Processo nº 161/2020 Data: 27.11.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Concessão por arredamento de terreno.
Recurso de decisão interlocutória.
Inquirição de testemunhas.
Prorrogação do prazo de aproveitamento.
Renovação da concessão.
Caducidade da concessão.
Acto vinculado.
SUMÁRIO
1. Verificada estando a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno por decurso do seu prazo (de arrendamento), desnecessária é a produção de prova sobre a questão da “culpa da concessionária” no não aproveitamento do terreno.
2. Sendo a declaração de caducidade da concessão por decurso do seu prazo de arredamento um acto administrativo vinculado, censura não merece a decisão de não prorrogação ou renovação da concessão.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 161/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. (1ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO CHENG KENG VAN, S.A.”, (“澄景灣建築置業股份有限公司”);
(2ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO CHUI KENG VAN, S.A.”, (“翠景灣建築置業股份有限公司”);
(3ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FOK KENG VAN, S.A.”, (“福景灣建築置業股份有限公司”);
(4ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FU KENG VAN, S.A.”, (“富景灣置業發展股份有限公司”);
(5ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO MAN KENG VAN, S.A.”, (“文景灣置業發展股份有限公司”);
(6ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO NGA KENG VAN, S.A.”, (“雅景灣建築置業股份有限公司”);
(7ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PAK KENG VAN, S.A.”, (“柏景灣置業發展股份有限公司”);
(8ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO POU KENG VAN, S.A.”, (“寶景灣建築置業股份有限公司”);
(9ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO SON KENG VAN, S.A.”, (“順景灣建築置業股份有限公司”); e,
(10ª) “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO UN KENG VAN, S.A.”, (“源景灣建築置業股份有限公司”), todas, com sede em Macau, apresentaram, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 10.03.2017 que:
- indeferiu o pedido de suspensão e de prorrogação do prazo de aproveitamento dos terrenos denominados como lotes C1, C3, C4, C5, C6, C8, C9, C10, C11 e C17, situados no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, e lotes D2 e D5, situados no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona D, bem como de renovação da concessão provisória por 10 anos;
- indeferiu o pedido de nova concessão dos terrenos concessionados nas referidas Zonas C e D, com dispensa de concurso público a favor de cada concessionária, (após declaração de caducidade dos mesmos em 30 de Junho de 2016); e que,
- indeferiu o pedido (subsidiário) de troca dos terrenos concessionados por outros situados em zona adjacente com a mesma área e igual capacidade de construção; (cfr., fls. 2 a 53 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão de 07.05.2020, (Proc. n.° 354/2017), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 315 a 364-v).
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Inconformadas com o decidido, do mesmo vem as referidas (10) “SOCIEDADES” recorrer.
Nas alegações apresentadas pelas “Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A.”, Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van, S.A.”, e, “Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van, S.A.”, (1ª a 5ª e 7ª a 10ª) recorrentes, vem produzidas as conclusões seguintes:
“1. Para os efeitos do artigo 152.° do CPAC, entendem as Recorrentes que o Acórdão recorrido incorre em violação e numa errada aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 5.°, 7.°, 8.°, 11.° e 12.° do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), que estipulam os princípios da justiça, da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração e da igualdade; dos artigos 115.° do CPA e 21.°, do n.° 1, al. c) do CPAC, relativos ao vício de falta de fundamentação: dos artigos 115.° do CPA e 21.°, do n.° 1, al. d) do CPAC, relativos ao erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito; dos artigos 265.°, ex vi 270.°, 321.° e 323.° do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade; dos artigos 6.°, 7.°, 25.° e 103.° da Lei Básica e do artigo 1427.° do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície;
2. Verifica-se no acórdão recorrido omissão de pronúncia o que determina a nulidade do Acórdão, de acordo com o previsto respectivamente nas alíneas d) e b) do n.° 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.° do CPAC e falta de fundamentação, o que implica a nulidade da decisão ao abrigo da al. b) do n.° 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil;
3. Pela simples leitura dos artigos 44.° e 52.° da Lei de Terras, podemos ver que a declaração de caducidade da concessão provisória exige dois pressupostos: (i) o decurso do prazo fixado; e (ii) a diligência contractual do concessionário no cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo;
4. O efeito extintivo do direito da concessionária não se produz automaticamente pela mera ocorrência de um facto objectivo, exigindo-se um juízo avaliativo da Administração para declarar a caducidade, avaliação essa que deve ponderar todos os interesses concretamente em causa;
5. Recai sobre o órgão público competente o dever vinculado de verificar e avaliar as causas de caducidade, fazendo um juízo sobre a conduta do particular/sujeito privado, pois só assim poderá averiguar se há incumprimento e em que medida o incumprimento é imputável ao particular;
6. Saber se, no decurso do prazo fixado, foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas, tal como é exigido no artigo 44.° da Lei de Terras, implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, poder concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas;
7. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong entende, na sua declaração de voto vencido do presente processo, que "ao nível da Lei de Terras, (…), a concessão de terreno não significa que os trabalhos estejam todos finalizados, (…), antes pelo contrário, existe um conjunto de prestações (obrigações) suplementares e adicionais subsequentes que as partes têm de observar e cumprir. Nesse sentido, o prazo de concessão de 25 anos é um prazo para exigir ao concessionário o seu cumprimento das obrigações, mas ao mesmo tempo, a Entidade Administrativa também tem um conjunto das obrigações para suportar, (…), se a Entidade Administrativa não cumprir as suas obrigações, esse incumprimento provocará directamente o incumprimento das obrigações próprias do concessionário, por isso, não podemos simplesmente entender que o prazo de concessão de 25 anos é um prazo da caducidade-preclusão";
8. Pelo que, na falta de uma avaliação quanto ao cumprimento do contrato de concessão, não pode a Administração chegar à conclusão de existir a caducidade da concessão de terreno apenas com base no decurso do prazo fixado no contrato, uma vez que a caducidade em apreço é uma caducidade-sanção e não uma caducidade-preclusão;
9. De resto, o artigo 48.°, n.° 1 da Lei de Terras só dispõe sobre a renovação da concessão provisória, não existindo nenhum obstáculo legal que impossibilitasse a suspensão e a prorrogação do prazo da concessão, cuja possibilidade é expressamente defendida pelo Meritíssimo Juiz na sua declaração de voto vencido do presente processo, sobretudo, na conclusão n.° 9, escrevendo que "Renovação e prorrogação são conceitos distintos, a lei não permite renovação, o que não significa que o prazo não pode ser prorrogado, sobretudo para compensação de tempo pelo atraso causado pela Administração.";
10. Do mesmo modo, uma vez que as concessões dos terrenos ainda não se encontram caducadas, é evidente que é sempre possível a troca de terrenos;
11. Atendendo a toda a factualidade devidamente alegada· pelas Recorrentes em sede do recurso contencioso, a Administração comprometeu-se a prorrogar os prazos de aproveitamento e a proceder às revisões dos contratos de concessão quando autorizasse o reinício do procedimento administrativo para o aproveitamento dos terrenos concedidos, e tais actos legalmente praticados pela Administração consubstanciam, essencialmente, o reconhecimento do direito das concessionárias, ora Recorrentes;
12. Com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem às Recorrentes, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no artigo 323.°, n.° 2 do Código Civil;
13. O artigo 323.°, n.° 2 do Código Civil determina que quando se trate de prazo fixado por contrato, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido impede a caducidade;
14. Sendo o direito disponível, se for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição), o reconhecimento impede, sim, a caducidade tal como impediria a prática do acto sujeito a caducidade;
15. O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe, a não ser nos casos em que a lei o determine (artigo 320.° do nosso Código Civil), podendo, porém, ser impedido (artigo 323.° do nosso Código Civil), o que corresponderá à efectivação do direito, sem gerar novo prazo, ficando o mesmo sujeito às disposições que regem a prescrição;
16. Se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade, esse reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, uma vez feito, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade;
17. Ensina Adriano Vaz Serra, como foi doutamente registado pelo Meritíssimo Juiz Fong Man Chong na sua Declaração de Voto Vencido do presente processo e dos demais processos relativo à declaração de caducidade da concessão de terrenos, que se a caducidade for arguida por quem lhe deu causa, a respectiva invocação pode ser paralisada por abuso de direito:
18. Veja-se a este propósito e em linha com o argumento que o titular do direito não pode alegar uma causa extintiva quando é ele a provocá-la com o seu comportamento, o entendimento pacífico e conjunto do Tribunal de Segunda Instância e do Tribunal de Última Instância manifestado, respectivamente nos Acórdãos n.° 577/2006, de 18 de Janeiro de 2007, e n.° 26/2007, de 27 de Junho de 2008;
19. Entende-se que, quem com a sua actuação obsta ao exercício tempestivo do direito do titular, e vem depois invocar a caducidade desse direito, procede contra a boa fé, podendo o titular opor-lhe a referida objecção, com o efeito de ao titular ser concedido o tempo adequado segundo as circunstâncias para o exercício do direito;
20. Ao proferir o despacho recorrido, a Entidade Recorrida ignorou completamente o facto de que todos os lotes de terreno situados na Zona C e D do Fecho da Baía da Praia Grande só podiam ser aproveitados e desenvolvidos depois das recepções definitivas, que apenas ocorreram em Dezembro de 2001;
21. Segundo os ilustres Professores Piras de Lima e Antunes Varela, "nos casos restantes de caducidade, em que a lei se limite a fixar o prazo dessa caducidade, sem indicar a data a partir da qual o prazo se conta, é que interessa distinguir entre a constituição ou a existência do direito e a possibilidade legal do seu exercício.";
22. O prazo de caducidade de 25 anos por referência ao art.° 321.° do Código Civil não é um prazo meramente numérico, mas sim um prazo jurídico, podendo ser um prazo mais longo do que o de 25 anos;
23. Não tendo efectuado legalmente o cumprimento das prestações necessárias por parte da Administração, as Concessionárias, ora Recorrentes, não estiveram em condições de aproveitar os terrenos concedidos, dai que o prazo de caducidade impede, nos termos do art.° 321.° do Código Civil, a contagem do prazo de 25 anos;
24. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong, na sua declaração de voto vencido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.° 824/2016, entendeu que não pode ser declarada a caducidade" da concessão quando a Administração pratica actos que reconhecem direitos às concessionárias e que impedem a caducidade;
25. É de recordar que o Chefe do Executivo, nas suas intervenções na Assembleia Legislativa, em 18 de Novembro de 2015 e em 22 de Abril de 2016, durante as apresentações das Linhas de Acção Governativa, reconheceu que a falta de aproveitamento dos lotes de terreno não era imputável às concessionárias mas sim às medidas de protecção do Centro Histórico de Macau e que o Governo da RAEM tem interesse em proteger os direitos dos proprietários e iria assumir as suas responsabilidades;
26. As afirmações do Chefe do Executivo proferidas, nessa qualidade e na Assembleia Legislativa vinculam, obviamente a RAEM, no claro reconhecimento de culpa da Administração pelo incumprimento dos compromissos assumidos das legítimas expectativas criadas nas Recorrentes;
27. Ora, tendo a Administração reconhecido os direitos das concessionárias verem aprovado o projecto que apresentaram e as revisões dos seus contratos de concessão, não pode, agora, vir afirmar que a caducidade ocorreu ipsu iure escudando-se nos preceitos da Lei de Terras, em clara violação do artigo 8.° do Código Civil, que proíbe o intérprete de se cingir à letra da lei;
28. Ao Afirmar que a caducidade das concessões opera por mero decurso do prazo, a o Administração faz tábua rasa do reconhecimento da causa impeditiva e viola os princípios da igualdade e da boa fé, nomeadamente porque, nos Despachos do STOP n.° 20/2006, de 20 de Fevereiro de 2006 e n.° 8/2009, de 3 de Fevereiro de 2009, foi verificada a falta de culpa dos concessionários no cumprimento dos prazos, sendo que as previsões relevantes da antiga Lei de Terras, citadas nos Pareceres da Comissão de Terras referidos naqueles dois Despachos são iguais às da Lei de Terras em vigor;
29. As declarações de caducidade por parte da entidade recorrida, quando da sua conduta resultou sempre que não o iria fazer e sendo ela quem impediu a revisão dos contratos de concessão, resulta na violação dos princípios da igualdade e da boa fé, e consubstancia um ãbuso de direito, vg. artigos 25.° da Lei Básica, 5.° e 8.°, n.° 2, al. a) do CPA e 326.° do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, princípio que se mostra violado;
30. Por outro lado, como contrapartida pelas desistências das concessões dos lotes B/b, B/f, B/g e B/1 da Zona B, o Governo garantiu, contratualmente, à Nam Van e às suas subsidiárias, ora Recorrentes, que iria rever os planos de pormenor das Zonas C e D, para nelas incluir as áreas dos quatro lotes que reverteram para a RAEM, tal como consta dos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.os 33/2004, 34/2004, 35/2004 e 36/2004 de 1 de Abril, publicados no B.O. n.° 14, II Série, de 14 de Abril de 2004;
31. O prometido aumento da área de construção e capacidade aedificandi das Zonas C e D não se verificou e constituiu, como é evidente, mais um factor de constrangimento criado pelo Governo no desenvolvimento dos projectos imobiliários das várias concessionárias, incluindo o da Recorrente;
32. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong tem defendido, e julga-se que bem, que o princípio da boa fé não se aplica só aos casos de exercício de poder discricionário por parte da Administração mas também nos casos de exercício de poderes vinculados;
33. Entendimento partilhado pelos Tribunais Portugueses, conforme consta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 25/06/2008, no Processo n.° 0291/08, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 00101/2002.TFPRT.21 de 10/03/2016 e do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 01312/07.8BEPRT, de 02/11/2010;
34. Também os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mário Aroso da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Fernando Alves Correia e Licínio Lopes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra seguem o mesmo raciocínio jurídico, ou seja: princípios como o da justiça e da boa fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais;
35. O princípio da tutela da confiança e do investimento de confiança assume especial relevância, dado que visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem;
36. O entendimento expresso no Acórdão recorrido que dispensa a Administração de obedecer aos princípios da igualdade e boa fé, no exercício de poderes vinculados, conduz, necessariamente, à conclusão de que a Administração da RAEM pode agir de má fé e em abuso de direito;
37. Não se entende que a Administração se escude nos artigos 44.°, 48.° e 215.° da Lei n.° 10/2013, para apelar à caducidade das concessões das Recorrentes e indeferir os pedidos apresentados pelas Recorrentes, quando é manifesto que esses preceitos só fazem sentido se não existir um comportamento culposo por parte da Administração;
38. Não existindo culpa das Recorrentes, facto que a própria Entidade Recorrida reconheceu, o artigo 166.° da Lei de Terras não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.° da Lei da Terras;
39. A Administração reconheceu direitos às Recorrentes, nomeadamente, ao emitir as licenças para obras de infraestruturas de cravação de estacas nos lotes C5 e C6, para colocação de tapumes e para alteração da rede de drenagem dos referidos terrenos, desguarnecendo, em clara violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.° 2 do artigo 5.° do CPA, o cuidado e as precauções que devem ser tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos, como foram os efectuados pelas Recorrentes por via das aludidas licenças e da elaboração dos vários projectos de desenvolvimento imobiliário;
40. A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança; esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé;
41. O artigo 41.° da Lei de Terras estabelece, quanto ao regime jurídico aplicável à concessão por arrendamento, que a "concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano rege-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável", e o artigo 220.°, preceitua que, em tudo quanto não estiver, expressamente, previsto na presente lei, são aplicáveis subsidiariamente, consoante a natureza das matérias, o Código do Procedimento Administrativo, o Decreto-Lei n.° 52/99/M, de 4 de Outubro, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código do Registo Predial;
42. A menção ao Decreto-Lei n.o 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é indiciador de que o incumprimento da Lei de Terras implica a aplicação de sanções e, como tal, que a caducidade prevista nesta Lei é a caducidade-sanção e não a caducidade preclusiva:
43. O artigo 99.° da Lei de Terras estipula a sujeição do concessionário às vinculações prescritivas do plano urbanístico que vigore na zona onde o terreno concedido se encontre situado e a cumprir as condições que lhe sejam impostas para a racional utilização dos recursos naturais do terreno concedido;
44. O artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico determina que, quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento de um terreno concedido, o concessionário tem direito, nos termos da Lei de Terras, a requerer a revisão do contrato de concessão ou, tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido;
45. Defende o Meritíssimo Juiz Fong Man Chong que enquanto não se verificar a condição (a aprovação do Plano Urbanístico) a Administração está inibida de declarar a caducidade da concessão de terrenos e de contar o decurso do prazo de aproveitamento, porque a Administração admitiu expressamente o direito das concessionárias sobre os terrenos e foi ela quem impôs uma condição ao acto praticado anteriormente, na verdade essa condição ainda não se verificou, estando ainda a Administração e as concessionárias a ela sujeitas;
46. O dever de averiguar representa para o órgão competente uma carga, um ónus, a que não pode eximir-se. É uma tarefa que se lhe impõe em ordem ao conhecimento real e profundo da matéria;
47. Não o fazendo, a Entidade Recorrida não cumpriu o dever de averiguação de todos os factos convenientes para a justa e rápida decisão do procedimento (art. 86.° do CPA), cuja violação, com assento no princípio do inquisitório estabelecido no art. 59.° do CPA, pode em certos casos levar à invalidação da decisão final;
48. A razão pela qual a Entidade Recorrida indeferiu os pedidos das Recorrentes, nomeadamente, a suspensão e a prorrogação do prazo de aproveitamento dos lotes em causa e a troca de terrenos, consiste na qualificação do instituto da caducidade prevista nos termos da Lei de Terras como caducidade-preclusão, cuja ocorrência não depende da verificação da culpa imputável a uma das partes;
49. Contudo, a Entidade Recorrida não fundamentou a razão de qualificar o despacho recorrido como um acto vinculado, nem fundamentou a razão de chegar a conclusão de necessidade de declarar a caducidade dos terrenos, sendo certo que os artigos 47.°, 48.° e 215.° da Lei de Terras não são normas legais que a possam justificar e violando o dever de fundamentação que, em consequência, é anulável por força do artigo 124.° do CPA e do 115.° do CPA e 21.°, do n.° 1, al. c) do CPAC;
50. Quanto ao pedido da nova concessão dos terrenos concessionados nas Zonas C e D, com dispensa de concurso público a favor de cada Concessionária, importa frisar que o não aproveitamento dos lotes de terreno em causa ocorre porque não foi atempadamente aprovado o plano urbanístico para a área, razão pela qual uma nova concessão com dispensa de concurso público podia ser feita ao abrigo da alínea (4) do n.° 2 do artigo 55.° da Lei de Terras;
51. O direito de superfície reveste um carácter autónomo, em relação ao direito de propriedade do dono do terreno, sendo o seu objecto integrado pela faculdade de ocupação do espaço aéreo e do subsolo correspondentes à porção delimitada de terreno. Embora o solo continue pertença daquele, pode o superficiário ocupar com a construção ou com a plantação que tenha direito a fazer ou manter esse solo;
52. A Administração usa o instituto jurídico da caducidade como uma punição sem culpa, desembocando num efeito jurídico próximo do da expropriação sem compensação, em clara violação do espírito do artigo 103.° da Lei Básica;
53. Nem se diga que não é o direito de propriedade que está em causa, pois o que a Recorrente adquiriu foi o direito do uso da propriedade, também consagrado e protegido naquele preceito fundamental da lei de Macau, direito que lhe permitiu onerar o terreno concessionado com as hipotecas e as consignações de rendimentos;
54. Neste sentido, o Prof. Doutor Fernando Alves Correia e o Juiz Fong Man Chong defendem que a concessão por arrendamento de terrenos do Estado dá lugar à aplicação subsidiária do regime jurídico do direito de superfície de duração previsto no artigo 1427.° do Código Civil;
55. Os concessionários por arrendamento viram-se impedidos de exercer o seu direito a fazer a obra, nos termos contratualmente acordados, por factos da Administração, aos quais são completamente alheios, e que não podiam de todo em todo ultrapassar;
56. Por conseguinte, em tais casos verifica-se, para os concessionários, uma situação de absoluta invencibilidade do obstáculo criado pela Administração à realização do aproveitamento, pelo que se verificam "motivos de força maior" que impediram os concessionários de exercerem o seu direito, para os efeitos do n.° 1 do artigo 313.° do Código Civil de Macau;
57. Mesmo que se considerasse que a noção de motivo de força maior não abrange estas situações, o que, como acabámos de ver, não pode merecer dúvidas, ainda assim sempre seria aplicável o n.° 2 do artigo 313.° do Código Civil de Macau;
58. Na verdade, e a despeito deste n.° 2 mencionar o dolo da contraparte, entende-se que o mesmo é aplicável para o caso de, podendo embora não ter existido dolo da contraparte, ainda assim lhe ser imputável a não observância pelo devedor do prazo fixado, se a alegação da prescrição/caducidade pelo credor ofender a boa fé; e
59. Neste cenário, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não ocorreu a caducidade da concessão e o respectivo prazo está suspenso, nos termos do artigo 313.° do Código Civil de Macau, aplicável por força do n.° 3.° do artigo 1427.° do mesmo código, ambos por sua vez convocados ex vi artigo 41.° da Lei de Terras”; (cfr., fls. 376 a 426).
Por sua vez, no seu recurso, assim conclui a “Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A.”:
“1. Da decisão contida no Acórdão recorrido resultou a manutenção do Acto consubstanciado no referido Despacho de Indeferimento, por ter entendido o Tribunal a quo, com voto de vencido, que o mesmo não padecia de qualquer vício formal ou substantivo que pudesse conduzir à sua anulação, especial e designadamente, dos vícios de que lhe foram assacados pela Recorrente, relativos a erro nos pressupostos de direito, erro nos pressupostos de facto, violação dos princípios da boa-fé, da confiança e da igualdade; de violação do dever de averiguação; de falta de fundamentação, e, bem assim, de violação do princípio da legalidade e violação da Lei Básica da RAEM;
2. Entende-se que o Acórdão ora recorrido padece do vício de nulidade por absoluta falto de fundamentação, no que respeita à decisão aí contida quanto aos vícios de violação do dever de averiguação e de falta de fundamentação, separadamente assacados ao Despacho de Indeferimento aqui em crise e colocados ao juízo do Tribunal a quo;
3. Quanto ao vício de violação do dever de averiguação, consubstanciou-se o mesmo na absoluta falta, por parte da Administração, de quaisquer actos investigatórios sobre factos alegados pela Recorrente durante a fase administrativa de audiência escrita, designadamente os que se reportam aos pontos 10 e 11 dessa audiência;
4. Relacionam-se esses pontos com os contornos que levaram à aprovação, pela Administração, de três empreendimentos turísticos executados por três diferentes concessionárias de jogo nos Novos Aterros do Porto Exterior (Zona B), e, portanto, na mesma orla marítima de Macau onde se situa o Terreno, aí se tendo identificado, como se identifica, um tratamento desigual, em virtude da adopção de critérios diferentes em relação ao Lote C8;
5. A este propósito invoca-se a jurisprudência dominante relativa à nulidade de decisão judicial por falta, ou não especificação, dos fundamentos de facto e de direito que a justificam, cuja exigência está prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil ("CPC"), aplicável aos autos ex vi do artigo 1.º do CPAC;
6. Exige-se que a falta seja absoluta, tal como decidido por este Venerando tribunal no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 21/2004, o qual aqui se invoca a título exemplificativo, e também na esteira da doutrina avisadamente ensinada por Viriato Lima a propósito deste particular vício (in "Manual de Direito Processual Civil", Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2005, págs. 547 e 548);
7. Afirmar que algo não é ou não se verifica porque não se vislumbra que assim seja, não pode equivaler a fundamentar, mas s1m a decidir sem expor as razões que conduzem à decisão;
8. Termos em que se conclui, em face do exposto e nessa parte, que o Acórdão recorrido padece do vício de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPAC, por absoluta falta dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de improcedência dos vícios de violação do dever de averiguação e de falta de fundamentação, assacados pela Recorrente ao Despacho de Indeferimento;
9. A Decisão recorrida não fundamenta suficientemente a negação à Recorrente da possibilidade de poder obter a suspensão do prazo de aproveitamento do Terreno, ou a sua prorrogação por 10 anos, ou a renovação da concessão do mesmo Terreno por igual período, ou de nova concessão.do mesmo Terreno com dispensa de concurso público, ou, por fim, de poder ser efectuada troca de terrenos;
10. Não se partilha da tese defendida no Acórdão recorrido, de que a natureza da caducidade prevista no artigo 52.º da Lei de Terras seja de mera caducidade-preclusão, conscientes, no entanto, das decisões judiciais nesse sentido, designadamente proferidas por este Venerando Tribunal;
11. Partilha a Recorrente da tese que qualifica a caducidade prevista no artigo 52.º da Lei de Terras como uma verdadeira caducidade-sanção e não uma caducidade-preclusiva, tal como resulta da doutrina consultada a pronunciar-se sobre a matéria - veja-se a este propósito a extenso parecer jurídico elaborado pelos Professores Doutores Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, junto aos presentes autos como Documento n.º 10 da petição de recurso contencioso, a qual reflecte não só a posição jurídica dos próprios autores mas também a de vários outros eminentes juristas;
12. A qualificação da caducidade prevista no artigo 52.º da Lei de Terras como caducidade-sanção é tese também defendida pelo autor do voto de vencido que faz parte integrante do Acórdão recorrido;
13. Como decorre expressamente do citado artigo 44.º da Lei de Terras, a necessidade de se aferir se "forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas", ainda que um mínimo desse aproveitamento, implica necessariamente e pressupõe sempre um dever da Administração em avaliar, efectivamente, o comportamento contratual do concessionário, para daí concluir pelo cumprimento ou incumprimento dessas cláusulas, de onde, por conseguinte, resulta também que a declaração de caducidade de uma concessão provisória exige sempre a verificação de dois pressupostos, sejam (i) o decurso do prazo fixado; e (ii) a diligência contratual do concessionário no cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo; .
