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Processo nº 1176/2020
Data do Acórdão: 21JAN2021


Assuntos:

Suspensão de eficácia do acto
Pandemia Covid-19
Prejuízos de difícil reparação


SUMÁRIO

1. O instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a evitar a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

2. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

3. Se a requerente não puder abandonar imediatamente a RAEM, dada a incerteza do momento em que poderão ser levantadas as medidas restritivas da circulação de pessoas entre os países e terá de ficar na RAEM por um período mais ou menos prolongado, confrontando-se com previsíveis dificuldades para custear a sua vida quotidiana, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, à habitação e à assistência médica, a execução imediata da revogação da autorização de permanência como trabalhadora não residente, que implica a proibição de trabalhar e a consequente perda do rendimento do trabalho, deve ter a virtualidade de lhe causar o prejuízos de difícil reparação.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 1176/2020


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificada nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer com fundamentos seguintes, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 16NOV2020, do Senhor Secretário para a Segurança, que em sede de recurso hierárquico, confirmou a revogação da autorização de permanência, que lhe foi concedida na qualidade de trabalhador não residente:
  1. Perdurando a executoriedade imediata do despacho suspendendo - com a inerente impossibilidade legal de trabalhar -, estará em causa para a requerente uma privação drástica e abrupta de meios financeiros para o respectivo sustento e para a satisfação em condições minimamente dignas das respectivas necessidades alimentares mais básicas e elementares de comer, de beber e de dormir sob um tecto.
  2. A requerente auferia cerca de MOP$3.500,00 de salário mensal sendo que desse valor salarial - entretanto interrompido -, a requerente deve pagar MOP$750,00 de renda por uma cama num quarto para 4 pessoas e contar para a satisfação de todas as suas necessidades de subsistência pessoal.
  3. O trabalho é a única fonte de sustento da requerente, não podendo contar com quaisquer rendimentos provenientes de quem quer que seja, não sendo titular de qualquer património, senão dos seus pertences pessoais como roupas e utensílios para uso doméstico - tudo bens modestos e de irrelevante valor pecuniário -, nem sendo titular de qualquer património imobiliário nem tendo poupanças, senão o valor que ainda lhe resta de 3.400,00 patacas, à data de 18.12.2020.
  4. Segundo o Tribunal de Última Instância, será de difícil reparação o prejuízo «(...) consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares (...)» - cfr. Acórdão do T.U.I. de 25 ABR 2001 e de 10 JUL 2013, nos processos n.º 6/2001 e n.º 37/2013.
  5. Com a manutenção do cancelamento do blue card e da proibição legal de trabalhar, a consequente e imediata perda de meios financeiros para subsistência da requerente mostra-se um prejuízo de tipo não meramente quantitativo mas verdadeiramente de cariz qualitativo.
  6. Na presente data de dezoito de dezembro de dois mil e vinte (18 DEZ 2020) o pecúlio pecuniário da requerente reduz-se à singela quantia de três mil e quarentas patacas (MOP$3.040,00) e é a partir dessa paupérrima e magra soma de três mil e quarentas patacas que, a cada dia que passar de ora em diante, a requerente irá necessariamente ter de se alimentar e manter.
  7. Dia a dia, para mais na presente época de Natal, em que se vive na cidade um clima de opulência, de luxo, de fartura e de excesso de tudo, menos para a requerente, reduzida a 3040 mop.
  8. Tudo isto sem qualquer possibilidade de a requerente trabalhar em Macau devido à revogação do seu blue card e também sequer sem a mínima possibilidade de sair de Macau devido à pandemia do Covid19 e à inerente paralisação da aviação, que se manterá ao menos até Março de 2021.
  9. A requerente vive - e crescentemente, dia a dia, viverá - em condições crescentemente degradantes e atentatórias da sua dignidade pois, tendo hoje e na presente data a fortuna de 3040 patacas, tem de pagar 750 patacas de renda por uma cama num quarto colectivo para 4 pessoas, não pode legalmente trabalhar, não pode sair de Macau e tem de, dia a dia - ser humano que, ainda assim, se recusa a deixar de ser! - de comer e beber diariamente e de dormir sob um tecto.
  10. É patente que é uma situação que viola a dignidade humana, a ordem pública e os bons costumes da R.A.E..M. - cfr. artigos 30.º e 43.º da Lei Básica e art. 273.º, n.º 2, do Código Civil.
  11. Todos os factos supra descritos deverão ser julgados indiciados atenta tanto a via da prova por inferência como a via dos factos notórios.
  12. É sabido e consabido - e não se pode alegar séria e lealmente o seu desconhecimento - que os salários de empregadas domésticas em Macau são muito baixos e que os “não-residentes” vivem em situações que envergonhariam e ofenderiam o pudor e o sentimento de dignidade do comum dos “residentes”, sendo este precisamente o quadro de vida da aqui requerente.
  13. A não sustação do despacho suspendendo causará à requerente prejuízos de séria, extrema e nula reparabilidade - cfr. art. 121.º, n.º 1, alínea a) do C.P.A.C.
