Processo nº 175/2020 Data: 04.12.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Concessão por arrendamento de terreno.
Suspensão e prorrogação do prazo de aproveitamento.
Matéria de facto.
SUMÁRIO
A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 175/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por despacho do CHEFE DO EXECUTIVO datado de 10.03.2017 decidiu-se:
- indeferir os pedidos de suspensão e de prorrogação do prazo de aproveitamento, bem como de renovação da sua concessão provisória por 10 anos de 12 lotes de terreno denominados como C1, C3, C4, C5, C6, C8, C9, C10, C11, C17, D2 e D5, situados na Zona C e D do Fecho da Baía da Praia Grande;
- indeferir o pedido de nova concessão dos ditos terrenos concessionados nas referidas Zonas C e D, com dispensa de concurso público a favor das respectivas concessionárias; e,
- indeferir o pedido (subsidiário) de troca dos terrenos concessionados.
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Inconformadas, as (12) sociedades concessionárias dos lotes de terreno em questão (e a seguir identificadas) recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.
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Em sede do recurso interposto pelas 10 sociedades concessionárias dos lotes da “Zona C” – ou seja, “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO CHENG KENG VAN, S.A.”, (“澄景灣建築置業股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO CHUI KENG VAN, S.A.”, (“翠景灣建築置業股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FOK KENG VAN, S.A.”, (“福景灣建築置業股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FU KENG VAN, S.A.”, (“富景灣置業發展股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO MAN KENG VAN, S.A.”, (“文景灣置業發展股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO NGA KENG VAN, S.A.”, (“雅景灣建築置業股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PAK KENG VAN, S.A.”, (“柏景灣置業發展股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO POU KENG VAN, S.A.”, (“寶景灣建築置業股份有限公司”); “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO SON KENG VAN, S.A.”, (“順景灣建築置業股份有限公司”); e, “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO UN KENG VAN, S.A.”, (“源景灣建築置業股份有限公司”) – proferiu-se o Acórdão de 07.05.2020, (Proc. n.° 354/2017), negando-se provimento ao recurso, (sendo que o assim decidido foi entretanto confirmado por Acórdão desta Instância de 27.11.2020, Proc. n.° 161/2020).
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Por sua vez, por Acórdão do mesmo Tribunal de Segunda Instância de 28.05.2020, (Proc. n.° 355/2017), julgou-se também improcedente o recurso das restantes 2 sociedades concessionárias dos lotes da “Zona D”, ou seja, da “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO VA KENG VAN, S.A.”, (“華景灣置業發展股份有限公司”), e, “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO WUI KENG VAN, S.A.R.L.”, (“匯景灣置業發展有限公司”); (cfr., fls. 1139 a 1171 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformadas, trazem estas (2) sociedades o presente recurso.
Nas suas alegações, vêm apresentadas as seguintes conclusões:
“1. Requer-se que seja ordenada a ampliação do conhecimento da matéria de facto nos termos do disposto no n.° 2 do Artigo 650 do Código de Processo Civil porquanto os factos-causa elencados pela Recorrente são factos relevantes em face das soluções plausíveis para a questão de direito.
2. Concretamente, requer-se que tal ampliação seja ordenada relativamente aos (i) factos de cuja prova resulta que o prazo de caducidade previsto no Artigo 47° da Lei de Terras não havia decorrido na data em que tal é apontado como tendo acontecido na fundamentação do acto administrativo impugnado e, bem assim (ii) daqueles de cuja prova resulta que o prazo de aproveitamento haja de qualquer modo sido interrompido pela actuação soberana da concedente, procedendo-se à indicação exaustiva dos mesmos no Capítulo IV da presente Alegação;
3. Atento o facto de que o sentido da decisão só possa ser finalmente determinado após e em razão da decisão quanto à matéria de facto nos termos em que a mesma possa vir a ser assente pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, deverá ser ordenado que a mesma reforme a decisão de mérito no sentido em que tal passe a ser justificado em face do juízo entretanto pela mesma assente quanto à matéria de facto”.
A final, pedem que:
“a) Seja ordenada a remessa dos Autos ao Venerando Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo conheça e assente a sua decisão quanto à restante matéria de facto alegada e provada e com relevo parta o assentamento do juízo e decisão quanto à questão de direito; e que,
b) Em razão de tal juízo, seja reformada a decisão. proferida quanto às questões fundamentais de direito sub iudice.
(…)”; (cfr., fls. 1182 a 1227).
