, ou seja, 04/07/2016, até integral e efectivo pagamento.
Em resposta à contestação apresentada pelos Réus, em aditamento aos pedidos já formulados, a Autora veio ampliar o pedido a fim de serem também apreciados os seguintes pedidos subsidiários aos já formulados na petição inicial:
Caso nenhum dos pedidos supra sejam atendidos, deve, subsidiariamente,
I. Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 12 de Setembro de 2012 referente à fracção da fracção autónoma B7, supra melhor identificada, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de MOP$7.000.000,00; cumulativamente
J. Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 12 de Setembro de 2012 referente à fracção da fracção autónoma F18, supra melhor identificada, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de MOP$6.100.000,00; e consequentemente
K. Serem os 1º e 2º Réus H e condenados a pagar à Autora o montante de o valor correspondente a 50% do preço pelo qual tais fracções foram vendidas, ou seja, MOP$3.500.000,00 por conta da fracção B7 e MOP$3.050.000,00 por conta da fracção F18, tudo no valor global de MOP$6.550.000,00, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9,75%, que se vierem a vencer desde 12 de Setembro de 2012 até efectivo e integral pagamento;
ou subsidiariamente,
L. Deve o 1º Réu ser condenado a pagar à Autora metade do valor que recebeu por conta da venda das fracções autónomas B7 e F18 ao 2º Réu, ou seja, MOP$970.080,00 em relação à fracção B7, e MOP$1.021.680,00 em relação à fracção F18, o que perfaz um montante global de MOP$1.991.760,00, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9,75%, que se vierem a vencer desde 12 de Setembro de 2012 até efectivo e integral pagamento.
Por despacho de fls. 488, foi deferido o pedido de ampliação do pedido.

Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente decidindo que:
1. Ordenar a rectificação da inscrição nº ..., resultante da apresentação n.º 33, de 8 de Abril de 2003, relativo à fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ..., do Livro ..., por forma a constar que o 1º Réu, B, estava casado com a Autora, A, no regime supletivo da lei chinesa;
2. Ordenar a rectificação da inscrição nº ..., resultante da apresentação nº 167, de 24 de Novembro de 2006, relativo à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. ... do Livro ..., por forma a constar que o 1º Réu estava casado com a Autora, no regime supletivo da lei chinesa;
3. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, feita entre o 1º Réu e o 2º Réu, C, através da escritura pública de compra e venda, de 12 de Setembro de 2012;
4. Ordenar o cancelamento da inscrição nº ..., resultante da apresentação n.º 19, de 21 de Setembro de 2012 relativo à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F;
5. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, feita entre o 1º Réu e o 2º Réu, através da escritura pública de compra e venda, de 12 de Setembro de 2012;
6. Declarar nula a compra e venda fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, efectuada entre o 2º e os 3º Réus, D e E, através da escritura pública de compra e venda, de 4 de Julho de 2016;
7. Declarar nula a constituição de hipoteca feita pelos 3ºs Réus e 4º Réu, Banco X, S.A. (X銀行股份有限公司), através da escritura pública de compra e venda, de 4 de Julho de 2016;
8. Absolver os 3ºs e 4º Réus dos pedidos formulados pela Autora relativos aos negócios jurídicos de transmissão e oneração da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, declarando-se que os efeitos das invalidades acima referidas não lhes são oponíveis; e
9. Condenar os 1º e 2º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP$3.500.000,00 acrescida de juros calculados, à taxa de 9,75% ao ano, contados a partir de 22 de Setembro de 2016 até integral e efectivo pagamento;
10. Absolver os 1º e 2º Réus dos restantes pedidos formulados pela Autora.

A folhas 588 foi interposto recurso interlocutório pelo Banco X, S.A. 4º Réu do despacho de fls. 565v. e 566 que indeferiu os requeridos depoimentos de parte, o qual foi admitido por despacho de fls. 589, tendo vindo a ser apresentadas alegações e contra-alegações a fls. 612 e 658 respectivamente e proferido despacho de sustentação a fls. 957.

Da sentença proferida veio a Autora interpor recurso apresentando as seguintes conclusões e pedido:
I. Vem o presente recurso interposto do segmento da douta sentença que decidiu condenar o 1.º e o 2.º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP3,500,000.00 acrescida de juros de mora a taxa legal de 9,75% ao ano a contar de 26 de Setembro de 2016 (ponto 9 da decisão).
II. A condenação dos 1.º e 2.º Réus no pagamento da referida indemnização decorre do facto de, não obstante se ter declarado nula a transmissão da fracção B7 do 2.º para os 3.º e 4.º Réus, e bem assim como a hipoteca registada sobre a referida fracção a favor do 5.º Réu, tais nulidades não são oponíveis aos 3.º a 5.º Réus por estes se tratarem de terceiros de boa-fé, assim consequentemente, foram os 1.º e 2.º Réus solidariamente condenados a pagar à Autora uma indemnização que a compense pela venda da fracção B7 a terceiros, correspondente ao valor de mercado da fracção.
III. É com este critério de fixação do montante da indemnização que não se conforma a ora AUTORA, entendendo, salvo devido respeito por melhor opinião, que o valor da indemnização deveria antes corresponder a metade do preço de venda da fracção do 2.º para os 3.º Réus tal como declarado pelas partes na escritura de compra e venda e provado na resposta ao quesito 19.º, ou seja, MOP$4,017,000.00.
IV. Com efeito, se o ponto de partida para a fixação da indemnização deve ser o valor de mercado, a ora AUTORA é de opinião que se, de facto, os 1.º e 2.º Réus através da violação dos direitos da AUTORA obtiveram um ganho ilegítimo superior ao valor do mercado, terá antes que se achar a medida da indemnização com base no ganho ilícito dos responsáveis civis pela violação do direito.
V. O prejuízo sofrido pela AUTORA só se consolidou no momento em que o 2.º Réu transmitiu o imóvel para os 3.ºs Réus, pois que, caso assim não tivesse feito, seria possível o retomo do imóvel à esfera jurídica da ora AUTORA, tal como, aliás, sucedeu com a outra fracção em causa nos presentes autos.
VI. Assim sendo, ao vender aos 3.ºs Réus a fracção B7 e ao terem recebido, em troca, o valor de MOP$8,034,000.00 - vide resposta aos quesitos 19.º e 24.º - forçoso será concluir-se que os 1.º e 2.º Réus devem devolver à AUTORA, titular do imóvel em comunhão com o 1.º Réu, metade deste valor.
VII. Condená-los, ao 1.º e 2.º Réus, a pagar um valor inferior a metade do preço que comprovadamente receberam corresponde a premiá-los pela violação do direito de propriedade da ora AUTORA, dai resultando que o 1.º Réu, titular de um quota indivisa de valor igual ao da AUTORA, receberia pela venda desta fracção o montante de MOP$4,534,000.00, ao passo que a ora AUTORA, titular de igual quota indivisa, receberia MOP$3,500,000.00.
VIII. Ao assim decidir, o douto tribunal a quo mal andou na interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 106.º, 130.º e 117.º das Regras Civis da República Popular da China de 1986.
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª, deve a decisão sob recurso ser parcialmente revogada e, em relação ao ponto 9. da decisão, ser substituída por uma outra que condene os 1.º e 2.º Réus a pagar à AUTORA o valor de MOP$4,017,000.00 (quatro milhões e dezassete mil patacas), acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal de 9,75% ao ano, a contar de 12 de Setembro de 2016 até efectivo e integral pagamento.
Notificados os Réus das alegações de recurso da Autora, veio o 1º Réu contra-alegar, apresentando as seguintes conclusões:
1. Nas alegações do recurso, a Autora entende que a indemnização deve ser a metade do preço da fracção na venda feita entre o 2.º Réu e os 3.ºs Réus, isto é, MOP$4.017.000,00.
2. De facto, o 1.º Réu já interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
3. Porém, mesmo com base na decisão proferida pelo Tribunal a quo, 1.º Réu também entende que os fundamentos invocados pela Autora no recurso são improcedentes.
4. Mesmo que os 1.º e o 2.º Réus actuassem em conluio para prejudicar os interesses da Autora, o prejuízo da Autora já foi causado quando o 1.º Réu alienou a fracção ao 2.º Réu.
5. Quando o 1.º Réu alienou a fracção objecto do presente processo ao 2.º Réu, a referida fracção deixou de estar na esfera jurídica da Autora e do 1.º Réu.
6. O valor da alienação subsequente feita pelo 2.º Réu deve não ter qualquer relação com a Autora.
7. O prejuízo da Autora não deve ser calculado conforme o preço da fracção na alienação feita pelo 2.º Réu a terceiro, mesmo que subsequentemente haja aumento ou redução do referido preço, uma vez que o prejuízo da Autora já foi causado quando o 1.º Réu alienou a fracção ao 2.º Réu.
8. Nestes termos, o prejuízo da Autora deve ser calculado conforme o preço da fracção na alienação feita pelo 1.º Réu ao 2.º Réu.
9. Pelos acima expostos, deve-se negar provimento ao recurso da Autora.

