Processo nº 988/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 14 de Janeiro de 2021
Recorrente: A
Recorrida: B, S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
B S.A.,
Pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de MOP283.297,10 acrescida dos juros legais até integral e efectivo pagamento.
Proferida sentença, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de MOP192.360,55 sendo:
- MOP$61,800.00, a título de subsídio de efectividade;
- MOP$46,350.00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
- MOP$27,560.55, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado;
- MOP$46,865.00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo e pela compensação de descanso compensatório não gozado; e
- MOP$9,785.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado,
acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
Não se conformando com a decisão proferida na parte relativa à condenação da Ré no pagamento da compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriado obrigatório, uma vez que a forma de cálculo usada se distancia da que tem vindo a ser usada por este Tribunal de Segunda Instância, vem o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância.
2. Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Ré numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial.
3. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
4. Salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas no valor do salário em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado.
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2).
7. De onde, resultando provado que entre 30/07/2005 a 31/12/2008 (descontados os períodos de férias anuais e de dispensas ao trabalho) o Autor prestou para a Ré 1150 dias de trabalho efectivo – que corresponde a 164 dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal – deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$84.460,00 a título do dobro do salário – e não só apenas de MOP$42.230,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Ao que acresce que,
8. Contrariamente ao concluído pelo douto Tribunal a quo, a leitura do disposto no n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008 deixa ver que o gozo do período de descanso (apenas) pode deixar de ter frequência semanal (leia-se, em cada período de sete dias) sempre que exista: 1) acordo entre as partes; ou, ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável.
9. Salvo melhor opinião, nenhuma das referidas condições terá sido alegada e/ou provada pela Ré no decorrer dos presentes autos, nem a(s) mesma(s) terão resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento, razão pela qual em caso algum poderia o Tribunal a quo ter concluído que: “(…) Relativamente ao período entre 01/01/2009 a 31/07/2010, tendo em conta que a lei admite a concessão do descanso em cada 8º dia como descanso semanal nos termos do art. 42º, n.º 2 da Lei n. 7/2008, o Autor já gozou 67 dias (538 dias/8) de descanso semanal e não gozou 9 dias (538/7 – 533/8) de descanso semanal nem os mesmos dias de descanso compensatório durante o mesmo período.”
10. De onde, em face da matéria de facto alegada e provada, deveria o Tribunal de Primeira Instância ter antes concluído que: Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 o Autor prestou 76 dias de trabalho em dia de descanso semanal (correspondente a 538 dias/7) e que não gozou de igual número de dias de descanso compensatório.
11. Em conformidade, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$39.140,00 – correspondente a (HKD$7.500,00 / 30 dias x 1.03 x (538 dias/7 x 2)) e não só de apenas MOP$4.635,00 – correspondente a [(HKD$7.500,00 / 30 dias x 1.03 x (538 dias / 7) – (538 dias / 8)] x 2) – conforme resulta da decisão recorrida, o que desde já se requer.
12. A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, razão pela qual, nesta parte, deve a douta Decisão recorrida ser julgado nula e substituída por outra, que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia supra formulada, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Depois,
13. Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração.
14. Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância – nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” – o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal – e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base.
15. Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 19 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$14.677,50 a título do triplo do salário – e não só apenas de MOP$9.785,00, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se requer.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual formuladas pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriado obrigatório, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita às fórmulas de cálculo seguidas pela douta decisão recorrida quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia de feriado obrigatório remunerado, por entender que, nesse particular, a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
II. Com o mui devido respeito, neste particular, nada há nada a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e bem assim do disposto no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
III. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios remunerados à luz do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril nada há a apontar à Decisão Recorrida, que mais não é do que a fórmula que é sufragada pelo Tribunal de Última Instância.
IV. Nos termos do preceituado no artigo 17º, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
V. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
VI. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da Lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
VII. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
VIII. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
IX. Coloca ainda o Recorrente em crise a sentença na parte em que condenou a Ré ora Recorrida a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP4.635,00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) no período que decorreu entre 01/01/2009 a 31/07/2010 à luz da Lei n.º 7/2008, por entender que com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008, a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar uma compensação no valor de MOP39.140,00 e não apenas MOP4.635,00.
