Processo nº 1081/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 21 de Janeiro de 2021
Recorrente: A, S.A.
Recorrido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
A S.A., também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação desta a pagar ao Autor a quantia de MOP64.890,00 pela prestação de trabalho ao sétimo dia de trabalho consecutivo em cada semana, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Citada a Ré na sua contestação veio invocar a excepção do caso julgado.
O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção invocada.
Proferido despacho saneador veio a invocada excepção a ser julgada improcedente.
Não se conformando com a decisão proferida quanto à excepção do caso julgado vem a Ré interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador de fls. 118 e ss nos termos do qual o tribunal a quo entendeu não se verificar a excepção do caso julgado, por não se ter verificado cumulativamente a tríplice identidade entre a acção antiga e a presente, sustentando que não existe nem identidade do pedido nem a da causa de pedir, porquanto na acção anterior se pediu e se julgou o trabalho prestado em cada período de sete dias com o período diferente que na presente acção se alega e pede.
II. Em 28.11.2019 o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação desta ao pagamento de uma indemnização global de MOP$64.890.00 a título de trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, alegando para tanto, entre outros factos, que entre 22/07/2003 a 31/07/2011 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando as funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente.
III. Em outro processo, que correu termos no mesmo Juízo Laboral sob nº LB1-18-0194-LAC o Autor alegou que trabalhou para a Ré entre 22/07/2003 a 31/07/2011, sendo que, neste processo a Ré foi-condenada a pagar uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, em virtude da aludida relação laboral.
IV. Em face da identidade de pretensões a aqui Recorrente invocou nos presentes autos a existência de caso julgado, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada excepção por entender que apesar do Autor vir peticionar os mesmos créditos, o período é diferente.
V. Está a Recorrente em crer, com todo o devido respeito, que não assiste razão à decisão recorrida.
VI. O art.º 416º do Código do Processo Civil (CPC), que: As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição da causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
VII. O artigo 417º do Código do Processo Civil (CPC), que: 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.
VIII. O artigo 574º nº 1 CPC relativamente ao valor da sentença transitada em julgado dispõe que, Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 416º e ss (...).
IX. Segundo a noção dada por Manuel de Andrade (In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304), o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) - quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»
X. Para o aludido Mestre o instituto do caso julgado assenta, por um lado, no prestígio dos tribunais - que ficaria altamente comprometido se a mesma situação concreta uma vez definida em determinado sentido pudesse ser validamente decidida em sentido diferente - e, por outro lado, numa razão de certeza e segurança jurídica - já que sem o caso julgado acabaríamos perante uma situação de instabilidade jurídica.
XI. Conforme o mesmo sabiamente ensina, «O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (...) a sentença (...) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado (...) Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça - a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança - a paz social (Schônke)»
XII. Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes. Uma vertente negativa, reconduzida à excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura e uma positiva designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
XIII. Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 417.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir, já quanto à autoridade de caso julgado, apesar de divergências doutrinárias, parece ser maioritariamente aceite que não se requer aquela tríplice identidade.
XIV. Segundo Lebre de Freitas (in Código Civil Anotado Vol 2) «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito (...)» ao passo que «a autoridade do caso julgado tem (...) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»
XV. No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss”), ensina que “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
XVI. O caso julgado, em qualquer uma das suas vertentes implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior obstando que a relação jurídica venha a ser contemplada de novo de forma diversa.
XVII. Nos presentes autos vem o Autor alegar que, de 22/07/2003 a 31/07/2011 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando as funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente, peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$64.890.00 a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
XVIII. No processo LB1-18-0194-LAC alegou que: Entre 22/07/2003 a 31/07/2011 o Autor esteve ao serviço da Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente, peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$136,990.00, a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, tendo a Recorrente sido condenada a pagar a quantia global de MOP$127,720.00.