14. Neste sentido é claro o citado parecer que foi junto aos presentes autos, quando dá conta que "Mas, para este feito, se concluir pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, deve também verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao sujeito privado, só sendo legítimo declarara caducidade quando conclua pela afirmativa", acrescentado o mesmo parecer que "Portanto, em face do regime legal e dos princípios gerais da actividade administrativa, a declaração de caducidade presente na Lei de Terras, pressupondo o aproveitamento (ou a falta dele) dos terrenos concedidos, em caso algum pode ser concebida como uma caducidade ipso iure, com um efeito automático de um mero facto objectivo - o decurso do prazo da concessão, não podendo, pois, ser "convertida" numa mera caducidade preclusiva. Neste âmbito, o regime de caducidade subjacente à Lei de Terras conduz a uma outra qualificação, na medida em que o efeito radical da extinção de direitos concedidos exige vinculativamente a emissão de um juízo administrativo de avaliação da conduta contratual do concessionário; se esta avaliação concluir no sentido negativo, aquela declaração será sempre uma reacção contra a conduta do sujeito privado titular do direito concedido, penalizando-a com a produção do efeito extintivo. Pelo que este fenómeno de caducidade nunca poderá, pois, ser qualificado como uma caducidade preclusiva, mas, outrossim, como uma caducidade sancionatória.
Se assim não se entender, então a caducidade-sanção pode "converter-se" num acto ablativo de direitos nas situações em que o incumprimento do prazo não seja imputável ao concessionário. Uma genuína expropriação de sacrifício." (realces e sublinhados nossos) (in parecer Junto como Documento n.º 10 à petição de recurso contencioso, págs. 42 e 44);
15. O que ressalta da análise do Acórdão recorrido (em linha como vertido no Despacho de Indeferimento) é a inevitabilidade sem freio da caducidade (preclusão) do prazo de concessão, que impossibilita qualquer tipo de prorrogação, suspensão do prazo de aproveitamento ou até de revisão ou prorrogação do próprio prazo da concessão;
16. No entanto, inclusivamente resulta do Acórdão recorrido que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos previstos na lei, como decorre do disposto no artigo 320.º do CC, aplicável, in casu, por via do disposto no artigo 41.° da Lei de Terras;
17. Pelo que, crê-se existirem abundantes factos que consubstanciam causas impeditivas da caducidade do prazo da concessão do Terreno, de onde resulta que, ficando a verificação da caducidade impedida, a questão relativa ao prazo de concessão de 25 anos não poder ser excedido nem se colocará, pois o decurso do prazo de caducidade fica impedido, na medida em que não se chega a verificar, mantendo-se, assim, o contrato de concessão em vigor, sem atingir o decurso do seu prazo;
18. Dispõe o n.º 2 do artigo 323.º do CC que "Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido." (realce e sublinhado nosso);
19. O comprometimento da Administração na prorrogação dos prazos de aproveitamento da concessão e de revisão das concessões dos terrenos localizados nas zonas C e D, uma vez aprovado o referido novo plano urbanístico, equivale a um claro reconhecimento, por parte da Administração, dos direitos que assistiam às concessionárias desses lotes - no qual se incluía a aqui Recorrente - de prorrogarem os prazos de desenvolvimento e de rever os respectivos contratos de concessão, o que, nos termos do citado n.º 2 do artigo 323.º do CC, equivale ao reconhecimento, por parte da Administração, do direito contra quem deve ser exercido e, portanto, consubstancia uma evidente causa impeditiva da caducidade do prazo de concessão em curso de 25 anos;
20. A este propósito, foi esclarecedor o Senhor Chefe do Executivo, em intervenção proferida na Assembleia Legislativa em 18/11/2015, quando em resposta a uma questão colocada por um deputado sobre a falta de aproveitamento dos diversos lotes de terreno, nos quais se incluíam as Zonas C e D, dá conta que "Está explicitado claramente nas Directrizes Operacionais para implementação da Convenção do Património Mundial da UNESCO que, merecem a nossa atenção e controlo, todas as obras e actos de construção civil, realizados nomeadamente nas zonas de protecção, que possam afectar a propriedade, as características e o valor do património mundial. Foi neste contexto que se publicou, em 2006, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, intitulado "Revoga as Portarias nos 68/91/M é ·69/91/M, ambas de 18 de Abril, que aprovaram o Regulamento do Plano de Intervenção Urbanística dos Novos Aterros do Porto Exterior (PIUNAPE) e os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, respectivamente" (…) "Os órgãos governamentais nos domínios de obras públicas e de cultura participaram activamente nos respectivos trabalhos para satisfazer as exigências da UNESCO, razão pela qual a DSSOPT não forneceu, naquela altura, as plantas de alinhamento, não aceitou o requerimento de construção de novos prédios, nem emitiu licenças para a realização das obras de construção civil. Os respectivos promotores comerciais de construção civil não puderam fazer nada senão esperar." (…) "O que aconteceu foi que adiámos o aproveitamento dos terrenos e a construção de edifícios para salvaguardar o património cultural de Macau, que é a base para o desenvolvimento saudável e sustentável do Território" (realçados e sublinhados nossos) - (cfr. a intervenção do Senhor Chefe do Executivo na Assembleia Legislativa em 18/11/2015 a propósito do relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2016, págs. 25 e 26, disponível em www.al.gov.mo);
21. Neste sentido é mais uma vez esclarecedor o douto parecer jurídico junto aos presentes autos, quando dá expressamente conta que "Ora, no caso concreto, não só ocorreram circunstâncias que obstaram ou impediram o exercício, pelos sujeitos privados, dos direitos resultantes das concessões, isto é, impediram e impossibilitaram o cumprimento das referidas cláusulas de aproveitamento dos terrenos, como igualmente se assistiu a um reconhecimento, pela Administração, dessa impossibilidade de execução e - justamente - ao reconhecimento de um direito à revisão dos contratos, o mesmo é dizer, de um direito ao reequilíbrio contratual como modo de reposição da justiça contratual desequilibrada por aquele facto - impossibilidade de execução - e pelas novas prescrições normativos urbanísticas que se aguardava virem a ser definitivamente aprovadas." (realce e sublinhado nosso) - (in parecer junto como Documento n.°·10 à petição de recurso contencioso, págs. 46 e 47);
22. Prossegue o mesmo parecer afirmando, peremptoriamente, que "Por isso, e bem, determinou a suspensão do procedimento e, não obstante reconhecer que os projectos do Concessionário eram passíveis de aprovação, "adiou" essa aprovação dos projectos para o momento da aprovação administrativa das novas condicionantes urbanísticas. Ou seja, numa palavra, a Administração, reconheceu, porque assim o declarou em termos expressos e precisos, que os direitos legais e contratuais do Concessionário se encontravam plenamente estabilizados, acautelados, salvaguardados e protegidos.
Consequentemente, e devendo o intérprete e o aplicador do Direito, seguir as indicações legais remissivas, em face dos factos descritos e do seu evidente significado jurídico, não se descortina razão alguma para não concluir no sentido determinado pela lei civil, impondo-se, portanto, a aplicação, ao caso sub judice, do segmento imperativo do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil de Macau, nos termos do qual "impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido". E, uma vez "reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida." (realce e sublinhado nossos) - (in parecer junto como Documento n.º 10 à petição de recurso contencioso, págs. 71 e 72);
23. Tendo a Administração unilateralmente determinado uma impossibilidade de execução do contrato de concessão do Terreno - pela revogação dos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande que tinham sido aprovados pela Portaria 69/91/M, e pela não aprovação subsequente de um novo plano de intervenção urbanística para as Zonas C e D do empreendimento conjunto e integrado designado por "Fecho da Baía da Praia Grande", o que impossibilitou a Recorrente de prosseguir com o desenvolvimento do Terreno - só a prorrogação do prazo de aproveitamento do mesmo, bem como do prazo da concessão, de forma proporcional ao período temporal a partir do qual foi administrativamente determinada essa impossibilidade, se revelaria adequada, justa e repositória do exigido equilíbrio contratual;
24. Conclui-se que o indeferimento, pela Administração, através do Despacho de Indeferimento, dos pedidos de suspensão do prazo de aproveitamento do Terreno e de prorrogação do mesmo por 10 anos, bem como, de renovação da concessão provisória por 10 anos, tendo por base a caducidade da concessão desse Terreno, quando, como se viu e demostrou não se verificava, pois o decurso da mesma estava definitivamente impedido, constituiu uma violação, entre outros, ao disposto no artigo n.º 2 do artigo 323.º do CC e ao n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras, mas também dos princípios da legalidade e da razoabilidade, o que resulta na anulabilidade do Despacho de Indeferimento ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, normas e princípios que o Acórdão recorrido assim violou;
25. Mais se conclui que o indeferimento, pela Administração, através do Despacho de Indeferimento, do pedido subsidiário de troca do Terreno concessionado por outro situado em zona adjacente com a mesma área e igual capacidade de construção, tendo por base a caducidade da concessão desse Terreno, cujo decurso estava definitivamente impedido, constituiu uma violação, entre outros, ao disposto no n.º 2 do artigo 323.º do CC e artigos 83.º e 84.º da Lei de Terras, assim como ao princípio da legalidade, o que, por conseguinte, era suficiente para que o Despacho de Indeferimento fosse anulado, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, normas e princípio que o Acórdão recorrido assim violou;
26. Ainda se conclui que o indeferimento, pela Administração, do pedido de nova concessão do Terreno, com dispensa de concurso público a favor da Recorrente, constituiu uma violação ao disposto nos artigos 55.º e 54.º da Lei de Terras, assim como ao princípio da legalidade, o que por conseguinte e novamente, era bastante para a anulação do Despacho de Indeferimento, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, normas e princípio que o Acórdão recorrido violou;
27. A Recorrente assaca ao Despacho de Indeferimento a violação de diversos princípios de direito administrativo, designadamente dos princípios da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança (n.º 2 do artigo 8.º do CPA), e da igualdade, por, entre outros, a Administração ter criado condições impeditivas do aproveitamento do Terreno pela Recorrente, o que consubstancia ilegalidade por vício de violação desses princípios legais e, consequentemente, causa de anulação do Acto, por força do disposto no artigo 124.º do CPA e alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC;
28. Conforme já se deu conta ad nauseam neste recurso - e em sede de alegações de recurso contencioso - a absoluta incapacidade por parte da Administração em tomar decisões causou e continua a causar enormes prejuízos à Recorrente, mas também acaba por afectar negativamente a imagem de Macau como centro de negócios, assim como a credibilidade do próprio Governo da RAEM, por revelar incapacidade do mesmo em gerir processos e cumprir as obrigações que assumiu, o que ofende o princípio da decisão e da eficiência consagrados nos artigos 10.º e 11.º do CPA;
29. Na base dos princípios da justiça e da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração, consagrados no artigo 7.º, n.º 2 do artigo 8.º, 11.º e 12.º, todos do CPA, a Administração deveria ter assumido as suas responsabilidades, ter aprovado em tempo razoável o referido novo plano urbanístico para as Zonas C e D, do qual afirmou expressamente estar dependente a revisão da concessão por arrendamento do Terreno, assim como a respectiva prorrogação do prazo de aproveitamento entretanto suspenso;
30. O princípio da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança implica um mínimo de certeza nos direitos dos administrados e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, devendo censurar-se as afectações arbitrárias, com as quais não poderia a aqui Recorrente razoavelmente contar, conforme decorre expressamente do disposto no do n.º 2 do artigo 8.º do CPA, quando preceitua que, no exercício da administração, deve ser garantida, em especial, "a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa";
31. Os conceitos jurídicos de "prorrogação" e de "renovação" não se confundem; no primeiro caso, apenas se verifica uma dilatação do prazo de vigência do contrato inicial que se alonga ou amplia, mantendo-se o contrato inicial nos seus exactos termos; enquanto que na renovação há um verdadeiro refazer de um negócio jurídico que as partes haviam celebrado, entendimento que resulta vertido na jurisprudência do Tribunal de Contas de Portugal, citando o entendimento de doutrina quanto a estes conceitos, mormente no Acórdão n.º 03/2013, de 26 de Fevereiro, proferido no processo n.º 1654/2012 e disponível na íntegra em www.tcontas.pt;
32. Acresce referir que em outras situações semelhantes com o caso vertente, conforme deu a Recorrente conta à Administração, esta actuou de forma distinta, critério que não se entende não ter sido usado no caso do Terreno em crise, o que configura tratamento desigual, vedado nos termos do artigo 5.º do CPA, e, desse modo, em violação à Lei básica e ao seu artigo 25.º, o qual consagra o princípio da igualdade de todos "Os residentes de Macau perante a lei, proibindo qualquer discriminação entre eles;
33. Termos em que, conclui-se que o Despacho de Indeferimento padece de vício de violação de lei, por violação dos princípios da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança, da igualdade, mas também da proporcionalidade, da decisão e da eficiência da Administração, previstos no n.º 2 do artigo 5.º, artigo 7.º, artigo 8.º, artigo 11.º e artigo 12.º, todos do CPA, pelo que devia, em consequência, ter sido anulado ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, o que, não tendo acontecido no Acórdão recorrido, implica a sua revogação, o que se requer;
34. Como decorre da doutrina que nos é avisadamente disponibilizada por Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, no "Código do Procedimento Administrativo de Macau", Anotado e Comentado, "O órgão competente tem o dever de averiguar. Isto representa para si uma cargo, um ónus, a que não pode eximir-se. É uma tarefa que se lhe impõe em ordem ao conhecimento real e profundo da matéria. Nesta medida, pode dizer-se que o órgão está vinculado à acção investigatória." (Anotação ao n.º 1 do artigo 83.º do CPA aprovado pelo DL n.º 35/94/M, de 18 de Julho, correspondendo ao n.º 1 do artigo 86.º do actual CPA)
35. Há preterição do dever de averiguação por parte da Entidade aqui recorrida no procedimento que culminou com o Despacho de Indeferimento, roque respeita às específicas questões de prova acima referidas, violando o dever de averiguação, devendo o mesmo despacho ter sido anulado ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, norma e dever que o Acórdão recorrido de igual forma violou;
36. A preterição do dever fundamentação por parte da Entidade aqui recorrida no procedimento que culminou com o Despacho de Indeferimento consubstancia um vício de forma que conduz à anulação desse acto administrativo, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA;
37. Usando a Administração o instituto da caducidade na sua vertente meramente preclusiva, ignorando todo o circunstancialismo que contribuiu para o não aproveitamento do terreno, o mesmo assemelha-se a uma punição sem culpados concessionários, e, por conseguinte, provoca um efeito jurídico próximo ao de uma expropriação sem qualquer compensação, o que se implica, como já se deu conta, uma violação ao espírito do disposto no artigo 103.º da Lei Básica;
38. Ainda invocando-se o parecer jurídico junto à petição de recurso, refere-se aí que: "(…) Pelo que este fenómeno de caducidade nunca poderá, pois, ser qualificado como uma caducidade preclusivo, mas, outrossim, como uma caducidade sancionatório.