No recurso por si apresentado vem o 1º Réu B apresentar as seguintes conclusões e pedidos:
1. Aplicou erradamente a lei da República Popular da China, devendo ser aplicada a lei de Macau ao presente caso. Nos termos do artigo 1554.º do Código Civil de Macau, o direito de anulação da Autora encontra-se caducado.
2. O acórdão recorrido entendeu que a Autora e o Recorrente contraíram casamento no Interior da China e viveram sempre no Interior da China, pelo que, ao abrigo do artigo 51.º n.º 1 do Código Civil de Macau, deve ser aplicada a lei do Interior da China, e consequentemente, declarou nulas as compras e vendas das fracções em causa feitas entre o Recorrente e o 2.º Réu ao abrigo da Lei do Casamento da China e das Regras Civis da República Popular da China, porém, decisão essa violou as normas de conflitos previstas no Código Civil de Macau.
3. Conforme os pedidos da Autora, é manifesto que o presente processo tem por objecto a impugnação do direito de propriedade das fracções em questão, com a finalidade de anular as compras e vendas das referidas fracções, de forma a retirar o direito de propriedade destas.
4. Ao abrigo do artigo 45.º n.º 1 do Código Civil de Macau, “O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do lugar em cujo território as coisas se encontrem situadas.”
5. Os artigos 1548.º n.º 1 e 1554.º do Código Civil de Macau não só regulam o regime de bens, como também as sanções resultantes do vício de invalidade na transmissão de bem por qualquer dos cônjuges, tal como entendido por Luís de Lima Pinheiro sobre o regime dos direitos reais.
6. Isto é, já que estes dois dispostos legais têm como sentido mostrar a eficácia do domínio da pessoa sobre a coisa, os mesmos são, em sentido material, regras jurídicas dos direitos reais.
7. Assim sendo, tal como já foi referido, no caso em apreço, o pedido da Autora é para modificar o direito de propriedade das fracções em questão, pelo que, nos termos do artigo 45.º n.º 1 do Código Civil de Macau, deve ser aplicada a lei do lugar em cujo território as coisas se encontrem situadas.
8. As fracções envolvidas no presente caso situam-se na ..., 7.º andar B, Taipa, Macau e na ..., Edifício ..., 18.º andar F, Macau. As referidas duas fracções situam-se em Macau, pelo que, ao abrigo do artigo 45.º n.º 1 do Código Civil de Macau que prevê que é aplicável a lei do lugar em cujo território as coisas se encontrem situadas, deve ser aplicada a lei de Macau. Assim sendo, ao julgar procedente a acção intentada pela Autora nos termos da Lei do Casamento da República Popular da China, o acórdão recorrido enferma do vício de erro na aplicação da lei.
9. Tal como acima referido, os artigos 1548.º n.º 1 e 1554.º do Código Civil de Macau são regras jurídicas dos direitos reais e as fracções em causa situam-se em Macau, pelo que, conforme o artigo 45.º do Código Civil de Macau, os artigos 1548.º n.º 1 e 1554.º do Código Civil de Macau devem ser a lei competente do presente caso.
10. Segundo as alíneas F e G dos factos assentes, por escrituras públicas de compra e venda de 12/09/2012, o recorrente declarou transmitir ao 2° Réu as fracções B7 e F18.
11. Em 30 de Setembro de 2014, a Autora pediu divórcio junto do 2.º Tribunal Popular da Cidade de Zhongshan da China. A lista de provas por si apresentada pode-se revelar que antes de 13 de Novembro de 2014 a Autora já sabia que o Recorrente já tinha alienado as fracções autónomas em causa.
12. Este facto também está constante do artigo 21.º da base instrutória já provado “Antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o 1° Réu já tinha alienado ao 2° Réu C as fracções autónomas B7 e F18.”
13. Ao abrigo do artigo 1554.º n.º 2 do Código Civil de Macau, caso um dos cônjuges requeira anular a alienação dos bens comuns ao terceiro que foi feita sem o seu conhecimento, o direito de anulação é exercido nos 6 meses subsequentes à data em que teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração.
14. Conforme o facto provado acima referido, antes de 13 de Novembro de 2014 a Autora já sabia que as referidas fracções já tinham sido alienadas ao 2.º Réu, pelo que, a Autora devia intentar a acção de anulação antes do dia 12 de Maio de 2015.
15. Conforme a alínea J) dos factos assentes, a Autora intentou a presente acção em 27 de Julho de 2016.
16. Assim sendo, mesmo que as vendas das referidas fracções feitas pelo Recorrente sejam inválidas, ao abrigo do artigo 1554.º n.º 2 do Código Civil de Macau, a Autora já sabia que os referidos actos inválidos tinham ocorrido há mais de 6 meses, o direito de anulação já não pode ser exercido.
17. Pelos acima expostos, o referido direito de acção encontra-se caducado, devendo ser indeferidos todos os pedidos formulados pela Autora.
18. Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam mas sim que deve ser aplicada a lei da China, o Recorrente também invoca os seguintes fundamentos.
19. É errado o entendimento do Tribunal a quo de que as duas escrituras públicas de compra e venda celebradas entre o Recorrente e o 2.º Réu em 12 de Setembro de 2012 são “nulas”, devendo pedir nova partilha dos bens comuns do casal nos termos do artigo 48.º da Lei do Casamento da República Popular da China.
20. Em primeiro lugar, o acórdão recorrido entendeu que o Recorrente e a Autora contraíram casamento no Interior da China, pelo que, ao regime de bens é aplicável a Lei do Casamento da República Popular da China e qualificou os bens adquiridos após o casamento do Recorrente e da Autora como bens comuns dos cônjuges. Porém, sem obter o consentimento da Autora, o Recorrente alienou os bens comuns dos cônjuges, isto é, fracções B7 e F18, ao 2.º Réu, pelo que, os seus actos são inválidos.
21. Em consequência, nos termos do artigo 58.º (4) das Regras Civis da República Popular da China, provou que as alienações entre o Recorrente e 2.º Réu foram feitas de má fé, no intuito de prejudicar a Autora, pelo que, as mesmas são nulas por invalidade.
22. Porém, tal como acima foi referido, mesmo que se possa provar que os actos de alienação entre o Recorrente e o 2.º Réu são inválidos, no intuito de não querer proceder à partilha dos bens na sequência do divórcio com a Autora, tal como referido pelo acórdão recorrido.
23. Numa análise global da Lei do Casamento da República Popular da China, tal norma não qualifica a espécie do acto de alienação inválido por falta de consentimento de ambos os cônjuges.
24. Assim, a Lei do Casamento da República Popular da China dispõe sanções especiais do referido acto. Nos termos do seu artigo 48.º: “No divórcio, se um dos cônjuges tiver ocultado, transmitido, vendido e danificado os bens comuns ou tiver falsificado dívidas para tentar tomar posse dos bens de outro cônjuge, os bens que esse recebe na partilha dos bens comuns podem ser menos ou recebe nada. Após o divórcio, se um dos ex-cônjuges verificar qualquer dos actos acima referidos, este pode intentar acção no tribunal popular para pedir nova partilha dos bens comuns.”
25. A Lei do Casamento da República Popular da China, nomeadamente o disposto legal acima citado, não prevê que o acto de dispor os bens comuns sem consentimento de ambos os cônjuges é acto inválido, porém, caso o direito de partilha dos bens da Autora seja lesado, deve ser aplicado o meio de assistência definido na Lei do Casamento da República Popular da China, isto é, intentar acção no tribunal para pedir nova partilha dos bens comuns.
26. Pelo que, mesmo que seja aplicada a lei da China, o acórdão recorrido aplicou erradamente o artigo 58.º (4) das Regras Civis da República Popular da China. Assim, sem que a Autora pediu nova partilha dos bens, o pedido de declaração de anulação da alienação das fracções em causa formulado pela Autora deve ser rejeitado.
27. Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam mas sim que o direito da Autora foi lesado e deve ser aplicado o artigo 58.º (4) das Regras Civis da República Popular da China, o prazo (sic) de propositura de acção encontra-se caducado nos termos da lei do Interior da China.
28. Supõe-se que os actos de alienação e os actos de compra e venda entre o Recorrente e o 2.º Réu devam ser sancionados nos termos da Lei do Casamento da República Popular da China, a lei aplicável à prescrição também deve ser a lei do Interior da China.
29. Além disso, em conformidade com o artigo 39.º do Código Civil de Macau, “a prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.”
30. In casu, conforme a lei acima referida, o direito que a Autora tem nos presente autos é apenas a sanção resultante dos actos do Recorrente que lesaram o direito de partilha dos bens da Autora, pelo que, à prescrição também deve ser aplicada a lei do Interior da China.
31. Ao abrigo do artigo 135.º das Regras Civis da República Popular da China de 1986, “o prazo de prescrição para o pedido de tutela dos direitos civis formulado junto do tribunal popular é de 2 anos, salvo disposição legal em contrário.”
32. Na decisão da matéria de facto, o Tribunal a quo provou, no quesito 21.º da base instrutória, que antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o Recorrente já tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu.
33. Ao dar como provada a referida data, o Tribunal a quo incorreu em erro, pelo que, vem o Recorrente invocar a impugnação.
34. De facto, dos Doc. 1 e 2 constantes da contestação apresentada pelo Recorrente resulta que no processo de divórcio entre o Recorrente e a Autora no Interior da China, foi apresentada uma lista de provas com assinatura da Autora, da qual contêm informações escritas de registo predial das fracções B7 e F18 emitidas pela Conservatória de Registo Predial de Macau (Doc 1 e 2 constantes da contestação apresentada pelo Recorrente e fls. 176 a 193 dos autos)
35. Das aludidas informações escritas de registo predial apresentadas pela Autora ao tribunal do Interior da China pode-se revelar que as referidas informações escritas foram emitidas em 19 de Março de 2014 e os dados de registo reportam-se a 5 de Março de 2019.
