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Processo nº 517/2020


Acórdão em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso fiscal nº 2829/19-CF, que corre os termos no Tribunal Administrativo, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente o recurso:
A LIMITED, ora recorrente, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso fiscal sobre a deliberação tomada pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças, ora entidade recorrida, de 29 de Novembro de 2018, que rejeitou a reclamação apresentada pela recorrente, mantendo o rendimento colectável da recorrente para o exercício de 2010 no montante MOP172.664.288,00, com o agravamento a título de custas de 0.01% sobre a colecta de MOP20.692.715,00, pedindo a declaração da nulidade do acto recorrido por ofensa do caso julgado, e subsidiariamente, a sua anulação por caducidade do direito à liquidação, erros nos pressupostos de facto e de direito, e por violação da dupla tributação e dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
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Na contestação apresentada, a entidade recorrida defendeu a legalidade do acto recorrido e pugnou-se pela improcedência dos argumentos suscitados e do presente recurso contencioso.
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Ambas as partes apresentaram as alegações facultativas no sentido de manterem todos os fundamentos alegados nos articulados anteriores (cfr. fls. 172 a 195 e 196 a 214 dos autos).
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O Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de improceder o presente recurso contencioso por decaimento dos todos os fundamentos invocados (cfr. fls. 215 a 224 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
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O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.
O processo é próprio e não há nulidades.
A recorrente e a entidade recorrida dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são partes legítimas.
Não há excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.
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I. Factos
Dos documentos constantes dos autos e do P.A. em anexo resulta provada a seguinte factualidade relevante para a decisão da causa:
1.º - Em 28/07/2011, a recorrente apresentou a declaração de rendimentos do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, respeitante ao exercício de 2010, tendo declarado como lucro tributável negativo ou prejuízo no valor de MOP85.845,00, com a junção dos documentos comprovativos (cfr. fls. 48 a 53 e verso e 72 a 77 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - Por ofício com n.º de referência: 55/CONF/2012 datado de 18/01/2012, à solicitação da Direcção dos Serviços de Finanças (D.S.F.), a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deu resposta quanto às informações solicitadas sobre a lista das sociedades autorizadas a celebrar contratos de prestação de serviço com as concessionárias de jogos de fortuna ou azar, nela se incluem B S.A. (Sociedade de Investimento Predial B, S.A.), Grupo de C (Macau) S.A. e Sociedade D (Macau) Lda. (cfr. fls. 80 e 90 a 97 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º – Pelo despacho de “concordância” do Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado sobre o relatório n.º 051/DIR/2012, de 09/01/2013, foi determinado a manutenção do entendimento exposto no ofício com n.º de referência: 123/NAJ/JJ/06, emitido pela D.S.F., de que os lucros da Sociedade de Investimento Predial B, S.A. provenientes das actividades de jogos e referidos no contrato de prestação de serviço celebrado com a E, S.A., não serão considerados para efeitos do imposto complementar de rendimentos (cfr. fls. 87, 101 a 104 e 106 a 109 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Em 25/02/2014, a Comissão de Fixação da D.S.F. fixou o rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” da recorrente referente ao exercício de 2010, no valor de MOP172.664.288,00, e em 28/04/2014, o Director Substituto da D.S.F. procedeu à respectiva liquidação da colecta no montante de MOP20.692.715,00 (cfr. fls. 37 e 38 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - Em 29/04/2014, o Subdirector da D.S.F. emitiu à recorrente a notificação de fixação de rendimento do imposto complementar de rendimentos (cfr. sentença proferida a fls. 444 a 448 dos autos do recurso contencioso fiscal do processo n.º 1144/14-CF deste Tribunal, a fls. 46 a 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6.º - Em 22/05/2014, a recorrente apresentou a reclamação contra a decisão de fixação junto do Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (cfr. idem).
7.º - Pela deliberação datada de 25/09/2014, a entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação, mantendo o rendimento colectável da recorrente para o exercício de 2010 no valor de MOP172.664.288,00, com a aplicação do agravamento de 0.01% sobre a colecta de MOP20.692.715,00 (cfr. fls. 45 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8.º - Por ofício com n.º de referência: 111/DAIJ/CRIC/14, foi a recorrente notificada da deliberação da entidade recorrida de 25/09/2014 (cfr. fls. 44 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9.º - Em 09/12/2014, a recorrente apresentou o recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação junto deste Tribunal, autuado sob o processo n.º 1144/14-CF. Em 30/06/2017, foi julgado procedente o respectivo recurso contencioso com a consequente anulação da deliberação recorrida (cfr. sentença acima referida a fls. 46 a 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10.º - Pela decisão de 01/11/2018 proferida nos autos do recurso jurisdicional interposto junto do Venerando Tribunal de Segunda Instância com processo n.º 1091/2017 contra a sentença proferida nos autos do processo n.º 1144/14-CF deste Tribunal, foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pela entidade recorrida, mantendo-se a sentença recorrida (cfr. fls. 51 a 64 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
11.º - Pela deliberação datada de 29/11/2018, a entidade recorrida voltou a negar provimento à reclamação da recorrente, mantendo o rendimento colectável da recorrente para o exercício de 2010 no valor de MOP172.664.288,00, com a aplicação do agravamento de 0.01% sobre a colecta de MOP20.692.715,00 (cfr. fls. 1v a 2-A do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12.º - Por ofício com n.º de referência: 138/DAIJ/CRIC/18, foi a recorrente notificada da deliberação da entidade recorrida de 29/11/2018 (cfr. fls. 1 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
13.º - Em resposta ao requerimento da recorrente, foi deliberado pela entidade recorrida a fim de esclarecer o fundamento da deliberação de 29/11/2018 (cfr. fls. 43 a 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
14.º - Em 22/01/2019, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação da entidade recorrida de 29/11/2018 (cfr. fls. 2 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
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II. Fundamentação
Vamos, desde já, apreciar os argumentos suscitados pela recorrente na p.i., nos termos do art.º 74.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.A.C..
Da ofensa do caso julgado
A recorrente assacou ao acto recorrido por ofensa do caso julgado, designadamente, da sentença anulatória proferida nos autos de Recurso Contencioso, com processo n.º 1144/14-CF deste Tribunal, pela qual foi dado provimento ao recurso contencioso interposto pela ora recorrente sobre a deliberação da entidade recorrida, da qual foi indeferido a reclamação deduzida pela recorrente da fixação da matéria colectável referente ao exercício de 2010, que subsequentemente veio a ser confirmada pelo acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância, nos autos de recurso jurisdicional com processo n.º 1091/2017.
No seu entender, a sentença de anulação produz efeitos anulatórios ao acto definitivo e confirmativo objecto do recurso contencioso, bem como ao acto de fixação da matéria colectável da recorrente praticado pela Comissão de Fixação que tinha sido confirmado. Por conseguinte, a manutenção do acto de fixação da matéria colectável pelo acto recorrido representa uma violação do caso julgado.
Imputa ainda ao acto recorrido por desrespeito do efeito preclusivo complementar da sentença anulatória, por os fundamentos são absolutamente novos sem qualquer justificação para a respectiva invocação e antes não foram considerados.
Aqui se cita e transcreve a análise de ponderação e detalhada sobre a questão colocada, exarado no douto parecer do Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, a fls. 215 a 224 dos autos, que tem-se de acolher na sua íntegra:
“…Salvo o devido respeito, a Recorrente, neste ponto, não tem razão.
  Ainda que se possa considerar que o recurso contencioso da deliberação da comissão de revisão tem a decisão de fixação da matéria colectável por objecto mediato, já que, a final, o que a Recorrente pretende é a eliminação da ordem jurídica desse acto de fixação, a verdade é que a ocorrência de um vício procedimental ou de forma no procedimento de reclamação, como seja o caso da falta de fundamentação da respectiva decisão, não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação que o antecede. Daí que apenas conduza à anulação da decisão afectada pelo vício e que é a decisão de indeferimento da reclamação e não da decisão antecedente (neste sentido, embora não especificamente a propósito desta questão, mas com sentido decisório transponível para o presente contexto problemático, pode ver-se, na jurisprudência comparada portuguesa, entre outros, o Ac. do STA de 16.6.2004, processo n.º 1877/03; Ac. do STA de 15.10.2008, processo n.º 542/08 e Ac. do STA de 25.6.2009, processo n.º 345/09, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
  Portanto, a Comissão de Revisão, limitando-se, na sequência da sentença anulatória da anterior deliberação que não atendeu à reclamação oportunamente apresentada pela ora Recorrente, a proferir uma nova decisão dessa reclamação, desta feita expurgada do anterior vício de forma que a afectava, não ofendeu, por essa razão, o caso julgado formado por aquela sentença.
  2.2.
  Sem prescindir, alega a Recorrente que o acto recorrido também é nulo por «desrespeitar o efeito preclusivo complementar da sentença anulatória» (cfr. artigo 32.º da petição recurso), isto porque, diz, «a Comissão de Revisão vem agora, em suposta execução do julgado anulatório, praticar um acto cuja fundamentação é absolutamente nova sem que haja qualquer justificação para a invocação de motivos que não foram antes considerados» (cfr. artigo 37.º da petição de recurso).
  Não nos parece que a Recorrente, neste ponto, tenha razão.
  Sabe-se que a sentença condenatória de um acto administrativo, para além do efeito constitutivo e do efeito repristinatório tem ainda um outro efeito, chamado conformativo ou preclusivo, do qual decorre a imposição à Administração do dever de, «no exercício subsequente dos poderes que lhe são legalmente atribuídos, não reproduzir o acto anulado, se dessa forma incorrer nos mesmos vícios verificados pelo juiz» (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade do Caso julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, Coimbra, 1994, p.120).
  Além deste efeito preclusivo em sentido estrito, a doutrina refere-se ainda a um efeito preclusivo complementar resultante da sentença anulatória e respeitante a «outros vínculos de conteúdo negativo, que se projectam para além da proibição da reedição do acto anulado com base nos factos e regras jurídicas a propósito dos quais o tribunal emitiu pronúncia de censura» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade..., p. 146). Deste efeito decorre que o tribunal deva recusar a renovação do acto administrativo «sempre que a Administração não consiga demonstrar que os novos motivos invocados são mesmo novos ou explicar a razão pela qual não haviam sido inicialmente considerados» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade..., p. 168). No fundo, do que se trata é de impedir que a Administração contorne a definição jurídica emergente do julgado anulatório, renovando o sentido da decisão anulada com base em fundamentos que nunca estiveram presentes no procedimento que culminou com o acto anteriormente anulado.
  Contudo, compreende-se bem que este efeito preclusivo complementar apenas assuma relevância quando a sentença foi anulada com base em vícios de fundo e não meramente formais ou procedimentais, pois só relativamente àqueles se pode dizer que a sentença contém «o reconhecimento implícito do quadro jurídico emergente da anulação, e por conseguinte, da relativa consistência da posição do interessado» (continuamos a seguir a lição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade..., p. 155). Na verdade, se o acto foi anulado por falta de fundamentação ou por omissão do dever de audiência prévia do interessado, na renovação do acto subsequente à anulação, a Administração apenas estará vinculada a praticar um acto devidamente fundamentado ou um acto que foi antecedido da audiência do interessado, sem que nesse reexercício do poder administrativo se projecte qualquer outro vínculo negativo para além da qual que resulta imediatamente da sentença anulatória.
  Note-se que, na situação em apreço, a decisão judicial anulatória não se pronunciou sobre o vício substancial invocado pela ora Recorrente e por isso, parece-nos que não é possível concluir que os fundamentos alegadamente novos aduzidos pela Entidade Recorrida tiveram em vista defraudar o sentido daquela pronúncia judicial.
  Aliás, se bem vemos, a Administração Fiscal tem-se mantido coerente no essencial, ou seja, no entendimento de que os rendimentos da Recorrente estão sujeitos a tributação em imposto complementar de rendimentos, não beneficiando a mesma de qualquer isenção tributária.
  Estamos em crer, por isso, que se não verifica a alegada ofensa do caso julgado por inobservância do chamado efeito preclusivo complementar da sentença anulatória. …”
Efectivamente, embora não referenciado expressamente no acto recorrido a informação prestada pela DICJ, tal como se refere atrás, não se pode considerar ter presente um novo fundamento no sentido que nas ambas deliberações não se reconhece a qualidade da recorrente de concessionária ou subconcessionária de jogos de fortuna ou azar, nem a autorização de isenção fiscal que lhe impede a beneficiar-se da isenção da tributação em sede de imposto complementar dos rendimentos (correspondente à observação a fls. 47v do P.A.).
Pelo que, é de improceder o presente argumento.
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Da caducidade do direito à liquidação
A recorrente pede ainda a anulação do acto recorrido por prescrição do direito à liquidação, previsto no art.º 55.º da Lei n.º 21/78/M «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (RICR), de 9 de Setembro, por o acto recorrido sido notificado em Dezembro de 2018.
Estipula o art.º 55.º do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos»:
“Artigo 55.º
(Prescrição)
  1. A liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
  2. Verificada a omissão ao lançamento, proceder-se-á à determinação do rendimento colectável e à liquidação do imposto que for devido, observando-se as disposições deste regulamento.”
A citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos1, o que manifestamente não se trata no caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão.
Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegada ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 174.º do C.P.A.C..