Se assim não se entender, então a caducidade-sanção pode "converter-se" num acto ablativo de direitos nas situações em que o incumprimento do prazo não. seja imputável ao concessionário. Uma genuína expropriação de sacrifício." (realce e sublinhado nossos) - (in parecer junto à petição de recurso como Documento n.º 10, pág. 44);
39. Em face do exposto, conclui-se pela nulidade do disposto no artigo 48.º da Lei de Terras, por ofensivo aos princípios e regras da Lei Básica, designadamente do que resulta do disposto no seu artigo 103.º, mas, também, nos seus artigos 6.º e 7.°, no que respeita à tutela da propriedade privada, o que consubstancia um vício de lei que deveria ter conduzido à anulação do Despacho de Indeferimento, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigos 21.º do CPAC e artigo 124.º do CPA, normas e princípios que o Acórdão recorrido violou”; (cfr., fls. 433 a 478).
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Respondendo, ao recurso da “Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A.”, Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van, S.A.”, e, “Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van, S.A.”, diz a entidade recorrida que:
“1. O objecto do presente recurso jurisdicional é o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, em 7 de Maio de 2020, no processo n.° 354/2017, que decidiu pela improcedência dos pedidos formulados no Recurso Contencioso de Anulação interposto pela Recorrente, mantendo o acto recorrido consubstanciado no Despacho do Chefe do Executivo de 10 de Março de 2017, exarado sobre a proposta n.° 013/DSO/2017, no sentido de concordar com o teor desta, que indeferiu os pedidos por aquela formulados de suspensão do prazo de aproveitamento do terreno e de prorrogação do mesmo aproveitamento por 10 anos, bem como a renovação da concessão provisória por 10 anos, lhe indeferiu o pedido de nova concessão do terreno, com dispensa de concurso público, após declarada a caducidade da concessão em 30 de Julho de 2016 e lhe indeferiu o pedido subsidiário de troca do terreno concessionado por outro situado em zona adjacente, com a mesma área e igual capacidade de construção;
2. O Acórdão recorrido não interpreta erradamente o artigo 52.° da Lei de terras, pois a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
3. O prazo de arrendamento não pode exceder 25 anos e as concessões provisórias não podem ser renovadas.
4. Neste enquadramento legal forçoso é concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória o Chefe do executivo deve declarar a caducidade do contrato, se considerar que, nesse prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento contratualmente estabelecidas.
5. É, pois, irrelevante se a falta de aproveitamento aconteceu por motivo imputável ao concessionário, por culpa da Administração ou por caso fortuito ou de força maior.
6. À excepção do voto de vencido manifestado no Acórdão recorrido, que constitui uma posição solitária na jurisprudência de Macau, verifica-se unanimidade jurisprudencial na consideração de que a caducidade plasmada no artigo 52.° da Lei de terras é uma caducidade preclusiva.
7. Não seria jamais possível suspender e nem tampouco prorrogar um prazo extinto, e basta atentar em que o pedido de prorrogação foi apresentado 1 de Junho de 2007 tendo o prazo de aproveitamento expirado em 17 de Agosto de 2005.
8. É de meridiana clareza que um prazo expirado não pode ser suspenso nem prorrogado. Seria um novo prazo.
9. A caducidade civilística não se aplica in casu porquanto se verificou um facto extintivo da relação jurídico-administrativa emergente da concessão, qual seja ter-se extinguido o prazo de duração desta.
10. As Recorrentes, tal como qualquer outro concessionário, passaram a poder exercer os seus direitos no momento em que foram investidas nessa posição jurídica e entraram na posse do terreno.
11. No título "Do efeito impeditivo da caducidade" as Recorrentes não assacam qualquer vício ao Acórdão recorrido, expressando apenas a sua discordância com a posição da Administração o que não constitui, face ao artigo 52.° do CAPC, fundamento para interpor recurso jurisdicional.
12. Não se verifica, por parte do Acórdão recorrido, erro nos pressupostos de facto, porquanto o acordado pelas partes foi que o prazo da concessão é válido até 30/07/2016 e o aproveitamento deveria operar-se no prazo de 36 meses contados a partir da data da publicação do Despacho no Boletim Oficial da RAEM e não após as recepções definitivas das infraestruturas. Basta atentarmos nesta realidade para percebermos que a posição das recorrentes não pode subsistir.
13. As Recorrentes não assacam qualquer vício ao Acórdão recorrido no capitulo dedicado à alegada violação dos princípios da boa fé, tutela da confiança e da igualdade.
14. Relativamente à violação dos princípios o que as Recorrentes fazem é manifestar o seu desacordo com a posição da Administração o que constitui um aproveitamento indevido do presente recurso jurisdicional para ver de novo apreciado o recurso contencioso, o que o artigo 152.° do CPAC não permite.
15. Os princípios jurídicos constituem limites internos dos actos praticados no exercício de poderes discricionários e não operam em presença de actos vinculados, como é o caso.
16. São numerosos os acórdãos em que a unânime jurisprudência de Macau se manifesta no sentido da inoperabilidade dos princípios jurídicos em face de actos vinculados pelo que a título de exemplo se deixam mencionados os seguintes: Processo n.° 78/2019, Acórdão proferido em 30 de Julho de 2019, Processo n.° 80/2019 (Acórdão proferido em 30 de Julho de 2019), Processo n.° 1155/2017 (Acórdão proferido em 24 de Outubro de 2019), Processo n.° 793/2018 (Acórdão proferido em 26 de Março de 2020), Processo n." 108/2020 (Acórdão proferido em 24 de Julho de 2020), Processo n." 75/2020 (Acórdão proferido em 30 de Junho de 2020), Processo n." 69/2020 (Acórdão proferido em 29 de Junho de 2020).
17. A jurisprudência comparada citada pelas Recorrentes não deve ser utilizada in casu porquanto a Lei de terras é uma lei especial e não existe a realidade das concessões de terrenos por arrendamento em Portugal. Há que comparar realidades semelhantes enão realidades especiais e com contornos inexistentes na jurisprudência comparada citada pelas Recorrentes.
18. O douto Acórdão não padece de qualquer falta de fundamentação e a decisão é perfeitamente clara e perceptível na sua fundamentação ao afirmar taxativamente que foi efectuada análise ao acto recorrido.
19. As averiguações necessárias à boa decisão foram cumpridas e as diligências essenciais efectuadas como acentua o Acórdão recorrido.
20. O despacho que negou as pretensões das Recorrentes absorveu os fundamentos da proposta n.° 013/DSO/2017, sobre a qual recaiu e esta detalha todo o iter do procedimento administrativo prévio efectuado e contém todo o suporte factual e legal da decisão.
21. O artigo 86.° do CPA invocado pelas Recorrentes não as exime de densificar e trazer ao processo, na fase de audiência escrita, os fundamentos e provas que pretendiam que tivessem sido analisados.
22. O dever de averiguar imposto à Administração pelo artigo 86.° do CPA situa-se dentro dos limites da razoabilidade, o que impõe à s Recorrentes que manifestem expressamente quais os alegados diferentes critérios que consideram que a Administração utilizou para realidades semelhantes, o que não fizeram no tempo e espaço para tal atribuído.
23. O Acórdão recorrido não padece, por isso, de qualquer violação do dever de averiguação.
24. Não se verifica a errada aplicação, pelo Acórdão recorrido, do artigo 103.° da Lei Básica e do artigo 1427.° do Código Civil, pois a concessão por arrendamento apenas confere o direito de aproveitamento do terreno nos termos consagrados no contrato de concessão, nunca o direito de propriedade sobre o terreno.
25. O instituto da reversão não se confunde com um confisco e temos que manter presente que os direitos reais no âmbito das concessões de terrenos ficam sujeitos e são delimitados pela Lei de terras.
26. Conforme incansavelmente tem alertado o TSI, os artigos 6.°, 7.°, 103.° e 120.° da Lei Básica não apresentam qualquer relevância para os casos em que é declarada administrativamente a caducidade de uma concessão em que não está em causa a propriedade privada da concessionária. Deixamos a título de exemplo a referência aos Acórdãos nos Processos n.°s 370/2016, n.° 155/2017 e n.° 13/2019.
27. Não se pode aceitar que os direitos decorrentes dos contratos de concessão, através da protecção consagrada na Lei Básica, mereçam protecção para além da data do termo da concessão e a jurisprudência de Macau neste sentido se manifesta como, a título de exemplo, se pode constatar nos Acórdãos dos processos n.°s 2/2019 e 13/2019”; (cfr., fls. 521 a 542).