XIX. É nítido que os princípios de certeza e segurança jurídica e até mesmo pelo prestígio dos tribunais impõem que a mesma situação concreta já julgada não venha novamente a ser decidida, mostrando-se preenchidos os requisitos para a invocada excepção de caso julgado.
XX. Em qualquer uma das duas acções Autor e Réu são os mesmos, o pedido, ainda que quantitativamente diferente, é idêntico em face da coincidência dos efeitos jurídicos pretendidos na presente acção e na acção que correu termos sob nº LB1-18-0194-LAC, cumprindo não perder de vista que a lei não impõe que haja coincidência do ponto de vista quantitativo para que se mostre preenchido este requisito, também é idêntica a causa de pedir porquanto a pretensão deduzida em qualquer um dos processos procede do mesmo facto jurídico, qual seja, a relação laboral outrora estabelecida entre as partes.
XXI. O Autor, no processo já transitado em julgado LB1-18-0194-LAC, assume que trabalhou para a Autora até ao dia 31/07/2011, no entanto, pede uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias até 31/12/2008.
XXII. A questão é, se o Autor, tendo pleno conhecimento dos factos e estando na posse de todos os elementos necessários, intenta uma acção laboral que tem como fundamento a relação de trabalho, já extinta, com a sua antiga entidade patronal, alegando os factos que consubstanciam a causa de pedir e os pedidos que considera lhe serem devidos, com o intuito de receber todas as quantias que alegadamente não lhe foram pagas, não pode, depois da referida decisão transitar em julgado, propor nova acção com a mesma causa de pedir, entre as mesmas partes, pretendendo receber outras quantias que alegadamente terá deixado de fora na acção judicial já julgada, sob pena de violação dos Princípios de boa-fé, lealdade e de economia processual.
XXIII. Portanto, se em duas acções laborais, o Autor e o Réu são os mesmos, a causa de pedir é o extinto contrato de trabalho que ligava as partes, e o efeito jurídico que o Autor pretende obter é o pagamento de quantias pecuniárias, em razão da extinta relação laboral, existe então uma repetição de causas, independentemente da designação que o Autor resolva atribuir a cada uma das parcelas que reclama.
XXIV. O objectivo do Autor, é obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, mais dinheiro do que aquele que lhe foi pago em razão dos mesmos factos jurídicos.
XXV. Tendo a Ré sido condenada numa primeira acção laboral ao pagamento de uma indemnização a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, e tendo tal decisão já transitado em julgado, constitui por isso, caso julgado entre as partes, aqui Recorrente e Recorrida, não podendo agora voltar a ser objecto de apreciação pelo mesmo Tribunal Judicial de Base.
XXVI. Entendemos assim que a decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 413, alínea j), 416.º, 417.º, 574.º n.º 1, 576.º, todos do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT, bem como o Principio do Caso Julgado.
XXVII. É que, como se viu, a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita estendendo-se à decisão de questões preliminares que foram antecedente lógico e indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
XXVIII. Nas palavras de Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil pag.579) «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
XXIX. Ao Autor competia alegar os factos constitutivos da relação laboral que estabeleceu com a Ré com base na qual delineou os seus pedidos e ao fazê-lo foi claro ao invocar no processo LB1-18-0194-LAC que “entre 22/07/2003 a 31/07/2011” o Autor esteve ao serviço da aqui Ré e que dentro deste período, houve um no qual não lhe terão sido pagas determinadas quantias.
XXX. O Autor, teve a oportunidade, no processo LB1-18-0194-LAC de peticionar o que faz nos presentes autos, pois tinha todos os elementos à sua disposição, os mesmo que tinha aquando da apresentação da presenta acção, mas não o fez.
XXXI. Se cometeu um erro foi por culpa sua tendo aqui plena aplicação a máxima latina sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit [Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar - in Codex lustiniani 4.29.22.1]
XXXII. O facto de o Autor ter cometido um lapso - como discretamente procura invocar em nota de rodapé do seu articulado inicial- não retira a autoridade ao caso julgado.