De outro lado, tal como se refere atrás, a sentença anulatória em causa conduz apenas à anulação da decisão de indeferimento da reclamação e não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação do rendimento colectável da recorrente que o antecede. Assim sendo, a liquidação sobre o acto de fixação feita dentro do prazo de prescrição não está afectada e mantém-se. Não é verificada a prescrição aludida no n.º 1 do art.º 55.º do RICR.
Nesta conformidade, é de improceder o presente argumento.
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Erros nos pressupostos de facto e de direito e da violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade
Segundo os alegados da recorrente, os lucros aqui discutidos sujeitos à tributação em sede de imposto complementar de rendimentos são decorrentes da execução de um contrato de associação em participação como disposto no art.º 553.º do «Código Comercial», com a concessionária de jogos de fortuna ou azar “E, S.A.” (“E”), que já assume perante o Governo de Macau todas as obrigações tributárias geradas na zona de “Casino Casa Real”, enquanto a recorrente, na qualidade da associada, participa nas receitas da “E” resultantes da exploração da actividade de jogos de fortuna ou azar neste casino. Por seu turno, em termos da realização de um investimento remunerado na actividade da sua associante “E”, a recorrente fica obrigada de criar todas as condições necessárias para a potencialização do lucro da associante, consistindo a sua contribuição patrimonial em facultar à “E” o acesso de espaço afecto a jogos no “Hotel Casa Real” e a assunção de encargos inerentes ao marketing, promoção, publicidade, gestão e angariação de clientes e coordenação de todas as actividades do casino, bem como as despesas com pessoal, a decoração da zona do casino e respectiva manutenção, e a aquisição e manutenção do equipamento necessário ao funcionamento do casino.
A que acresce desde o ano de 2006 até ao de 2013, inclusive, a Administração Fiscal tem sempre isentado as associadas da “E” do imposto complementar de rendimentos sobre os montantes pagos pela “E” através deste tipo de “acordo”, como se vislumbra no caso da “F Development Limited”2. Donde, vem imputar ao acto recorrido erro na qualificação jurídica do seu contrato celebrado com a “E”, em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de natureza e cariz obrigacional idêntica celebrado entre a “E” e as suas associadas, violando assim os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade previstos nos art.ºs 25.º da «Lei Básica» e 5.º e 7.º do «Código do Procedimento Administrativo».
Aqui se transcreve a parte do acto recorrido respeito aos fundamentos do indeferimento de reclamação:
“…1. Nos termos do disposto no artigo 2.º do regulamento do imposto complementar de rendimentos, doravante abreviadamente RICR, este imposto incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.
  2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos do RICR.
  3. A Administração Fiscal entende que o rendimento colectável em MOP$ 172,664,288.00, sobre o qual fixou a colecta do imposto complementar de rendimentos na importância de MOP$ 20,692,715.00, em relação ao ano de exercício económico de 2010 - decorre de rendimentos obtidos por prestação de serviços da contribuinte “A Limited” à E.
  4. A contribuinte, ora reclamante, pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com o RICR.
  5. Entende a Administração Fiscal que a contribuinte reclamante não se enquadra nem preenche qualquer das normas legalmente previstas de isenção do Imposto Complementar de Rendimentos, designadamente nem as vertidas no artigo 9.º do RICR.
  6. Nem tão pouco, por não ser concessionária, o previsto no nº2 do artigo 28º1 da Lei nº1/2001.
  7. Esta previsão legal estabelece que só a concessionária pode ser isenta excepcionalmente do pagamento do imposto complementar de rendimentos, tendo o legislador concedido ao Chefe do Executivo um poder discricionário.
  8. Assim, comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato celebrado com E tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio de igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.
  9. Quanto a alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, é pacífico o entendimento na doutrina, como na jurisprudência, que esses só assumem relevância autónoma quando a administração actua no exercício de poderes discricionários.
  10. No caso em apreciação a lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos, pelo que, não pode haver ofensa a esses princípios.
  11. De igual modo não existe a acumulação de cargas tributárias na reclamante e relativas aos mesmos rendimentos, ou seja, não estamos perante a identidade da matéria colectável.
  12. A E, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial de jogos por incidir sobre o rendimento bruto da exploração do jogo enquanto a reclamante aufere o rendimento derivado da transacção efectuada com a E, como contrapartida monetária pela prestação de serviço a esta, então, a reclamante deve ser considerada como contribuinte do ICR.
  13. Contudo, de qualquer maneira, só a E pode ter a qualidade de beneficiário da referida isenção.
  14. Importa reafirmar que “a Lei não deixa á entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimento.”2
  15. Verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, na medida em que, a Sociedade é uma contribuinte normal, e não investida de alguma qualidade que permita a exclusão da integração do seu rendimento na matéria colectável- cfr. artigos 2.º, 4.º, 9.º, 10.º, 19.º do RICR - a Administração Tributária, no exercício de uma competência vinculada, sujeita ao princípio da legalidade - cfr. art. 3º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplica à Sociedade “A Limited” as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impõe perante a ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do RICR.
  16. A actividade comercial exercida pela Sociedade “A Limited” está registada, classificada e descrita no cadastro das Finanças como Sociedade Prestadora de Serviços a Empresas.
  17. A CRIC considera na apreciação dos Contratos celebrados pela “A Limited” com a “E”, que não importa o nomen juris para a definição da natureza jurídica dos contratos celebrados, que deve resultar sim do respectivo clausulado dos mesmos, que de resto se auto-definem como Contratos de Prestação de Serviços e de Ocupação e Uso do Espaço, onde funciona o Casino explorado pela E.
  18. Resulta claro que a “A Limited” não está investida na qualidade de sujeito tributário que determine tratamento especial ou excepcional junto à Administração Tributária. Não estando reunidos os critérios que atribuem a isenção, pelo que, os rendimentos estão sujeitos à tributação do imposto e ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes.
  19. Em conclusão afigura-se expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da deliberação conducentes à aplicação dos fundamentos de tributação previstas na lei, para efeitos de liquidação do imposto complementar de rendimentos da contribuinte reclamante.…”
Não é equívoco que a recorrente fica ciente da sua qualidade de contribuinte do Grupo “A” aludido nos art.ºs 2.º e 3.º da Lei n.º 21/78/M «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (RICR), de 9 de Setembro, de cujos rendimentos auferidos da actividade comercial são determinados através de contabilidade devidamente organizada, in casu, veio apresentar a respectiva declaração abatido do rendimento global no exercício de 2010 os lucros proveniente do contrato celebrado com a “E”, no valor de MOP172.664.288,00 (cfr. fls. 50 a 51 e verso do P.A.), ao abrigo do n.º 2 do art.º 4 do mesmo Regulamento. A recorrente não se impugna quanto à não legitimação da isenção subjectiva prevista no art.º 9.º do RICR, nem à sua falta da qualidade de concessionária ou subconcessionária. O que se dispute é mormente a legalidade ou não da incidência objectiva sobre os referidos lucros em sede de imposto complementar de rendimentos, em face do alegado “contrato de associação” e entendimento assumido pela Administração Fiscal no passado.
Não se pode deixar anotar no Direito Fiscal, vigora rigorosamente o princípio da legalidade. Diz o autor Alberto Pinheiro Xavier, na sua obra «Conceito e Natureza do Acto Tributário» (Livraria Almedina, Coimbra, 1972, cfr. fls. 291 a 293) o seguinte:
“…No Direito Tributário, o princípio da legalidade revestiu sempre um conteúdo bem mais restrito. Com vista a proteger a esfera de direitos subjectivos dos particulares do arbítrio e do subjectivismo do órgão de aplicação do direito - juiz ou administrador - e, portanto, a prevenir a aplicação de «tributos arbitrários», optou-se neste ramo do Direito por uma formulação mais restritiva do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo em sentido material, deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto 36.
  117. Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela directamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o facto na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal.
  A regra constitucional de reserva absoluta representa, pois, um duplo ditame: ao legislador e ao órgão de aplicação do direito. Ao primeiro, enquanto o obriga - sob pena de inconstitucionalidade - a formular os comandos legislativos em matéria tributária em termos de rigorosa reserva absoluta; ao segundo, por excluir o subjectivismo na aplicação da lei, a criação judicial ou administrativa do Direito Tributário, o que envolve, de um lado, a proibição da analogia 37 e, de outro, a proibição da discricionariedade,… ”
Desde já, em véspera de reserva absoluta da lei inserida no princípio da legalidade, todos os tributos são obrigações ex legis cuja regulamentação necessita ser por forma expressa e é matéria fora da dispositiva por vontade ou discricionariedade da Administração. Neste sentido, na falta da lei habilitante não é permitida quer a imposição de incidência objectiva ou subjectiva quer a respectiva alteração ou mesmo isenção.
Segundo este raciocínio carece do fundamento para o sustento da invocada ofensa dos princípios da justiça e da imparcialidade, dos quais se relevam para efeitos da fiscalização da actividade administrativa no exercício do poder discricionário. De outro lado, não justifica para a recorrente defender o seu gozo da isenção fiscal por analogia aos outros contribuintes cujos lucros resultam da mesma actividade de jogos por contratos celebrados com a “E”, com apelo ao princípio da igualdade.
Aliás, parece ser manifesta que a recorrente, pessoa colectiva referida no n.º 2 do art.º 3.º do RICR e desprovida da legitimidade de isenção dada à concessionária “E”, através dos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs 30/2004, 333/2007 e 378/2011, proferidos através da utilização permanente do Governo da faculdade prevista no art.º 28.º da Lei n.º 16/2001, nem satisfeito o pressuposto da isenção subjectiva prevista no art.º 9.º do RICR, deve ser tributado como um contribuinte normal em sede de imposto complementar de rendimentos por qual se incide sobre os lucros liquidados derivados do exercício de actividade comercial e calculado nos termos legais do ano económico em causa.
Pese embora não chegou a apurar do acto recorrido a análise sobre o contrato ou acordo celebrado entre a recorrente e a “E”, em particular, como se conclui dos respectivos clausulados que se não respeitam ao alegado “contrato de associação” ou contrato como lido por epígrafe, ou em que termos se avaliou a situação da recorrente com as situações de outros contribuintes que detêm contrato celebrado com a E e autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), nem se pode aceitar a autorização como suporte bastante para se distinguir dos outros contribuintes que beneficiam da respectiva isenção fiscal3, tal como bem explicado pelo Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, no seu douto parecer, “…estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (neste sentido, pode ver-se, na jurisprudência comparada, o Ac. do STA de 5.5.2007, processo n.º 0730/06, disponível em www.dgsi.pt).…”
Pelas considerações acima referidas, não é de verificar a alegada ilegalidade no acto recorrido por erros nos pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
Por conseguinte, o entendimento assumido pela entidade recorrida e mostrado na sua conduta anterior, pela não consideração para efeitos de incidência em sede de imposto complementar dos rendimentos os lucros da recorrente provenientes da actividade de jogos titulada por contrato celebrado com a “E” nos exercícios anteriores, não iria conduzir à própria ilegalidade do acto recorrido, em particular, no que tocante à ofensa do princípio da boá fé e da confiança legítima da recorrente referida no art.º 8.º do «Código do Procedimento Administrativo».
Daí, é de improceder o presente argumento.
*
Da dupla tributação
Para sustentar este argumento da dupla tributação, suscita a recorrente que há uma pluralidade de normas a tributar sobre os rendimentos gerados no casino, tendo as receitas brutas da exploração de jogos de fortuna ou azar sujeitas ao imposto especial de jogos previsto no art.º 27.º da Lei n.º 16/2001, e os rendimentos líquidos anuais da concessionária ou subconcessionária resultantes da actividade comercial ou industrial sujeitos ao imposto complementar de rendimentos estatuído no art.º 3.º do RICR, o que implica uma identidade do facto tributário objectivo por haver sobreposição dos valores a considerar como material colectável na medida em que o valor das receitas brutas resultantes da exploração de jogos de fortuna ou azar pela concessionária ou subconcessionária contempla já o seu lucro líquido anual proveniente da exploração da concessão.
Como tal, na alegada qualidade da associada à concessionária de jogos de fortuna ou azar “E”, pode beneficiar-se da mesma isenção tributária concedida nos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs 30/2004, 333/2007 e 378/2011, proferidos através da utilização permanente do Governo da faculdade prevista no art.º 28.º da Lei n.º 16/2001 com a intenção de eliminar dupla tributação, como se vislumbra nos casos de que os contratos foram autorizados.
Anota-se que “…Em direito fiscal a dupla tributação pode ocorrer quando o mesmo facto que se pretende tributar é objecto da previsão de duas normas de tributação diferentes, quer estas pertençam ao mesmo ordenamento jurídico-tributário (dupla tributação interna), quer de ordenamentos jurídico-tributários distintos (dupla tributação interterritorial e internacional16). A dupla tributação não se confunde com a duplicação de colecta que se verifica “quando, estando paga por inteiro uma contribuição ou imposto, se exigir da mesma ou de diferente pessoa uma outra de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”17..…”4
Rezam os art.ºs 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 que:
  “Artigo 27.º
  Imposto especial sobre o jogo
  1. As concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de imposto especial sobre o jogo, o qual incide sobre as receitas brutas de exploração do jogo.
  2. A taxa do imposto especial sobre o jogo é de 35%.
  3. O imposto especial sobre o jogo é pago em duodécimos na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau até ao décimo dia do mês seguinte a que respeitar.
  4. Pode ser estabelecido contratualmente entre a Região e as concessionárias um valor de garantia mínimo do imposto especial sobre o jogo.
  5. O Governo pode exigir que seja prestada garantia bancária adequada que garanta o pagamento de montante igual aos valores mensais prováveis do imposto especial sobre o jogo.
  6. As dívidas relativas ao imposto especial sobre o jogo são cobradas em execução fiscal.
  Artigo 28.º
  Regime fiscal
  1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei.
  2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”