Em relação ao recurso da “Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A.”, assim conclui a entidade recorrida:
“1. O objecto do presente recurso jurisdicional é o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, em 7 de Maio de 2020, no processo n.° 354/2017, que decidiu pela improcedência dos pedidos formulados no Recurso Contencioso de Anulação interposto pela Recorrente, mantendo o acto recorrido consubstanciado no Despacho do Chefe do Executivo de 10 de Março de 2017, exarado sobre a proposta n.° 013/DSO/2017, que indeferiu os pedidos por aquela formulados de suspensão do prazo de aproveitamento do terreno e de prorrogação do mesmo aproveitamento por 10 anos, bem como a renovação da concessão provisória por 10 anos, lhe indeferiu o pedido de nova concessão do terreno, com dispensa de concurso público, após declarada a caducidade da concessão em 30 de Julho de 2016 e ainda lhe indeferiu o pedido subsidiário de troca do terreno concessionado por outro situado em zona adjacente, com a mesma área e igual capacidade de construção;
2. O Acórdão recorrido não padece da alegada falta de fundamentação, porquanto o mesmo analisou o acto recorrido, o qual, por sua vez, se louva e absorve os fundamentos da proposta n.° 013/DSO/2017 (e os pareceres nela mencionados), sobre a qual recaiu, sendo que esta proposta contém em si todo o íter do procedimento administrativo que antecede a decisão e, bem assim, todo o suporte factual e legal que a enformou;
3. Não se verifica, pois, a alegada violação do dever de averiguação;
4. Contrariamente ao entendimento e alegação da Recorrente, a caducidade prevista no artigo 52.° da Lei de terras é uma caducidade preclusiva;
5. O artigo 52.° da Lei de terras, não sugere nem levemente, como pretende a Recorrente, a averiguação da actuação/comportamento dos concessionários no incumprimento do prazo de aproveitamento dos terrenos e, no caso do terreno dos autos, nem o contrato tal estipula, como aliás não poderia, pois se tal fizesse seria contrário à Lei de terras;
6. A Recorrente apenas não acompanha a tese plasmada no Acórdão recorrido porque esta não convém às suas pretensões, não porque a mesma esteja ferida de qualquer vício legal;
7. De igual modo, não se perfilha a tese da Recorrente relativamente à aplicação subsidiária do direito civil, que bem sabemos está prevista no artigo 41.° da Lei de terras, contudo quer a Lei de terras quer o contrato regulam pormenorizadamente esta vicissitude;
8. O prazo de aproveitamento que a Recorrente pretende que seja prorrogado não o pode ser, desde logo porque se encontrava largamente ultrapassado quando foi pedida a sua prorrogação, o que, lógica e legalmente, configura uma impossibilidade;
9. Sendo a concessão provisória, a mesma não pode ser renovada, para além de que os requisitos legais previstos para a prorrogação do prazo de aproveita não permitem que esta ultrapasse os 25 anos máximos previstos no artigo 47.° da Lei de terras, facto este que é de meridiana clareza;
10. A este respeito é notório que a Recorrente não reputa de ilegal a interpretação que o Acórdão recorrido faz dos preceitos legais relativos à prorrogação do prazo do aproveitamento, simplesmente não concorda com essa interpretação, o que não é motivo para assacar, ao mesmo qualquer violação de qualquer norma jurídica, designadamente dos artigo 124.° do CPA, que só indirectamente poderia ser violado pelo Acórdão recorrido se este tivesse procedido a uma avaliação que tivesse violado as normas legais aplicáveis à prorrogação do prazo de aproveitamento, o que não faz;
11. Ao considerar que não há violação de qualquer das normas aplicáveis ao pedido subsidiário de troca do terreno por outro com a mesma área e idêntica capacidade de construção, efectuado pela Recorrente, designadamente os artigos n.° 2 do artigo 323.° do CC e os artigos 83.° e 84.° da Lei de terras, bem como o princípio da legalidade, o que leva, na apreciação da Recorrente, à violação do artigo 21.° do CPAC e artigo 124.° do CPA, a Recorrente incorre em erro, pois nenhuma razão lhe assiste, dado que o douto Acórdão não viola os invocados preceitos;
12. Desde logo porque o artigo 21.° do CPAC não tem aplicação no recurso jurisdicional, dado que o mesmo só pode ter por fundamento a violação ou errada aplicação da lei substantiva ou processual por parte da decisão impugnada;
13. Resulta igualmente inaplicável o artigo 323.° do CC, pois, nem o contrato de concessão nem a Lei de terras contêm qualquer disposição que contemple situações às quais possa ser atribuída eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo;
14. A Recorrente, não sendo titular de qualquer direito sobre o terreno que pretende trocar, porque a concessão se encontra caducada, não reúne os pressupostos da troca de direitos previstos nos artigos 83.° e 84.° da Lei de Terras, pelo que o Acórdão recorrido não viola estes preceitos e, bem assim, não viola o artigo 124.° do CPA, como alega a Recorrente;
15. O Acórdão recorrido não viola o dever de averiguação e é patente no n.° 113 das Alegações de recurso que a Recorrente não vem assacar qualquer debilidade jurídica ao Acórdão e sim ao acto administrativo com ali é mencionado, o que não é admissível em sede de recurso jurisdicional por contrariar frontalmente o artigo 152.° do CPAC.
16. A Recorrente não densifica, por qualquer modo que seja, quais as diligências de averiguação que alegadamente se encontram em falta e a respeito das quais o Acórdão se deveria, em seu entender, ter pronunciado;
17. Igualmente se não verifica a alegada violação do direito de propriedade por parte do Acórdão recorrido desde logo porque estamos em presença de direito sobre bem alheio (solo do Estado) temporário e que ainda possui natureza provisória;
18. A protecção que a Lei Básica confere aos direitos decorrentes dos contratos de concessão em caso algum assegura direitos para além do prazo de arrendamento dos terrenos.
19. O artigo 48.° da Lei de terras, justamente porque não viola qualquer preceito dessa ou de qualquer lei em vigor na RAEM, não foi declarado nulo e, se bem que para a Recorrente o preceito seja alegadamente nulo, tal nulidade não foi invocada na Petição Inicial do recurso contencioso e não deixa de ser muito estranho que aquela tivesse "deixado escapar" naquela peça processual um vício que corresponderia à erradicação da norma do sistema jurídico, se bem que a nulidade possa ser invocada a todo o tempo .
20. Não sendo o artigo 48.° da Lei de terras nulo, o Acórdão recorrido não viola os artigos 6.°, 7.° e 103.° da Lei Básica e bem assim também não viola o artigo 124.° do CPA”; (cfr., fls. 496 a 519).
*
Remetidos os autos a este Tribunal, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Ao abrigo da norma do artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se sobre os recursos interpostos nos termos seguintes:
Sobre o recurso da decisão interlocutória proferida a fls. 247 a 249
1.
As Recorrentes contenciosas Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van S.A. e a Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A., interpuseram recurso jurisdicional da decisão da conferência do Tribunal de Segunda Instância que, julgando improcedente a reclamação perante si deduzida, manteve o despacho do Meritíssimo Relator que indeferiu o requerimento de produção de prova testemunhal.
Entendem as Recorrentes que a decisão recorrida fez uma errada aplicação da norma do n.º 3 do artigo 65.º do CPAC.
Parece-nos que as Recorrentes não têm razão.
A apontada norma do n.º 3 do artigo 65.º do CPAC confere ao juiz ou ao relator o poder-dever de limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos.
No caso em apreço, embora o acto contenciosamente recorrido não seja um acto de declaração de caducidade de concessões por arrendamento de terrenos, a verdade é que, vista a respectiva fundamentação, o que está substancialmente em causa no presente dissídio reconduz-se, como se verá, à discussão em torno da caducidade chamada preclusiva e dos seus efeitos.
Na verdade, as pretensões que as Recorrentes formularam perante a Administração foram indeferidas pela Entidade Recorrida essencialmente com base no facto de se ter verificado a caducidade preclusiva das concessões por arrendamento em virtude do decurso do respectivo prazo, com o consequente e inelutável efeito extintivo de tais concessões.
Tratando-se de um entendimento que tem sido seguido de modo uniforme pela jurisprudência dos nossos Tribunais em inúmeras decisões, seja em primeira instância, seja em sede de recurso, parece-nos inteiramente correcta e conforme ao disposto no n.º 3 do artigo 65.º do CPAC, a decisão recorrida no sentido de indeferir o requerimento de produção de prova testemunhal uma vez que, perspectivadas todas as soluções plausíveis da questão de direito, tal produção se mostra desnecessária (no mesmo sentido, por último, veja-se o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 16.9.2020, processo n.º 94/2020).
2.
Deve, pois, em nosso modesto entendimento e salvo melhor opinião, ser negado provimento ao recurso interposto da decisão interlocutória de fls. 247 a 249.
Sobre os recursos da decisão principal
1.
Inconformadas com o douto Acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso contencioso que interpuseram do acto do Chefe do Executivo, datado de 17 de Março de 2017, que lhes indeferiu o pedido de suspensão do prazo de aproveitamento do terreno designado por lote 8 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península da Macau e de prorrogação do mesmo aproveitamento por 10 anos, bem como de renovação da concessão provisória por 10 anos; lhes indeferiu o pedido de nova concessão do terreno com dispensa de concurso público e lhes indeferiu o pedido subsidiário de troca do terreno concessionado por outro situado em zona adjacente, com a mesma área e igual capacidade de construção, vieram as Recorrentes contenciosas Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van S.A. e a Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A., melhor identificadas nos autos, interpor perante o Venerando Tribunal de Última Instância o presente recurso jurisdicional.
2.
Sobre o recurso apresentado pela Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van S.A.
2.1.
A primeira questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação no que respeita aos invocados vícios que imputou ao acto contenciosamente recorrido de violação do dever de averiguação e de falta de fundamentação.
Parece-nos que a Recorrente não tem razão.
Na verdade, constitui jurisprudência pacífica a de que apenas a total ausência ou absoluta falta de fundamentação de facto e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação, afecta o valor legal da sentença, provocando a nulidade a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, Ac. do Tribunal de Última Instância de 15.2.2012, processo n.º 1/2012).
Ora, da leitura da decisão recorrida resulta que nesta se apreciaram os referidos vícios e que a respectiva improcedência se mostra suficientemente justificada e isso bastará para considerarmos que não ocorre a invocada nulidade.
2.2.
Alega também a Recorrente que a douta decisão recorrida errou quando concluiu que o acto contenciosamente recorrido não enferma de ilegalidade e que não ocorre o efeito impeditivo da caducidade previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Sem razão, parece-nos.
Na verdade, a concessão por arrendamento do lote de terreno aqui em causa foi feita pelo prazo de 25 anos, concretamente até 30 de Julho de 2016 e no decurso desse prazo não foi objecto de aproveitamento, que nem sequer se iniciou pelo que se manteve como concessão provisória.
A jurisprudência tem sido unânime a decidir que as concessões provisórias não podem ser objecto de renovação e que, por isso, uma vez decorrido o prazo máximo da sua duração, que é de 25 anos, a consequência inelutável é a da extinção por caducidade da concessão (neste sentido, entre muitos outros e por último, cfr. o Ac. do Tribunal de Última Instância de 23.9.2020, processo n.º 135/2020).
Por ser assim, não se vê que outro acto pudesse ter sido praticado pela Entidade Recorrida senão aquele que efectivamente foi praticado, tanto mais que a lei não prevê a possibilidade da suspensão ou da prorrogação do prazo da concessão, mas apenas do prazo de aproveitamento (cfr. artigo 104.º, n.º 5 da Lei de Terras).
Além disso também não se vislumbra qualquer vinculação legal da Administração a proceder uma nova concessão à Recorrente com dispensa de concurso público. Pelo contrário. A regra que emerge do artigo 54.º da Lei de Terras é a de que a concessão, salvo circunstâncias excepcionais, é precedida da realização de concurso público.
Quanto à pretendida troca é manifesta a improcedência da pretensão da Recorrente pela simples razão de que, com a caducidade e consequente extinção da concessão por arrendamento deixou de ser viável qualquer troca de direitos sobre terrenos.
Em relação ao efeito impeditivo da caducidade previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, emergente de um alegado reconhecimento por parte da Administração do direito da Recorrente desenvolver os terrenos para lá do prazo de 25 anos, parece-nos que a decisão recorrida andou bem ao considerar que tal efeito se não verifica (no mesmo sentido, por último, Acórdão do Tribunal de Última Instância de 16.9.2020, processo n.º 94/2020).
A conduta da Administração, nomeadamente a consideração de que os projectos apresentados eram passíveis de aprovação e a suspensão do procedimento de licenciamento até que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística não consubstancia qualquer reconhecimento do direito da Recorrente. Esta tinha o direito de aproveitar o terreno nos termos contratualmente acordados, isto é, no tempo e no modo que resultam do contrato, e esse direito nunca terá estado em causa.
Coisa diversa é a pretensão de aproveitamento do terreno em moldes diversas daqueles que resultam do contrato e quanto a esta não se vislumbra qualquer fundamento que suporta a conclusão de que a Administração, em algum momento reconheceu o direito de a Recorrente aproveitar o terreno para lá do prazo contratualmente fixado com isso impedindo a caducidade.
Parece-nos, por isso, que deve improceder este fundamento do recurso.
2.3.
A terceira questão suscitada no recurso prende-se com a invocada anulabilidade do acto contenciosamente recorrido por violação dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da igualdade.
Também aqui nos parece que falta razão à Recorrente.
Embora não esteja em causa um acto de declaração de caducidade da concessão por arrendamento do terreno, a verdade é que, como já vimos e bem assinalou a douta decisão recorrida, o esgotamento do prazo máximo da concessão implicou inelutavelmente a respectiva caducidade e, portanto, extinção.
Neste condicionalismo estava a Administração impedida de tomar outra decisão que não fosse a de indeferir os pedidos formulados pela Recorrente, surgindo tal decisão, portanto, como estritamente vinculada.
Ora, como se sabe, a violação dos princípios gerais da actividade administrativa só adquire relevância autónoma no âmbito do exercício de poderes discricionários e não de poderes vinculados em que apenas releva o princípio da legalidade. Daí que, em nosso modesto entender, também esta questão suscitada pela Recorrente não pode deixar de improceder (neste sentido, entre muitos outros e por mais recente, cfr. o Acórdão do Tribunal de última Instância de 16.9.2020, processo n.º 65/2020).