XXXIII. Aliás. o douto Tribunal da Segunda instância já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica no acórdão no processo 314/2019 de 11 de Julho, tendo concluído que há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menso ao nível quantitativo. E, houve já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal. É do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42.º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pode. Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por dias totais de descanso semanal não gozados, referente a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois da cessação da relação laboral, pedir apenas, parte desses dias não gozados, não pode agora, nesta segunda acção, vir pedir a restante parte dos dias de descanso semanal não gozados, por a mesma questão já ter sido decidida por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir a mesma questão. Não agindo dessa maneira, o Tribunal a quo, ao conhecer do mérito, violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.
XXXIV. Em face da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e em obediência à autoridade do caso julgado o Tribunal a quo não poderia senão ter julgado procedente a invocada excepção e em consequência absolver a aqui Ré da presente instância.
XXXV. Ao decidir de modo diverso a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 416º, 417º e 574º do CPC ex vi artigo 1º do CPT, devendo ser revogada e substituída por outra que julgando procedente a invocada excepção absolva a Ré e aqui Recorrida da presente instância.
Contra-alegando veio o Recorrido pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
i) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, em caso algum se pode concluir que o Despacho em crise enferme de qualquer erro e/ou vício, tendo antes apreciado a excepção - de caso julgado - invocada com rigor e certeza jurídica, razão pela qual o mesmo não merece um qualquer juízo de censura;
ii) Em concreto - conforme a própria Recorrente bem o afirma ao longo das suas Alegações de Recurso - os “pedidos” formulados pelo Autor nos presentes autos são temporalmente distintos dos formulados anteriormente e, em grande parte, tendo como pano de fundo (leia-se, como fundamentação de Direito) a Lei n.º 7/2008 e já não o Decreto-Lei n.º 24/89/M, diploma que serviu de base ao processo anterior;
iii) Trata-se, pois, de matéria de facto e de direito nova e não alegada e/ou apreciada anteriormente pelo Tribunal a quo;
Depois,
iv) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a autoridade de caso julgado apenas pode ser admitida em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas nos termos e limites precisos em que julga;
v) O mesmo é dizer que “a autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”;
Acresce que,
vi) Distintamente do afirmado pela Recorrente, é entendimento pacífico que: “O autor não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta, o que está de acordo com o princípio do dispositivo (...)” e, deste modo, “(...) ao contrário do que sucede com o réu (que deve concentrar toda a defesa na contestação (...), quanto ao autor tal não ocorre, visto que não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta;
vii) Especificamente no campo laboral não existe qualquer regime especial da obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos, pelo que o Recorrido não estava “obrigado” a formular todos os pedidos contra a Recorrente no momento da propositura da acção em juízo;
Seja como for,
viii) In casu, enquanto no processo anterior estava em causa a apreciação dos créditos laborais devidos pela Recorrente ao Recorrido e temporalmente delimitados entre o início da relação de trabalho e 31/12/2008, nos presentes autos está em causa a apreciação e análise dos créditos formados e vencidos entre 01/01/2009 a 31/07/2011, à luz da Lei n.º 7/2008;
ix) Resulta, pois, claro que os pedidos de ambas as ações são diferentes e assentam em causas de pedir igualmente distintas;
x) Do mesmo modo, as questões formuladas nas duas acções são jurídica e temporalmente distintas, sendo igualmente diferente o efeito jurídico que em ambas as acções se pretende obter e tutelar e bem assim o concreto facto jurídico em que assentam as pretensões para as quais se pede a tutela jurisdicional;
Acresce ainda que,
xi) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não vislumbra em que medida é que a decisão a proferir nos presentes autos possa vir a contradizer ou a reproduzir a decisão anteriormente proferida, sabido que as questões submetidas à apreciação e decisão nos presentes autos nunca foram objeto de qualquer pronunciamento e análise por parte do mesmo órgão decisor;
xii) Em concreto, a causa de pedir dos presentes autos não foi objecto da primeira acção, nem podia ter sido, pela simples razão de que não foram alegados os respectivos factos nem as suas respectivas razões de direito, conforme resulta com clarividência da respectiva Sentença que delimitou e concretizou as quantias a pagar pela Ré ao Autor, tendo por base os pedidos concretamente formulados. Só assim não teria sido acaso a primeira decisão tivesse condenado a Ré em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido pelo Autor, o que manifestamente não ocorreu;
xiii) Em momento nenhum nos autos precedentes se discutiu ou sequer se alegou os créditos do autor à luz da Lei n.º 7/2008 - Nova Lei das Relações de Trabalho, porquanto a sua análise se centrou em exclusivo na aplicação do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Tratam-se, pois, de pedidos e de causas de pedir novos e nunca apreciados anteriormente, pelo que a função do caso julgado não impede que, com base na decisão anteriormente proferida, se peticione um efeito processual não abrangido pela decisão proferida.