  14. Não se afiguram face ao caso vertente nem no acto suspendendo a Administração - senão de forma genérica e tabelar - invoca razões de fundo que tanto colidam como mesmo prevaleçam face ao interesse da requerente em poder continuar a poder viver e trabalhar em Macau, enquanto não se vier a encontrar decidido o recurso contencioso.
  15. Um dos efeitos da imediata execução do acto administrativo que determinou o cancelamento do blue card é a impossibilidade de a requerente trabalhar e, inerentemente, a perda absoluta de todos os seus rendimentos, que, hoje, se reduzem a 3.040,00 patacas.
  16. Com a perda total e absoluta de rendimentos advêm fortes, sensíveis e irreparáveis prejuízos a si pois o salário da requerente é a sua única e exclusiva fonte de obtenção de meios para, com a mínima dignidade, satisfazer as suas necessidades mais basilares de comer, beber e dormir.
  17. O direito ao trabalho é um direito fundamental básico e, como tal, só deverá ser restringido em último caso, ou seja, quando com a sua ablação total, ou com a sua simples restrição, se vise salvaguardar um interesse com ele colidente e que se lhe sobreponha e, ainda assim, essa ablação ou restrição sempre terá de ser proporcional e adequada.
  18. Em face desse interesse primordial e prevalecente da requerente, nada na situação de facto mostra que a sustação do acto pelo tempo por que durar o recurso contencioso será de molde a perigar ou trazer qualquer lesão ao interesse público e, logo, nenhum interesse público imediato e premente, grave ou não, se verifica in casu que milite a favor da imediata executoriedade do despacho suspendendo e nada autoriza, assim, que uma tal eventual aplicação efectiva não deva ser sustada até que haja uma eventual pronúncia final nesse sentido em sede de recurso contencioso administrativo.
  19. Está verificada a exigência do art. 121.º, al. b), do C.P.A.C. porque no presente caso não se vislumbra que a suspensão de eficácia possa acarretar grave lesão ao interesse público sendo que, fosse como fosse, face ao n.º 4 do art. 121.º do C.P.A.C., sempre o balanceamento de interesses/prejuízos públicos e privados penderá manifestamente a favor da posição da aqui requerente.
  20. A requerente irá invocar em sede de recurso contencioso que se encontra inocente das imputações que lhe foram feitas pelo Ministério Público com base numa mera presunção e que foi ela quem, aliás, foi vítima de uma actuação desonesta e desleal do seu então namorado, B, que sempre lhe omitiu e escondeu a realidade do seu estatuto ilegal em Macau.
  21. É patente que o acto suspendendo enferma de um notório vício da falta de fundamentação, tal qual se imporia face aos artigos 114.º e 115.º do C.P.A. pois o “perigo” a que alude o art. 11.º, n.º 1, al. 3), da Lei 6/2004 é um perigo efectivo - em tudo semelhante àquele a que se refere o art. 12.º, n.º 3 da mesma Lei -, não podendo - nem, sobretudo, devendo - a Administração retirar essa conclusão de perigosidade sem qualquer fundamento legal ou fáctico, mesmo - ou, aliás, sobretudo - quando o faça apenas em termos meramente preventivos e antecipatórios.
  22. A “prática de crimes, ou a sua preparação, na R.A.E.M” é apenas uma das formas possíveis da demonstração do “perigo para a ordem e segurança públicas”, enquanto exemplo-padrão previsto pelo legislador tal qual ficou vertido no douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 26 ABR 2018 tirado no processo n.º 125/2017.
  23. Tal formulação de um concreto juízo de perigosidade tem de ser sempre suficientemente fundamentado mediante uma análise efectiva e perscrutante dos factos concretos e objectivos para que, só assim, o órgão competente, no uso do seu poder-dever de tipo discricionário, possa concluir pela eventualidade de um quadro de perigosidade para a segurança e ordem públicas.
  24. Não basta remeter ou repetir as “palavras da lei” para fundamentar que existe perigo por parte da requerente para a segurança ou ordem públicas da R.A.E.M. num futuro próximo ou distante, tal qual foi decidido pelo T.S.I. em 8 FEV 2018 no processo n.º 183/2017.
  25. Perante este conceito indeterminado, a Administração deveria ter fundamentado o preenchimento do mesmo mediante factos concretos e objectivos aptos a explicitar por que motivo sustenta que a requerente possa porventura colocar futuramente em perigo a ordem e a segurança pública da R.A.E.M.
  26. O acto suspendendo ofende ainda de forma manifesta o princípio de proporcionalidade acolhido no art. 5.°, n.º 2, do C.P.A. uma vez que a aventada e hipotética lesão dos interesses públicos alegadamente subjacentes ao acto suspendendo mostra-se desproporcional - isto é, inferior e secundária - face aos interesses primordiais imediatamente sacrificados pelo acto suspendendo, que são, sem mais, a perda de toda e qualquer fonte de rendimento para sustento da requerente.
  27. Seja como for, atentas a legitimidade quer material quer adjectiva da aqui requerente para impugnar contenciosamente a decisão suspendenda, esta tem um legítimo direito à hetero-definição judicial da situação controvertida e, assim, atenta a al. c) do art. 121.º do C.P.A.C., deve ser tido por verificado o requisito da legalidade do recurso, donde advém à requerente a sua legitimidade e interesse processual, enquanto titular directo do direito pelo qual pugna.
  28. Estão, pois, verificados todos os requisitos legalmente necessários para o decretamento da requerida providência de suspensão de eficácia do acto.
  TERMOS EM QUE se requer a V. Ex.as que se digne dar provimento à suspensão da eficácia do despacho proferido pelo Exrn.º Secretário para a Segurança.