36. Isto quer dizer que no momento em que obteve as referidas informações escritas de registo predial, a Autora já tomou conhecimento de que o Recorrente já tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu, isto é, em 19 de Março de 2014.
37. A Autora obteve as respectivas informações escritas de registo predial em 19 de Março de 2014, porém, no quesito 21.º da base instrutória, foi provado apenas que antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o Recorrente tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu.
38. Evidentemente, conforme os Doc. 1 e 2 apresentados em sede de contestação e fls. 176 a 193 dos autos, pode-se saber que em 19 de Março de 2014 a Autora já sabia que o Recorrente tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu.
39. Na decisão da matéria de facto, o acórdão recorrido provou erradamente o facto do quesito 21.º da base instrutória, isto é, antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o Recorrente tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu.
40. O aludido facto deve ser provado “Em 19 de Março de 2014, a Autora já sabia que o 1.º Réu (ora Recorrente) já tinha alienado as fracções B7 e F18 ao 2.º Réu.”
41. Assim sendo, em 19 de Março de 2014, a Autora já sabia que o 1.º Réu (ora Recorrente) já tinha alienado as fracções B7 e F18 ao 2.º Réu, pelo que, ao abrigo do artigo 135.º das Regras Civis da República Popular da China, a Autora deve intentar a acção dentro dos 2 anos, isto é, antes de 18 de Março de 2016.
42. Porém, a Autora só intentou a acção em 22 de Julho de 2016 (alínea J dos factos assentes), pelo que, conforme a aplicação da lei e os dispostos legais acima referidos, não é protegida pela lei por prescrição.
43. Nestes termos, ao declarar nulos os actos de alienação feitos entre o Recorrente e o 2.º Réu, o acórdão recorrido violou a prescrição prevista no artigo 135.º das Regras Civis da República Popular da China de 1986.
44. Ao abrigo do disposto legal acima referido, dado que a acção intentada pela Autora encontra-se extinta por prescrição, todos os pedidos formulados pela Autora devem ser indeferidos.
45. O Tribunal a quo aplicou a lei do Interior da China e condenou o Recorrente e o 2.º Réu a pagar à Autora uma quantia de MOP$3.500.000,00 com a venda da fracção B7, porém, o prazo (sic) do direito de acção da Autora encontra-se caducado.
46. Porém, tal como já foi referido nos pontos 40 e 60, o Recorrente entende que já que o Tribunal a quo entendeu que à indemnização deve ser aplicada a lei do Interior da China, ao prazo do direito de acção também deve ser aplicada a lei do Interior da China.
47. Nos termos do artigo 135.º do Estatuto do Direito Civil da República Popular da China de 1986: “o prazo de prescrição para o pedido de tutela dos direitos civis formulado junto do tribunal popular é de 2 anos, salvo disposição legal em contrário.”
48. Isto quer dizer que, quanto à acção de indemnização intentada pela Autora por eventuais actos lesivos do Recorrente, tal como referido nos pontos 40 e 56, ao obter as referidas informações escritas de registo predial em 19 de Março de 2014, a Autora já sabia que o Recorrente já tinha alienado as fracções em causa ao 2.º Réu, a Autora deve intentar a acção dentro dos 2 anos, isto é, antes de 18 de Março de 2016.
49. Porém, a Autora só intentou a acção em 22 de Julho de 2016 (alínea J dos factos assentes), pelo que, o seu direito de acção encontra-se caducado e o pedido de indemnização formulado pela Autora deve ser indeferido.
50. Supõe-se que os MM.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância assim não entendam mas sim que a decisão do Tribunal a quo é correcta (meramente uma hipótese), o Recorrente entende que ao dar como provado o preço da fracção e determinar o cálculo dos juros, o Tribunal a quo incorreu em erro.
51. Em primeiro lugar, quanto à indemnização, tal como referido pelo Recorrente na contestação, ao abrigo dos artigos 363.º a 366.º do Código Civil de Macau, as compras e vendas (escrituras públicas) feitas entre o Recorrente e o 2.º Réu fazem prova plena e são consideradas verdadeiras, pelo que, os preços constantes das referidas escrituras públicas também devem ser considerados verdadeiros.
52. O Recorrente alienou a fracção B7 ao 2.º Réu em 12 de Setembro de 2012 pelo preço de MOP$1.970.160,00.
53. Ao abrigo do artigo 340.º do Código Civil de Macau, tal facto só pode ser ilidido pela prova em contrário.
54. A Autora não provou a simulação do preço na compra e venda entre o Recorrente e o 2.º Réu, pelo que, o referido preço deve ser considerado verdadeiro.
55. Assim sendo, mesmo que o direito da Autora seja lesado com a venda da fracção B7 feita pelo Recorrente, a indemnização deve ser calculada conforme o preço de MOP$1.970.160,00, pelo que, a indemnização que a Autora pode receber é de MOP$985.080,00.
56. Em relação ao cálculo dos juros, o crédito da Autora em relação ao Recorrente e ao 2.º Réu só é constituído após a prolação do acórdão dos presentes autos.
57. Assim sendo, os juros também devem ser calculados a partir da data da constituição do referido crédito, isto é, a partir da data do acórdão. Os juros do crédito não constituído não devem ser calculados.
58. Tal como referido pelo Tribunal de Última Instância no processo de uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 “A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”
59. Nestes termos, os juros também devem ser calculados a partir da data da decisão judicial.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, solicita que considerem os fundamentos do presente recurso e em consequência julguem procedente o presente recurso e julguem os seguintes:
1. Julguem procedente o recurso do Recorrente (1.º Réu) e anulem o acórdão do Tribunal a quo;
2. Caso os MM.ºs Juízes entendam que o Recorrente deve pagar a indemnização à Autora, a quantia indemnizatória que o Recorrente deve pagar à Autora deve ser de MOP$985.080,00 e os respectivos juros devem ser calculados a partir da data da decisão;
3. Condenem a Autora a pagar todas as custas e a procuradoria emergentes da presente acção;
4. Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam, solicita que profiram uma outra decisão justa e equitativa que considerar adequada.
Notificada a Autora das alegações de Recurso do 1º Réu veio esta contra-alegar apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
I. A questão da (in)validade dos contratos da alienação dos bens comuns por um dos cônjuges sem o consentimento do outro deverá ser equacionada no conceito-quadro constante do art. 51.º do CC (“Convenções antenupciais e regime de bens”) e não no do art. 45.º do mesmo Código (“Direitos reais”).
II. In casu, não estamos perante um litígio quanto à transmissão da propriedade, mas antes perante uma questão da ilegitimidade de um dos cônjuges na disposição dos bens comuns do casal por falta do consentimento do outro em consequência da relação patrimonial conjugal. Ou seja, a invalidade da venda decorre da violação de regra, referentes às relações patrimoniais dos cônjuges e não da violação de direitos reais.
III. A lei competente para reger a (in)validade dos contratos da compra e venda dos bens comuns imóveis do casal celebrados entre o 1º e o 2º Réus sem o consentimento da Autora então cônjuge do 1º Réu deverá ser a lei da residência habitual comum do casal, ao abrigo do art. 51.º, n.º1 do CC, que neste caso deve ser a Lei da República Popular da China, conforme a resposta ao quesito 4º da base instrutória, não sendo portanto aplicável a lei de Macau (i.e., arts. 1548.º. n.º l e 1554.º do CC) enquanto a lei do local dos imóveis à luz do art. 41.º do CC.
IV. O art. 47.º da Lei do Casamento da República Popular da China dispõe que:
“离婚时,一方隐藏、转移、变卖、毁损夫妻共同财产,或伪造债务企图侵占另一方财产的,分割夫妻共同财产时,对隐藏、转移、变卖、毁损夫妻共同财产或伪造债务的一方,可以少分或不分。离婚后,另一方发现有上述行为的,可以向人民法院提起诉讼,请求再次分割夫妻共同财产。” (sublinhado e negado nossos)
V. Assim, assiste às partes a faculdade de recorrer a este meio possível para resolver as questões suscitadas nos casos de ocultação, transmissão, venda e destruição dos bens comuns do casal no momento ou depois da dissolução do casamento. No entanto, isto nunca poderá ser considerado como um impedimento à instauração dos outros tipos das acções pela ora Autora às quais a mesma tem igualmente a faculdade de se socorrer tal como a presente acção da declaração da nulidade ou da anulação dos negócios da alienação dos bens comuns celebrados pelo 1º Réu sem o consentimento da ora Autora, com o objectivo de reaver os bens comuns que estejam na titularidade do terceiro.
VI. A ora Autora poderá sempre optar por se manter a situação da comunhão conjugal dos bens comuns mesmo que estes voltem ao património conjugal com a declaração da nulidade ou da anulação dos negócios, não estando obviamente a mesma obrigada a partilhar os bens comuns depois do divórcio.
VII. Não se verifica in casu qualquer erro na escolha da forma do processo, sendo o presente processo o processo adequado de acordo com a lei da República Popular da China para a satisfação da pretensão da ora Autora.
VIII. Vem o ora Recorrente nas suas alegações impugnar o facto vertido na resposta ao quesito 21º da base instrutória, entendendo que a ora Autora, em 19 de Março de 2014, ou seja, na data da emissão das certidões do registo predial das fracções autónomas B7 e F18 (cfr. Docs. 1 e 2 da Contestação), já sabia que o 1.º Réu já tinha alienado ao 2º Réu C as fracções autónomas B7 e F18, e tendo a presente acção sido intentada em 27 de Julho de 2016, e consequentemente, o direito de acção da ora Autora deve ser considerado caducado ao abrigo do disposto no art. 135.º das Regras Civis da República Popular da China.
IX. Ademais, salvo devido respeito, o Recorrente não observou as regras estipuladas no artigo 599.º do CPC na impugnação da decisão que recaiu sobre tais factos. Contudo,