X. Uma vez que o Tribunal a quo só poderia aplicar aos presentes autos o disposto no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, se a Recorrida tivesse feito prova do preenchimento de uma da(s) duas condições constantes do referido preceito legal: isto é, desde que tivesse existido: i) acordo entre as partes; ou ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável e que nenhuma das referidas condições terá sido efectivamente demonstrada pela Recorrida no decorrer dos presentes autos nem nenhuma das mesmas condições terá resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento.
XI. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória – actividade de Casino e de laboração continua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Requerente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino, pelo que não haveria necessidade de fazer mais qualquer outra prova nos autos.
XII. E quanto aos dias de descanso semanal, não corresponde à verdade o alegado pelo Recorrente, pois bem sabe o Recorrente que não ficou provado que entre 01/01/2009 e 31/07/2010 o mesmo tivesse prestado 76 dias de trabalho em dias de descanso semanal, tendo ficado provado que “Entre 31/07/2005 a 31/07/2010, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (18), a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (…)”.
XIII. Como também o Recorrente alega no artigo 9º do seu petitório “gozou de um dia de dispensa remunerado em cada oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo, nomeadamente 32 dias em 2006, 46 dias em 2007, 46 dias em 2008, 46 dias em 2009 e 28 dias em 2010”.
XIV. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho remunerado em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente em 9 dias de trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 01/01/2009 e 31/07/2009 acrescido de 9 dias de descanso compensatório não gozado, não poderia ter sido calculado de modo diferente.
XV. No que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 em 01/01/2009, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
XVI. Sendo que, nos termos do art.º 43º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo diploma que: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (…) 3) A prestação do trabalho seja indispensável para garantira a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e o direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 3. Para efeitos das alíneas 1) e 2) do número anterior, a opção por um dia de remuneração de base a auferir ou por um dia de descanso compensatório a gozar pelo trabalhador e a selecção do dia concreto desse descanso compensatório são feitas por acordo entre o empregador e o trabalhador e, na falta de acordo, fixadas pelo empregador, tendo em conta as exigências de funcionamento da empresa. (…) 5. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal».
XVII. No caso dos autos, como no período que decorreu entre 01/01/2009 a 31/07/2010, o Autor gozou 67 dias de descanso semanal (538 dias/8) mas deveria ter gozado 76 dias de descanso semanal (538 dias/7), apenas terá direito a ser compensado por 9 dias de remuneração de base acrescida de 9 dia de descanso compensatório não gozado durante o mesmo período, o que perfaz a quantia de MOP4.635,00 {HK$7.500,00/30 dias x 1.03 x [(538 dias/7)-(538 dias/8)] x 2}.
XVIII. Assim e face ao supra exposto, bem andou o douto Tribunal a quo ao atribuir ao Recorrente apenas uma compensação de MOP4.635,00.
XIX. Do mesmo modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito a uma compensação equivalente ao dobro desse salário e não ao triplo, como pretende o Recorrente.
XX. Aliás, neste sentido vai o Venerando Tribunal de Última Instância nas decisões proferidas nos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007, para cuja fundamentação se remete e de onde resulta claramente que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição.
XXI. O Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, pelo que o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório.