Citada, a entidade requerida contestou pugnando pelo indeferimento do pedido.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 53 a 54v dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento do pedido da suspensão de eficácia.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do presente procedimento cautelar.

De acordo com os elementos constantes dos autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* A requerente é cidadã filipina, a quem foi concedida a autorização de permanência em Macau, enquanto trabalhadora não residente;

* Da investigação levada a cabo pela PSP, esta considera que existem fortes indícios de que a Recorrente, em Fevereiro de 2020, cedeu um quarto na casa arrendada pela sua mãe ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda de MOP$1.500,00, sem que tenha cuidado de averiguar em que condições o mesmo se encontrava em Macau;

* Por despacho do Senhor Comandante da PSP, foi-lhe revogada a autorização de permanência, por ter sido considerada autora dos factos que consubstanciam a prática de um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;

* E pelos mesmos factos foi acusada pelo Ministério Público de ter praticado um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;

* Inconformada com este despacho, a requerente interpôs dele recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;

* Por despacho datado de 16NOV2020, o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o recurso hierárquico, tendo mantido a decisão da revogação da autorização de permanência;

* Notificada em 30NOV2020 e de novo inconformada, a requerente formulou o presente requerimento, que deu entrada neste TSI em 23DEZ2020, pedindo a suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização de permanência na RAEM, na qualidade de trabalhador; e

* Dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 04JAN2021 (segundo informações ex oficio obtidas junto da Secretaria do TSI).

Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a evitar a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

Tratando-se in casu de revogação de uma autorização de permanência antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto da revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pela requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.

Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.

Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c).

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data em que a requerente foi pessoalmente notificada do despacho de cuja eficácia se requer a suspensão (30NOV2020), a data em que a petição de recurso contencioso deu entrada na Secretaria do TSI (04JAN2021) e a manifesta legitimidade da requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), não tendo a Administração invocado, em sede de contestação, a eventual não suspensão ser determinativa da grave lesão do interesse público que a prática do acto recorrido tem em vista, nem existindo elementos nos autos que nos levam a crer que a grave lesão do interesse público será manifesta ou ostensiva se não for imediatamente executado o acto suspendendo, é de considerar a sua verificação face ao disposto no artº 129º/1 do CPAC.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

Essencialmente falando, para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, a requerente alega que com as únicas MOP$3.040,00 que ainda tem na sua algibeira, da execução imediata da revogação da autorização de permanência, que implica a proibição legal de trabalhar, advém a perda imediata de a do rendimento mensal no valor de MOP$3.500,00, que é o único meio financeiro para a sua subsistência em Macau, o que lhe impossibilita a continuar a viver, por falta de meios económicos para o seu próprio sustento, em Macau, donde não pode abandonar por causa do Covid-19 e da inerente paralisação da aviação, que se manterá pelo menos até ao 1º semestre de 2021.