Por último,
xiv) Contrariamente ao que a Recorrente sugere, a situação apreciada pelo douto Tribunal ad quem no Acórdão n.º 314/2019 é substancialmente distinta da questão em apreciação nos presentes autos, desde logo porque nos referidos autos estava em apreciação créditos laborais que já haviam sido objecto de uma decisão anterior e relativamente a um mesmo período temporal, o que manifestamente se não verifica nos presentes autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
Excepção dilatória do caso julgado:
Vem a Ré arguir a excepção dilatória do caso julgado na medida em que o Autor já intentou outro processo contra a Ré sob o n.º LB1-18-0194-LAC e cuja causa de pedir é a mesma do que nos presentes autos.
O Autor, em sede de resposta, vem, resumidamente, invocar que o concreto pedido se revela completamente distinto do processo n.º LB1-18-0194-LAC, não se verificando o requisito da identidade de pedido da excepção do caso julgado.
Cumpre decidir.
De acordo com o artigo 416.º, n.º1 do CPC, as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
E o artigo 417.º do CPC dispõe os requisitos da litispendência e do caso julgado: 1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.
Quer dizer, apenas se depara uma situação de caso julgado se existir uma tríplice identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
De acordo com os documentos apresentados pela Ré, constantes de fls. 89 a 98 dos autos, o processo n.º LB1-18-0194-LAC já foi decidido por sentença.
Os sujeitos nos presentes autos são os mesmos daqueles que correram sob o processo n.º LB1-18-0194-LAC.
Conforme se retira da petição inicial, os presentes autos destinam-se a reclamar da Ré os créditos laborais pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal durante o período entre 01/01/2009 e 31/07/2011.
Sendo que, no processo n.º LB1-18-0194-LAC, os factos alegados e o pedido formulado pelo mesmo Autor foram expressamente delimitados ao período temporal que mediou entre 22/07/2003 a 31/12/2008.
Portanto, não há identidade de causa de pedir nem de pedido.
Julga-se totalmente improcedente a excepção dilatória do caso julgado invocada pela Ré.
Vejamos então.
Relativamente a situação idêntica à suscitada nestes autos foram já proferidos Acórdãos por este tribunal em 30.07.2020 no processo 583/2020, em 11.07.2019 no processo 314/2019 e em 22.10.2020 no processo 636/2020.
No acórdão de 11.07.2019 diz-se:
«Ora, salvo o melhor respeito, não nos parece andar certo quando o Tribunal a quo afirmou que não se verifica a excepção de caso julgado porque o pedido deste processo é a compensação por falta de marcação pela Ré dos dias de descanso compensatório.
A falta de marcação pela Ré dos dias de descanso compensatório em si não confere nenhum direito ao trabalhador, o que releva é saber se ele chegou ou não gozar de dias de descanso nas condições legalmente fixadas! Ou seja, o que importa é sempre o resultado, e não o procedimento!