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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 1241 a 1248), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Nas alegações o presente recurso jurisdicionai, as recorrentes pediram que seria ordenada "a remessa dos Autos ao Venerando Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo conheça e assente a sua decisão quanto à restante matéria de facto alegada e provada e com relevo parta o assentamento do juízo e decisão quanto à questão de direito", pelo que "seja reformada a decisão proferida quanto às questões fundamentais de direito sub iudice".
Argumentando o pedido de revogação, as recorrentes invocaram, nas referidas alegações, que o douto acórdão limita-se a consignar o que presumivelmente considera que sejam os factos provados com relevância para a causa, considerando que os fundamentos da decisão recorrida ficaram consignados na sintética fórmula.
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Ora, recorde-se que no recurso contencioso, elas requereram a suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos e prorrogação/renovação do mesmo por 10 anos, e a prorrogação ou renovação das concessões provisórias por 10 anos ou a atribuição de novas concessões a favor delas, com dispensa de concurso público, ou troca dos terrenos concessionados por outros terrenos a conceder, invocando, como causa de pedir, os vícios de erro nos pressupostos, abuso de direito, violação do artigo 323.°, n.° 2, do Código Civil, erro sobre a natureza da caducidade, erro de aplicação de direito intertemporal, inobservância do procedimento formal legal de declaração e défice de avaliação do interesse público pressuposto da dispensa de concurso público para atribuição de novas concessões.
Note-se que a consolidada posição do Venerando TUI assevera que o prazo de concessão provisória por arrendamento, cujo limite máximo legal vem sendo de 25 anos (art.54.°. n.°1 da Lei n.°6/80/M e art.47.°, n.°1 da Lei n.°10/2013), não pode ser renovado, suspenso, prorrogado ou prolongado. O que nos dão a conta os arestos tirados nos seus Processos n.°28/2017 e n.°43/2018
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O n.°1 da Cláusula Segunda dos Despachos do STOP n.°91/2001 e n.°92/2001 estipulam, do modo inequívoco e imperativo, que os direitos transmitidos às ora recorrentes em regime de concessão provisória por arrendamento do terreno aí identificado eram válidos até a 30/07/2016, sob clara cominação da caducidade. O que toma líquido e incontestável que o dia 30/07/2016 é o término peremptório das mesmas concessões.
Sendo assim, e tomando como pressuposto a sobre dita posição do douto TUI, inclinamos a colher que os factos que se dão por provados e encontram especificados no Acórdão in quaestio mostram suficientes e cabais para a justa decisão desta causa.
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, ficamos convictos de que a posição e explanações do Venerando TSI no Acórdão recorrido está em completa conformidade com a orientação fixada pelo Venerando TUI. Na nossa óptica, não se descortina nenhuma razão ponderosa que justifique a alteração da consolidada jurisprudência supra aludida. O que nos assegura a extrair tranquilamente que são inconsistentes os argumentos aduzidos nas supramencionadas alegações.
(…)”; (cfr., fls. 1266 a 1267).
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Colhidos que estão os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos e estando os autos prontos para decisão, vieram à conferência.
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Cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. No Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido e ora recorrido vem indicada como “provada” a matéria de facto seguinte:
«1. Segundo os pareceres n.ºs 123/2016 a 127/2016 de 27 de Outubro, 130/2016 a 133/2016 de 10 de Novembro, e 136/2016 a 138/2016 de 17 de Novembro da Comissão de Terras, está verificada a caducidade das concessões dos terrenos referidos no assunto em epígrafe, pelo decurso do prazo da concessão provisória de 25 anos em 30 de Julho de 2016 (Anexo 1).
2. Por despacho do Exmo. Chefe do Executivo, de 9 de Dezembro de 2016, exarado sobre a Proposta n.º 391/DSO/2016 de 15 de Setembro, pretendem-se indeferir os seguintes pedidos apresentados pelas “Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fuk Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Nga Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Son Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Un Keng Van, S.A.”, “Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A.” e “Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A.” (adiante designadas por “requerentes”) (Anexo 2):
2.1 De suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos e de prorrogação do mesmo por 10 anos, e ao mesmo tempo, de autorização da renovação da concessão provisória por 10 anos;