Conforme as normas citadas, manifesta é a intenção legislativa que os rendimentos provenientes da exploração de jogos de fortuna ou azar devem sujeitos à tributação especial de jogos, bem como ao imposto complementar de rendimentos, sem prejuízo que o Senhor Chefe do Executivo, com apelo à faculdade concedida no n.º 2 do art.º 28.º da Lei n.º 16/2001, determine isentar à concessionária do respectivo pagamento do imposto complementar de rendimentos, como se verifica nos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs: 30/2004, de 23/02/2004, 333/2007, de 08/12/2007 e 378/2011, de 23/11/2011, em favor da “E”.
Neste sentido, não se pode acolher o argumento de o imposto especial de jogos ser um imposto de substituição ou imposto in lieu do imposto complementar de rendimentos (cfr. art.º 9.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro), nem se pode concluir essa dupla tributação, de modo que os rendimentos provenientes da exploração de jogos de fortuna ou azar pela concessionária ou subconcessionária dentro do mesmo período são tributados, quer em sede de imposto especial de jogos quer de imposto complementar de rendimentos, constitui-se a violação do estipulado do art.º 106.º da «Lei Básica» onde diz “O regime tributário das empresas concessionárias é regulado por lei especial.”
Além disto, tal como bem explicado no douto parecer do Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, “…De resto, a existência da previsão constante do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n. º 16/2001 (cujo teor é o seguinte: «Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos») é demonstração bastante de que, em princípio, não há obstáculo legal à tributação de rendimentos em sede de imposto especial sobre o jogo e de imposto complementar de rendimentos, na medida em que o mecanismo de eliminação da tributação do mesmo sujeito passivo através de impostos diferentes mas incidentes sobre o mesmo rendimento ali contemplado não é de funcionamento automático, antes depende de uma apreciação casuística e justificada com base no concreto interesse público…” Donde, não se pode retirar dos referidos Despachos do Chefe do Executivo o sentido de fazer eliminar a sujeição das concessionárias ou subconcessionárias à dupla tributação, isto é, os rendimentos derivados da exploração de jogos de fortuna ou azar sujeitam aos dois regimes de tributação distintos.
Efectivamente, embora que a matéria colectável da recorrente referente ao exercício de ano em causa incide-se sobre os lucros provenientes da execução do contrato celebrado com a E, S.A., concretamente, mediante o seu acordo relativo à exploração da actividade de jogos de fortuna ou azar no lugar determinado dentro do mesmo período temporal, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não é de considerar os respectivos lucros da recorrente e da E se tratam de um facto tributário juridicamente idêntico por qual diz respeito a dois sujeitos jurídicos distintos.
Pelos expostos, não parece que haja suporte legal bastante para a recorrente imputar a ilegalidade da dupla tributação ao acto recorrido, nem se pode beneficiar da isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, por faltar à recorrente quer da qualidade da concessionária de jogos de fortuna ou azar, quer da isenção do respectivo pagamento do imposto complementar de rendimentos expressamente atribuída tal como se verifica no caso da Sociedade de Investimento Predial B, S.A..
Pelo que, é de improceder o presente argumento.
*
Pelos expostos, deve ser julgado improcedente o presente recurso contencioso com a consequente absolvição da entidade recorrida dos pedidos.
***
III. Decisão
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal julga-se improcedente o presente recurso contencioso interposto pela recorrente, absolvendo a entidade recorrida dos pedidos.
Custas pela recorrente na taxa de justiça de 7UC.
Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a recorrente A Limited recorrer da mesma concluindo que:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 228 a 241 dos autos, que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos do dia 29 de Novembro de 2018 não atender a uma suposta reclamação (não tendo essa Comissão sido capaz de indicar a data dessa inexistente reclamação) que teria sido apresentada pela ora Recorrente e na qual aparentemente se solicitava a revisão da matéria colectável fixada referente ao exercício de 2010, pelo que a mesma se manteve no total de MOP$172,664,288.00 (cento e setenta e dois milhões, seiscentas e sessenta e quatro mil, duzentas e oitenta e oito patacas), com um agravamento a título de custos de 0.01%.
2) Em sentido frontalmente contraditório com sentenças já proferidas em Macau pelos Tribunais superiores sobre a mesma questão de direito (acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância, no âmbito dos Processos n.ºs 927 e 34/2000, respectivamente), vem o Tribunal Administrativo defender que o presente recurso foi interposto contra o acto de fixação da matéria colectável e, como tal, não pode ser invocada a caducidade do direito à liquidação por ser um “vício próprio” do acto de liquidação.
3) O raciocínio do Mm.º Tribunal recorrido parte, desde logo, de um errado pressuposto quanto à letra da norma jurídica em apreço ao afirmar que “a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação” quando em momento algum o artigo 55.º se refere à caducidade de qualquer acto administrativo.
4) O que é manifesto é que a norma do artigo 55.º, n.º 1, do RICR refere-se à caducidade do direito à liquidação (oficiosa) - e não à prescrição como incorrectamente se diz na sentença recorrida.
5) O direito à liquidação oficiosa que assiste à Administração Fiscal tem de ser exercido através de um procedimento administrativo-tributário (n.º 2 o artigo 55.º do RICR).
6) No entanto, se a Administração Fiscal já não possui esse direito por força da sua extinção com o decurso do tempo, é do domínio do óbvio que não pode fazer desencadear o procedimento administrativo-tributário tendente à concretização do mesmo, pois para esse efeito precisaria de ter na sua esfera jurídica o direito de proceder a essa mesma liquidação adicional.
7) Se esse direito tiver, entretanto, caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto final de liquidação propriamente dito.
8) Por outro lado, importa ainda referir que o Tribunal de Segunda Instância, na sentença do Processo n.º 34/2000, determinou que a norma do artigo 55.º se destina “a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável”.
9) No entanto, o Tribunal diz de uma forma conclusiva e sem qualquer fundamento que “manifestamente não se trata o caso em apreço” em relação à “prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos”, sem cuidar de explicar em que é que difere o presente caso do que foi decidido anteriormente pelos Tribunais Superiores da RAEM, designadamente no Processo que correu termos sob o n.º 34/2000.
10) Dizer que é manifesto é recorrer a uma fundamentação meramente formal, sem qualquer substância, sendo certo que, com o devido respeito, só é manifesto que se afrontou a jurisprudência da RAEM a este respeito.
11) E andou mal o Tribunal recorrido ao afirmar que “Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegada ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 174.º do C.P.A.C..”.
12) Então se o prazo de caducidade do direito à liquidação oficiosa é de 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar, alguma vez é possível que tendo sido anulado o acto de fixação anterior (mesmo que apenas o de revisão!) ainda assim se pode continuar o procedimento tendente à liquidação quando já passaram os 5 anos, recorrendo para isso ao artigo 174.º do CPAC?
13) A resposta tem de ser negativa, porque isso seria permitir liquidações (que ainda não foram feitas no presente processo, tendo em consideração a anterior anulação do acto pressuposto dessa liquidação!) muito para além do prazo de 5 anos.
14) Também não tem razão o Tribunal recorrido quando diz, em claro confronto com a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância (e, em especial, com o Acórdão do Tribunal Superior de Justiça proferido no Processo n.º 927), que “a sentença anulatória em causa conduz apenas à anulação da decisão de indeferimento da reclamação e não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação do rendimento colectável da recorrente que o antecede. Assim sendo, a liquidação sobre o acto de fixação feita dentro do prazo de prescrição não está afectada e mantém-se. Não é verificada a prescrição aludida no n.º 1 do artigo 55.º do RICR.”.
15) É que o artigo 55.º não impõe a caducidade “da fixação do rendimento colectável”, mas a caducidade do direito à liquidação, pelo que é irrelevante que “se mantenha o acto de fixação anterior”!
16) Até porque tal seria até um absoluto contra-senso com a própria fundamentação do Tribunal Recorrido, onde antes “a citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos, o que manifestamente não se trata do caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão”, agora se diz que não há prescrição porque o acto de fixação já teria sido praticado em devido tempo!
17) Pelo que nunca a "fixação" do rendimento colectável através da Comissão de Fixação poderia levar a que se considerasse que o acto estava completamente estabilizado no procedimento, muito menos para o efeito de obstar à caducidade do prazo de liquidação!
18) Nestes termos, e no mais de Direito, resulta claro que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente a lei, designadamente o artigo 55.º do RICR ao considerar que não se verificou a reclamada caducidade do direito à liquidação oficiosa.
19) Posição que o Mm.º Tribunal recorrido assumiu, desconsiderando a existência de decisões em sentido diverso proferidas pelos Tribunais superiores da RAEM (vide os citados Acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância), em especial os citados Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 927 (pelo Tribunal Superior de Justiça) e 34/2000 (pelo Tribunal de Segunda Instância).
20) Por outro lado, e por mera cautela de patrocínio, importa ainda mencionar que tãopouco se poderá defender a actuação da Entidade Recorrida ao abrigo de um suposto “poder de praticar um novo acto” durante o período de execução espontânea a que se refere o artigo 174.º, n.º 1, do Código do Processo Administrativo Contencioso.
21) Com efeito, não se pode aqui olvidar que está em causa um acto praticado ao abrigo do direito de liquidação adicional (ou oficiosa), direito esse que está limitado no tempo por razões evidentes: considerando que já existe uma liquidação, razões de segurança jurídica e estabilização da situação fiscal dos contribuintes exigem que a referida liquidação apenas possa ser revista num prazo máximo de 5 anos.
22) Logo, não pode a Administração “renovar” um acto administrativo que é praticado ao abrigo do artigo 55.º e que ao mesmo tempo viola o prazo aí previsto.
23) Por último, diga-se que ao contrário do que parece assumir o Mm.º Tribunal recorrido, não foi ainda “renovado” o acto de liquidação (propriamente dito) na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que em bom rigor e se fosse de atender ao que foi decidido na sentença recorrida, a Administração Fiscal ainda teria de praticar esse acto e notificar a Recorrente do mesmo, o que até agora não fez.
24) Na sentença recorrida foi ainda dito que “Pese embora não chegou a apurar do acto recorrido a análise sobre o contrato celebrado entre a recorrente e a "E", em particular, como se conclui dos respectivos clausulados que se não respeitam ao alegado "contrato de associação" ou contrato como lido por epígrafe, ou em que termos se avaliou a situação da recorrente com as situações de outros contribuintes que detêm contrato celebrado com a E e autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), nem se pode aceitar a autorização como suporte bastante para se distinguir dos outros contribuintes que beneficiam da respectiva isenção fiscal, tal como bem explicado pelo Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, no seu douto parecer, “…estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (...)”,
25) Salvo o devido respeito, é a Comissão de Revisão que no acto confirmativo impugnado vem escudar-se no argumento de que não há tratamento desigual em relação a outras associadas da E porque, “comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a E tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.”.
26) O ponto essencial da fundamentação do acto administrativo praticado pela Entidade Recorridade é, salvo o devido respeito, o de que não pode ser aplicada a isenção que é reclamada pela ora Recorrente desde o início do procedimento de liquidação oficiosa porque o seu contrato não foi autorizado ao contrário do que sucedeu com outros contribuintes com contrato com a E.
27) É esse o ponto que supostamente justifica o tratamento discriminatório da ora Recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais.
28) Não há assim qualquer motivação superabundante, a Entidade Recorrida limita-se a considerar no acto recorrido que a Recorrente "não tem um contrato autorizado", sendo por isso a sua situação distinta das demais concorrentes comerciais.
29) Como se teve oportunidade de dizer, a Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, “IEJ”) à taxa de 35% (cfr. artigo 28.º da Lei n.º 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22.º da mesma Lei.
30) Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira E uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
31) A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da E.
32) Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que “comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a E tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.”.
33) E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela E, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
34) Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da E (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
35) A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamento fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a E.
36) Pelo que manifesto fica que a entidade incorre num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a E, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza e cariz obrigacional celebrados entre a E e as suas associadas, para depois vir negar aquilo que concede às demais associadas da E!
37) Surge então que, para aquelas concorrentes comerciais da Recorrente, a Entidade Recorrida considera que há uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no Casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, mas já no que concerne à Recorrente, idêntico tratamento fiscal não pode ser dado por não ter o “contrato autorizado”, situação que não tem qualquer suporte e que representa violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do CPA e que não foram devidamente apreciados pelo Tribunal recorrido.
38) Deste modo, temos que também nesta vertente padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, face à clara intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, pretender eliminar a dupla tributação nesta matéria, o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância, revogar a sentença recorrida e substituí-Ia por outra que
1. Determine a anulação do acto recorrido por violação da norma do artigo 55.º do RICR, que impõe a caducidade do direito à liquidação decorridos 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar, vício que é sancionado com a anulabilidade nos termos do artigo 124.o do CPA, o qual constitui um dos fundamentos do recurso contencioso conforme disposto nos artigos 20.º e 21.º do CPAC;
Caso assim não seja superiormente entendido, deverá o Tribunal de Segunda Instância
2. Determinar a anulação do acto recorrido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do CPA e que constituem um dos fundamentos do recurso contencioso conforme disposto nos artigos 20.º e 21.º do CPAC.