No processo Nº LB1-12-0119-LAC, que deu origem ao recurso para o TSI, sob o nº 693/2014, cuja decisão foi proferida em 19/03/2015, com o seguinte teor:
“O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao Autor na quantia de MOP$519,629.55, com os juros de mora legais, a título de compensação dos dias de descanso semanal não gozados, com base no cálculo do salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano.
Salvo o devido respeito, não achamos que o Tribunal procedeu de forma correcta.
Vejamos.
Em primeiro lugar, nos termos acima expostos, concedemos provimento ao recurso interlocutório, no sentido de não admitir a formulação do novo pedido e a ampliação do pedido inicial.
A consequência do provimento daquele recurso implica que o Tribunal tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir – nº 1 do artº 564º do CPCM.
Ciente de que o nº 3 do artº 42º do CPT permite que o Tribunal pode e deve, no âmbito do processo laboral, condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.
Este poder/dever processual do Tribunal prende-se com a indisponibilidade dos créditos do trabalho, com vista a proteger os trabalhadores por ser a parte mais fraca em relação à entidade patronal na constância da relação laboral.
No entanto, tem sido consolidado na jurisprudência da RAEM, tanto do TSI como do TUI, o entendimento de que a indisponibilidade dos créditos do trabalho cessa com a extinção da relação laboral, a partir da qual o trabalhador fica livre de dispor os seus créditos resultantes do trabalho, na medida em que desapareceu já o factor determinante da sua protecção especial – a existência da relação laboral.
Isto significa que após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o tal poder/dever, tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, que é o caso.
Por outro lado, resulta da sentença recorrida que a Ré pagou ao Autor, ao longo da duração da relação laboral, os subsídios de alimentação e de efectividade, bem como as remunerações das horas extraordinárias acordadas.
Portanto, o rendimento anual do Autor incluía certamente os referidos pagamentos.
Essas remunerações não devem fazer parte integrante do salário diário para efeitos do cálculo da compensação dos dias de descanso semanal não gozados, na medida em que foi estipulado de forma expressa um salário diário próprio, aceite por ambas as partes, pelo que deve relevar esse salário diário para determinar o quantum da compensação dos dias de descanso semanal não gozados.
Segundo o mapa de apuramento constante da sentença recorrida, o número total dos dias de descanso semanal não gozados é de 687 dias.
No entanto, o Autor só pediu na petição inicial a compensação de 640 dias (artº 94º da p.i.).
Nesta conformidade, o Autor tem direito de receber a quantia de MOP$140.800,00, resultante da aplicação da seguinte fórmula: Nº de dias não gozados e pedidos X salário diário acordado X 2.”
Ora, nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 416º/2 e 417º do CPC, são 3 argumentos para revogar a decisão ora posta em crise:
1) – As Partes (Autor e Ré) são iguais entre o Processo nº 693/2014 do TSI e este;
2) – A causa de pedir é a mesma – está em causa sempre o período em que se mantinha a relação laboral entre o Autor e a Ré, ou seja, no período de 1994 a 2017!
3) – O pedido é idêntico (ou pelo menos, o direito de descanso semanal não gozado).
Mais, a questão levantada já foi objecto de tratamento específico no acórdão do Processo nº 693/2014, de 19/03/2015, nos termos acima citados.
Pelo que, seguido o raciocínio expendido no referido aresto, o demandante não pode “fraccionar” o seu pedido, mormente quando já cessou a relação laboral. Nestes termos, como a questão já foi decidida, formou-se nitidamente caso julgado.
Julga-se assim procedente a excepção de caso julgado (Processo nº 693/2014 do TSI) (artigo 413º/j) do CPC), absolvendo-se a Ré da instância e ficando o Tribunal impedido de conhecer do mérito (artigos 412º/2 e 413º/-j) do CPC).».