X. Nos termos do disposto no art. 336.º, n.º 2 do CC, incumbe ao ora Recorrente o ónus de prova quanto à data exacta do conhecimento efectivo por parte da ora Autora da alienação pelo ora Recorrente ao 2º Réu das duas fracções em causa, o que o Recorrente não logrou fazer e tal como o douto Tribunal a quo já afirmou na decisão recorrida que “Uma vez que não se sabe a data exacta em que a Autora tomou conhecimento da alienação/ não se pode concluir que o prazo de caducidade da presente acção se encontra expirado.”
XI. Andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado o facto nos termos que consta da resposta ao quesito acima aludido, ou seja, “Antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o 1º Réu já tinha alienado ao 2º Réu C as fracções autónomas B7 e F18” (sublinhado e negado nossos)
XII. Salvo o devido respeito, parece que o ora Recorrente confunde a prescrição com a caducidade, pois que o art. 135º das Regras Civis da República Popular da China de 1986 invocado pelo ora Recorrente aplica-se aos casos da prescrição (“訴訟時效”) dos direitos de crédito, e não aos da caducidade (“除斥期間”) dos direitos de acção.
XIII. In “民法總論 (司法部法學教材編輯部編審)”, 梁慧星, 法律出版社, págs. 238 a 239, foram expostos os conceitos da prescrição (“訴訟時效”) e da caducidade (“除斥期間”) e explicada a sua diferença.
XIV. Por outro lado, não obstante que não seja previsto de forma expressa na Lei da República Popular da China o prazo da caducidade para a declaração da nulidade dos negócios, a doutrina e a jurisprudência da mesma vêm afirmar no sentido de que a mesma não se encontra sujeito a qualquer prazo legal.
XV. Neste caso em concreto, não sendo aplicável o disposto no art. 135º das Regras Civis da República Popular da China de 1986 ao direito da acção para a declaração de nulidade dos contratos da ora Autora, não devendo ser considerado como caducado o direito da mesma independentemente da data do seu conhecimento dos respectivos factos.
XVI. Vem o ora Recorrente alegar que o direito da acção da ora Autora em relação à indemnização de MOP$3,500,000.00 pela venda da fracção B7 também já caducou nos termos do disposto no art. 135.º das Regras Civis da República Popular da China de 1986, porém, o art. 135.º das Regras Civis da República Popular da China de 1986 não se aplica aos casos de caducidade, mas sim aos casos da prescrição.
XVII. Nos termos do disposto no art. 3.º da «最高人民法院关于审理民事案件适用诉讼时效制度若干问题的规定» de 11 de Agosto de 2008 : “当事人未提出诉讼时效抗辩,人民法院不应对诉讼时效问题进行释明及主动适用诉讼时效的规定进行裁判.” ou seja, ao abrigo da Lei da República Popular da China, a prescrição também carece de ser invocada pelas partes, o que o Recorrente nunca fez.
XVIII. Caso o douto Tribunal não se assim entenda, entendendo que se aplica o art.º 135.º da Lei das Regras Civis da República Popular da China de 1986 ao caso em concreto, sempre se diga que, o direito de indemnização titulado pela ora Autora apenas surge com a decisão recorrida (com trânsito em julgado), assim o prazo da prescrição deve começar a contar apenas a partir da data da decisão recorrida (transitada em julgado), pelo que, nunca pode ser entendido como caducado ou prescrito o direito de indemnização de MOP$3,500,000.00 por parte da ora Autora em virtude da venda da fracção B7.
XIX. Em relação ao valor da indemnização, vem o ora Recorrente alegar que deve ter como referência o preço de MOP$1,970,160.00 mencionado na escritura da compra e venda da fracção B7 celebrada entre os 1º e 2º Réus, por se tratar de um documento autêntico que faz prova plena quanto ao facto do preço.
XX. Não tendo o ora Recorrente impugnado o facto vertido na resposta ao quesito 11º da base instrutória, e sem prejuízo do Recurso interposto pela ora Recorrida quanto a este segmento da decisão, com o qual não concorda plenamente, a indemnização pelos prejuízos que a ora Autora sofreu nunca poderia ter sido calculada com base no preço declarado e que se provou se falso.
XXI. Mesmo que algum dos fundamentos do Recurso a que ora se responde procedesse, sempre se diga que, ainda assim, o resultado do mesmo estará sempre votado ao insucesso, pois que, decisão recorrida e consequentemente o presente Recurso, apenas se debruçam sobre a questão da invalidade das compras e vendas celebradas entre o 1.º e 2.º Réus por falta de consentimento da ora Autora, na altura casada com o 1.º Réu no regime supletivo da lei Chinesa.
XXII. Para além dessa falta de consentimento e dos vícios que a mesma acarretam para as compras e vendas celebradas entre os 1.º e 2.º Réus, a ora Recorrida, subsidiariamente, invocou e provou que essas mesmas venda eram nulas, por simuladas.
XXIII. Porém, uma vez que a solução de direito avançada pela sentença recorrida se fundou na invalidade dos negócios por falta de consentimento da ora Autora prescrita na Lei da China Continental, ficou prejudicada a questão da simulação.
XXIV. Se algum dos fundamentos do recurso a que ora se responde foi julgado procedente, o que, implicaria a revogação da sentença recorrida, então, sempre estaríamos face à necessidade de se apreciar os pedidos subsidiários da presente acção, que ficaram prejudicados, o que, desde já se requer face ao disposto no artigo 630.º, n.º 2 do CPC, por se entender estarem V. Exas. munidos de todos os elementos para o efeito.
XXV. Assim, sem prejuízo da interpretação e exercício de subsunção do Direito aplicável por esse douto Tribuna, e uma vez que sobre a decisão recorrida que determinou a rectificação das inscrições n.º ..., resultante da apresentação n.º 33 de 8/4/2003, relativo à fracção autónoma B7, correspondente ao 7.º andar D, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., por forma a constar que o 1.º Réu, B, estava casado com a Autora, A, no regime supletivo da lei chinesa e da Inscrição n.º ..., resultante da apresentação n.º 167 de 24/11/2006, de 24 de Novembro de 2006, relativo à fracção autónoma F18, correspondente ao 18.º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., por forma a constar que o 1.º Réu, B, estava casado com a Autora, A, no regime supletivo da lei chinesa, não recaiu qualquer recurso e por isso transitou em julgado, deverá passar-se à apreciação dos demais pedidos subsidiários.
XXVI. Face aos factos dados por assentes nas alíneas F), G), K) e M) e ainda dos factos dados como provados na sequencia da resposta aos quesitos 5.º, 6.º, 6.ºB, 6.º D, 7.º a 11.º e 14.º a 16.º, forçoso será concluir que, efectivamente, as compras e vendas das fracções B7 e F18 do 1.º para o 2.º Réu são simuladas e, como tal, nulas.
XXVII. O art. 232º do C.C. define a simulação como a divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, efectuada por acordo entre os intervenientes no negócio, no intuito de enganar terceiros, cominando com NULIDADE, tal vício.
XXVIII. Face aos já aludidos factos provados, designadamente que: As transmissões referidas na F. e G. são falsas e tiveram o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1.º Réu. (resposta ao quesito 7,º); O 1.º Réu não tinha intenção de vender as fracções ao 2.º Réu; (resposta ao quesito 8.º); O 2.º Réu não tinha intenção de adquirir as fracções B7 e F18, tendo o 2.º Réu aceitado colaborar com o 1.º Réu, seu tio, no estratagema de retirar tais fracções do alcance da ora Autora. (resposta ao quesito 9.º); O 2.º Réu não recorreu a qualquer empréstimo bancário para a aquisição das referidas fracções. (resposta ao quesito 10.º); Não houve pagamento de qualquer preço por conta das referidas transmissões referidas em F. e G.
XXIX. Dúvidas não subsistem que se encontram integralmente preenchidos os pressupostos previstos no artigo 232.º, n.º 1 do Código Civil, sendo por isso absolutamente nulas, por simuladas, as transmissões das fracções B7 e F18 do 1.º, ora Recorrente, para o 2.º Réu.
XXX. E, consequentemente, devem também ser julgados procedentes por provados os seguintes pedidos deduzidos pela Recorrida:
• Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7.º andar D, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., do 1.º para o 2.º Réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ..., e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 20 de 21/09/2012;
• Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18.º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., do 1.º para o 2.º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ..., e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 19 de 21/09/2012;
XXXI. Declarada a nulidade da transmissão da fracção B7 do 1º para o 2.º Réu, deverá ser determinado o cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, a Inscrição n.º ..., decorrente da Apresentação n.º 20 de 21/09/2012.
XXXII. Sucede que, face aos factos assentes nas alíneas H), I), J), L) e N) e ainda os factos dados como provados na resposta aos quesitos 23.º, 24.º e 27.º, tal nulidade não deverá afectar os direitos adquiridos em relação à fracção B7 pelos 3.º e 4.º Réus, que, por um lado, lograram provar ser terceiros de boa-fé e por outro lado, porque a presente acção não foi intentada no prazo de um ano posterior à conclusão do negócio inválido - artigo 284.º, n.º 1 e 2 do Código Civil.
XXXIII. Porém, tal facto não pode afastar a responsabilidade dos 1.º e 2.º Réus pelos danos que esta alienação subsequente causou à ora Autora.
XXXIV. Conforme ficou devidamente provado, por escritura pública de compra e venda de 04/07/2016, celebrada no cartório notarial do Notário Privado Dr. G, o 2.º Réu transmitiu, pelo preço de MOP$8,034,000.00 (oito milhões e trinta e quatro mil patacas), para os 3.ºs Réus a referida fracção.
XXXV. Conforme resultou devidamente demonstrado e vem mesmo mencionado na fundamentação da decisão de facto:
• A venda em 4 de Julho de 2016 da fracção autónoma B7 aos 3ºs Réus ter sido feita pelo 1.º Réu munido de procuração emitido a favor deste pelo 2º Réu, numa altura em que a disputa relativa à alegada sonegação de bens por parte do 1.º Réu ainda estava pendente; e
• O pagamento do preço desta venda ter sido por meio de cheques emitidos a favor do 1º Réu relativamente ao qual nada demonstra que o 1º Réu tenha restituído o respectivo valor ao 2º Réu como afirmou a mãe deste