Notificada das alegações, a Administração fiscal recorrida respondeu pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu seguinte parecer, pugnando pela improcedência do recurso:
1.
A Limited, sociedade comercial melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 29 de Novembro de 2018, (acto recorrido) que não atendeu à reclamação em que a ora Recorrente solicitava a revisão da matéria colectável referente ao exercício de 2010, mantendo a mesma em MOP$172,664,288.00, e aplicou o agravamento a título de custas de 0.01% sobre a colecta.
Por douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformada com a dita sentença, a A Limited interpôs o presente recurso jurisdicional em cujas conclusões coloca, em síntese, as seguintes questões:
• Da caducidade do direito à liquidação;
• Do erro nos pressupostos de facto e de direito do acto recorrido;
• Da dupla tributação.

2.
Nos termos previstos na norma do artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se nos termos que seguem.

2.1.
   2.1.1.
   Alega a Recorrente que a douta sentença recorrida incorreu em erro ao julgar que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação por si invocada.
   Em seu entender, a caducidade a que se refere o artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro, refere-se ao direito à liquidação do imposto e daí que, se tal direito tiver caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto de liquidação propriamente dito.
   Por outro lado, diz ainda a Recorrente, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, não pode invocar-se a norma do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para permitir liquidações para lá dos 5 anos a que se refere o dito artigo 55.º do RICR.
   Alegou, finalmente, que, ao contrário do que parece assumir o Tribunal Recorrido, não foi ainda renovado o acto de liquidação na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que a Administração ainda teria de praticar esse acto e notificar a Recorrente do mesmo, o que até ao momento ainda não fez (conclusão 23).
    Salvo o devido respeito, e pelos motivos que de seguida explicitaremos, parece-nos a Recorrente não tem razão e que, pelo contrário, decidiu bem a Meritíssima Juíza a quo.
   Vejamos.
   
   2.1.2.
   Preceitua-se na norma do n.º 1 do artigo 55.º do RICR, cuja epígrafe é «prescrição», que «a liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar».
   Apesar de, na sua letra, a norma se referir à prescrição da liquidação, o seu sentido correcto é o de que o que ali se prevê é um prazo de caducidade do direito à liquidação e não de prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação do imposto. Isto porque, subjacente a tal previsão estão razões de segurança jurídica e de previsibilidade económica que têm em vista evitar que o contribuinte possa ser confrontado, a todo o tempo, com pretensões da Administração fiscal, por um lado, e razões ligadas a uma gestão eficiente por parte da própria Administração, obrigando-a a exercer os seus poderes num prazo relativamente curto (assim, na doutrina portuguesa, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, 2018, pp. 426-427).
   Não é controvertido, estamos em crer, que a caducidade do direito à liquidação constitui uma ilegalidade da própria liquidação geradora da respectiva anulabilidade. Na verdade, quando a liquidação é feita para lá do prazo legalmente fixado para o exercício do respectivo direito por parte da Administração, ela é feita em violação da lei.
   Se assim é, cremos também não ser merecedor de controvérsia que essa ilegalidade que é própria do acto de liquidação, não pode ser invocada para suportar a impugnação contenciosa do acto destacável de fixação da matéria colectável, justamente porque não constitui um vício deste acto.
   Como se sabe, em sede de imposto complementar, a fixação do rendimento colectável pode ser impugnada perante a Comissão de Revisão nos termos previstos no artigo 44.º do RICR.
   Tal reclamação tem efeito suspensivo (artigo 44.º, n.º 3 do RICR), pelo que, no rigor dos termos, só quando a mesma se mostra decidida é que a Administração Fiscal está em condições legais de proceder à liquidação do imposto.
   O acto de revisão da fixação da matéria colectável é um acto destacável do procedimento, podendo, portanto, ser objecto de impugnação contenciosa autónoma mas apenas com base nos vícios próprios desse acto, no que constitui, assim, uma excepção legalmente prevista ao princípio da impugnação unitária. Com efeito, «os actos destacáveis são actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deve proferir a decisão final» (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Lisboa, 2006, p. 424).
   Paralelamente, se a Administração Fiscal, na sequência do indeferimento total ou parcial da reclamação do acto de fixação, proceder à liquidação do imposto em conformidade com essa quantificação da matéria colectável, fica o sujeito passivo obrigado a impugnar esse acto de liquidação caso entenda, naturalmente, que o mesmo enferma de alguma ilegalidade própria dele, não do acto destacável, que o vicie.
   Seja como for, mesmo que o sujeito passivo não impugne o acto de liquidação do imposto, importa salientar que da eventual procedência do recurso contencioso do acto da Comissão de Revisão que tenha indeferido a reclamação do acto de fixação do rendimento colectável resultará a nulidade daquele acto de liquidação, nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 1, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por isso que se trata de um acto consequente de um acto administrativo anteriormente anulado (no sentido de que o acto de liquidação é um acto consequente nulo quando é anulado o acto de fixação da matéria colectável, vejam-se, na jurisprudência portuguesa, entre outros, os acórdãos do STA de 18.10.2000, proc. n.º 25256; de 25.10.2000, proc. n.º 24962, de 8.11.2000, proc. n.º 25257, com sumários disponíveis em www.dgsi.pt.).
   Portanto, de acordo com o esquema legalmente desenhado, o sujeito passivo pode impugnar contenciosamente o acto destacável praticado pela Comissão de Revisão com base em vícios próprios desse acto e pode, igualmente, atacar em juízo o acto final de liquidação pelos vícios próprios do mesmo, não havendo sequer obstáculo a que a impugnação contenciosa da liquidação seja apreciada, relativamente aos vícios próprios desse acto, antes da apreciação da impugnação do acto destacável (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código…, p. 868).
   O que, à luz da lei, não é admissível, parece-nos óbvio, é que o sujeito passivo invoque (e que o tribunal aprecie e conheça…) na impugnação do acto destacável vícios que são próprios do acto final do procedimento ou seja, no caso, do acto de liquidação.
   