XXII. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade1:
1. Entre 30/07/2005 a 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. O Autor foi recrutado pela Sociedade C – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (Cfr. fls. 19 a 25, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (B)
3. O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (C)
4. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (D)
5. Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (E)
6. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (F)
7. Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré.(1)
8. Mais, era a Ré que fixava o local e o horário de trabalho do Autor de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2)
9. Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob ordem e instrução da Ré. (3)
10. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 11/1/2006 e 12/1/2006 (2dias), entre 11/5/2006 e 12/5/2006 (2 dias), entre 1/8/2006 e 24/8/2006 (24 dias), entre 11/1/2007 e 12/01/2007 (2 dias), entre 11/2/2007 e 12/2/2007 (2 dias), entre 5/7/2007 e 4/8/2007 (31 dais), entre 1/7/2008 e 26/7/2008 (26 dias), entre 4/7/2009 e 28/7/2009 (25 dias) e entre 19/10/2009 e 20/10/2009 (2 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4, 6 e 7)
11. Entre 31/07/2005 e 31/07/2010, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º. (5, 21, 25 e 26)
12. Entre 30/07/2005 a 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8)
13. Entre 31/07/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º,6º e 7º. (9)
14. Entre 31/07/2005 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (10)
15. Desde o início da prestação de trabalho até 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (11)
16. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (12)
17. Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (13)
18. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (14)
19. Entre 31/07/2005 e 31/07/2010, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º,6º e 7º. (15)
20. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (16)
21. A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (17)
22. Entre 31/07/2005 a 31/07/2010, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (18)
23. A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (19, 24 e 28)
24. Entre 31/07/2005 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (20)
25. Entre 31/07/2005 a 31/07/2010 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (22 e 27)
26. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (23)
27. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (29)
2. DO DIREITO
O objecto do presente recurso versa sobre três questões distintas:
1. Cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal até 31.12.2008;
2. Cálculo da indemnização devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal entre 01.01.2009 e 31.07.2010.
3. Cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório até 31.12.2008;
Vejamos então.
1. Cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal até 31.12.2008;
Sobre esta questão na decisão recorrida diz-se o seguinte:
«Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Por sua vez, entende a Ré que já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).(fim de citação)».
Nesta parte a sentença recorrida seguiu o entendimento de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal era remunerado pelo dobro, considerando que a aplicação do factor de multiplicação 2 inclui a remuneração normal devida por esse dia, pelo que, tendo o Autor/Recorrente sido pago por esse dia e tendo trabalhado em dia de descanso semanal, havia apenas que receber mais o valor correspondente a um dia de trabalho.
Contudo, não tem sido esse o entendimento sufragado por este Tribunal de Segunda Instância.
Consagra o artº 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, na redacção introduzida pelo nº 32/90/M o seguinte:
«Artigo 17º
(Descanso semanal)
1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.».
A questão que se coloca consiste em saber se quando a lei fala em “dobro da retribuição normal” está a pensar apenas em o trabalho ser pago pela retribuição normal que seria devida pelo dia de descanso acrescida do equivalente à remuneração devida por mais um dia, ou se se pretende dizer que o “trabalho” prestado em dia de descanso semanal é pago com a retribuição equivalente ao dobro do que aquilo que seria devido por um dia de trabalho normal, sem prejuízo do trabalhador continuar a ter direito a receber o valor que já era devido por esse dia em que devia ter descansado.
Tem vindo a ser entendimento deste tribunal que a remuneração devida é igual ao dobro da remuneração normal., sem descontar o valor que é pago ao trabalhador por esse dia ainda que não trabalhasse.
A respeito de descanso semanal referem José Bento da Silva e Miguel Quental, em Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, 2006, que: «As razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).
A fixação do período de descanso semanal, nos termos do nº 2 do art. 17º, cabe ao empregador, e deve ser realizado (fixado) “com devida antecedência de acordo com as exigências de funcionamento da empresa”. Assim, e embora seja a entidade patronal quem tem o poder para determinar o dia de descanso semanal dos seus trabalhadores, tal fixação está, no entanto, subordinada às exigências de funcionamento da empresa. O que se compreende, atendendo a que no Território o normal é as empresas funcionarem todos os dias, inexistindo um dia de paralisação da actividade, logo torna-se necessário escalonar os dias de descanso semanal dos trabalhadores por forma a que a empresa se possa manter em funcionamento todos os dias da semana.
Como se referiu, a lei determina que o descanso semanal deve ser fixado com a “devida antecedência”: quer isto dizer que a entidade patronal deve avisar o trabalhador do seu dia de descanso com a antecedência suficiente, para que este possa organizar a sua vida de modo a poder usufruir efectivamente de todos os benefícios relacionados com o dia de descanso.».