O caso julgado tem duas funções que a doutrina normalmente distingue entre o efeito positivo ou autoridade do caso julgado e efeito negativo ou excepção do caso julgado.
A primeira consiste na obrigatoriedade/autoridade da decisão transitada em julgado a qual tem de ser cumprida obedecida não só por todos os tribunais como também pelos sujeitos públicos ou privados, enquanto que a segunda visa impedir/obviar a que os tribunais sejam colocados na situação de ter de decidir duas vezes a mesma situação ou de proferirem decisões contraditórias entre si.
Acompanhando o Acórdão do STJ de Portugal de 12.05.2017 proferido no processo nº 1565/15.8T8VFR-A.P1S1, ali se diz:
«E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).
Nas palavras de CASTRO MENDES, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 36 e segs.).
Assim:
— A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos. 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.
E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
— A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.
A este propósito, sublinha TEIXEIRA DE SOUSA: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25).
E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).
Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excecionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção» (in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, p. 354).
Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:
— A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;
— A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida.
(Cfr. RODRIGUES BASTOS, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 60 e 61)
2.1.2. O caso julgado como exceção dilatória: da tríplice identidade exigível para a sua aferição
Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil).
E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).
Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide.
A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação, conforme infra (sob o ponto 2.1.3.2.) melhor se analisará.
Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.
E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter.
Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objeto da acção.
E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.
Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que «o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 576).
2.1.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado
Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objetivos e subjetivos (questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.
(…)
2.1.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito
Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância.
A relevância desse momento implica, então, a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. Ou seja: tal referência temporal do caso julgado consubstancia um momento preclusivo.
De extrema pertinência revelam-se, assim, os ensinamentos de CASTRO MENDES, que, a propósito do assinalado efeito preclusivo, afirma:
«Fora da hipótese de factos objetivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida “rebus sic stantibus” - cremos que os “contradireitos” que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura.
O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem.(…)»
E prossegue o mesmo Autor:
«A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.
Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.
A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objeto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu.
(…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.
(…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que "não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado". O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo “ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim”, tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo "princípio-irmão" do caso julgado material.
(…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. (…) Sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.»
E, depois de acentuar que o efeito preclusivo precede a própria prolação da sentença, uma vez que se verifica no momento em que ocorre a cominação ou preclusão processual que está na sua base, formula a seguinte conclusão:
«Com o trânsito em julgado da sentença, o efeito preclusivo dissolve-se porém no instituto geral do caso julgado, e traduz-se no afastamento de possíveis limites argumentativos do mesmo. Se o tribunal condena o réu a pagar 100, fica assente que o réu deve 100 ao autor; e a indiscutibilidade desta afirmação não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. Tal efeito apresenta-se portanto, segundo cremos, como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.» (In "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 178 e segs.)
Ressaltando do exposto que a preclusão, enquanto fenómeno processual, mostra correlatividade com um ónus processual, então, importará ainda ter presente que o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cfr. artigo 573º, nº 1 do Código de Processo Civil), isto é, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação - na sugestiva expressão de CASTRO MENDES, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177) -, pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, por razões de lealdade na litigância processual, a que subjazem, igualmente, razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram, mas poderiam ter sido, invocados.
Quanto à posição do Autor, CASTRO MENDES ensinava que «sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo» e que «… é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 179)
Sublinhando as consequências mais importantes do aludido princípio, esclarece MANUEL DE ANDRADE: «devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha» (in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 382).
No mesmo sentido, MIGUEL MESQUITA vem afirmar que «o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário ou uma decisão que desfira um golpe fatal no direito reconhecido pela precedente sentença» (in “Reconvenção e Excepção em Processo Civil”, p. 439).
E, afrontando a problemática da natureza do direito de reconvir, mais sustenta que o réu «necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito», ficando, assim, «inibido de propor uma contra-ação independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram», já que, proferida uma sentença favorável ao autor, a formação de caso julgado material, impede o réu de, através de uma nova ação, com base em factos anteriores, vir a afetar o teor da sentença antes proferida (in ob. cit., p. 429, 441 e 453).