   2.1.3
   Regressando à situação em apreço.
   Alegou a Recorrente, na douta petição inicial do recurso contencioso, que o acto recorrido, que é, justamente o acto destacável praticado pela Comissão de Revisão que manteve a fixação do rendimento colectável, lhe foi notificado no final do mês de Dezembro de 2018, ou seja, quando, no seu entender, se encontrava há muito ultrapassado o prazo de caducidade previsto naquela norma do n.º 1 do artigo 55.º do RICR (cfr. artigo 48.º da petição de recurso contencioso) e, por isso, esse acto padeceria da ilegalidade resultante de tal caducidade.
   É evidente que esta alegação não podia deixar de improceder. Por duas razões.
   (i) A primeira e decisiva razão, porque, como dissemos, a caducidade do direito à liquidação não afecta nem pode afectar a legalidade do acto que indeferiu o pedido de revisão da fixação da matéria colectável, por se tratar de um vício próprio do acto de liquidação. A inobservância do prazo de caducidade apenas pode gerar a ilegalidade do acto liquidação; não do acto de fixação da matéria colectável, pressuposto daquele, e único que nos presentes autos se encontra sob impugnação contenciosa.
   Permitir que na impugnação contenciosa do acto de revisão da fixação da matéria colectável se invoque um vício próprio do acto de liquidação, e, mais do que isso, como já vimos decidido, anular aquele acto com base num vício próprio do acto de liquidação, nomeadamente a caducidade do direito à liquidação, é, a nosso ver e com todo o respeito o dizemos, juridicamente insustentável. Por três motivos.
   Em primeiro lugar por uma questão de indispensável rigor técnico-jurídico. Sendo o recurso contencioso de mera legalidade, a impugnação de um acto só pode ser feita com base em vícios geradores da ilegalidade desse acto e não de um outro acto.
   O segundo motivo prende-se com o facto de, nessa situação, o tribunal conhecer de um vício que é próprio de um acto praticado por um órgão administrativo que é distinto da entidade recorrida, o que levanta questões delicadas em matéria de legitimidade passiva para o recurso contencioso, de garantia de exercício do contraditório e em relação ao alcance do caso julgado.
   O terceiro motivo tem que ver com o facto de, a permitir-se que a legalidade da liquidação seja fiscalizada por via indirecta na impugnação do acto de revisão da fixação da matéria colectável, tal redundar, na prática, na isenção, ilegal, do sujeito passivo do ónus de impugnação administrativa necessária. Ora, como se sabe, o Tribunal de Última Instância uniformizou jurisprudência, através do seu Acórdão de 16 de Outubro de 2019, publicado no Boletim Oficial, n.º 45, I Série, Suplemento, de 11 de Novembro de 2019, no sentido de que a utilização da via contenciosa para atacar a liquidação implica a prévia utilização dos meios graciosos da reclamação e do recurso hierárquico.
   Portanto, isto bastaria, para que se concluir que a invocada caducidade do direito à liquidação não poderia ser invocada nem conhecida no recurso contencioso que tem por objecto o acto recorrido e que, desta forma e com este alcance, teria esse vício de ser julgado improcedente.
   (ii) A segunda razão, que seria sempre subsidiária porque, na verdade, é inultrapassável o obstáculo que impede o conhecimento daquele vício no âmbito da impugnação contenciosa do acto recorrido, que justificava a improcedência do vício da caducidade do direito à liquidação invocado pela Recorrente também foi aflorada pela douta sentença recorrida.
   Com efeito, o acto recorrido foi praticado na sequência de uma decisão judicial anulatória de um anterior acto de revisão da fixação da matéria colectável, constituindo, portanto, um acto renovador do acto anulado.
   Ora, durante o período de execução espontânea a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), na sequência da anulação de um acto tributário, a Administração Fiscal tem o poder de praticar um novo acto, nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
   Como é evidente, a prática desse novo acto rege-se pelas regras próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória, pois que ele não representa, em primeira linha, o exercício do poder autónomo de praticar actos tributários ou em matéria tributária, esse teve lugar quando da prática do acto anulado, mas, antes, do poder-dever de executar as decisões judiciais anulatórias que flui do n.º 1 do artigo 174.º do CPAC.
   Este entendimento que nos parece que se impõe com meridiana clareza tem também sido seguido na jurisprudência comparada que nos é próxima (veja-se, por mais recente, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 12.2.2020, processo n.º 188/14.3BEAVR, em cujo sumário se pode ler: «ocorrendo anulação do acto de liquidação, a AT não está impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado»).
   Compreende-se, aliás, que assim seja, sob pena de as inevitáveis delongas processuais reverterem, sem qualquer razão substancial, em grave prejuízo para o interesse público e em injustificado benefício para os interesses particulares dos contribuintes.
   Donde, o prazo do exercício do direito à liquidação do imposto por parte da Administração a considerar, quando esteja um acto renovador de um acto judicialmente anulado, não ser aquele a que alude o n.º 1 do artigo 55.º do RICR (a não ser que este ainda se mostre esgotado) mas, antes, o de 30 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do CPAC (não compreendemos por isso, o decidido sobre esta particular questão, por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em 24 de Junho de 2020, no processo n.º 327/2020, com todo o respeito o dizemos).
   Ora, na petição inicial, a Recorrente limitou-se a alegar que ocorrera a caducidade do direito à liquidação porque foi notificada do acto recorrido em Dezembro de 2018, o que implicaria, em seu entender, que estando em causa imposto respeitante ao exercício de 2010, o prazo de 5 anos a que se refere o artigo 55.º do RICR já estivesse ultrapassado.
   Mas não é assim, como vimos.
   Por um lado, a Administração Fiscal executou o julgado anulatório proferido no recurso contencioso n.º 1144/14-CF em devido tempo e, por outro lado, na petição inicial do recurso contencioso dos presentes autos, a Recorrente nada alegou quanto à existência ou inexistência de uma nova liquidação, pelo que, face à singeleza do que foi alegado no articulado inicial, a conclusão que se impunha era aquela que foi tirada pela douta decisão recorrida: a de que não ocorreria a invocada caducidade, certamente no pressuposto de que a Administração Fiscal praticara, entretanto, um novo acto de liquidação cuja legalidade não estava em causa nestes autos.
   Sucede que, no presente recurso jurisdicional, a Recorrente veio alegar, pela primeira vez, diga-se, que não foi ainda renovado o acto de liquidação na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável (conclusão 23).
   Mas esta alegação não altera o que quer que seja.
   Desde logo porque esta alegação é nova e, como tal, insusceptível de ser conhecida por esse Venerando Tribunal.
   Depois, porque, ainda que assim não se considere, o certo é que continua a verificar-se o inultrapassável obstáculo que acima apontámos à procedência da pretensão da Recorrente decorrente do facto de não se poder conhecer de um vício que é próprio de um acto na impugnação contenciosa de outro acto para, com base nele, anular este.
   Finalmente, porque não faz qualquer sentido atacar contenciosamente, ainda que de modo enviesado, um acto tributário que não foi praticado (salvo, naturalmente, quando se trate de actos juridicamente inexistentes). Se o direito à liquidação não foi exercido, como agora alega a Recorrente, não pode esta invocar judicialmente a caducidade desse direito porquanto falta o acto tributário que consubstancia o exercício do mesmo por parte da Administração. Se, entretanto, a Administração Fiscal praticou ou vier a praticar um novo acto de liquidação, estará o mesmo sujeito a impugnação contenciosa, uma vez esgotadas as necessárias vias graciosas, nos termos legais.
   Por tentador que seja, é legalmente inviável, neste contexto, «matar dois coelhos de uma cajadada», se nos é permitida a expressão, procurando impedir a Administração de, através do ataque contencioso ao acto destacável com base num vício que não é próprio dele, praticar um novo acto de liquidação, dessa forma libertando a Recorrente do ónus da respectiva impugnação, no que seria uma espécie de antecipação de tutela judicial que a lei obviamente não contempla.
   
   2.1.4.
   Uma última nota.
   Aparentemente, pelo que a Recorrente agora alegou no sentido de que não terá sido efectuada uma nova liquidação de imposto na sequência da anterior anulação do acto de revisão da fixação da matéria colectável, a Administração Fiscal considera que o primitivo acto de liquidação se mantém na ordem jurídica, daí que o não tenha renovado, e que, por isso, o mesmo constituirá título jurídico bastante para justificar e dar cobertura, à transferência patrimonial da Recorrente para a Administração que, a seu tempo, teve lugar através do pagamento do imposto liquidado.
   Se é esse o entendimento da Administração Fiscal, então ele é errado.
   É incontroverso que a anterior liquidação foi feita dentro do prazo legal de 5 anos a que se refere o artigo 55.º do RICR e que, por isso, manifestamente, não padece do vício da caducidade do direito à liquidação.
   No entanto, a anulação judicial do acto de revisão da fixação da matéria colectável implicou, como já referimos, que o acto de liquidação, como acto consequente, tenha ficado ferido de nulidade, nos termos previstos na alínea i) do n.º 1 do artigo 122.º do CPA. Como tal, impunha-se que a Administração, na sequência da anulação contenciosa anteriormente decretada do acto de fixação da matéria colectável, tivesse renovado não só o acto anulado mas também que tivesse praticado um novo acto de liquidação. Não o tendo feito, por considerar que o anterior acto de liquidação se mantém na ordem jurídica, tem a Recorrente a possibilidade de, acaso pretenda a inequívoca eliminação desse acto da ordem jurídica, a todo o tempo, interpor recurso contencioso autónomo desse acto, pedindo, precisamente, a respectiva declaração de nulidade. Isto, note-se, sem prejuízo de, se tal nulidade vier a ser declarada, a Administração, no pressuposto da improcedência da impugnação contenciosa do acto de revisão da fixação da matéria colectável (o acto recorrido nestes autos), poder, legalmente, proceder à sua renovação, dada a natureza formal do vício que conduziu à prévia anulação judicial do acto destacável (quanto a este último ponto, também neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do STA de Portugal de 4.11.2009, processo n.º 665/09, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt, onde acertadamente se decidiu: «nos casos em há autonomização da impugnação contenciosa do acto de avaliação, quando a invalidade de um acto de liquidação deriva exclusivamente da invalidade daquele anterior acto, a natureza do vício que afecta o acto consequente é a mesma do vício que afecta o acto pressuposto». Discutível será apenas se essa renovação, a ter lugar, tem ou não eficácia retroactiva dado tratar-se de um acto impositivo de deveres).
   Em todo o caso, importa sublinhar, esse pedido de declaração de nulidade terá de ser feito em recurso contencioso autónomo.
   Concluindo, diremos que decidiu bem, em nosso modesto entender, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo quando julgou improcedente o alegado vício da caducidade do direito à liquidação, devendo, por isso, ser desatendido este primeiro fundamento do recurso jurisdicional (contrariamente ao que decidiu esse Venerando Tribunal nos recentes acórdãos de 24 de Junho de 2020, tirados nos processos 326/2020 e 327/2020, que obviamente respeitamos mas com os quais não podemos, de forma alguma, concordar).
   
   2.2.
   2.2.1.
   Abordemos agora a segunda das questões colocadas pela Recorrente no presente recurso.
   Se bem alcançamos o sentido da alegação da Recorrente, quer na petição inicial do recurso contencioso quer, agora, no recurso jurisdicional, a mesma considera que os rendimentos que auferiu no ano de 2010 tiveram a sua origem num contrato que celebrou com a E (E), o qual, pelo que diz, é um contrato de associação em participação, enquadrável no artigo 551.º do Código Comercial. Nos termos desse contrato, a Recorrente, como associada, participa nos lucros da E, enquanto associante, restringindo-se essa associação a uma remuneração mensal por participação nas receitas da E na actividade de jogos de fortuna ou azar no casino situado num espaço localizado dentro de determinado hotel. Ainda de acordo com a alegação da Recorrente, a proprietária do dito hotel concedeu-lhe uma autorização para o uso do espaço afecto à actividade de casino, consistindo a contribuição patrimonial da Recorrente em facultar à E o acesso a esse espaço e, adicionalmente, a assunção de todos os encargos inerentes ao marketing, promoção, publicidade, gestão e angariação de clientes e coordenação de todas as actividade do casino.
   Por outro lado, a Recorrente considera que o entendimento da Direcção dos Serviços de Finanças nesta matéria, desde 2006 e mantido em 2013, tem sido o de considerar isentos de imposto complementar de rendimentos, os montantes pagos pela E, no âmbito da sua actividade de jogo, como remuneração às suas associadas através de acordos de natureza idêntica ao que aquela Sociedade celebrou com a ora Recorrente.
   Por isso, a Administração Fiscal teria incorrido num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a E, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza celebrados entre a E e as suas associadas para, depois, negar a isenção de imposto complementar que concede às demais associadas da E.
    Ainda segundo a Recorrente, o acto recorrido também estaria afectado do vício de violação de lei por ofensa aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
   