Em síntese, os alegados prejuízos de difícil reparação em si são todos de ordem económica e consistem na perda do seu emprego e na perda do rendimento para o sustento dela própria em Macau, todas resultantes da perda imediata da autorização de permanência como trabalhador não residente.

Para a entidade requerida, não foi feita qualquer prova que demonstra, ainda que sumariamente, aquilo que vem alegado pela requerente, pois nenhum dos elementos que juntou aos autos é demonstrador de qualquer das circunstâncias que vêm alegadas.

Temos vindo a defender que o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar factos demonstrativos dos prejuízos e da existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

In casu, a requerente juntou as fotografias a fls. 29 a 32 dos p. autos.

Tal como salientou a entidade requerida na sua contestação, as fotografias de per si não demonstram a situação económico-financeira da requerente.

Todavia, é de nosso conhecimento que, normalmente falando, as razões que levaram os trabalhadores não especializados a vir trabalhar em Macau, fora da sua terra, não são principalmente para ganhar a sua vida aqui em Macau, onde o nível de custo da vida é substancialmente mais elevado do que no seu país de origem, mas sim é para contribuir, com o rendimento obtido pelo seu trabalho, para a subsistência dos seus familiares no país de origem e para o melhoramento das condições de vida desses familiares.

Portanto, é de presumir que não têm grande poupança.

In casu, tal como foi alegado pela requerente e observado pelo Ministério Público, dada a notória dificuldade, senão impossibilidade, do normal funcionamento dos serviços de transporte aéreo de passageiros que ligam Macau ao resto do mundo, causada pelas medidas rigorosamente restritivas impostas pelas autoridades competentes de quase todos os países ou regiões do mundo dada a situação gravíssima da pandemia Covid-19, vivida em quase todos os países, não podemos passar por cima a questão de saber como é que a requerente poderá ganhar a sua vida e manter a sobrevivência com o mínimo da dignidade humana em Macau, se não puder continuar a trabalhar em Macau.

Na verdade, se a requerente não puder abandonar imediatamente a RAEM, dada a incerteza do momento em que poderão ser levantadas as medidas restritivas da circulação de pessoas entre os países e terá de ficar na RAEM por um período mais ou menos prolongado, confrontando-se com previsíveis dificuldades para custear a sua vida quotidiana, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, à habitação e à assistência médica, a execução imediata da revogação da autorização de permanência como trabalhadora não residente, que implica a proibição de trabalhar e a consequente perda do rendimento do trabalho, deve ter a virtualidade de lhe causar o prejuízos de difícil reparação.

A favor do nosso entendimento, é de lembrar a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, que dita que é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

Assim, nas circunstâncias concretas tão especiais do caso sub judice, cremos que a execução imediata do acto suspendendo tem a virtualidade de implicar a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementar.

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela verificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC.

Demonstrada a verificação de todos os requisitos, é de deferir a pretendida suspensão.

Em conclusão:

4. O instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a evitar a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

5. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

6. Se a requerente não puder abandonar imediatamente a RAEM, dada a incerteza do momento em que poderão ser levantadas as medidas restritivas da circulação de pessoas entre os países e terá de ficar na RAEM por um período mais ou menos prolongado, confrontando-se com previsíveis dificuldades para custear a sua vida quotidiana, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, à habitação e à assistência médica, a execução imediata da revogação da autorização de permanência como trabalhadora não residente, que implica a proibição de trabalhar e a consequente perda do rendimento do trabalho, deve ter a virtualidade de lhe causar o prejuízos de difícil reparação.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam deferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 16NOV2020, do Senhor Secretário para a Segurança que determinou a revogação da autorização de permanência anteriormente concedida à requerente e ordenar a suspensão da eficácia dessa revogação.

Sem custas.

Registe e notifique.

RAEM, 21JAN2021

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Lai Kin Hong Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

Susp.ef. 1176/2020-1