2.4.
Entende também a Recorrente que a decisão agora impugnada errou quando julgou improcedente os invocados vícios de violação do dever de averiguação e de falta de fundamentação.
Não nos parece.
Na verdade, face à já assinalada circunstância de a concessão por arrendamento ter irremediavelmente caducado pelo decurso do respectivo prazo com a consequente implicação do indeferimento das pretensões apresentadas pela Recorrente à Entidade Recorrida, não se vislumbra que outras diligências instrutórias se mostrassem necessárias tendo em vista a prolação da decisão final no procedimento administrativo.
Por outro lado, quanto à alegada falta de fundamentação é claro, estamos em crer, que tal vício não ocorre, porquanto, a o acto contenciosamente recorrido é uma decisão de concordância com uma anterior proposta que está exaustivamente fundamentada, quer do ponto de vista fáctico quer do ponto de vista jurídico. Foi observado, por isso, o disposto no 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
2.5.
Finalmente, quanto ao erro da decisão recorrida por ter julgado improcedente o vício de violação do direito de propriedade protegido pela Lei Básica, também não vemos como acompanhar a Recorrente.
Tal como esse Venerando Tribunal de Última Instância já decidiu, «é verdade que, nos termos do art.º 103.º da Lei Básica, a RAEM “protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal”.
No presente caso, há de chamar atenção para a natureza da concessão por arrendamento em causa, dada a título provisória, natureza que se mantém antes de a concessão se tornar definitiva, daí que o direito de uso do terreno concedido reveste também a natureza provisória.
Ora, a protecção dos direitos deve ser operada “em conformidade com a lei”.
Os direitos dos concessionários de terrenos previstos nos contratos de concessão devem ser reconhecidos e protegidos no âmbito legal.
Não é de aceitar que, com a protecção consagrada na Lei Básica, os direitos decorrentes dos contratos de concessão mereçam protecção para além do prazo de arrendamento dos terrenos, independentemente da renovação, ou não, das concessões, já que, como é lógico e legal, a protecção desses direitos para além do prazo inicial de arrendamento depende sempre da renovação das respectivas concessões, efectuada em conformidade com as leis vigentes na altura de renovação, tal como prevê a segunda parte do art.º 120.º da Lei Básica, segundo a qual as concessões de terras renovadas após o estabelecimento da RAEM devem ser tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da RAEM» (cfr. o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 10.7.2019, processo n.º 12/2019).
Ao decidir neste mesmo sentido, o Tribunal a quo não incorreu, portanto, no erro de julgamento que agora lhe vem apontado.
3.
Sobre o recurso apresentado pelas demais Recorrentes
3.1.
A primeira questão suscitada é a da errada qualificação do instituto da caducidade e da não verificação da caducidade.
Sobre esta questão já nos pronunciámos supra no ponto 2.2. e não vemos necessidade de acrescentar o que quer que seja, devendo a mesma, por isso, em nosso modesto entendimento, ser julgada improcedente.
O mesmo se diga relativamente à segunda questão suscitada relativa ao chamado efeito impeditivo da caducidade e bem assim em relação às questões da violação do princípio da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade e da violação do dever de averiguação e da falta de fundamentação sobre as quais nos pronunciámos nos pontos 2.2, 2.3 e 2.4 supra.
3.2.
No concernente à questão do erro de julgamento da decisão recorrida na apreciação do vício do acto contenciosamente recorrido de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, alegam as Recorrentes que os lotes de terreno situados nas Zonas C e D do Fecho da Baía da Praia Grande não puderam ser aproveitados e desenvolvidos antes das recepções definitivas que apenas ocorreram em Dezembro de 2001 o que fez com que as Recorrentes tenham sido impedidas de utilizar os lotes de terreno em causa.
Daí que, dizem as Recorrentes, a impossibilidade de aproveitamento dos terrenos tenha impedido o início da contagem do prazo de 25 anos.
Não nos parece que tenham razão.
Independentemente da correcção do enquadramento que é feito pelas Recorrentes do invocado vício na categoria da violação de lei por erro nos pressupostos de facto, a verdade é que, mesmo admitindo que até Dezembro de 2001 as Recorrentes não puderam aproveitar o terreno, essa circunstância não é impeditiva da contagem do prazo de 25 anos da própria concessão por arrendamento e essa que aqui está em causa. Quando muito, poderia justificar o não aproveitamento do terreno dentro do respectivo prazo. Mas são coisas diferentes. De resto, como resulta da douta decisão recorrida, as Recorrentes beneficiaram de um novo prazo para o efeito que se estendeu até Agosto de 2005, o que certamente se prende com as dificuldades no aproveitamento do terreno verificadas nos primeiros anos da concessão.
Em todo o caso, para o que agora interessa, o prazo de 25 anos do contrato de concessão por arrendamento iniciou o seu curso no momento da respectiva celebração e atingiu o seu termo, com o inelutável efeito extintivo que a lei lhe assinala, quando aquele lapso temporal se completou, ou seja, em 30 de Julho de 2016.
Cremos, pois, que não se verifica o apontado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto no acto contenciosamente recorrido, pelo que ao assim decidir o Tribunal a quo não é merecedor de qualquer censura.
4.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o deve ser negado provimento aos recursos jurisdicionais da decisão principal”; (cfr., fls. 554 a 559-v).
*
Cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem elencada como “provada” a matéria de facto seguinte:
«As recorrentes são sociedades comerciais sediadas em Macau.
A 1ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C1, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 1.233m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22513, a fls. 165, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26663F.
A 2ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C3, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 1.027m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22514, a fls. 166, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26667F.
A 3ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C4, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 738m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22515, a fls. 167, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26668F.
A 4ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C5, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 501m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22516, a fls. 168, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26669F.
A 5ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C6, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 3.131m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22517, a fls. 169, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26669F.
A 6ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C8, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 4.422m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22518, a fls. 170, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26671F.
A 7ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C9, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 2.891m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22519, a fls. 171, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26672F.
A 8ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C10, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 3.490m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22520, a fls. 172, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26673F.
A 9ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C11, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 3.212m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22521, a fls. 173, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26674F.
A 10ª recorrente é a titular do terreno concedido por arrendamento denominado Lote C17, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 9.650m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22523, a fls. 175, do Livro B49K, e inscrito a favor da mesma sob o n.º 26676F.
Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial n.º 52, de 29/12/1989, por escritura de 30/07/1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, foram concedidos por arrendamento a favor da sociedade Empreendimento Nam Van, S.A. (“Nam Van”), vários lotes de terreno nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior.
Na data das concessões, os vários lotes de terreno ainda não existiam (as actuais zonas A, B, C e D estavam submersas nas águas do estuário do rio das Pérolas), ficando a cargo da Nam Van proceder à construção de aterros e das respectivas infra-estruturas – vide cláusula sétima do contrato de concessão, titulado pelo despacho n.º 73/SATOP/92, que ora se junta como Doc. n.º 2.
Considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimento Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, as partes contratantes acordaram numa nova revisão da concessão, prorrogando os prazos de aproveitamento dos lotes de terreno por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005 – vide pareceres n.º 123/2016, 124/2016, 125/2016, 126/2016, 127/2016, 130/2016, 131/2016, 132/2016, 133/2016 e 136/2016.
Em 25 de Maio de 2000, foram apresentados pela Nam Van e pelas recorrentes os requerimentos da transmissão dos lotes de terreno em questão – vide, a título de exemplo, fls. 68 do Proc. n.º 2312, fls. 73 do Proc. n.º 2313, fls. 69 do Proc. n.º 2314, entre outros.
Por Despachos n.ºs 80/2001, 81/2001, 82/2001, 83/2001, 84/2001, 85/2001, 86/2001, 87/2001, 88/2001 e 90/2001, todos de 5 de Setembro de 2001, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (“STOP”), foram autorizadas as transmissões onerosas, a favor das ora recorrentes, dos direitos resultantes da concessão por arrendamento dos supra identificados lotes de terreno.
A cláusula segunda dos contratos de transmissão onerosa determina que cada concessão por arrendamento é válida até 31 de Julho de 2016.
As recepções definitivas ocorreram em 10 de Dezembro de 2001 – conforme constam dos autos de recepção definitiva, que ora se junta como Doc. n.º 6.
As recorrentes solicitaram ao Chefe do Executivo que autorizasse: a suspensão do prazo de aproveitamento, a prorrogação do prazo, bem como a renovação da concessão provisória; a nova concessão de terrenos com dispensa de concurso público e a troca de terrenos concessionados.
Em resposta aos requerimentos, foi elaborada pela DSSOPT a seguinte proposta:
“1. Segundo os pareceres n.ºs 123/2016 a 127/2016 de 27 de Outubro, 130/2016 a 133/2016 de 10 de Novembro, e 136/2016 a 138/2016 de 17 de Novembro da Comissão de Terras, está verificada a caducidade das concessões dos terrenos referidos no assunto em epígrafe, pelo decurso do prazo da concessão provisória em 30 de Julho de 2016 (Anexo 1).
2. Por despacho do Exmo. Chefe do Executivo, de 9 de Dezembro de 2016, exarado sobre a Proposta n.º 391/DSO/2016 de 15 de Setembro, que pretende indeferir o pedido efectuado pelas “Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Ken Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Ken Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A.” e “Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A.” (adiante designadas por “requerentes”), dos seguintes pedidos (Anexo 2):
2.1 De suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos e de prorrogação do mesmo por 10 anos, e ao mesmo tempo, de autorização da renovação da concessão provisória por 10 anos;
2.2 Da nova concessão com dispensa de concurso público a favor das requerentes;
2.3 Da troca de terreno.
3. Nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, através do ofício n.º 1094/DSO/2016 de 16 de Dezembro, foram notificadas as requerentes, no prazo de 10 dias contados a partir de recepção do referido ofício, para se pronunciarem por escrito sobre a referida intenção decisória. (Anexo 3)
4. Em resposta ao referido ofício e para efeito da audiência prévia, as requerentes apresentaram uma alegação escrita com entrada sob o n.º 860/2017 de 3 de Janeiro, solicitando a confissão de facto impeditivo da caducidade das concessões dos lotes de terreno da Zona C e D da Baía da Praia Grande, a prorrogação dos prazos daquelas concessões, ou a negociação com as requerentes novas concessões dos memos lotes de terreno ou concessões de outros terrenos nas Zonas B, C ou D do Plano da Baía da Praia Grande ou em Zonas com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes /nomeadamente em aterros novos), em qualquer dos casos com dispensa de concurso público, com os seguintes fundamentos principais (Anexo 4):
4.1 A adopção de diferentes critérios na mesma orla marítima de Macau, tratamento diferente que foi dado às 3 concessionárias de jogo que não tiveram dificuldade em obter as autorizações do Governo para concluírem a construção dos empreendimentos turísticos de grandes dimensões na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior em 2008 e 2009, empreendimentos imobiliários que, face à sua enorme volumetria, afectam a vista do Farol da Cuia, este sim, classificado pela UNESO como património mundial;
4.2 Falta da justificação da inoperância do Governo da RAEM em garantir o cumprimento das suas obrigações pois, em 10 anos, nada fez para aprovar o plano prometido plano de intervenção urbanística para Zonas C e D da Baía da Praia Grande;
4.3 Nas intervenções do Chefe do Executivo na Assembleia Legislativa em 18 de Novembro de 2015 e em 27 de Julho de 2016, afirmou que a falta de aproveitamento não é imputável às concessionárias e que o Governo da RAEM tem interesse em proteger os direitos dos proprietários, para além disso, de acordo com o relatório de 15 de Dezembro de 2015 do CCAC, quando a falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo estipulado seja imputável à Administração, pode esta não declarar a caducidade da concessão, conclusão que demonstra que a declaração de caducidade não é única via para as situações de terrenos sem aproveitamento nos prazos estipulados;
4.4 O artigo 55º da Lei n.º 12/2013 «Lei do planeamento urbanístico» dispõe que quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento de um terreno concedido, o concessionário tem direito, nos termos dos artigos 139º e 140º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» a requerer a revisão do contrato de concessão ou tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido;
4.5 O n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras» só proíbe a renovação da concessão provisória, não existindo nenhum obstáculo legal à possibilidade de prorrogação do prazo da concessão, e é importante recordar que o Governo se comprometeu a prorrogar o prazo de aproveitamento e à revisão dos contratos de concessão quando autorizasse o reinício do procedimento administrativo de aproveitamento dos lotes de terreno, provocando por parte da Administração o efeito jurídico impeditivo da caducidade previsto no n.º 2 do artigo 323º do «Código Civil», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M de 3 de Agosto.
4.6 O artigo 48º da «Lei de terras» não pode ser interpretado textualmente quando esteja em causa culpa da Administração sob pena de violação do artigo 6º da «Lei Básica».