   2.2.2.
   Salvo o devido respeito, parece-nos que o acto recorrido não se mostra viciado pelo erro nos pressupostos de facto e de direito por si invocado em sede de recurso contencioso.
   Procuraremos, em termos breves, demonstrar porquê.
   Desde logo, importa que comecemos por analisar a fundamentação do acto recorrido de modo a que se possam apreender as razões ou motivos de facto e de direito que estiveram na base da sua prática.
   Daquela fundamentação resulta que a Administração Fiscal decidiu indeferir a reclamação do acto de fixação da matéria colectável apresentada pela Recorrente com base, entre outras, nas seguintes razões:
   (i) O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º do RICR que as pessoas singulares ou colectivas aufiram na Região (ponto 1 da fundamentação do acto recorrido);
   (ii) O rendimento global é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial (ponto 2 da fundamentação do acto recorrido);
   (iii) A ora Recorrente pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através da contabilidade devidamente organizada (ponto 4 da fundamentação do acto recorrido);
   (iv) A ora Recorrente não se enquadra em qualquer norma de isenção das previstas no RICR, nomeadamente na prevista no respectivo artigo 9.º, nem se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001, dado que não é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar (pontos 5, 6 e 7 da fundamentação do acto recorrido);
   (v) A E, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial sobre o jogo, enquanto a Recorrente aufere um rendimento como contrapartida pela prestação de um serviço à E (ponto 12 da fundamentação do acto recorrido);
   (vi) A lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação do rendimento colectável do imposto complementar e assim, verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, a Administração Fiscal extrai as consequências jurídicas da verificação dos pressupostos da tributação (pontos 10 e 15 da fundamentação do acto recorrido).
   Sendo esta, pelo menos em parte, a fundamentação do acto, não se vê que o mesmo enferme do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito que lhe é imputado pela Recorrente.
   Desde logo, tal como já sucedia no recurso contencioso, a Recorrente continua a não invocar qualquer norma fiscal relevante, seja norma de incidência positiva, seja norma de incidência negativa que dê o indispensável suporte jurídico à sua pretensão anulatória do acto recorrido.
   Se bem vemos, a Recorrente continua a insistir num equívoco, laborando, assim, em manifesto erro. Na verdade, ao contrário do que alega no ponto 4 das conclusões do seu douto recurso, o ponto essencial da fundamentação do acto recorrido não é o de que a remuneração por si obtida no quadro do contrato que celebrou com a E esteja sujeita a tributação em sede de imposto complementar em virtude de o seu contrato, ao contrário do que sucedeu com os contratos de outras sociedades que também têm relações comerciais com a E, não ter sido autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ).
   É certo que no ponto 8 da fundamentação da deliberação recorrida, a Comissão de Revisão compara expressamente a situação da reclamante com a de outros contribuintes, designadamente aqueles cujo contrato com a E tenha sido autorizado (leia-se: autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos), considerando que estamos perante situações diferentes, e, em consequência, não haveria violação do princípio da igualdade.
   Todavia, basta ler a restante fundamentação do acto recorrido para perceber que não foi com base na razão enunciada nesse ponto 8 que a Entidade Recorrida decidiu da forma que decidiu.
   O que resulta, fora de dúvida, da fundamentação do acto recorrido é que a Recorrente é uma pessoa colectiva (sociedade comercial) que, no exercício correspondente ao ano de 2010, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial que aqui desenvolveu. Por isso, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), estão preenchidos pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar (sempre se diga que a ora Recorrente é, fora de dúvida, uma empresária comercial e a actividade que desenvolveu e da qual provieram os rendimento tributados é uma actividade comercial, nos termos resultantes do disposto nos artigos 1.º, alínea b), 2.º, n.º 1 e 3.º do Código Comercial. Tanto assim que a ora Recorrente apresentou em devido tempo a sua declaração de rendimentos para efeitos de imposto complementar modelo M/1).
   Por outro lado, como igualmente resulta do acto recorrido, não se vislumbra que a Recorrente se enquadre em qualquer previsão normativa que consagre uma isenção fiscal em relação a tais rendimentos. Nomeadamente, a Recorrente não se enquadra no âmbito subjectivo da previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), pois que esta apenas abrange as concessionárias da exploração de jogo de fortuna ou azar, qualidade que a Recorrente manifestamente não detém, nem os seus rendimentos são enquadráveis em qualquer das alíneas elencadas no artigo 9.º do RICR, nomeadamente na da alínea e) do seu n.º 1.
   Assim, verificando-se os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar e não havendo norma legal que imponha ou permita a isenção da tributação, estava a Administração Fiscal, por força do princípio da legalidade administrativa consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, obrigada a fixar a matéria colectável com vista à subsequente liquidação do imposto devido nos termos em que o fez, tal como, expressa e inequivocamente resulta da fundamentação do acto recorrido.
   De resto, não vemos como poderia ser de modo diverso.
   É verdade que, como já referimos, no ponto 8 e no ponto 17 da aludida fundamentação, a Comissão de Revisão fez apelo a outras considerações motivantes para além destas que mencionámos, qualificando o contrato celebrado entre a E e a ora Recorrente como um contrato de prestação de serviços e distinguindo a situação da ora Recorrente da de outras «associadas» da E.
   Todavia, o facto de a Entidade Recorrida ter feito essas considerações e ter invocado tais motivos não tem a implicação invalidante do acto recorrido que a Recorrente, erradamente, insiste em atribuir-lhe.
   Com efeito, a obrigação tributária é uma obrigação ex lege e não ex voluntate, o que quer dizer que a obrigação nasce pela mera concretização de um dado pressuposto legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte (cfr., nestes termos, por todos, SÉRGIO VASQUES, Manual…, p. 420).
   Assim, ainda que se viesse a considerar que, em relação àqueles fundamentos excrescentes, a Administração Fiscal actuou em erro, nem por isso a consequência dessa actuação seria a da anulação do acto recorrido.
   É que, estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos expressamente invocados pela Entidade Recorrida, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (neste sentido, pode ver-se, na jurisprudência comparada, o Ac. do STA de 5.5.2007, processo n.º 0730/06, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt).
   Ao que acresce que, a circunstância de a Administração Fiscal, alegadamente, não ter seguido, no caso da Recorrente, o entendimento que anteriormente definira para casos semelhantes, não gera a ilegalidade do acto recorrido, quando se constata que este resultou, como aqui sucede, de uma correcta aplicação vinculada da lei.
   Aliás, as isenções fiscais, pois que é isso que, no fim de contas a Recorrente pretende ver reconhecido, por isso que representam despesa fiscal, estão sujeitas, como é evidente, ao princípio da legalidade. Portanto, a Administração fiscal só pode isentar um contribuinte do pagamento de imposto quando, em relação a ele se verifiquem, os pressupostos legais para conceder tal isenção (neste mesmo sentido de que a Administração carece de lei habilitante para poder isentar os contribuintes de impostos ou de taxas, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 22.6.2016, processo n.º 20/2016). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso presente. A Recorrente não preenche os pressupostos legalmente previstos de qualquer isenção fiscal de imposto complementar de rendimentos, pelo que resulta deslocada, com todo o respeito o dizemos, a invocação que aquela faz dos princípios gerais da actuação administrativa para, com base numa alegada violação dos mesmos, sustentar a ilegalidade do acto recorrido (de resto, como é sabido e tem sido continuamente reafirmado pelos nossos tribunais, a violação de tais princípios só assume relevância autónoma quando está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração, o que, no caso, não sucede: entre muito outros e por último, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
   Ainda que a Administração Fiscal tenha reconhecido a isenção de tributação em sede de imposto complementar relativamente a rendimentos remuneratórios obtidos por outras sociedades comerciais no âmbito de contratos de tais sociedades celebrados com a E e em tudo idênticos àquele que foi celebrado entre esta e a Recorrente, é pacífico que esta nunca poderia fundar aí a sua pretensão impugnatória na exacta medida em que, a ser assim, aquele alegado reconhecimento sempre estaria ferido de ilegalidade, ao invés, como vimos, do que sucede com o acto recorrido: keine Gleichheit im Unrecht!
   Eis porque, em nosso parecer, a douta decisão recorrida andou bem ao julgar improcedente o alegado vício de erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios gerais da actividade administrativa invocado pela Recorrente.
   
   2.3.
   2.3.1.
   Do mesmo modo, e com isto entramos na análise da última das questões pleiteadas pela Recorrente no presente recurso, entendemos que a sentença impugnada não é merecedora de censura por ter desatendido o invocado vício de violação de lei do acto recorrido, por, alegadamente, ter afrontado a intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, de pretender eliminar a dupla tributação (cfr. conclusões 29 e 38 das alegações de recurso).
   Para a Recorrente existiria uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, sendo manifesta, segundo alega, a existência de identidade do facto tributário, dado haver uma sobreposição dos valores a considerar como matéria colectável verificando-se, por isso, uma verdadeira situação de dupla tributação.

   2.3.2
   Também aqui, pelos motivos que de seguida enunciaremos, parece-nos que a Recorrente não tem razão.
A dupla tributação distingue-se da duplicação de colecta na medida em que, nesta, ocorre a aplicação repetida da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, exigindo-se do contribuinte o pagamento de um imposto que este, ou um terceiro, já pagou, ao passo que, naquela, são várias as normas de incidência que se aplicam ao mesmo facto tributário.
   Em abstracto, a dupla tributação não só não é ilegal como pode até ser desejada pelo legislador (neste sentido, na jurisprudência portuguesa, cfr. o Ac. do STA de 12.7.2006, processo n.º 126/06, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt).
   Portanto, ao contrário do que parece ser o douto entendimento da Recorrente, a chamada dupla tributação, diferentemente do que sucede com a duplicação de colecta, que, no caso, não foi alegada nem ocorre, dada a falta da identidade do imposto, não é geradora da ilegalidade do acto tributário (apesar de, entre nós, estar prevista expressamente como fundamento de oposição à execução fiscal, na alínea d) do artigo 169.º do Código das Execuções Fiscais, deve entender-se que a duplicação de colecta pode constituir vício gerador da anulabilidade da liquidação e, portanto, fundamento de recurso contencioso desse acto, veja-se, na jurisprudência comparada portuguesa, entre outros, o Ac. do STA de 8.7.2009, processo n.º 530/09, disponível para consulta no endereço electrónico www.dgsi.pt).
   É certo que a tributação da E pelas receitas da exploração de jogo de fortuna ou azar em sede de imposto especial sobre o jogo e a tributação da ora Recorrente em sede de imposto complementar de rendimentos por uma remuneração derivada daquelas receitas, pode consubstanciar uma situação de dupla tributação económica, porquanto existe tributação do mesmo rendimento, relativamente ao mesmo período de tempo na esfera de dois sujeitos passivos diferentes, mas, como se disse, a dupla tributação, seja económica seja jurídica, não gera, por si, a ilegalidade da liquidação de um imposto nem, anteriormente, do acto destacável da fixação da matéria colectável.
   De resto, a existência da previsão constante do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (cujo teor é o seguinte: «Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos») é demonstração bastante, cremos, de que, em princípio, não há obstáculo legal à tributação de rendimentos em sede de imposto especial sobre o jogo e de imposto complementar de rendimentos, na medida em que o mecanismo de eliminação da tributação do mesmo sujeito passivo através de impostos diferentes mas incidentes sobre o mesmo rendimento ali contemplado não é de funcionamento automático, antes depende de uma apreciação casuística, sendo justificada com base no concreto motivo de interesse público.
   Por isso, também neste particular nos parece que decidiu bem a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo, devendo, como tal, improceder este fundamento do presente recurso jurisdicional.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Em face do teor das conclusões tecidas nas alegações do recurso jurisdicional, a título principal, a recorrente, vem insistir apenas na invocada caducidade do direito à liquidação, como fundamento da procedência do presente recurso jurisdicional e do provimento do recurso contencioso de anulação.

A proceder este fundamento, invocado a título principal, ficará necessariamente prejudicado o conhecimento das restantes questões subsidiariamente colocadas.

Assim, vamo-nos debruçar sobre ela primeiro.

Esta questão, colocada a título principal, no fundo consiste em saber se, decorrido o prazo de 5 anos previsto no artº 55º/1 do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos», fica a Administração fiscal impedida de voltar a proceder à fixação do rendimento colectável da recorrente, mesmo na sequência da anulação pelo Tribunal Administrativo da fixação da matéria colectável e ao abrigo do disposto no artº 174º/1 do CPAC.

A propósito dessa mesma questão, este TSI já se pronunciou em vários Acórdãos, nomeadamente nos Acórdãos tirados nos processos nºs 325/2020 e 529/2020, respectivamente de 17DEZ2020 e de 17SET2020.