O trabalho prestado em dia de descanso semanal reveste carácter excepcional, ainda que seja voluntariamente prestado, sendo as normas respectivas de carácter imperativo.
O trabalhador tem sempre o direito a receber a remuneração correspondente ao dia de descanso nos termos do artº 26º nº 1 do Decreto-Lei 24/89/M.
Destarte, tem este tribunal vindo a entender que quando na al. a) do nº 6 do artº 17º do indicado diploma legal se diz que “o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago (…) pelo dobro” se está a consagrar o valor remuneratório do trabalho efectivamente prestado e indisponibilidade de gozar o dia de descanso semanal, independentemente e para além da remuneração desse dia à qual o trabalhador, como já se referiu, sempre teria direito.
Em igual sentido se disse no Acórdão deste tribunal de 27.02.2020 proferido no processo 1247/2019: «Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de um dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X nº de dias devidos e não gozados X 2.».
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações e sendo esta a Jurisprudência consagrada de forma unânime nos Acórdãos proferidos por este tribunal, impõe-se decidir em conformidade, revogando a decisão recorrida nesta parte e substituindo-a por outra que respeite a indicada forma de cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Da factualidade apurada resulta que o salário mensal do Autor era de HKD7.500,00 (5) e na sentença sob recurso considerou-se que o Autor trabalhou 164 (1150/7) dias de descanso semanal até 31.12.2008, pelo que, lhe é devida a remuneração igual a HKD82.000,00 (HKD7.500,00:30x2x164), equivalente a MOP84.460,002.
2. Cálculo da indemnização devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal entre 01.01.2009 e 31.07.2010.
Sobre esta questão na decisão recorrida diz-se o seguinte:
«Com a entrada em vigor da Lei n. 7/2008, o legislador deixou de exigir, porém, o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas3.
Ao invés, prevê-se no seu art. 42º, n. 2º, “2. O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.”
Por outro lado, dispõe o art. 43º, n. 1º, 2º e 4º do mesmo diploma que, “1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando:…2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;…4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;...”
No caso vertente, relativamente ao período entre 30/7/2005 a 31/12/2008, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de dispensas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal já recebido, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados. Relativamente ao período entre 01/01/2009 a 31/07/2010, tendo em conta que a lei admite a concessão do descanso em cada 8º dia como descanso semanal nos termos do art. 42º, n. 2º da Lei n. 7/2008, o Autor já gozou 67 dias (538 dias/8) de descanso semanal e não gozou 9 dias (538 dias/7 - 538 dias/8) de descanso semanal nem os mesmos dias de descanso compensatório durante o mesmo período, tem direito de receber um acréscimo dum dia de remuneração de base mais um outro dia de remuneração de base a título de compensações pelo dia de descanso compensatório não gozado.
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$46,865.00 {HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (1150 dias / 7) + HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X [(538 dias / 7) - (538 dias / 8)] X 2}.».(fim de citação)
Sobre esta matéria versam as conclusões de recurso 8 a 12.
Nas conclusões 8 e 9 alude-se que não foi feita prova de uma das duas condições referidas no nº 2 do artº 42º da Lei nº 7/2008, isto é, o “acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável”.
Contudo, esta alegação é no caso irrelevante, uma vez que nem era questão suscitada na p.i. nem é invocado este argumento na sentença recorrida.
A solução do pedido de remuneração pelos dias de descanso semanal não gozados resulta da conjugação da matéria de facto constante das alíneas 10), 11) e 23) a 26) da factualidade da sentença.
Por facilidade de análise aqui reproduzimos mais uma vez o que consta destas alíneas:
«10. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 11/1/2006 e 12/1/2006 (2dias), entre 11/5/2006 e 12/5/2006 (2 dias), entre 1/8/2006 e 24/8/2006 (24 dias), entre 11/1/2007 e 12/01/2007 (2 dias), entre 11/2/2007 e 12/2/2007 (2 dias), entre 5/7/2007 e 4/8/2007 (31 dais), entre 1/7/2008 e 26/7/2008 (26 dias), entre 4/7/2009 e 28/7/2009 (25 dias) e entre 19/10/2009 e 20/10/2009 (2 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4, 6 e 7)
11. Entre 31/07/2005 e 31/07/2010, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 7º. (5, 21, 25 e 26)
23. A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (19, 24 e 28)
24. Entre 31/07/2005 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (20)
25. Entre 31/07/2005 a 31/07/2010 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (22 e 27)
26. Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (23)».
