Processo nº 938/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data do Acórdão: 28 de Janeiro de 2021
ASSUNTO:
- Execução fiscal
- Reversão contra os gerentes
- Responsabilidade solidária e subsidiária
- Culpa
- Artº 297º do CEF
SUMÁRIO:
- O CEF aprovado pelo Decreto nº 38088 publicado no BO de 6.1.1951 por se tratar de legislação portuguesa que não foi produzida pelos órgãos legislativos do então Território de Macau deixou de vigorar na RAEM por força do disposto no nº 4 do artº 4º da Lei nº 1/1999 Lei de Reunificação;
- Por força do disposto no nº 8 do artº 4º da Lei de Reunificação conjugado com os artigos 142º nº 1 do CPA, artº 176º nº 1 do CPAC e artº 29º do Decreto-Lei nº 30/99/M, as normas relativas ao processo de execução fiscal do CEF aprovado pelo Decreto nº 38088 continuam a aplicar-se na RAEM;
- O artigo 297º do CEF aprovado pelo Decreto nº 38088 ao consagrar a responsabilidade solidária dos administradores ou gerentes das sociedades é uma norma de direito substantivo que estabelece os pressupostos daquela responsabilidade, pelo que, não está abrangida pela remissão referida no parágrafo anterior quanto às normas de direito adjectivo;
- Após a entrada em vigor da Lei da Reunificação a única norma que regula a responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades para com os credores da sociedade é o nº 1 do artº 249º do Código Comercial;
- A responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades para com os credores da sociedade nos termos do nº 1 do artº 249º do Código Comercial depende da inobservância pela sua parte de uma disposição legal ou estatutária destinada à protecção dos credores.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 938/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 28 de Janeiro de 2021
Recorrente: Director dos Serviços de Finanças
Recorridos: A
B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, e
B, ambos com os demais sinais dos autos,
vieram deduzir oposição à execução fiscal melhor identificada nos autos que contra si reverteu, invocando em síntese a sua ilegitimidade para a execução.
Pelo Tribunal Administrativo foi proferida sentença na qual se julgou procedente a oposição à execução fiscal e extinta a execução fiscal.
Não se conformando com a decisão recorrida veio o Director dos Serviços de Finanças interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 63 a fls. 72, de 21 de Maio de 2020, julgando procedente a Oposição à Execução Fiscal dos Executados, e neste sentido, declarando a extinção do presente processo executivo.
2) Entende o Meritíssimo Juiz “a quo” que a Administração Fiscal não provou a existência da culpa dos dois executados na gestão da sociedade de forma a ter tomado o património social insuficiente para a satisfação do respectivo crédito.
3) Em nosso entender a sentença faz uma errada aplicação da lei, uma vez que a existência de culpa, nos termos do Código das Execuções Fiscais, não é um requisito necessário para a reversão das dívidas contra os administradores, pelo que os mesmos eram parte legítima na execução.
4) De facto, existe uma responsabilidade solidária e subsidiária por dívidas que não possam ser cobradas dos originários devedores, genericamente prevista no artigo 295.º do CEF, e que determina a reversão das execuções contra essas pessoas, e concretamente, no artigo 297.º, uma responsabilidade dos gerentes das sociedades, por todas as contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado que forem liquidadas ou impostas a empresas ou sociedades de responsabilidade limitada, em relação a actos praticados ou actividades exercidas por essas sociedades ou empresas, sendo pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos administradores ou gerentes (...) desde que as mesmas dívidas não possam ser cobradas dos originários devedores.
5) No dia 29 de Novembro de 2017 foi aplicada uma multa pela DSAL à Companhia de C Lda., no montante de MOP1,410,000.00, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 32/94/M.
6) Não tendo a Sociedade efetuado o pagamento e tendo-se apurado que a mesma não se encontra activa no registo da Contribuição Industrial e que a dívida não pode ser cobrada da executada originária por falta de bens para garantir o pagamento do processo, a Chefe Auxiliar da REF determinou, nos termos dos artigos 295.º e 297.º do Código das Execuções Fiscais, a reversão contra os administradores A, B e D.
7) A multa foi aplicada no dia 29 de Novembro de 2017, data em que os executados eram ainda sócios e membros do órgão da administração e gestão da companhia em causa, o que, para efeitos de reversão é o requisito previsto na lei.