Ademais, em matéria de efeitos da citação, o artigo 564º, al. c), do Código de Processo Civil, determina que a citação do réu inibe esta parte de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor.
Ou seja: a propositura de uma ação impõe ao réu um ónus de concentração de toda a sua defesa na ação pendente, obstando, portanto, à admissibilidade de uma ação destinada a contrariar o efeito pretendido pelo autor.
Por outro lado, importa referir o ensinamento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (citado na decisão impugnada), «O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.
Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da ação anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. Portanto, quanto ao autor a preclusão incide sobre os factos complementares.
A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objecto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal» (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª. Edição, pág.586).
No caso dos autos o que ocorre é que o Autor invocando um contrato de trabalho entre si e a Ré, ao abrigo do qual aquele prestou para esta a sua actividade entre 18.10.1996 e 31.07.2011, vem pedir o pagamento de créditos laborais relativos ao período de 01.01.2009 a 31.07.2011.
Com base no mesmo contrato de trabalho e referente ao mesmo período temporal o Autor havia já instaurado duas acções as quais correram termos sob os nºs LB1-17-0059-LAC e LB1-18-0194-LAC em que pediu a condenação da entidade patronal a pagar-lhe os créditos vencidos até 31.12.2008.
Ou seja, da conjugação daquelas duas decisões que já transitaram em julgado a Ré foi condenada a pagar ao Autor créditos laborais referentes a períodos até 31.12.2008 e nos autos que hoje temos em apreciação são pedidos créditos referentes ao período de 01.01.2009 até ao termo da relação laboral.
De acordo com o disposto no artº 417º do CPC repete-se a causa quando há identidade quanto aos sujeitos, causa de pedir e pedido.
No caso em apreço quanto aos sujeitos dúvidas não há quanto à sua identidade uma vez que se tratam da mesma pessoa física e jurídica.
A questão coloca-se quanto à identidade de causa de pedir e do pedido.
Naquelas acções o trabalhador/Autor quantificou os seus créditos até 31.12.2008 e nada pediu quanto a créditos de 2009 e 2010 podendo fazê-lo uma vez que a relação laboral já havia terminado.
Nesta acção o trabalhador/Autor vem pedir os créditos referentes a 2009 e 2010.
A dogmática da causa de pedir anda longe de ser fácil de definir1, sendo que para efeitos de litispendência e caso julgado o nº 4 do artº 417º do CPC a define como sendo o facto jurídico de onde emerge a pretensão do Autor, o que nos reconduz aos fundamentos de facto e de direito.
No caso em apreço o contrato de trabalho e os termos em que a actividade foi prestada bem como as normas de onde emergem os direitos do autor será sem dúvida a causa de pedir.
O problema está em saber se o nunca ter gozado descanso adicional por trabalhar ao 7º dia depois de 6 dias consecutivos de trabalho também no período de 2009 e 2010, se são factos que integram a causa de pedir para efeitos de caso julgado.
Ora, dúvidas não há que estes factos fazem parte da causa de pedir no sentido de que relevam para a quantificação do pedido, no entanto nada obstava que o Autor os tivesse invocado na primeira acção, sendo certo que numa e noutra acção o pedido do Autor emerge duma única relação laboral e a actividade desenvolvida no âmbito da mesma de onde resultam os créditos reclamados.
Há que concluir que para efeitos de caso julgado há identidade de causa de pedir.
Quanto ao pedido a diferença está na quantificação, sendo certo que o efeito jurídico pretendido é igual.
Nos processos que já correram termos a Ré foi condenada a pagar ao Autor créditos laborais referentes a períodos até 31.12.2008 e nos autos que hoje temos em apreciação são pedidos créditos referentes ao período de 01.01.2009 até ao termo da relação laboral.