XXXVI. Assim, torna-se óbvio que esta venda aos 3.ºs Réus faz ainda parte do acordo simulatório que o 1.º e 2.º Réus haviam firmado já em 2012, com o objectivo de furtar à ora Autora a possibilidade de reclamar os direitos que lhe assistem sobre a fracção F18.
XXXVII. Na impossibilidade de reverter a situação registral do imóvel quanto à sua actual titularidade, forçoso será reconhecer que a ora Autora tem direito a ser ressarcida pelo prejuízo que tal impossibilidade lhe causou, ou seja, com a alienação indevida da fracção aos 3.ºs Réus, sem o consentimento da Autora, saiu definitivamente do património comum do casal o imóvel em causa, sem qualquer possibilidade de o vir de novo a integrar.
XXXVIII. Resultando o prejuízo da conduta ilícita dos simuladores, 1.º e 2.º Réus, que em cumprimento de um acordo simulatório diminuíram o património da Autora, devem os mesmos indemnizar esta última, nos termos do disposto nos artigos 556º e seguintes do Código Civil.
XXXIX. Uma vez que a reconstituição natural não é possível, terão os 1.º, Recorrente, e 2.º Réus que indemnizar a Autora, Recorrida, em dinheiro, nos termos do artigo 560.º, n.º 1 do Código Civil, e tendo em conta que a fracção F18 foi recentemente vendida pelo preço de MOP$8,034,000.00 (oito milhões e trinta e quatro mil patacas), a indemnização que caberá à ora Autora não pode ser nunca inferior a metade desse valor.
XL. Fruto da sua conduta ilícita e dolosa, devem os 1.º; Recorrente, e 2.º Réus ser condenados a pagar à Autora, Recorrida, o valor de MOP$4,017,000.00 (quatro milhões e dezassete mil patacas), acrescido de juros de mora desde a data em que tal montante foi recebido pelos 1.º e 2.º Réus, ou seja, 04/07/2016, até integral e efectivo pagamento.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá:
Deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantendo-se a decisão recorrida.
Ou, caso assim não se entenda, devem V. Exas., nos termos do disposto no artigo 630.º, n.º 2 do CPC, conhecer das questões cujo conhecimento pelo Tribunal a quo ficou prejudicado e, consequentemente:
• Ser declarada a nulidade, por simulação, da compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7.º andar D, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., do 1.º para o 2.º Réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ..., e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 20 de 21/09/2012;
• Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18.º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ..., do 1.º para o 2.º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ..., e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. n.º 19 de 21/09/2012;
• Devem os 1.º e 2.º Réus ser condenados a pagar à Autora o valor de MOP$4,017,000.00 (quatro milhões e dezassete mil patacas), acrescido de juros de mora desde a data em que tal montante foi recebido pelos 1.º e 2.º Réus, ou seja, 04/07/2016, até integral e efectivo pagamento.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora e o 1º Réu contraíram casamento na República Popular da China, em 19 de Setembro de 1985 (alínea A) dos factos assentes).
- Em 02 de Abril de 2003, por escritura pública celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. J, a fls. … do Livro …, o 1.º Réu adquiriu, pelo preço de MOP$1.848.360,00, a fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ... (alínea B) dos factos assentes).
- 1.º Réu, aquando da celebração da escritura de compra e venda da mencionada fracção, declarou que era casado com a ora Autora no regime da separação de bens (alínea C) dos factos assentes).
- Em 14 de Novembro de 2006, por escritura pública celebrada no Cartório da Notária Privada Dra. K, a fls. … do Livro …, o 1.o Réu adquiriu, pelo preço de HKD$1.180.000,00, a fracção autónoma F18, correspondente ao 18.o andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número ..., a fls. ..., do Livro ... (alínea D) dos factos assentes).
- 1.º Réu, aquando da celebração da escritura de compra e venda da mencionada fracção, declarou que era casado com a ora Autora no regime da separação de bens (alínea E) dos factos assentes).
- Por escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. F a fls. ... do Livro ..., o 1º Réu declarou transmitir ao 2º Réu a supra melhor identificada fracção B7, pelo preço declarado de MOP$1.940.160,00 (alínea F) dos factos assentes).
- Na mesma data, por escritura pública de compra e venda também celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. F a fls. ... do Livro ..., o 1º Réu declarou transmitir ao 2º Réu a supra melhor identificada fracção F18, pelo preço declarado de MOP$2.043.360,00 (alínea G) dos factos assentes).
- Por escritura pública de compra e venda de 04/07/2016, celebrada no cartório notarial do Notário Privado do Dr. G, o 2º Réu declarou transmitir, pelo preço de MOP$8.034.000,00, para os 3º e 4ª Réus a referida fracção B7 (alínea H) dos factos assentes).
- Pela escritura pública referida na al. H., os 3º e 4ª Réus1 constituíram hipoteca voluntária a favor do 5º Réu 2 Banco X, S.A., (Ap. n.º 62 de 13/07/2016; fls. 65) (alínea I) dos factos assentes).
- A presente acção foi intentada pela Autora em 27 de Julho de 2016 (alínea J) dos factos assentes).
- Relativamente à fracção autónoma B7, a aquisição do 2º Réu foi registada através da inscrição n.º ..., na sequência de Ap. n.º 20 de 21/09/2012. (fls. 63) (alínea K) dos factos assentes).
- A aquisição da mesma fracção autónoma B7 por parte dos 3º e 4ª Réus foi registada através da inscrição n.º ..., na sequência de Ap. n.º 61 de 13/07/2016 (fls. 64) (alínea L) dos factos assentes)
- Relativamente à fracção autónoma F18, a aquisição do 2º Réu foi registada através n.º ..., na sequência de Ap. n.º 19 de 21/09/2012. (fls. 125) (alínea M) dos factos assentes)
- A presente acção foi registada através das inscrições n.ºs ... e ..., ambas datadas de 27 de 07 de 2016, e as respectivas certidões comprovativas de registo foram juntas aos autos em 30 de Agosto de 2016 (alínea N) dos factos assentes)
*
Da Base Instrutória:
- A Autora e o 1º Réu não celebraram convenção antes ou pós-nupcial (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Em 30 de Setembro de 2014, o 1º Réu intentou acção de divórcio litigioso junto do Tribunal Popular da Cidade de Zhongshan, Província de Guangdong, da República Popular da China (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Por sentença proferida no dia 18 de Maio de 2016, pelo Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhongshan da Província de Guangdong, da República Popular da China, foi confirmada a decisão proferida em primeira instância que declarou dissolvido por divórcio o casamento da Autora e do 1º Réu (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Enquanto estiveram casados a Autora e o 1º Réu sempre viveram na China Continental (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- As transmissões referidas em F. e G. não obtiveram o consentimento por parte da Autora, não tendo a Autora sido sida informada que o 1º Réu iria transmitir tais bens ao 2º Réu nem que o havia feito (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O 1º Réu é tio do 2º Réu, filho da irmã do 1º Réu, L (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- O 1º Réu iniciou uma relação extraconjugal com outra mulher com quem já tem duas filhas, sendo que a mais velha nasceu em Setembro de 2011 e a mais nova nasceu antes de 27 de Julho de 2016 (resposta ao quesito 6ºB da base instrutória).
- Pelo menos, pouco depois de Julho de 2013, o 1º Réu começou a mencionar que se pretendia divorciar da Autora (resposta ao quesito 6ºC da base instrutória).
- As transmissões referidas na F. e G. são falsas e tiveram o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1º Réu (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- O 1º Réu não tinha intenção de vender as fracções ao 2º Réu (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- O 2º Réu não tinha intenção de adquirir as fracções B7 e F18, tendo o 2º Réu aceitado colaborar com o 1º Réu, seu tio, no estratagema de retirar tais fracções do alcance da ora Autora (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- O 2º Réu não recorreu a qualquer empréstimo bancário para a aquisição das fracções (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- Não houve pagamento de qualquer preço por conta das referidas transmissões referidas na F) e G) (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Um ano depois da transmissão da fracção B7, a Administração do condomínio do prédio onde a mesma se situava, continuava a enviar a correspondência para o 1º Réu (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- Na data da sua transmissão para o 2º Réu (Setembro de 2012), a fracção B7 tinha um valor de mercado de MOP$7,000,000.00 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- Em Setembro de 2012, a fracção F18 tinha um valor de mercado de MOP$6,100,000.00 (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- Em 4 de Julho de 2014, a fracção B7 foi vendida ao 3ºs Réus pelo preço de MOP8,034,000.00 (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- Antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o 1º Réu já tinha alienado ao 2º Réu C as fracções autónomas B7 e F18 (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- À data da celebração da escritura de 4 de Julho de 2016, o 4º Réu desconhecia a existência de qualquer simulação, erro ou reserva que pudesse existir sobre um negócio anterior, celebrado em 2012, entre o 1º Réu e o 2º Réu (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
- A aquisição do imóvel B7 pelos 3ºs Réus bem como a constituição da hipoteca a favor do 4º Réu foram feitas a título oneroso (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
- Os pais do 2º Réu são proprietários da fracção G18 contígua à fracção F18, as quais se apresentam como uma única fracção, sem qualquer divisória, em termos práticos (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
- Os 3ºs Réus desconheciam quaisquer irregularidades anteriores à sua aquisição do imóvel (resposta ao quesito 27º da base instrutória).