8) A prova da existência de culpa dos administradores por parte da Administração Fiscal, conforme refere a sentença recorrida, não é em nosso entender condição para a reversão da execução, competindo apenas à Chefe Auxiliar da REF verificar que actos foram praticados no período de gerência dos revertidos/executados e que as dívidas não podem ser cobradas dos originários devedores.
9) Em nosso entender, a sentença recorrida faz uma errada aplicação da lei ao estender o regime da responsabilidade dos administradores para com os credores da sociedade, prevista no artigo 249.º do Código Comercial, aos artigos 295.º e 297.º do CEF, concretamente equiparando o credor social à RAEM (administração fiscal) e exigindo a esta, para que o administrador responda pela obrigação, que faça prova da existência de culpa dos administradores na violação das normas destinadas à protecção do direito dos credores e que levou a que o património social se tomasse insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
10) As considerações mencionadas na sentença sobre a violação do principio da igualdade, ao não se distinguir o administrador diligente nas funções do administrador negligente não tem em nosso entender relevância quando está em causa uma reversão, situação em que não compete à Administração fazer um apuramento de responsabilidades, em sede de execução fiscal, quando o que a lei manda é que se reverta a execução contra os administradores pessoal e subsidiariamente responsáveis pelas dívidas, as quais, nos termos do artigo 297.º citado, são os administradores, aqui executados, pelo período da sua gerência.
11) O que determinou, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do CEF, que contra eles seguisse a execução, como seguiu, pelo que os mesmos executados/revertidos eram parte legítima na execução.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi proferido parecer onde concluiu pela manutenção da sentença recorrida negando-se provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Na sentença recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
➢ Os executados A e B eram sócios e administradores da “Companhia de C Lda.” (vd. a fls. 9-18 dos autos).
➢ Em 29 de Novembro de 2017, o Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) proferiu o despacho de “deferimento” no relatório n.º 039115/DIT/LMAY/2017, indicando que como a “Companhia de C Lda.” tinha violado a lei por ter registrado 141 não residentes para fins de emprego e ter-lhes arranjado trabalho, lhe seria aplicada a multa no montante de MOP$1.410.000,00 (vd. a fls. 626-634 dos autos administrativos).
➢ Em 27 de Dezembro de 2017, o despacho sancionatório acima mencionado foi recebido pelo representante legal da “Companhia de C Lda.” (vd. a fls. 635 dos autos administrativos).
➢ Em 13 de Janeiro de 2018, terminaram-se as funções de A e B acima mencionadas como administradores (vd. a fls. 15 dos autos).
➢ Em 15 de Março de 2018, a DSAL emitiu o certificado n.º EC-105/2018/DIT para a cobrança coerciva da multa no montante de MOP$ 1.410.000,00 (vd. a fls. 3 dos autos de execução fiscal).
➢ Em 29 de Março de 2018, a “Companhia de C Lda.” foi dissolvida e extinguida depois de ter completado a liquidação (vd. a fls. 17-18 dos autos).
➢ Em 15 de Maio de 2018, a Repartição das Execuções Fiscais da DSF abriu o processo de execução fiscal contra a “Companhia de C Lda.” (vd. a fls. 1 dos autos de execução fiscal).
➢ Em 17 de Janeiro de 2019, visto que a anterior “Companhia de C Lda.” não possuía bens para pagar as dívidas, a Repartição das Execuções Fiscais da DSF decidiu cobrar as dívidas a A, B e D (vd. a fls. 29 dos autos de execução fiscal).
➢ Citaram-se os executados A e B respectivamente em 31 de Janeiro de 2019 e em 3 de Fevereiro de 2019, para pagar a importância objecto do pedido de execução, com o selo de verba, os juros vencidos de 1% por mês e as dívidas e receitas do cofre (vd. a fls. 7 e 23 dos autos).
➢ Em 11 de Fevereiro de 2019 e em 12 de Fevereiro de 2019 respectivamente, os executados A e B apresentaram oposição.
b) Do Direito
É o seguinte o teor do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
Inconformado com a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A e por B, melhor identificados nos autos, e consequentemente extinta, quanto a eles, essa execução, veio o Chefe da Repartição das Execuções Fiscais da Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de Exequente, interpor o presente recurso jurisdicional, sustentando, em síntese, que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da lei na medida em que a existência de culpa não é, face às normas dos artigos 295.º e 297.º do Código das Execuções Fiscais, um requisito da responsabilidade subsidiária dos sócios da executada originária contra os quais foi revertida a execução.
2.
2.1.