Nesse último processo, o Acórdão fundamentou o juízo conclusivo de que ficou caducado o direito de liquidação no seguinte:
  Sobre a natureza do acto da Comissão de Revisão é esclarecedor o Acórdão deste Tribunal de 13.02.2014 proferido no Processo nº 221/2009, onde se diz que:
  «Com efeito:
  1 - Da fixação do rendimento colectável cabe “impugnação” através de reclamação para a Comissão de Revisão (cfr. arts. 44º, nº4 e 80º, nº1, do RICR).
  2 - Esta reclamação tem efeito suspensivo (art. 44º, nº3, do RICR).
  Significa que a decisão reclamada não pode ser dada à execução pela Administração Fiscal e que precisa de esperar pelo resultado final e definitivo da deliberação da Comissão de Revisão. É assim, aliás, que sucede com qualquer acto administrativo de que não caiba recurso contencioso, face ao disposto no art. 150º, do CPA.
  3 - A deliberação tomada nessa sede em 3/03/2008 é considerada acto definitivo de que cabe recurso contencioso para o tribunal administrativo (art. 80º, nº2, 81 e 82º, do RICR).
  4 - A reclamação graciosa que se seguiu àquela deliberação é deduzida perante a mesma Comissão (art. 77º, nº1, RICR) e tem efeito meramente devolutivo (art. 78º, nº1, RICR), não interrompendo o prazo do recurso contencioso (art. 84º, nº2, RICR), tal como sucede no regime geral da reclamação administrativa nos termos do art. 150º, nº2, do CPA.
  Serve esta incursão normativa, apresentada sob a forma de breve resenha, para esclarecer que a reclamação graciosa tinha apenas em vista a tentativa de obter uma decisão favorável no seio da Administração Fiscal, mas que não invalidaria, de maneira nenhuma, a necessidade de recorrer contenciosamente da deliberação anterior da Comissão de Revisão. Esse, sim, é que era o acto administrativo definitivo e executório (sublinhado e negrito nosso), a última palavra da Administração Fiscal, tal como decorre sem sombra de dúvida do conjunto de normas citado, e, consequentemente, o único recorrível contenciosamente.».
  Ou seja, como resulta do acórdão citado o acto tributário que define a matéria colectável para efeitos de incidência de ICR é a decisão da Comissão de Revisão.
  Uma vez que, de acordo com o disposto no artº 22º do CPAC o recurso contencioso não tem efeito suspensivo, aquele que haja sido interposto da decisão da Comissão de Revisão não suspende os efeitos desta decisão, o mesmo é dizer, não obsta à liquidação do imposto.
  Daí que, quando a agora Recorrente recorreu, antes, para o TA da decisão da Comissão de 11.08.2016, tal não haja obstado à liquidação do imposto e seu pagamento.
  Porém, aquela decisão da Comissão de Revisão nos termos do nº 4 do artº 44º do RICR veio a ser anulada por decisão do TA de 18.07.2018, transitada em julgado.
  Ora, se é anulada a decisão da Comissão de Revisão que fixa a matéria colectável não pode subsistir a liquidação que incidiu sobre a mesma e cujo pagamento veio a ser exigido em 21.09.2016 como resulta de fls. 18 do processo administrativo apenso.
  Antes de sabermos se a Administração poderia praticar um “novo acto administrativo/tributário” - no que, acompanhamos sem dúvida o Magistrado do Ministério Público junto do TA no seu Douto Parecer e a sentença recorrida -, há que conhecer dos efeitos da sentença anulatória do acto antes praticado.
  E aqui, não encontramos como justificar como é que, incidindo a liquidação de imposto sobre a matéria colectável, sendo erradicado o acto de fixação da matéria colectável pode subsistir o acto de liquidação que sobre ela incidia.
  Ora, é aqui que salvo melhor opinião na decisão recorrida se tenta ultrapassar a questão tentando demonstrar o indemonstrável.
  O acto administrativo que pode ser dado à execução é apenas a decisão da Comissão de Revisão.
  Se tivermos dois actos administrativos definitivos e executórios em que o segundo haja substituído o primeiro, a anulação do segundo, em determinadas situações pode significar a reposição do que havia sido primeiro praticado.
  Mas há um requisito essencial: ambos os actos têm de ser definitivos e executórios, o que não acontece entre o acto da Comissão de fixação e o acto da Comissão de Revisão.
  Ora como se viu supra só há um acto de fixação da matéria colectável, o qual, é o único que é contenciosamente recorrível e esse acto é o da Comissão de Revisão. Veja-se o citado acórdão deste Tribunal de 24.09.2015 proferido no processo nº 328/2015, transcrito supra na parte que releva.
  Logo, o único acto administrativo que se praticou e que foi impugnado e anulado, desapareceu da ordem jurídica e não lhe subsistiu acto nenhum, uma vez que o anterior (que por força da reclamação com efeito suspensivo) nunca foi um acto administrativo definitivo, já havia sido substituído por este outro que foi anulado.
  A não se entender assim, o contribuinte tinha de recorrer contenciosamente do acto da Comissão de Fixação, o que, como já se viu não é possível.
  A liquidação é essencialmente uma operação matemática que consiste na aplicação de uma taxa percentual a um determinado valor – matéria colectável expressa em numerário – de que resulta o apuramento de um resultado – colecta – que é o valor do imposto a pagar.
  Se é anulado o apuramento da matéria colectável não há como calcular a colecta. Logo a colecta que foi calculada sobre o apuramento de uma matéria colectável que foi anulada não pode subsistir.
  É isto que a Recorrente sustenta.
  E tem razão.
  
  Aqui chegados passemos à situação seguinte.
  