Ora, tal como se refere na decisão citada supra deste Tribunal, a indisponibilidade dos créditos laborais verifica-se apenas durante e enquanto decorrer a relação laboral, pelo que, finda a qual deixa de ter aplicação o disposto no nº 3 do artº 42º do CPT, ficando o tribunal limitado a condenar apenas até ao limite do que for pedido.
Da mesma sorte o trabalhador, após o termo da relação laboral é livre de vir pedir de entre os créditos a que tiver direito aqueles que entender.
Porém, sendo a causa de pedir o contrato de trabalho que existiu entre Autor e Ré, relativamente aos créditos que o trabalhador não reclamar preclude o respectivo direito.
A isto alude o Acórdão do STJ de Portugal citado supra quando transcreve os ensinamentos de Castro Mendes. Face ao artº 566º do CPC de Macau (611º do CPC Português), na sentença deve-se atender à situação existente no momento do encerramento da discussão o que segundo aquele autor implica para as partes a obrigação de invocarem os factos supervenientes sob pena de jamais o poderem vir a fazer.
Por maioria de razão, se o Autor não pedir/reclamar o pagamento de créditos já existentes aquando da instauração da acção, independentemente da causa porque o fez, jamais o poderá voltar a fazer.
Como ensina Rui Pinto em Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias «O pedido é o efeito jurídico que a parte ativa pretende obter pela decisão do tribunal e que ela retira materialmente da causa de pedir que invoca, “pedido” é sinónimo de ação na terminologia do artigo 10.º - uma espécie de acção e a espécie de “efeito jurídico” pretendido (cf. artigo 581.º, n.º3).
Esse efeito jurídico tem por objecto certo e determinado bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Em termos simples, o pedido tem por objecto imediato determinado efeito jurídico que se retira da causa de pedir e por objecto mediato o bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Donde, há identidade de pedido quando em causas diferentes a parte ativa pretende uma sentença com idêntico efeito jurídico para um mesmo e determinado bem jurídico.».
Ora, nas duas acções antes instauradas o Autor tinha como causa de pedir o contrato de trabalho e não lhe terem sido pago determinados créditos laborais e o pedido consistia em que lhe fossem pagos esses créditos laborais.
Nesta acção a causa de pedir e o pedido do ponto de vista do efeito e do bem jurídico protegido são rigorosamente iguais.
É certo que nas acções anteriores o Autor não pediu créditos laborais referentes a 2009 e 2010, o que vem fazer agora nesta acção, mas podia tê-los pedido naquelas outras uma vez que as acções foram instauradas quando estes já se haviam vencido e a relação laboral cessado.
Se o não fez, a omissão apenas ao Autor é imputável, mas o efeito preclusivo do caso julgado impede que o tribunal volte a ser colocado na situação de apreciar novamente a situação.
O efeito jurídico pretendido com o pedido numa e noutra acção é igual, estando a diferença apenas na quantificação.
Destarte, no caso em apreço não só há identidade de sujeitos e de causa de pedir, como também de pedido.
Assim sendo, seguindo aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, impõe-se revogar o despacho recorrido, julgando em substituição, procedente a excepção do caso julgado invocada pela Ré aqui Recorrente, sendo esta absolvida da instância ficando assim prejudicado e sem efeito tudo quanto se decidiu após o despacho revogado a fls. 118/118v.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos concedendo provimento ao recurso interposto pela Ré, revogando o despacho recorrido a fls. 118/118v, e em consequência, julgando procedente a excepção do caso julgado, absolve-se a Ré da instância, ficando prejudicado e sem efeito tudo quanto foi processado após aquele.
Custas pelo Autor/Recorrido em ambas as instâncias.
Registe e Notifique.
RAEM, 21 de Janeiro de 2021
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Veja-se Mariana França Gouveia em A causa de pedir na acção declarativa, Almedina.
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1081/2020 CÍVEL 1