Está em causa a questão de saber se, tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança coerciva da quantia de MOP$1.410.000,00 contra a sociedade comercial «Companhia de C, Lda.», podia o Exequente reverter a execução contra os Oponentes, na qualidade de responsáveis subsidiários, com fundamento na verificada falta de bens daquela sociedade comercial.
A decisão recorrida, depois de um percurso argumentativo solidamente fundamentado, concluiu que a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários depende da prova pela Administração Fiscal da culpa destes na insuficiência de bens da executada originária e, no caso, essa prova não se mostra efectuada pelo que a reversão foi ilegal com a consequente ilegitimidade dos executados para execução.
2.2.
Acompanhamos o assim doutamente decidido, não, no entanto, a integralidade da respectiva fundamentação.
Em nosso modesto entender, o artigo 297.º do Código das Execuções Fiscais (CEF), que serviu de base à prática do acto de reversão da execução fiscal contra os Oponentes, não faz parte do nosso ordenamento jurídico e, por isso, não pode fundamentar tal reversão.
Passamos a demonstrar porquê.
A Lei n.º 1/1999 (Lei da Reunificação), em relação à legislação vigente antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), estabeleceu dois princípios fundamentais:
(i) O princípio da continuidade da vigência da legislação que anteriormente vigorava em Macau (leia-se: da legislação produzida pelos órgãos legiferantes do então Território de Macau, no exercício da respectiva autonomia legislativa, em especial a que emanava do artigo 2.º do Estatuto Orgânico de Macau, com a ressalva de a mesma contrariar a Lei Básica) - artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 1/1999;
(ii) O princípio da descontinuidade da vigência da legislação portuguesa que anteriormente vigorava em Macau (leia-se: da legislação produzida pelos órgãos legiferantes da República Portuguesa, a então designada Metrópole) - artigo 4.º, n.º 4 da Lei n.º 1/1999.
Deste último princípio decorre, fora de qualquer dúvida, que o CEF, aprovado que foi pelo Decreto n.º 38:088, publicado no Boletim Oficial de Macau, de 6 de Janeiro de 1951, por isso que se trata de legislação portuguesa no sentido do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 1/1999, ou seja, legislação produzida por órgãos legiferantes da República Portuguesa, deixou de vigorar na RAEM a partir de 20 de Dezembro de 1999. Ora, se deixou de vigorar, se não é lei da Região, as suas normas não podem, em princípio, ser aplicadas.
Não desconhecemos que a Lei da Reunificação contém, na alínea 8) do n.º 1 do seu artigo 4.º, uma norma legal que a douta sentença recorrida igualmente invoca, com o seguinte teor:
«As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau» (destacado nosso).
Se bem vemos, consagra-se nesta norma, por via indirecta, uma excepção ao referido princípio da descontinuidade da vigência ou da aplicação da legislação portuguesa anteriormente vigente em Macau em relação a normas que contenham remissão para tal legislação.
Tem-se entendido que há normas legais que contêm remissões para o CEF, enquadráveis naquela excepção: o artigo 142.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e o artigo 176.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), relativos à execução para pagamento de quantia certa relativamente a quantias que devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública e o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho, que estabelece a orgânica da Direcção dos Serviços de Finanças.
Preceitua-se no artigo 142.º, n.º 1 do CPA:
«Quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal» (destacado nosso).
Do mesmo modo, o artigo 176.º, n.º 1 do CPAC determina que «a execução contra particulares para pagamento de quantia certa segue os termos do processo de execução fiscal».
Por sua vez, no artigo 29.º, do Decreto-Lei n.º 30/99/M, estabelece-se que «[à] Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950» (destacado nosso).
Vamos admitir que, por força da alínea 8) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei da Reunificação, estas normas que remetem para o CEF continuam em vigor e que, por essa via, também este continuará a aplicar-se.
Ainda assim, essa aplicação tem de ser interpretada nos seus devidos termos, tanto mais que estamos a falar de legislação cuja vigência na RAEM foi expressamente afastada pela Lei de Reunificação e que, por isso, só deve ser aplicada na exacta e estrita medida da remissão efectuada pelas normas contidas na legislação da RAEM e não mais do que isso.
Ora, mesmo que para quem aceite que as normas do artigo 142.º, n.º 1 do CPA e a do artigo 176.º, n.º 1 do CPAC contêm uma remissão indirecta para o CEF, é seguro que delas não resulta uma remissão em bloco ou in totum para aquele Código.