Segundo o que conta da alínea 26) entre 01.01.2009 e 31.07.2010 o Autor nunca gozou o período de descanso de 24 horas em cada sete dias, salvo nos dias em que esteve ausente de Macau.
Face ao que consta da sentença e da 10ª conclusão de recurso é aceite que neste período o Autor trabalhou 538 dias, pelo que dividindo este número por 7 teria direito a gozar 76 dias de descanso semanal.
Na sentença com base na matéria provada na alínea 23) considerou-se que o Autor gozou 67 dias de descanso ao oitavo dia (538:8). Pelo que se concluiu que tinha a receber a compensação devida por 9 dias de descanso semanal não gozados.
Tendo-se provado nestes autos - alínea 10 da factualidade apurada - que o Autor gozou o dia de compensação ao oitavo dia e não invocando o Autor na p.i. que não ocorriam as situações previstas no nº 2 do artº 42º da Lei 7/2008, bem andou o Tribunal a quo em considerar os dias de descanso gozados (uma vez que estes constam da matéria de facto provada).
Assim sendo não enferma a decisão recorrida do erro que lhe é apontado nas conclusões de recurso quanto a esta matéria, sendo de negar provimento ao mesmo nesta parte.
3. Cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório até 31.12.2008;
Sobre esta questão na decisão recorrida diz-se o seguinte:
«Além das compensações acima peticionadas, o Autor reclama também as referentes ao trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório remunerado. Nos termos do art. 19º, n. 3º do DL nº 24/89/M, “3. Os trabalhadores … têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro”. E nos termos do art. 20º do mesmo diploma, “1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no n.º 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:...”
Assim, segundo os factos provados, tem o Autor direito de receber contra a Ré, a título de compensações pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, a remuneração em singelo já paga, acrescida do dobro dessa remuneração, com o montante de MOP$9,785.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 19 dias X 2), relativamente ao número dos dias de feriado obrigatório remunerado em que o Autor prestou trabalho até 31/12/2008. (fim de citação)».
Quanto ao trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, tem este tribunal entendido que:
«2. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios;
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferirMOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.”– vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).» - Cit Acórdão do TSI proferido no Procº 681/2018 -.
Da factualidade apurada resulta que o salário mensal do Autor era de HKD7.500,00 (5) e na sentença sob recurso considerou-se que o Autor trabalhou 19 dias de feriado obrigatório, pelo que, lhe é devida a remuneração igual a HKD14.250,00 (HKD7.500,00:30x3x19), equivalente a MOP14.677,50.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos decide-se em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença recorrida na parte respeitante à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriado obrigatório até 2008, condenando a Ré por essa razão a pagar ao Autor o montante de MOP99.137,50 (MOP84.460,00 + MOP14.677,50) acrescida dos juros moratórios fixados nos termos daquela decisão a qual em tudo o mais se mantém.
Custas pelos Autor/Recorrente e Ré/Recorrida, na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
RAEM, 14 de Janeiro de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Tong Hio Fong (Vencido quanto à fórmula adoptada no cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do n.º 6 do artigo 17.º do DL n.º 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador tinha sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, se recebesse um acréscimo de dois dias de salário, mais o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tinha direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Quanto à fórmula adoptada no cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, prevê o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M que, prestando trabalho em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Tendo o Autor recebido, durante a manutenção da relação laboral, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo as fórmulas adoptadas pelo Tribunal recorrido para cálculo das compensações do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado obrigatório, devendo negar-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.)
1 A numeração é indicada por nós para facilidade de referência.
2 Pela aplicação do factor 1,03.
3 Miguel Quental, Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2012, nota 275 e 276.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
988/2020 CÍVEL 30