b) Do Direito

Do Recurso interlocutório.

A folhas 588 foi interposto recurso pelo Banco X, S.A. 4º Réu do despacho de fls. 565v. e 566 que indeferiu os requeridos depoimentos de parte.
Tendo este Recorrente na decisão sobre o mérito sido absolvido de todos os pedidos e tendo a mesma transitado em julgado, face ao disposto no nº 2 do artº 628º do CPC não há que apreciar do mesmo.
Notificadas as partes para querendo se pronunciarem, apenas a Autora e agora Recorrente e Recorrida da decisão final se veio pronunciar pugnando pela não apreciação do recurso.
Termos em que, de acordo com o disposto na alínea e) “in fine” do artº 619º julga-se findo o recurso pelo não conhecimento do seu objecto.
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Dos Recursos da decisão final/mérito.

Tendo sido dois os recursos interpostos da decisão proferida pelo tribunal a quo cabe antes de mais decidir qual a ordem pela qual devem ser apreciados.
Enquanto o recurso interposto pela Autora visa apenas que a decisão recorrida seja alterada quanto ao valor da indemnização que os 1º e 2º Réus foram condenados a pagar à Autora, o recurso interposto pelo 1º Réu visa a total improcedência dos pedidos da Autora ou a redução do montante indemnizatório e momento a partir do qual são devidos os juros.
Assim sendo, a procedência do recurso interposto pelo 1º Réu na parte em que visa que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente ou reduzido o montante indemnizatório, precede a apreciação do recurso interposto pela Autora.
Contudo na decisão recorrida foram julgados procedentes os pedidos formulados em A e B sem que nessa parte haja sido interporto recurso e que se prendem com o regime de casamento do 1º Réu declarado para efeitos de registo predial das fracções autónomas a que respeitam os autos.
Na decisão sob recurso foram julgados procedentes os pedidos formulados em C e D e que consistem na anulação das escrituras de venda das fracções autónomas por falta de consentimento da Autora.
Por força da procedência dos pedidos em C e D ficou prejudicada a apreciação dos pedidos formulados em E e F que consistem na declaração de nulidade das compras e vendas entre os 1º e 2º Réus por simulação.
Pelo que, a ser concedido provimento ao recurso do 1º Réu, cabe apreciar dos pedidos formulados em E e F e só após e no caso destes procederem cabe apreciar do recurso da Autora e do 1º Réu quanto ao valor da indemnização.
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Do Recurso interposto pelo 1º Réu

São os seguintes os vícios imputados pelo 1º Réu à decisão recorrida:
1. Errada aplicação da Lei da RPC uma vez que estando em causa direitos reais relativos a imóveis sitos em Macau, nos termos do artº 45º nº 1 do C.Civ., o regime aplicável seria o de Macau e por força do disposto no artº 1548º nº 1 e 1554º ambos do C.Civ. quando a acção foi instaurada já havia caducado o direito à acção (conclusões 1 a 17);
2. Aplicando-se a Lei da RPC e sendo as escrituras em causa nulas a Autora havia que pedir nova partilha dos bens e não a anulação da alienação dos bens (conclusões 18 a 26);
3. Impugnação da matéria de facto no que concerne à resposta dada ao quesito 21º da base instrutória uma vez que a Autora já em 19.03.2014 tinha tomado conhecimento de que o Recorrente havia alienado as fracções autónomas em causa (conclusões 27 a 44);
4. Face à alteração da matéria de facto em consequência da impugnação anterior, face à Lei da RPC já tinha caducado o direito de acção da Autora (conclusões 45 a 49);
5. Erro no apuramento do montante indemnizatório e momento a partir do qual são devidos os juros (conclusões 50 a 59).

Vejamos então.

1. Errada aplicação da Lei da RPC uma vez que estando em causa direitos reais relativos a imóveis sitos em Macau, nos termos do artº 45º nº 1 do C.Civ., o regime aplicável seria o de Macau e por força do disposto no artº 1548º nº 1 e 1554º ambos do C.Civ. quando a acção foi instaurada já havia caducado o direito à acção (conclusões 1 a 17);

Reza o nº 1 do artº 51º do C.Civ. que «A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei da residência habitual dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.».
Com base nesta norma se concluiu na sentença recorrida que os cônjuges Autora e 1º Réu, enquanto tal, haviam sido casados no regime supletivo da Lei da RPC e que os imóveis em causa eram comuns.
Seja nos termos da Lei da RPC à qual se recorreu na sentença recorrida, seja nos termos do nº 1 do artº 1548º do C.Civ. de Macau a alienação de bens comuns carece do consentimento de ambos os cônjuges, o qual no caso em apreço a Autora não prestou.
Até aqui a sentença recorrida não é posta em crise.

O primeiro vício apontado pelo Recorrente à sentença recorrida tem a ver com os efeitos da falta de consentimento e a caducidade do direito à acção.
Sobre esta matéria se diz na sentença recorrida:
«Assente que a invalidade das vendas impugnadas, resta saber se os dois pedidos formulados com base na falta de consentimento da Autora podem proceder.
A Autora fundamenta esses seus pedidos no disposto nos artigos 1548º, nº 1, e 1554º do CC nos termos do qual a alienação de imóveis comuns sem consentimento de qualquer um dos cônjuges é anulável.
Os 1º, 2º e 4º Réus excepcionam a pretensão da Autora alegando que o direito de anulação se encontra já caducado por força do disposto no artigo 1554º, nº 2, do CC.
No entanto, por a lei competente para reger o regime de bens existente entre a Autora e o 1º Réu ser a lei chinesa, é manifesto que esta lei é também competente para determinar as consequências da alienação sem consentimento de bens comuns dos mesmos, não sendo, portanto, aplicáveis ao caso as normas dos artigos 1548º, nº 1, e 1554º do CC.».