  Anulada a decisão da Comissão de Revisão de 11.08.2016, esgrime-se a decisão sob recurso, a justificar que a Administração Fiscal podia praticar novo acto, o que não sendo um erro “quanto à possibilidade de praticar outro acto”, não é absoluto porque esse acto só poderá ser praticado novamente se outra causa não houver que obste a tal.
  Dúvidas não há que, em teoria e abstractamente apreciando a questão, a Administração Tributária, no caso em apreço a Comissão de Revisão da matéria colectável, uma vez anulada a anterior decisão de fixação da matéria colectável por falta de fundamentação podia praticar um novo acto administrativo em matéria tributária de nova fixação da matéria colectável, agora devidamente fundamentado.
  E assim fez.
  Mas este acto “é novo”. Este acto é outro acto administrativo tributário. Este acto está fundamentado, é diferente e distinto do anterior. Por mera coincidência fixa um valor igual. Este acto novo é o acto da Comissão de Revisão de 01.02.2019.
  Mas sendo este acto de fixação da matéria colectável um “acto novo” então havia que daí retirar as devidas consequências.
  Como qualquer acto de fixação da matéria colectável ele visa que a administração fiscal por força da aplicação da taxa de incidência de imposto sobre a matéria colectável apure a colecta, isto é, o valor do imposto a pagar, ou seja, liquide o imposto a pagar.
  Assim pergunta-se onde está o acto de liquidação impugnável e que havia de ser atacado para se apurar da eventual caducidade do direito à liquidação?
  Decorre da decisão sob recurso que esse acto de liquidação é aquele que foi praticado em 2016.
  A ser assim a decisão sob recurso confunde entre a possibilidade da Administração praticar um “novo acto” e “renovação do acto em si”.
  A Administração Fiscal sem dúvida pode praticar (se outras causas a tal não obstarem) um novo acto de fixação da matéria colectável agora devidamente fundamentado. Mas este acto novo que se pratica não é a “renovação do anterior e anulado” no sentido de ir ocupar o lugar deste justificando “a posteriori” a liquidação que antes havia sido feita.
  Este acto de fixação da matéria colectável praticado em 2019 pela Comissão de Revisão, é um acto novo dando origem a todo um novo procedimento a partir do momento em que é proferido, nomeadamente, nova liquidação e lançamento para cobrança.
  Porém, não houve acto de liquidação algum, e aqui surge aquilo que apenas pode ser ficção, tentando transmutar este acto de fixação da matéria colectável de 01.02.2019 agora fundamentado, no acto que no anterior procedimento de liquidação de imposto decorrido no ido ano de 2016 foi anulado e como fixa o mesmo valor de matéria colectável e agora já está fundamentado, está sanado o vício. Isto seria como se a fundamentação apresentada “a posteriori” sanasse o vício do acto que já foi anulado “revalidando-o” e em momento algum se sustenta tal solução, por absurda que é.
  No procedimento de apuramento da matéria colectável e subsequente liquidação de imposto em 2016 o acto praticado pela Administração Tributária foi anulado.
  O acto praticado em 2019 é outro procedimento de apuramento da matéria colectável que haveria de conduzir a nova liquidação se fosse ainda possível.
  Imagine-se que ao fundamentar a nova fixação da matéria colectável a Comissão de Revisão encontrava agora um valor distinto. Dúvidas não há que havia que fazer nova liquidação.
  A situação é a mesma independentemente da alteração ou não do valor apurado.
  Escuda-se a decisão sob recurso que o artº 55º do RICR apenas se reporta à caducidade do direito à liquidação e que como a liquidação foi feita dentro desse prazo de 5 anos não ocorria aquela.
  Como vimos não é assim.
  O acto agora praticado de fixação da matéria colectável não é de convalidação do acto praticado em 2016, impugnado e anulado.
  Este é um acto novo, e todo o procedimento haveria de ser concluído antes de decorrido o prazo de 5 anos do artº 55º do RICR.
  A este respeito já se pronunciou o então Tribunal Superior de Justiça de Macau, no processo nº 927, em Acórdão de 18.11.1998, mas que por não ter sido alterada a norma sob que versa se mantém actual.
  «8.3. Conforme se afirma - e bem - na decisão recorrida, o procedimento tendente à aplicação da norma tributária material a cada caso concreto e que dará origem à prolação do acto tributário final ou conclusivo é complexo. Importa distinguir, por um lado, este acto tributário final dos restantes actos integrados na série procedimental que em relação a ele funcionam como actos pressupostos, actos preparatórios e actos complementares e, por outro, explicar a relevância destes últimos actos no valor jurídico do acto tributário, já que este valor pode ser afectado pela existência e validade daqueles.
  Por actos pressupostos costuma-se aqueles actos de qualificação jurídica de situações cuja verificação a lei reputa indispensável para que o acto tributário se possa praticar, ou se possa praticar de certo modo.
  Por sua vez, serão actos preparatórios aqueles que têm em vista preparar o acto tributário, habilitando a autoridade competente a manifestar uma vontade conforme à lei.
  Assim, os actos preparatórios não respeitam directamente ao problema da vontade, limitam-se, antes, a desempenhar uma função de reconhecimento ou a qualificar as situações jurídicas com base nas quais o acto tributário deverá ser praticado, enquanto que os actos preparatórios de conteúdo decisório inscrevem-se directamente no processo de manifestação de vontade da Administração fiscal, de que representam a expressa resolução de algum ou alguns dos seus antecedentes lógicos.
  Os actos complementares são aqueles actos que têm por fim condicionar a eficácia ou a perfeição do respectivo acto conclusivo.
  Dado que estes últimos actos já se encontram, no procedimento, a jusante do acto tributário, não assumem especial relevância na problemática que agora estamos a tratar.
  Mas, mesmo em relação aos actos pressupostos e actos preparatórios, eles só terão relevância no procedimento na medida em que consubstanciem questão condicionante do acto tributário de natureza substantiva, isto é, que se refira directamente à obrigação do imposto, que assumam a função de questão directa e imediatamente prejudicial de tal acto e que sejam, ao mesmo tempo, objecto de um acto expresso e autónomo em relação ao acto tributário final.
  Quer isto dizer que apenas se incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico relativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias (vide, no sentido exposto, o Prof Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, págs. 188 e segs, e págs. 243 a 258).
  Delimitados, assim, os actos pressupostos e actos preparatórios de conteúdo decisório com relevância condicionante e prejudicial no procedimento relativamente ao próprio acto tributário conclusivo ou final, importa agora determinar, não tanto em que categoria daqueles actos se inclue a fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do Grupo B, a que está sujeito o ora agravante, mas mais qual o regime jurídico aplicável àqueles actos, esse sim com interesse para o tratamento da última questão, suscitada pelo ora agravante, da prescrição da liquidação do imposto.
  Determina o nº 2 do artº 36º do RICR que compete à Comissão de Fixação - orgão colegial com a constituição e funcionamento referidos no artº 37° daquele diploma (ao qual pertencerão todas as normas a partir daqui citadas sem indicação de origem) - a determinação do rendimento colectável do imposto complementar dos contribuintes do Grupo B.
  A fixação do rendimento será feita, sem prejuízo do disposto nos artºs 19º a 35º e 36º, nº 3, em face das declarações dos contribuintes, eventualmente corrigidas com base em informações devidamente fundamentadas dos serviços de fiscalização ou de quaisquer outros elementos de que se disponha, e a decisão será fundamentada se fixar rendimento colectável divergente da declaração do contribuinte (artº 41º).
  Ficará depois sujeita a exame e a reclamação para a Comissão de Revisão e a deliberação desta, sobre a matéria, a recurso contencioso nos termos que atrás deixamos indicados nos artº 43º, nºs 4 e 5, 44º, nºs 2, 3 e 4, 80º, 81º, 82º e artº 7º da Lei nº 15/96/M.
  Deste modo, quer a fixação do rendimento colectável feita nos termos que resumidamente deixamos expostos seja enquadrada no conceito de acto pressuposto como atrás se deixou delineado - para que parece tender o Exmº Magistrado do MºPº no seu bem fundamento parecer final de fls. 144 a 151 -, quer no de acto preparatório de conteúdo decisório - no qual a parece enquadrar o Prof Alberto Xavier (in obra citada, pág. 224 a 227 e 245), dando aqui especial relevância ao facto de a determinação do rendimento co1ectável, nestes casos, de processos que decorrem perante as Comissões de fixação de rendimentos, ser um acto conclusivo de um processo gracioso autónomo que se enxerta necessariamente no decurso do processo gracioso tributário e, por conseguinte, consubstanciar uma manifestação de vontade da Administração fiscal que representa a expressa resolução de um antecedente lógico do acto tributário final -, o seu regime jurídico é sempre o mesmo e, consequentemente, o resultado prático que dela se pretende extrair.
  Na verdade, quer os actos pressupostos, quer os actos preparatórios, com a natureza atrás referida, para além de regras específicas a que estão sujeitos no que diz respeito à competência do orgão para a sua decisão - que tem necessariamente de caber a orgão diverso do que praticará o acto tributário -, têm efeitos especiais de conformação e invalidade derivada sobre o conteúdo do acto tributário e gozam ainda de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário por eles prejudicado.
  Ora, é destas últimas características de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário que resultam as principais consequências para a equação do problema da prescrição da liquidação do imposto.
  Com efeito, como vimos atrás, a lei faculta aos interessados, nestes casos da fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do grupo B, remédios impugnatórios de reclamação e de recurso contencioso em relação àquele acto autónomo conclusivo de um processo também autónomo ainda que rudimentar como é a fixação do rendimento colectável, de tal modo que, decorridos os prazos para a sua apresentação sem que tenham sido utilizados, se verifica uma preclusão processual da questão neles versada, que já não mais poderá ser discutida, daí resultando o fundamento do dever da autoridade fiscal se conformar com o conteúdo desse acto prejudicial.
  Quer tudo isto dizer que, in casu, enquanto os actos pressupostos prejudiciais ou actos preparatórios prejudiciais referidos não estiverem completamente estabilizados no procedimento, não se poderá passar à fase seguinte, do lançamento e liquidação do imposto, a não ser no caso de ser interposto recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão, já que aqui a lei atribui a tal recurso efeito meramente devolutivo (artº 85º). Porém, se porventura for invalidado tal acto prejudicial com fundamento em vícios próprios, então, nessa situação, essa invalidação acarreta a necessária invalidação derivada do acto tributário, que deve ser anulado, substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial, operando tal invalidade derivada automaticamente. (Neste sentido, autor e obra citada, pág. 256).
  Não funciona, assim, no procedimento tributário, na sua pureza, o chamado princípio da impugnação unitária segundo o qual deveriam reflectir-se no acto tributário final todas as ilegalidades dos actos preparatórios ou actos pressupostos, mas apenas aqueles vícios destes actos prejudiciais dos quais se tenha reclamado ou recorrido autonomamente.
  Delineado, assim, o regime jurídico dos actos prejudiciais, encontramo-nos em condições de, a partir de agora, apreciar a terceira e última questão da prescrição liquidação do imposto complementar referente aos exercícios de 1991 e de 1992.
  Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
  Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
  “Os prazos de caducidade, por sua própria natureza, pressupõem o interesse da rápida definição do direito, que se não-compadecem com dilações, já que protegem direito acabado de nascer e limita-o na sua distância, como afirma Carnelutti (citado pelo Dr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina na Lei e na Jurisprudência”, pág.49).
  Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
  O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
  O direito caducável existe até ao limite do prazo, extinguindo-se depois de modo a dele nada restar, porque se perdeu a possibilidade de o realizar por falta de exercício”.
  Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
  Deste modo, estes prazos não se suspendem nem se interrompem senão nos casos em que a lei o determina e a sua verificação só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo (artºs 328º e 331, nº 1, do Cód. Civil).
  Pelo contrário, na prescrição, que assenta na inércia e na negligência do titular do direito no seu não exercício e que visa fundamentalmente a realização de objectivos de conveniência e oportunidade, embora não lhe sendo, como é óbvio, estranhas razões de justiça e também a segurança jurídica e certeza do direito, a suspensão e interrupção dos prazos são admitidos como regra (vidé artºs 318º e segs. e 323º e segs. do cód. Civil).
  Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
  Ora, in casu, e partindo da solução, a que aderiu a decisão recorrida e vai confirmada no presente Acórdão e que é a mais favorável à Administração, de que o recorrente, ora agravante, foi notificado da fixação do rendimento colectável, respeitante aos exercícios de 1991 e 1992, em 31.12.96, e não apenas em 28.01.97, como é a tese do ora agravante - e considerando ainda, de acordo com a orientação mais correntemente seguida (vidé autor e obra citada, pág. 242, nota 129), de que só a partir da notificação da liquidação ao contribuinte, e não apenas da realização desta dentro do prazo, se impede os efeitos da caducidade -, mesmo assim teremos de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o direito à liquidação do imposto respeitante ao exercício de 1991 caducou nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR, porquanto, apesar de ter sido efectuada ainda no ano de 1996 e ter sido notificada ao agravante em 31.12.96, ela só poderia produzir efeitos decorrido que estivesse o termo legal dos 20 dias, contados após a notificação, seguidos de mais 30 dias, que a lei concede para a reclamação e sua apreciação pela Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável nos termos atrás indicados, pelo que a sentença recorrida irá ser revogada nesta parte.».
  Como decorre do citado Acórdão enquanto o “acto pressuposto” ou “acto preparatório” como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver “estabilizado no procedimento”, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
  Ora o acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido erradicado da ordem jurídica.
  Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
  O poder ser praticado novo acto, embora de conteúdo igual, mas agora expurgado do vício, não vem repristinar o acto inicial.
  Este acto de fixação da matéria colectável relativo ao exercício de 2012 apenas foi praticado em 2019 quando há muito se havia completado o prazo de caducidade a que alude o artº 55º do RICR já não podendo por força dele proceder-se aos actos subsequentes de lançamento e liquidação do imposto.
  Ao contrário do que se sustenta no Parecer do Ministério Público junto do TA - quando defende que o novo acto foi praticado nos 30 dias em que o podia ser -, não tem aplicação no caso em apreço o disposto no artº 174º do CPAC, o qual inserido no capítulo referente ao processo executivo visa o cumprimento das decisões que imponham à Administração a prática de um comportamento (vg. pagamento de uma quantia) ou de um acto administrativo de conteúdo vinculado.
  A sentença anulatória por falta de fundamentação, como é o caso dos autos quanto à fixação da matéria da colectável ocorrida em 2016, não cabe seguramente na previsão do artº 174º do CPAC.
  Em face da anulação do acto a Administração Tributária praticaria ou não um outro acto se ainda fosse possível, nomeadamente, se ainda pudesse haver lugar à liquidação de imposto.
  O fundamento invocado na decisão recorrida de que o artº 55º do RICR apenas se aplica à liquidação e não ao acto da fixação da matéria colectável, também nos termos em que é usado, não estando errado, não serve à solução do caso em apreço.
  Após a sentença anulatória da decisão da Comissão de Revisão a Recorrente pediu a devolução do imposto pago em 2016.
  Salvo melhor opinião, a anulação da liquidação de imposto de 2016 – como aliás decorre do citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau – é uma decorrência da anulação da decisão de fixação da matéria colectável.
  Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
  Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisão da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.
  Em termos de direito comparado o Regulamento do Imposto Complementar de rendimentos não segue o regime que se aplica em Portugal de impugnação unitária dos actos tributários que é feito através da impugnação da liquidação onde se discutem todos os vícios do procedimento, nomeadamente os actos de fixação da matéria colectável. Esta solução jurídica evita os problemas como aquele que temos agora, mas não foi a opção escolhida pelo nosso legislador.
  Havendo um regime de impugnação autónoma dos actos pressuposto ou actos preparatórios e do acto de liquidação, pode ocorrer – como sucede no caso em apreço – que após a realização do acto de liquidação (que ao tempo era possível) venha a ser anulado um dos actos pressuposto ou preparatórios.
  Não se pode exigir (nem a lei o faz) que o contribuinte tendo impugnado o acto pressuposto ou preparatório, haja, apenas para acautelar o seu direito que impugnar a liquidação, o que até nem faria sentido, porque se aquele não vier a ser anulado esta (a liquidação) não enfermaria de vício algum.
  No entanto se o acto pressuposto ou preparatório vier a ser anulado a liquidação sendo um acto subsequente daquele tem de ser anulada.
  Isto era o que se devia ter feito no caso em apreço e não se fez.
  Se ainda não houvesse decorrido o prazo de caducidade de 5 anos nada obstaria a que a Administração Fiscal praticasse novo acto de fixação da matéria colectável, inscrevesse o imposto para lançamento e procedesse à liquidação.
  O que nunca se poderia fazer é praticar um acto novo, expurgado dos vícios que o acto anulado tinha, e fazer crer que esse acto (novo) praticado posteriormente se insere no procedimento que se havia realizado antes.
  Ou seja, neste caso - que é o que parece que a Administração Fiscal e a sentença recorrida sustentam – o acto pressuposto ou preparatório é praticado 3 anos depois da liquidação e fica tudo sanado sem que se possa invocar a caducidade da liquidação porque essa tinha sido feita em tempo.
  É precisamente contra esta situação que o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau decidiu em 18.11.1998.
  No caso em apreço a Administração Fiscal em resposta ao requerimento da Recorrente, nada disse quanto à anulação da liquidação de 2016 e devolução do imposto, praticando um acto de fixação da matéria colectável para além dos 5 anos do prazo de caducidade da liquidação, não liquidando imposto e dizendo que a liquidação que subsiste foi a feita anos antes do acto de fixação da matéria colectável.
  Ora, este raciocínio viola manifestamente todo o procedimento de liquidação do imposto.
  A anulação do acto administrativo implica segundo as regras do direito a anulação de todos os actos subsequentes que dele dependam.
  A possibilidade de praticar um novo acto administrativo expurgado dos vícios do anterior que foi anulado, exige que se pratiquem de novo também os actos subsequentes que dele dependem.
  No caso dos autos ficámos num limbo em que nada se disse quanto à liquidação anterior, subsequente e decorrente do acto que foi anulado e não se fez nova liquidação decorrente do acto novo.
  Outra solução não resta que não seja a de, acompanhando o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau, concluir pela caducidade do direito ao procedimento de liquidação por força do disposto no artº 55º do RICR e consequentemente revogar o acto impugnado de fixação da matéria colectável de imposto complementar sobre o rendimento referente ao exercício de 2012 por violação de lei.
  Assim são de proceder as conclusões do recurso 1) a 15) e 16) a 18), sendo de anular a decisão recorrida.
  Em sentido idêntico e de onde resulta que a liquidação não pode ter lugar antes de concluído o processo de fixação da matéria colectável se concluiu no Acórdão deste Tribunal de 02.03.2000, Procº 34/2000, consultado em Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, Tomo I, de 2000 e no Acórdão de 24.06.2020 processo 327/2020.
  Procedendo a invocada caducidade do direito à liquidação e subsequente anulação do acto impugnado fica prejudicada a invocada apreciação de erro nos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.

Concordamos com este segmento da fundamentação do Acórdão tirado no processo nº 529/2020, e com efeito, não vejamos razões para não manter o entendimento ai vertido e convertê-lo, mutatis mutandis, na fundamentação do presente Acórdão, julgando procedente o presente recurso jurisdicional, e em consequência concedendo provimento ao recurso contencioso.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, e em substituição anular a deliberação da Comissão de Revisão, datada de 29NOV2018, que em sede da reclamação, manteve para o exercício de 2010 o rendimento colectável de MOP$172.664.288.00 e aplicando o agravamento de 0,01% sobre a colecta.

Sem custas por isenção subjectiva – artº 2º/1-b) do RCT.

Notifique.

RAEM, 28JAN2021

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

Mai Man Ieng

1 Muitos autores defendem o prazo alí previsto é o prazo de caducidade do direito à liquidação em vez da prescrição de uma obrigação tributária (cfr. «Apontamentos de Direito Fiscal», Hermínio Rato Rainha, Faculdade de Direito da Universidade de Macau e Fundação Macau, 1996, p. 219 a 221 e «Manual de Direito Fiscal», Sérgio Vasques, 2.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 426 a 427).
2 É do conhecimento público a “F Development Limited” é uma sociedade listada na bolsa da RAEHK e é titular da “Sociedade de Investimento Predial B, S.A.”.
3 É imaginável que todos os outros casos semelhantes, digamos em comum “satellite casinos” da “E”, cujos contratos celebrados entre os interessados e a “E”, para efeitos de dar em execução como um do leque dos casinos operados pela “E”, não foram objectos de apreciação e autorizadas pela autoridade competente. O que se distingue é apenas, no caso da “Sociedade de Investimento Predial B, S.A.”, existe um despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de deferimento do pedido de isenção fiscal sobre os lucros de jogos provenientes do contrato celebrado com a “E” (não consta nos autos dados referentes às outras duas sociedades, i.e, “Grupo de C (Macau) S.A.” e “Sociedade D (Macau) Lda.”, cujos contratos celebrados com a “E” foram também autorizadas pela DICJ, o que obviamente não se pode aplicar à recorrente por analogia.
4 Cfr. «Apontamentos de Direito Fiscal», Hermínio Rato Rainha, Faculdade de Direito da Universidade de Macau e Fundação Macau, 1996, p. 144.
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Ac. 517/2020-65