Na verdade, aquelas normas do CPA e do CPAC apenas remetem para «o processo de execução fiscal» e, portanto, a sua aplicação transitória a coberto da alínea 8) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Reunificação deve limitar-se a isso mesmo, ou seja, à parte em que nelas se remete para «o processo de execução fiscal», é dizer, para as normas que regulam esse processo e a respectiva tramitação e nada mais.
Quanto à norma do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, o seu âmbito é ainda mais reduzido, pois que se trata de mera norma de competência. O que aí se diz é que à Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais.
Isto dito.
De acordo com o artigo 297.º do CEF, «por todas as contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado que forem liquidadas ou impostas a empresas ou sociedades de responsabilidade limitada, em relação a actos praticados ou a actividades exercidas por essas sociedades ou empresas, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos administradores ou gerentes (…), desde que as mesmas dívidas não possam ser cobradas dos originários devedores».
Trata-se de uma norma, como facilmente se percebe, que estabelece os pressupostos substantivos da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de sociedades comerciais por dívidas provenientes de impostos, multas ou outras dívidas à Região. Subsidiária porque, justamente, tal responsabilidade depende da verificação da insuficiência patrimonial do devedor originário para pagar a totalidade da dívida.
Ora, essa norma do artigo 297.º do CEF, como é evidente e, julga-se, incontroverso, não é uma norma processual ou atinente ao «processo de execução fiscal» nem, muito menos, norma de competência em matéria de execução fiscal. É, antes, uma norma de norma de indiscutível natureza substantiva (de resto, se é certo que em direito português, houve, durante muito tempo, a tradição, tecnicamente desajustada, de tratar da matéria atinente aos pressupostos da responsabilidade subsidiária nas leis processuais, a verdade é que, desde a entrada em vigor em Portugal da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, tal matéria passou a ser tratada normativamente na sede adequada, que é essa Lei e como aquilo que efectivamente é, ou seja, como matéria de direito substantivo e não processual).
Portanto, o artigo 297.º do CEF, por isso que não é uma norma atinente ao processo de execução fiscal, não está abrangida pela excepção ao princípio da descontinuidade da vigência da legislação portuguesa anteriormente vigente na RAEM prevista pela alínea 8) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei da Reunificação. E se não cabe na excepção, aplica-se-lhe a regra que resulta, com meridiana clareza, do n.º 4 do artigo 4.º da mesma Lei: essa norma não vigora como lei da Região e, portanto, aqui não se pode aplicar a nenhum título (refira-se que conhecemos e, naturalmente, respeitamos a jurisprudência de sentido contrário do Tribunal de Segunda Instância sobre esta matéria da aplicabilidade do CEF mas, pelas razões que vimos de explanar, não a podemos acompanhar).
Desta conclusão resulta que, com a entrada em vigor da Lei n.º 1/1999, a responsabilidade dos administradores para com os credores da sociedade, RAEM incluída, passou a estar exclusivamente regulada na norma do n.º 1 do artigo 249.º do Código Comercial por ser essa a única norma legal em vigor que regula sobre a matéria e de acordo com a qual, «os administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância de uma disposição legal ou estatutária, principal ou exclusivamente destinada à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos».
Da leitura dessa norma resulta que, diferentemente do que preceituava o artigo 297.º do CEF, a responsabilização subsidiária dos administradores perante os credores à luz da norma geral do artigo 249.º, n.º 1 do Código Comercial, depende da inobservância pela sua parte de uma disposição legal ou estatutária destinada à protecção dos credores.
Ora, não tendo sido esta a norma invocada pela Administração Fiscal para fundamentar o despacho de reversão, mas, antes, uma norma legal já revogada, a do artigo 297.º do CEF, é evidente que tal despacho não pode subsistir na ordem jurídica por ser ilegal, o que acarreta, necessariamente, a ilegitimidade dos oponentes para a execução fiscal, uma vez que os mesmos não são os devedores nem se demonstra serem responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda, tal como bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso deve ser julgado improcedente.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que a decisão recorrida não enferma de erro na aplicação do direito, sendo de negar provimento ao recurso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas por delas estar isenta o Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 28 de Janeiro de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Fong Man Chong
Lai Kin Hong (Vencido por entender que as normas do Código das Execuções Fiscais, aplicável no seu todo antes do estabelecimento da RAEM por remissão expressa feita pelo artº 176º/1 do CPAC, continuam a ser aplicadas na RAEM ao abrigo e nos termos do disposto no artº 4º/1-8) da Lei de Reunificação.)
Mai Man Ieng
938/2020 ADM 13