Porém, entende o primeiro Réu que uma vez que a questão subjacente a estes autos tem a ver com a validade da constituição do direito real sobre os imóveis ela haverá de ser dirimida segundo a regra do nº 1 do artº 45º do C.Civ. que determina que o regime legal aplicável é o da situação dos bens, isto é, o de Macau, pelo que seria aplicável à situação “sub judice” o disposto no artº 1554º do C.Civ..
Dispõe o nº 1 do artº 45º do C.Civ. que «O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do lugar em cujo território as coisas se encontrem situadas.».
«As matérias abrangidas neste artigo são todas as que respeitam ao regime dos direito reais, independentemente do tipo de bens, móveis ou imóveis, sejam direitos de gozo, de garantia ou de aquisição, bem como prevê sobre os modos de aquisição, transmissão, modificação, extinção e extensão desses direitos» - cit. João Gil Oliveira e José Cândido de Pinho em Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro I, pág. 395 -.
Estamos no domínio do “problema da qualificação” a qual, como ensina o Prof. Ferrer Correia, recorrendo a conceitos técnico-jurídicos que «têm a característica peculiar de serem aptos a incorporar uma multiplicidade de conteúdos jurídicos; são pois conceitos quadro. De resto, a sua extensão é muito variável: se alguns designam uma das grandes divisões clássicas do sistema de direito privado (as obrigações ou os direitos reais, as sucessões por morte), referem-se outros aos negócios jurídicos em geral, ou a certa categoria de negócios jurídicos, ou mesmo a um aspecto isolado da sua regulamentação (como por exemplo a forma externa), ou ainda a determinado instituto (como a filiação, o divórcio, a responsabilidade extracontratual).
Como é óbvio, a questão não se poria se de meros conceitos descritivos ou de facto se tratasse. Em tal caso, as normas de conflitos não nos proporiam qualquer problema específico de qualificação, já que tudo se resumiria então em descrever as situações factuais contidas na previsão normativa e depois, face ao caso concreto, em subsumi-lo à categoria apropriada do direito de conflitos. Quer isto dizer que, sendo as coisas como agora as estamos a imaginar, a operação da qualificação em DIP não ofereceria qualquer nota distintiva essencial relativamente àquela que decorre no plano e no momento da aplicação dos preceitos de direito material. Só que a realidade é diferente: serão com certeza muito contados os casos em que o legislador de conflitos enveredará por tal caminho – o da utilização de puros conceitos de facto – ao elaborar as suas normas.
É, pois, de conceitos construídos pela técnica jurídica que a norma do DIP se utiliza para demarcar o objecto da conexão e, sendo assim, logo se põe a questão de saber como interpretar tais conceitos.
Determinada regra de conflitos refere-se ao instituto da separação de pessoas e bens e do divórcio, tal outra aos problemas que se inscrevem na área dos efeitos do casamento ou na dos negócios jurídicos. Mas o que é casamento, o que é divórcio para a norma de DIP que utiliza esse conceito? Vale como divórcio o divórcio “privado” do direito rabínico ou o talak do direito muçulmano? Até que ponto constitui a decisão de uma autoridade judiciária (ou outra, contanto que assistida de poderes de julgamento) característica essencial do conceito de divórcio para efeitos das normas de DIP da lex fori? Será que a união matrimonial de facto, admitida em certos sistemas de direito, poderá ser incluída na hipótese legal da regra de conflitos que se ocupa dos efeitos do casamento? A promessa esponsalícia será um negócio jurídico paramatrimonial?
O problema em análise tem sido resolvido de modos diferentes.» Ferrer Correia em Lições de Direito Internacional Privado I, Ed. 2014, pág. 200/201 -.
No caso em apreço, o problema que se coloca consiste em saber se a norma do artº 1554º do C.Civ é afastada pelo artº 51º ou se assiste razão ao 1º Réu que se aplica por força do 45º do C.Civ..
O artº 51º do C.Civ. rege sobre as normas aplicáveis às convenções antenupciais e regime de bens.
O artº 1554º do C.Civ. insere-se no Livro IV – Direito da Família -, Título II – Do casamento -, capítulo VIII – Efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges -, no qual o artigo indicado se insere na Secção I – disposições gerais -.
Note-se que na secção I, do capítulo VIII, do Título II, do Livro IV se trata de assuntos tais como o princípio da igualdade dos cônjuges, deveres e direitos dos cônjuges, viuvez, divórcio, exercício de profissão, administração de bens próprios, próprios do outro e comuns, alienação de bens, etc..
Sobre aquelas matérias versam as normas de conflito do artº 48º ao 53º do C.Civ., resultando não ser sempre a mesma norma a ser aplicável.
As convenções matrimoniais e os regimes de bens estão regulados na secção III e IV do indicado capítulo.
Ou seja em termos sistemáticos, a norma do artº 1554º não está inserida dentro do regras de qualquer um dos regimes de bens, o que leva a ponderar se fará parte do instituto quadro previsto no artº 51º do C.Civ..
Por outro lado, o artº 1554º do C.Civ. não regula só quanto a bens comuns, fazendo-o também quanto a bens próprios do outro cônjuge e disposição quanto ao direito ao arrendamento da casa de morada de família, consagrando ainda a protecção de terceiros em caso de móveis não sujeitos a registo.
Ou seja esta norma sendo de aplicar sempre que haja um regime de bens que envolva a existência de bens comuns e noutras situações independentemente da titularidade do bem, não é uma decorrência do regime de bens que vigora entre os cônjuges, visando antes a eficácia de determinados actos que não preencham o requisito do consentimento de ambos os cônjuges, efeitos cominados para a omissão e um prazo de caducidade.
Logo, esta norma está fora do elemento de conexão do artº 51º do C.Civ..
Consagrando-se no artº 1554º do C.Civ, um prazo de caducidade, a norma de conflitos que pode ser chamada a resolver a situação poderá ser o artº 39º do C.Civ que estabelece que «A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.».
Ou seja, a norma em causa consagra aquilo que a Doutrina qualifica como uma conexão dependente, havendo primeiro que definir qual o direito que está em causa, para em função dele aferir pelo regime jurídico que lhe é aplicável em face das demais normas de conflito.
Dúvidas não haverá que se estiver em causa uma prescrição aquisitiva de um direito real por força do artº 45º do C.Civ. o regime jurídico aplicável é o da lei de Macau, se se tratar da caducidade ao direito ao divórcio será o regime jurídico que resultará da aplicação do artº 50º “ex vi” artº 53º ambos do C.Civ..
Assim sendo, no caso em apreço qual é o direito que está em causa?
A decisão recorrida sobre esta matéria entendeu que:
«A Lei do Casamento da República Popular da China não indica o tipo de invalidade por que enferma a venda de bens comuns sem o consentimento de ambos os cônjuges.
Nos termos do artigo 58º, (4), das Regras Civis da República Popular da China de 1986,3 “下列民事行为无效: (四)恶意串通,损害国家、集体或者第三人利益的。”.
Dos factos provados vê-se que nem o 1º Réu tinha intenção de vender as fracções autónomas dos autos nem o 2º Réu tinha intenção de as adquirir tendo este aceitado colaborar com o 1º Réu no estratagema de retirar estes bens do alcance da Autora e de os furtar à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1º Réu.
Como as compras e vendas em questão foram feitas de má fé para prejudicar a Autora, as mesmas são nulas ao abrigo do artigo 58º, (4), das Regras Civis da República Popular da China de 1986.».
A seguirmos o entendimento expresso na decisão recorrida o que estaria em causa seria uma situação de validade da declaração negocial – vontade, simulação -, pelo que, a assim se entender a norma de conflitos a regular a situação, caso houvesse que recorrer a elas, seria o artº 34º do C.Civ. – lei aplicável à declaração negocial – o que, salvo melhor opinião nos remeteria para a legislação de Macau uma vez que versando o negócio sobre direitos reais, por força do artº 45º do C.Civ., seria esta a aplicável e nunca a Lei da RPC4.
No entanto, como resulta da própria decisão recorrida a questão que se decidiu não foi a dos vícios da vontade, mas como expressamente se refere, a anulação da venda por falta de consentimento da Autora – cf. fls. 856, 3º parágrafo -.
Logo, o bem jurídico que aqui se pretende proteger é a integridade do património comum dos cônjuges e consequentemente a titularidade por banda da Autora – um dos cônjuges – sobre os direitos incorporados naquele, que no caso em apreço é o direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção sobre as fracções autónomas objecto destes autos.
O Direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção é um direito real – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.1992, Autos Cíveis de Apelação nº 4309, in Revista Jurídica de Macau, Jurisprudência Tomo I, pág. 61 –.
O nº 2 do artº 1554º do C.Civ. consagra um prazo de caducidade ao estabelecer que, no caso de venda de direitos sobre imóveis sem a autorização do cônjuge, o direito à acção de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do facto.
Destarte, no caso em apreço o prazo de caducidade refere-se ao direito real que se pretende defender.
Assim sendo, a norma de conflitos aplicável será a do artº 45º “ex vi” artº 39º, ambos do C.Civ. por força do qual a lei aplicável é a do território onde as coisas se encontram.
Atente-se que a regra da lei do território para dirimir questões relativas a direitos reais se estende inclusivamente em sede de direito adjectivo ao consagrar a competência exclusiva dos tribunais de Macau na al. a) do artº 20º do CPC.
Pelo que, pretendendo a Autora defender o seu direito sobre bens imóveis e vigorando quanto a estes, na situação em apreciação, o prazo de caducidade do artº 1554º é este o aplicável por força das normas de conflito supra indicadas e não qualquer outro previsto na Lei da RPC.
«Como sabemos, todo o sistema de regras de conflitos deve ser preordenado à satisfação de determinados interesses. Ao formular essas normas, o legislador deve proceder em termos de a cada matéria ou zona de regulamentação jurídica ficar a corresponder a conexão mais adequada, em função dos interesses que em cada um desses vários sectores devam considerar-se prevalecentes. Determinar para cada preceito de direito conflitual o juízo valorativo que o enforma constitui por certo o momento mais relevante do respectivo processo interpretativo. É essa a ideia que nos deverá guiar na definição dos limites do conceito-quadro do preceito a interpretar; pois é evidente que a interpretação de toda a norma de conflitos, como a de qualquer preceito jurídico, só pode ser uma interpretação teleológica.» - Ferrer Correia em ob. Cit. pág. 204/205.
Aqui chegados somos transportados para uma outra questão também objecto de recurso, mas que segundo a ordem pela qual foram indicadas não caberia ainda conhecer e que se prende com a resposta dada ao quesito 21º da Base Instrutória.
O que resulta da factualidade dada por assente é que a Autora antes de 13 de Novembro de 2014 já sabia que o 1º Réu tinha alienado ao 2º Réu as fracções autónomas objecto destes autos.
Entende o 1º Réu que a Autora teve conhecimento desse facto antes da data indicada na resposta e nisso consiste um dos fundamentos de recurso também invocados.
Conforme resulta dos autos a acção foi instaurada em 27.07.2016 – cf. fls. 2 -.
Isto é, quando a acção foi instaurada há muito que havia decorrido o prazo de 6 meses a que alude o nº 2 do artº 1554º do C.Civ. ainda que contados do que se deu como provado em resposta ao quesito 21º.
Destarte, irrelevante se torna estarmos nesta sede a apurar da razão do recurso quanto à resposta ao quesito 21º da Base Instrutória, uma vez que o que dali consta é já bastante para a conclusão de estar verificada a caducidade do direito à acção invocada pelo 1º Réu, face à legislação de Macau que como se viu é a aplicável.
Tendo caducado o direito à acção da Autora com base na indicada norma, haveria de se ter julgado improcedentes os pedidos formulados em C e D e absolvidos os Réus dos mesmos.

Concluindo-se pela caducidade do direito à acção por banda da Autora, fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de recurso invocados pelo 1º Réu que não o que respeita ao valor da indemnização fixada.
Assim sendo, por força do disposto no nº 2 do artº 630º do CPC cabe agora conhecer dos pedidos formulados subsidiariamente pela Autora em E e F5.