4.7 Todas as infra-estruturas de apoio no local e o não aproveitamento dos lotes de terreno em causa ocorre por falta da aprovação do plano urbanístico fundam se no interesse público previsto respectivamente nas subalíneas (2) e (4) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 556º da «Lei de terras» que podem dispensar o concurso público.
Análise:
5. De acordo com o disposto no artigo 44º e no n.º 1 do artigo 47º da «Lei de terras», aplicável por força do preceituado no artigo 215º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
6. As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras».
7. Dado que as concessões em causa não se tornaram definitivas, são verificadas as suas caducidades pelo decurso do prazo.
8. As requerentes alegaram abstractamente a adopção de diferentes critérios na mesma orla marítima de Macau por parte da Administração, nos termos do artigo 87º do CPA, contudo, cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, ora, devendo as requerentes indicar concretamente provar que qual foi a construção dos empreendimentos que violou as cotas altimétricas máximas previstas no Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, para efeito da nossa instrução condicional de facto alegado.
9. Salvo a situação excepcional prevista no n.º 2 do artigo 48º da «Lei de terras», a caducidade de concessão pelo decurso do prazo de concessão provisória não depende da falta de aproveitamento no prazo fixado, imputável ou não ao concessionário ou de outros pressupostos, mas sim apenas do decurso do prazo. Para além disso, sendo a declaração da caducidade com base no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva um acto administrativo vinculado, a Administração não tem outro lugar de opção, salvo a declaração de caducidade. Portanto, ainda que existisse, por mera hipótese, alguma irregularidade ou ilegalidade na declaração da caducidade com base na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, nada poderia afectar os fundamentos de facto e de direito da caducidade.
10. Salienta que a possibilidade de aplicação da multa às concessionárias e de prorrogação do prazo de aproveitamento só acontece dentro do prazo da concessão provisória nos termos dos artigos 42º, 103º e 104º da «Lei de terras», mas no presente caso em que os prazos de concessões provisórias já terminaram em 30 de Julho de 2016.
11. Desde a revogação do Regulamento dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, não existe novos planos urbanísticos, não correspondendo, pois, aos pressupostos legais para aplicação da alínea 1) do n.º 2 do artigo 139º e n.º 1 do artigo 140º da «Lei de terras» a requerer a revisão do contrato de concessão ou tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão.
12. Salvo o respeito devido, não concordamos com a interpretação particular das requerentes sobre o artigo 48º da «Lei de terras», porque na realidade, ao abrigo da interpretação do mesmo artigo pelo Tribunal da Segunda Instância, na página 42 da decisão do processo de recurso contencioso n.º 434/2015 de 7 de Julho de 2016, alegou o seguinte:
“…… O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido……”
Assim sendo, pode dizer-se que o resultado do n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras» apenas provoca a caducidade de concessões, sem nada outra possibilidade prevista, e tendo em conta o regime geral da caducidade pelo decurso do prazo previsto no artigo 320º do «Código Civil», não dispõe qualquer caso do impedimento da caducidade na «Lei de terras».
13. Pela mesma razão, já que somente declare a caducidade no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, e o artigo 48º da «Lei de terras» dispõe expressamente que as concessões provisórias não podem ser renovadas, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, perante o requerimento de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento, a Administração não tem outra opção, salvo o seu indeferimento.
14. Ora, a caducidade de concessão pelo decurso do prazo de concessão provisória é o resultado produzido pelo artigo 48º da «Lei de terras» que é legislada de acordo com a «Lei Básica», pelo que, não viola o artigo 6º da «Lei Básica», relativos à protecção da propriedade privada.
15. Ainda que o plano de reordenamento da Baía da Praia Grande seja interesse público que favoreça o desenvolvimento da sociedade de Macau, isso pode ser somente considerado um motivo de que o respectivo terreno foi concedido a favor da “Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.” através da escritura de 30 de Julho de 1991, nem pode ser o motivo da nova concessão solicitada nesta vez. Nos termos da cláusula 3ª do contrato de concessão, os lotes em epígrafe destinam-se à construção de edifício de “habitação” e estacionamento”, de “habitação, comércio e estacionamento”, e de “hotel e estacionamento”, respectivamente, afigura-se que não se corresponde às situações dispensáveis do concurso público previstas na alínea 1) do n.º 2 do artigo 55º da «Lei de terras».
16. Nos termos do n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras», as entidades privadas só podem requerer a troca dos seguintes direitos sobre terrenos de que são titulares e livre de quaisquer ónus ou encargos, pelos direitos sobre os terrenos disponíveis referidos no artigo anterior: 1) Propriedade plena de terrenos privados; 2) Domínio útil de terrenos do Estado; 3) Direitos resultantes da concessão, por arrendamento, de terrenos do Estado-
17. Baseando nas análises acima referidas, a concessão provisória dos lotes em epígrafe já terminou em 30 de Julho de 2016 e não pode ser renovada. Por outras palavras, uma vez que a concessão do terreno já caducou por termo do prazo, o pedido de troca não satisfaz os exigidos no n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras».
Conclusão:
18. Em face do exposto, conclui-se que as alegações escritas não foram carreadas para o procedimento elementos ou argumentos de facto e de direito que pudessem conduzir à alteração das seguintes intenções decisórias, portanto, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
18.1 Indeferir o pedido de suspensão do prazo de aproveitamento do terreno e de prorrogação do mesmo por 10 anos, bem como de renovação da concessão provisória por 10 anos, uma vez que a concessão provisória dos lotes em epígrafe já terminou em 30 de Julho de 2016 e não pode ser renovada, nos termos dos artigos 47º, 48º e 215º da «Lei de terras»:
18.2 Indeferir o pedido da nova concessão com dispensa de concurso público a favor das requerentes, dado que os lotes destinam-se à construção de edifício de “habitação e estacionamento”, de “habitação, comércio e estacionamento”, e de “hotel e estacionamento”, respectivamente, não se correspondendo às situações dispensáveis do concurso público previstas na alínea 1) do n.º 2 do artigo 55º da «Lei de terras»;
18.3 Indeferir o pedido da troca de terreno, com fundamento de que o prazo de arrendamento terminou em 30 de Julho de 2016, não satisfaz os exigidos no n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras».
À consideração superior.”
Submetida a proposta a várias instâncias superiores, o Exm.º Chefe do Executivo emitiu, a final, em 10 de Março de 2017, o seguinte despacho:
“Concordo. Proceda-se em conformidade.”»; (cfr., fls. 328 a 334-v).
Do direito
3. Inconformadas com o decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, vem as (10) recorrentes “SOCIEDADES” atrás identificadas recorrer para este Tribunal de Última Instância.
Verificando-se que com os recursos que interpuseram do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância a final proferido subiu um outro “recurso de uma decisão interlocutória” pelas mesmas recorrentes apresentado, e, nada parecendo obstar o seu conhecimento, sem mais demoras se passa a apreciar.
–– Do “recurso da decisão interlocutória”.
O presente recurso tem como objecto o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em 31.05.2018, com o qual se confirmou o despacho do Exmo. Relator que indeferiu a pelas recorrentes pretendida “inquirição de testemunhas”; (cfr., fls. 206 a 206-v e 247 a 249-v).
Muito não se mostra necessário consignar para se demonstrar que reparo não merece o decidido.
Vejamos.
A decisão em questão que indeferiu a requerida inquirição de testemunhas tem, como motivação, a sua “desnecessidade”.
Em síntese, entendeu-se pois que, em causa estando matéria de facto relacionada com a alegada “inexistência de culpa das recorrentes (concessionárias) na falta de aproveitamento dos terrenos” em questão, irrelevante era a aludida inquirição atenta a situação da já verificada caducidade das respectivas concessões por decurso do seu prazo de arrendamento.
E, admitindo-se, obviamente, outro entendimento, (que se respeita), e, como já se deixou adiantado, cremos que correcta se apresenta a decisão recorrida.
Aliás, como no referido Acórdão recorrido se fez referência, (o mesmo sucedendo com o Parecer do Ministério Público atrás transcrito), sobre idêntica questão, idêntica tem também sido a posição desta Instância que, perante situações análogas de verificada caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento tem (igualmente) vindo a considerar que desnecessária é a pretendida produção de prova sobre a questão da “culpa”, ou falta dela, da concessionária no não aproveitamento do terreno; (cfr., v.g., o recente Ac. de 16.09.2020, Proc. n.° 94/2020, para onde se remete).
Nesta conformidade, (e como mais adiante também se verá), mais não se mostra necessário consignar para se concluir pela improcedência do presente recurso.
–– Dos (2) recursos do “Acórdão de 07.05.2020”.
Nada obstando o seu conhecimento, dos mesmos se passa a conhecer, começando-se, por nos parecer oportuno, com as seguintes (breves) “observações introdutórias”.
Os presentes “recursos” implicam a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).
Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.
Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 11.04.2018, Proc. n.° 38/2017; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020; de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020 e de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020).
Aqui chegados, cabe referir que em causa nos presentes autos estão questões relacionadas com a concessão por arrendamento de “10 lotes de terreno” situados na península de Macau, na Zona C do “Fecho da Baía da Praia Grande”, designados por lote C1, C3, C4, C5, C6, C8, C9, C10, C11 e C17, (sendo de notar que irrelevante é a referência pelas recorrentes feita na sua petição inicial e alegações aos lotes D2 e D5, pois que, embora o já referido despacho do Chefe do Executivo datado de 10.03.2017 também diga respeito a estes 2 lotes, os mesmos não estão em causa neste processo, sendo, aliás, matéria dos Autos de Recurso n.° 175/2020, neste Tribunal de Última Instância distribuídos em 21.10.2020, e que se encontra em fase de normal tramitação processual para efeitos de decisão).
Isto dito, continuemos.
Dois são os recursos trazidos a esta Instância.
O primeiro, tendo como recorrentes as (1ª a 5ª e 7ª a 10ª) sociedades “CHENG KENG VAN”, “CHUI KENG VAN”, “FOK KENG VAN”, “FU KENG VAN”, “MAN KENG VAN”, “PAK KENG VAN”, “POU KENG VAN”, “SON KENG VAN” e “UN KENG VAN”, a quem tinha sido concedido por arrendamento os lotes “C1”, “C3”, “C4”, “C5”, “C6”, “C9”, “C10”, “C11” e “C17”, respectivamente.
O segundo, tendo como recorrente a (6ª) sociedade “NGA KENG VAN”, concessionária do lote “C8”.
–– Comecemos por este recurso apresentado pela sociedade “NGA KENG VAN”.
Em síntese que se tem por adequada, em sede deste recurso vem – essencialmente – suscitada a questão da “falta de fundamentação” e de “errada interpretação e aplicação do direito”.
Porém, como se nos apresenta evidente, e como de forma clara, cabal e correcta já se demonstra no Parecer do Ministério Público, não se pode reconhecer razão à ora recorrente.
Na verdade, e para além do demais, cabe dizer que a decisão recorrida apresenta-se (adequadamente) fundamentada de facto e de direito, nela se tendo efectuado uma meritória interpretação e aplicação do regime legal que regula as questões colocadas atenta a situação fáctica considerada assente.
Vejamos.
Procedendo à apreciação das questões pela ora recorrente então colocadas em sede do seu recurso contencioso, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão ora recorrido:
“Da alegada ilegalidade do acto recorrido
Segundo o artigo 215.º da Lei n.º 10/2013 (Nova Lei de Terras), esta aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor.
A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (artigo 44.º da Lei de Terras - sublinhado nosso).
O prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato, não podendo exceder 25 anos (artigo 47.º, n.º 1 da Lei de Terras).
As concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão ou de qualquer uma das suas renovações (artigo 52.º do mesmo diploma legal).
E há que frisar ainda que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo a seguinte e única excepção: pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º, n.º 1 e 2 da Lei de Terras), o que não é o caso.
Ou seja, fora deste condicionalismo, não pode haver lugar a renovação das concessões provisórias.
No caso vertente, os arrendamentos são válidos até 31.7.2016, mas até à presente data, os terrenos concedidos por arrendamento ainda não foram aproveitados.
Assim, tendo decorrido o prazo máximo da concessão, sem que o terreno tenha sido aproveitado, não resta outra alternativa à Administração senão declarar a caducidade das respectivas concessões, por se tratar de uma caducidade-preclusão, conforme se vem decidido pelos Tribunais Superiores.
Pediram as recorrentes à entidade recorrida a suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos em causa, bem como a prorrogação ou renovação da concessão provisória por 10 anos.
Efectivamente, o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (artigo 320.º do Código Civil).
De acordo com a Lei de Terras, apenas pode haver lugar a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo, ao abrigo dos termos previstos no n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras; mas mesmo assim, também nunca pode ultrapassar o prazo de concessão por arrendamento a que se alude no artigo 47.º da mesma Lei.