Da simulação das compras e vendas celebradas entre os 1º e 2º Réus quanto às fracções objecto destes autos;

Quanto a esta matéria o que se provou foi o seguinte:
- As transmissões referidas na F. e G. são falsas e tiveram o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1º Réu (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- O 1º Réu não tinha intenção de vender as fracções ao 2º Réu (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- O 2º Réu não tinha intenção de adquirir as fracções B7 e F18, tendo o 2º Réu aceitado colaborar com o 1º Réu, seu tio, no estratagema de retirar tias fracções do alcance da ora Autora (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- O 2º Réu não recorreu a qualquer empréstimo bancário para a aquisição das fracções (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- Não houve pagamento de qualquer preço por conta das referidas transmissões referidas na F) e G) (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Um ano depois da transmissão da fracção B7, a Administração do condomínio do prédio onde a mesma se situava, continuava a enviar a correspondência para o 1º Réu (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- Na data da sua transmissão para o 2º Réu (Setembro de 2012), a fracção B7 tinha um valor de mercado de MOP$7,000,000.00 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- Em Setembro de 2012, a fracção F18 tinha um valor de mercado de MOP$6,100,000.00 (resposta ao quesito 16º da base instrutória).

Segundo o artº 232º do C.Civ. «1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.».
Quanto a esta matéria não há que recorrer a normas de conflito de Direito Internacional Privado, pois as compras e vendas foram celebradas em Macau, respeitam a bens sitos em Macau e o foro de Macau é competente para conhecer do pedido, não havendo qualquer elemento de conexão com outra jurisdição ou sistema legislativo, sendo certo que, a nacionalidade ou cidadania dos sujeitos é irrelevante para o caso.
No caso em apreço o que se provou é que com o intuito de retirar as duas fracções autónomas a que se reportam os autos do acervo dos bens comuns de modo a que não tivessem de ser partilhadas pelo 1º Réu com a Autora, o 1º Réu e o 2º Réu declararam vender e comprá-las sem que tivessem essa vontade e sem que haja sido pago preço algum.
Destarte, no caso em apreço há divergência entre a vontade real dos declarantes – aqui 1º e 2º Réus – e a declaração, no intuito de enganar a Autora, vício que implica a nulidade do negócio.
De acordo com o nº 2 do artº 234º do C.Civ. a autora tem legitimidade para arguir a simulação do negócio em causa.
Pelo que, sendo desnecessárias outras considerações se impõe julgar procedentes os pedidos formulados em E e F e em consequência:
- Declarar-se a nulidade por simulação da compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. … do Livro …, do 1º para o 2 Réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ..., e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição nº ..., decorrente da Ap. nº 20 de 21 de Setembro de 2012, sem prejuízo da inoponibilidade já declarada e transitada em jugado quanto aos 3º e 4º Réus.
- Declarar-se a nulidade por simulação da compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. … do Livro …, do 1º para o 2º Réu, tituladas pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. X a fls. ... do Livro ... e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º ..., decorrente da Ap. nº 19 de 21 de Setembro de 2012.
Porém, a procedência destes pedidos não afecta a decisão recorrida em 3, 4 e 5, alterando-se apenas o fundamento com base no qual se decide que é agora o da nulidade decorrente da simulação e não a ausência de consentimento do cônjuge.

Aqui chegados cabe agora apreciar do recurso da Autora quanto ao valor da indemnização em que os 1º e 2º Réus foram condenados e do recurso do 1º Réu quanto a esse mesmo valor e momento a partir do qual são devidos os juros.

Sobre esta matéria entendeu-se na sentença recorrida que o valor da indemnização a que a Autora teria direito seria igual a metade do valor de mercado da fracção autónoma B7 uma vez que, por força da inoponibilidade da nulidade aos 3º e 4º Réus a Autora não pode reaver a sua metade relativamente à mesma.
Discordamos contudo.
Está decidido com força de caso julgado que as fracções autónomas eram bem comum do casal.
Procede a acção quanto à nulidade das vendas feitas entre os 1º e 2º Réus.
De acordo com o disposto no artº 282º do C.Civ. a nulidade teria por consequência a devolução de tudo quanto se prestou, o que neste caso se reconduziria à restituição das fracções autónomas ao património comum.
Contudo, por força da inoponibilidade da nulidade aos 3º e 4º Réus, a fracção autónoma B7 não pode reingressar ao património comum dos cônjuges.
Logo, o património comum do casal ficou empobrecido pelo valor desta fracção autónoma.
Os 1º e 2º Réus estão obrigados a reparar a situação criada, pelo que, de acordo com o disposto no artº 556º e 560º do C.Civ., não sendo possível a restituição da fracção autónoma, impõe-se repor o seu valor em dinheiro.
De acordo com o disposto no artº 558º do C.Civ. o tribunal deve atender aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Ora, no caso em apreço começa por se concluir que a fracção é bem comum do casal, que a venda feita da fracção autónoma é nula e que a mesma foi depois vendida de forma que veio a ter eficácia pelo valor de MOP8.034.000,00.
Ou seja, o acto pelo qual a fracção autónoma sai definitivamente do património comum é a venda aos 3º Réus por aquele valor.
Atente-se que por força da nulidade da venda entre os 1º e 2º Réu, sendo que aquele nunca teve intenção de vender nem este de comprar, esta venda aos 3º Réus na prática é como se fosse feita pelo 1º Réu para retirar o bem do património comum.
Logo, o benefício que a Autora deixou de receber corresponde a metade do valor pelo qual a fracção autónoma foi vendida aos 3º Réus ou seja MOP4.017.000,00 como é pedido em H.
Destarte deve ser concedido provimento ao recurso da Autora e negado provimento ao recurso do 1º Réu quanto ao valor da indemnização.

Do recurso do 1º Réu quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros.

Pelos fundamentos dela constantes e que nos dispensamos de aqui reproduzir com base no disposto nos artº 793º nº 1, 794º nº 1 e 795º nº 1 todos do C.Civ. entendeu-se que os juros eram devidos desde que os Réus foram interpelados para cumprir o que no caso em apreço corresponde à data da citação que se entendeu ser 22.09.2016.
Recorrendo a Acórdão de uniformização de jurisprudência quanto a indemnização pecuniária por facto ilícito, pretende o 1º Réu que os juros sejam devidos apenas da data em que foi proferida sentença.
Contudo, a jurisprudência uniforme não se aplica “in casu” uma vez que a indemnização não decorre de facto ilícito.
Pelo que se mostra certa a decisão recorrida quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros.

III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
1. Concedendo-se provimento parcial ao recurso interposto pelo 1º Réu, mantém-se, contudo, a decisão recorrida em 3, 4 e 5 mas por fundamento diverso – nulidade decorrente da simulação - daquele com base no qual ali se decidiu;
2. Concede-se provimento ao recurso da Autora e em consequência revoga-se a sentença recorrida quanto ao valor fixado em 9 condenando-se os 1º e 2º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP4.017.000,00, mantendo-se em tudo o mais o decidido quanto a juros.
3. Nega-se provimento em tudo o mais ao recurso do 1º Réu.

Custas a cargo do 1º Réu quanto a todos os recursos.

Registe e Notifique.

RAEM, 14 de Janeiro de 2021
Rui Pereira Ribeiro
Fong Man Chong


              Para mim, é de manter o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de que são nulos os negócios de compra e venda que têm por objecto a transmissão dos dois imóveis em causa celebrados entre o recorrente e o 1º réu em 12SET2012. Pois, a circunstância da não regulação específica das consequências jurídicas da alienação dos bens comuns do casal por um dos cônjuges sem consentimento do outro na lei chinesa não é impeditiva, antes justificativa a aplicação da regra geral estatuída no disposto do artº 58º(4) das Regras Civis da RPC de 1986, à luz da qual são nulos os negócios que ofendam interesses de terceiros, uma vez que a regra geral se deve aplicar a todas as situações não especificadamente reguladas.
Aliás, a não regulação específica das consequências jurídicas da alienação dos bens comuns do casal por um dos cônjuges sem consentimento do outro na lei chinesa deve ser entendida no sentido de que o legislador não quis fazê-lo e optou por decidir invalidar a este tipo de negócios celebrados por quem não tem legitimidade substantiva de acordo e nos termos da lei geral.
Quanto ao resto do Acórdão, subscrevo tudo quanto que não colida com esse meu entendimento.
Lai Kin Hong
1 Na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, foi suscitado o problema de os Réus D e E terem sido ora designados por 3º e 4º Réus ora por 3ºs Réus, tendo a partir daí sido uniformizado a designação por 3ºs Réus. Por isso, na análise que se segue, esses Réus serão designados por 3ºs Réus.
2 Na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, foi suscitado o problema de o Réu Banco X, S.A. ter sido ora designado por 5º Réu ora por 4º Réu, tendo a partir daí sido uniformizado a designação por 4º Réu. Por isso, na análise que se segue, esse Réu será designado por 4º Réu.

3 中華人民共和國民法通則》(一九八六年四月十二日第六屆全國人民代表大會第四次會議通過) 中華人民共和國主席令第三十七號。
4 Para além de que, as Regras Civis da Republica Popular da China não regulam concretamente as relações entre os cônjuges quanto aos regimes de bens, pelo que a sua aplicação nunca poderia resultar do artº 51º do C.Civ..
5 Entende-se não haver que ouvir as partes sobre esta matéria uma vez que já tiveram oportunidade de sobre ela se pronunciarem no decurso da instrução e discussão da causa em sede de primeira instância.
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451/2020 CÍVEL 3