Quanto à questão de saber se deve ou não haver lugar a nova concessão daqueles terrenos, não resta a mínima dúvida de que o pedido é inadmissível, face aos termos previstos nos artigos 54.º e 55.º da Lei de Terras.
Como observa o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, e bem, “o artigo 54.º da Lei n.º 10/2013 prescreve que a concessão provisória é precedida de concurso público, salvo casos excepcionais em que este pode ser dispensado nos termos do artigo seguinte. Este comando legal patenteia inequivocamente que o artigo 55.º desta Lei é da índole de norma excepcional, portanto não comporta aplicação analógica (artigo 10.º do Código Civil).”
E no tocante à questão de saber se haverá condições para troca de terrenos concessionados por outros situados em zona adjacente, julgamos igualmente não assistir razão às recorrentes, por ser o pedido inadmissível ao abrigo dos artigos 83.º e 84.º da Lei de Terras.
Estatui o n.º 1 do artigo 83º da Lei de Terras que “Os direitos sobre os terrenos disponíveis podem ser trocados por direitos sobre terrenos de que são titulares entidades privadas e públicas”.
Mais se determina na alínea 3) do n.º 2 do artigo 84.º do mesmo diploma legal que “As entidades privadas só podem requerer a troca dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, de terrenos do Estado, de que são titulares e livre de quaisquer ónus ou encargos, pelos direitos sobre os terrenos disponíveis referidos no artigo.”
Como bem observa o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, “…na medida em que a inquestionável verificação da caducidade preclusiva das concessões provisórias extingue incuravelmente os direitos das recorrentes sobre os terrenos, resta-se concluir que elas não possuem nenhum direito para concretizar a troca por elas requerida.”
De facto, tendo decorrido o prazo máximo da concessão, os terrenos em causa reverteram para a RAEM e, em consequência, as recorrentes deixaram de ter em seu poder os direitos sobre os terrenos que pudessem servir como objecto de troca, daí que não merece reparo o despacho recorrido que indeferiu a troca daqueles mesmos terrenos.
Em suma, uma vez que verificadas não estão as condições legais de que depende a procedência dos pedidos formulados pelas recorrentes, o acto de indeferimento praticado pela entidade recorrida não está inquinado dos vícios imputados pelas recorrentes.
*
Do efeito impeditivo da caducidade
As recorrentes entendem que se verifica o efeito impeditivo da caducidade previsto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, por ter a Administração reconhecido o direito de desenvolver os terrenos para além do prazo estabelecido na cláusula quinta dos contratos de concessão.
Preceitua-se naquela norma que “Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.
A nosso ver, mesmo que as recorrentes tivessem sido notificadas pela DSSOPT que os projectos apresentados eram passiveis de aprovação, ficando suspenso provisoriamente até que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística, tal atitude não é susceptível de consubstanciar, de modo algum, o reconhecimento do direito das recorrentes.
Uma coisa é dizer que o pedido era passível de aprovação, outra é dizer que foi aprovado, são duas realidades distintas.
Daí que inexiste o vício apontado.
*
Da pretensa anulabilidade por erro nos pressupostos de facto
Defendem as recorrentes que a entidade recorrida ignorou completamente o facto de que todos os lotes de terreno situados na Zona C e D do Fecho da Baía da Praia Grande não puderam ser aproveitados e desenvolvidos antes das recepções definitivas das infra-estruturas, que apenas ocorreram em Dezembro de 2001.
Prevê o artigo 321.º do Código Civil que o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
Observam Gil de Oliveira e Cândido de Pinho1 que “Quando a caducidade é inscrita convencionalmente, é habitual que as partes concomitantemente acordem sobre o momento a partir do qual o prazo de caducidade se começa a contar.”
Ora bem, no caso dos autos, não obstante que as recepções definitivas foram realizadas em Dezembro de 2011, mas conforme o acordado, o prazo da concessão é válido até 30.7.2016, devendo o aproveitamento operar-se no prazo de 96 meses contados a partir da data da publicação do Despacho no Boletim Oficial da RAEM e não após as recepções definitivas das infra-estruturas, pelo que não existe o alegado vício de erro nos pressupostos de facto, improcedendo, assim, as razões aduzidas pelas recorrentes nesta parte.
*
Da violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e de igualdade
Preceitua-se no artigo 167.º da Lei de Terras que “A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.
Conforme decidido pelo Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2018, “decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas”.
Ou seja, trata-se de um dos efeitos impostos pelo legislador, e não cabe à Administração decidir se declara ou não declara a caducidade, pois é um acto vinculado do Chefe do Executivo.
Isto é, cabe ao Chefe do Executivo declarar a caducidade decorrido o prazo da concessão, caso o concessionário não consiga apresentar a licença de utilização (artigo 130.º Lei de Terras), porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento do terreno urbano.
Na medida em que a Administração tem o dever de declarar a caducidade da concessão pelo decurso do prazo máximo, deixa de ter relevância a pretensa violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade, os quais constituem limites intrínsecos à actividade administrativa discricionária da Administração.
Improcedem, pois, os vícios apontados.
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Da alegada anulabilidade por violação do dever de averiguação e por falta de fundamentação
Alegam as recorrentes que a Administração não cumpriu o dever de averiguação de todos os factos convenientes para a justa e rápida decisão do procedimento, bem assim não fundamentou a razão de qualificar o acto recorrido como um acto vinculado, nem fundamentou a razão de chegar a conclusão de necessidade de declarar a caducidade dos terrenos.
Não lhes assiste qualquer razão.
Analisado o acto recorrido, não se vislumbra qualquer omissão de diligência essencial que careça de indagação oficiosa.
Também não se verifica que o acto recorrido incorreu em vício de falta de fundamentação, pois as recorrentes apenas não se conformaram com a decisão adoptada pela entidade recorrida, mas isso não significa que o acto estava enfermado do vício de forma por falta de fundamentação.
Pelo que improcede o recurso quanto a esta parte.
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Da violação do direito de propriedade privada protegida pela Lei Básica
Alegam as recorrentes que a decisão da entidade recorrida viola as disposições da Lei Básica no que respeita à protecção do direito de propriedade privada.
Para já, não se deva dizer que está em causa o direito de propriedade privada a que se alude no artigo 6.º da Lei Básica.
E não obstante que a Lei Básica reconhece os direitos resultantes de contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da RAEM (artigo 120.º da Lei Básica), o certo é que os interessados terão que cumprir as regras disciplinadas por lei, ou seja, a protecção dos direitos dos concessionários é garantida em conformidade com a lei.
Tendo a lei ordinária estipulado, por sua vez, os prazos de concessão e de aproveitamento dos terrenos, assim como as condições em que esses prazos possam ser renovados, suspensos ou prorrogados, ao indeferir os pedidos das recorrentes, a Administração limitou-se a aplicar a lei, não se vislumbrando, a nosso ver, qualquer falta de respeito à Lei Básica, pelo que improcede o vício imputado pelas recorrentes.
No mesmo sentido, defende o recente Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 2/2019 que: “Não é de aceitar que, com a protecção consagrada na Lei Básica, os direitos decorrentes dos contratos de concessão mereçam protecção para além do prazo de arrendamento dos terrenos, independentemente da renovação, ou não, das concessões, já que, como é lógico e legal, a protecção desses direitos para além do prazo inicial de arrendamento depende sempre da renovação das respectivas concessões, efectuada em conformidade com as leis vigentes na altura da renovação, tal com prevê a segunda parte do artigo 120.º da Lei Básica, segundo a qual as concessões de terras renovadas após o estabelecimento da RAEM devem ser tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da RAEM.”
(…)”; (cfr., fls. 335 a 340).
Aqui chegados, e tendo presente o que se deixou consignado, evidente se mostra de dizer que o presente recurso não pode proceder.
Com efeito, e no que toca à alegada “falta de fundamentação”, é inegável que o Tribunal a quo não deixou de apreciar e emitir, fundamentadamente, expressa pronúncia – individual – sobre todas as questões pela recorrente (então) colocadas.
Pode-se, obviamente, discordar dos fundamentos aduzidos pelo Tribunal de Segunda Instância para atingir a solução a que chegou no seu veredicto, porém, tal – como igualmente se mostra evidente – não constitui (certamente) o vício de “falta de fundamentação”.
Quanto à alegada “errada interpretação e aplicação do direito”, a mesma se nos apresenta dever ser a solução.
Na verdade, as questões agora colocadas são as mesmas que a recorrente tinha colocado em sede do seu anterior recurso contencioso, e como se deixou explicitado, a posição pelo Tribunal de Segunda Instância assumida na sua apreciação e decisão, coincide, (estando em total sintonia), com o entendimento que este Tribunal de Última Instância tem vindo a tomar, (cfr., v.g., os Acs. atrás citados), claro se nos apresentando que nenhuma razão se mostra de reconhecer à ora recorrente.
Por fim, (mas não com menos relevo), importa ter em conta que a própria concessão por arrendamento do “lote de terreno C8” à ora recorrente já foi objecto de “declaração de caducidade” por despacho do Chefe do Executivo de 03.05.2018, e que, por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 29.11.2019, (Proc. n.° 79/2019), se decidiu confirmar o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 04.04.2019, (Proc. n.° 571/2018), que negou provimento ao recurso contencioso onde se pedia a sua anulação.
Dest’arte, e verificando-se assim que a dita “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno em questão – que foi, por sua vez, o “argumento principal” invocado no despacho de 10.03.2017, (que originou estes autos) – encontra-se “definitivamente arrumada”, (até antes da prolação do Acórdão agora recorrido), ociosas se apresentam mais alongadas considerações para se negar provimento ao presente recurso.
–– Continuemos, passando-se para o recurso que tem como recorrentes as (1ª a 5ª e 7ª a 10ª) sociedades “CHENG KENG VAN”, “CHUI KENG VAN”, “FOK KENG VAN”, “FU KENG VAN”, “MAN KENG VAN”, “PAK KENG VAN”, “POU KENG VAN”, “SON KENG VAN” e “UN KENG VAN”, a quem tinha sido concedido por arrendamento os lotes “C1”, “C3”, “C4”, “C5”, “C6”, “C9”, “C10”, “C11” e “C17”, respectivamente.
Aqui, vem também (re-)colocadas as mesmas “questões” antes já suscitadas perante o Tribunal de Segunda Instância, e que se podem identificar como a de “violação de lei por erro nos pressupostos de facto” e o de “errada aplicação do direito”.
Porém, e como atrás já se deixou consignado, não se pode reconhecer razão às ora recorrentes.
Com efeito, e independentemente do demais, (ou seja, de pelos motivos já adiantados, censura não merecer o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância), em relação a todos os lotes de terreno em questão, decorrido já está o seu prazo de arrendamento de 25 anos, sem que tivessem sido aproveitados.
Nestes termos, certo sendo que o dito prazo expirou em 30.07.2016, como considerar inadequado, (ou ilegal), o despacho que deu origem aos presentes autos, proferido em 10.03.2017, quando, (pelo menos, factualmente), já se deviam considerar que caducas estavam as ditas concessões?
A resposta apresenta-se-nos óbvia e evidente.
Com efeito, dúvidas não havendo que tratando-se de um “acto vinculado”, e que, assim, que à Administração – impunha-se – a declaração de caducidade das concessões por decorrido estar o seu prazo de arrendamento sem o seu aproveitamento, que mais poderia suceder?
Por sua vez, também aqui, e em relação aos lotes C1, C3, C4 e C6 – concessionados às sociedades “CHENG KENG VAN”, “CHUI KENG VAN”, “FOK KENG VAN” e “MAN KENG VAN” – verifica-se que se está na mesma situação que o atrás referido “lote C8”, e que “definitivamente arrumada” está a questão da “caducidade das (respectivas) concessões”, (cfr., os Acs. deste T.U.I. de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 09.09.2020, Proc. n.° 63/2020; de 16.09.2020, Proc. n.° 94/2020; e de 09.09.2020, Proc. n.° 62/2020 respectivamente), sendo de se notar, também, que em relação aos restantes lotes C5, C9, C10, C11 e C17 – em que eram concessionárias as sociedade “FU KENG VAN”, “PAK KENG VAN”, “POU KENG VAN”, “SON KENG VAN” e “UN KENG VAN” – idêntica questão foi nesta mesma data apreciada e decidida no âmbito dos Autos de Recurso neste Tribunal registados com os n°s 132/2020, 133/2020, 141/2020, 142/2020 e 144/2020, apresentando-se-nos, assim, desnecessárias outras considerações para se constatar pela total improcedência das pretensões apresentadas no presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos interpostos dos Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância de 31.05.2018 e de 07.05.2020.
Custas pelas recorrentes, com a taxa de justiça individual que se fixa em 15 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 27 de Novembro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 in Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume IV, CFJJ, 2018, pág. 631
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