2.2 Da nova concessão com dispensa de concurso público a favor das requerentes;
2.3 Da troca de terreno.
3. Nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, através do ofício n.º 1094/DSO/2016 de 16 de Dezembro, foram notificadas as requerentes para se pronunciarem por escrito sobre a referida intenção decisória. (Anexo 3)
4. Em resposta ao referido ofício e para efeito da audiência prévia, as requerentes apresentaram uma alegação escrita com entrada sob o n.º 860/2017 de 3 de Janeiro, solicitando à Administração o reconhecimento do facto impeditivo da caducidade das concessões dos lotes de terreno da Zona C e D da Baía da Praia Grande, a prorrogação dos prazos daquelas concessões, ou a negociação com as requerentes sobre novas concessões dos mesmos lotes de terreno ou concessões de outros terrenos nas Zonas B, C ou D do Plano da Baía da Praia Grande ou em Zonas com uma área de construção e capacidade edificando equivalentes, em qualquer dos casos com dispensa de concurso público, com os seguintes fundamentos principais (Anexo 4):
4.1 A adopção de diferentes critérios na mesma orla marítima de Macau, ou seja, tratamento diferente que foi dado às 3 concessionárias de jogo que não tiveram dificuldade em obter as autorizações do Governo para concluírem a construção dos empreendimentos turísticos de grandes dimensões na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior em 2008 e 2009, enquanto no presente caso, os empreendimentos imobiliários devido à sua enorme volumetria, afectam a vista do Farol da Cuia classificado pela UNESO como património mundial;
4.2 Falta da justificação da inoperância do Governo da RAEM em garantir o cumprimento das obrigações das requerentes pois, dentro dos 10 anos, não fez nada para aprovar o plano de intervenção urbanística para Zonas C e D da Baía da Praia Grande já prometido;
4.3 Nas intervenções na Assembleia Legislativa em 18 de Novembro de 2015 e em 27 de Julho de 2016, o Chefe do Executivo confirmou que a falta de aproveitamento dos lotes se deveu a motivos relacionados com a protecção da zona histórica da cidade, não imputável às concessionárias e que o Governo da RAEM deve proteger os direitos dos proprietários; para além disso, de acordo com o relatório de 15 de Dezembro de 2015 do CCAC, quando a falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo estipulado seja imputável à Administração, pode esta não declarar a caducidade da concessão. A conclusão demonstra que a declaração de caducidade não é única solução para as situações de terrenos sem aproveitamento nos prazos estipulados;
4.4 O artigo 55º da Lei n.º 12/2013 «Lei do planeamento urbanístico» dispõe que quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento ou o reaproveitamento de um terreno concedido, o concessionário tem direito, nos termos dos artigos 139º e 140º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» a requerer a revisão do contrato de concessão ou tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido;
4.5 O n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras» só proíbe a renovação da concessão provisória, não existindo nenhum obstáculo legal à possibilidade de prorrogação do prazo da concessão, e é importante recordar que o Governo prometeu prorrogar o prazo de aproveitamento e rever os contratos de concessão quando autorizasse o reinício do procedimento administrativo de aproveitamento dos lotes de terreno, provocando assim por parte da Administração o efeito jurídico impeditivo da caducidade previsto no n.º 2 do artigo 323º do «Código Civil», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M de 3 de Agosto.
4.6 O artigo 48º da «Lei de terras» não pode ser interpretado literalmente quando esteja em causa culpa da Administração, sob pena de violação do artigo 6º da «Lei Básica».
4.7 Todas as infra-estruturas de apoio no local e o não aproveitamento dos lotes de terreno em causa ocorrem por falta da aprovação tempestiva do plano urbanístico da zona. Portanto nos termos das subalíneas (2) e (4) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 55º da «Lei de terras», pode-se absolutamente dispensar o concurso público.
Análise:
5. De acordo com o disposto no artigo 44º e no n.º 1 do artigo 47º da «Lei de terras», aplicável por força do preceituado no artigo 215º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
6. As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras».
7. Dado que as concessões em causa não se tornaram definitivas, são verificadas as suas caducidades pelo decurso do prazo.
8. As requerentes alegaram abstractamente a adopção de diferentes critérios na mesma orla marítima de Macau por parte da Administração. No entanto, nos termos do artigo 87º do CPA, cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, ora, devendo as requerentes indicar concretamente qual foi o projecto de construção que violou as cotas altimétricas máximas previstas no Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, de maneira que disponhamos de condições para apurar os factos alegados.
9. Salvo a situação excepcional prevista no n.º 2 do artigo 48º da «Lei de terras», a caducidade de concessão pelo decurso do prazo de concessão provisória não depende de pressupostos tais como a imputabilidade ou não ao concessionário da falta de aproveitamento no prazo fixado ou de outros pressupostos ainda, mas sim apenas do decurso do prazo. Para além disso, sendo a declaração da caducidade com base no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva um acto administrativo vinculado, a Administração não tem outra alternativa senão a declaração de caducidade. Portanto, ainda que existisse, por mera hipótese, alguma irregularidade ou ilegalidade na declaração da caducidade com base na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, nada poderia afectar os fundamentos de facto e de direito da caducidade.
10. Deve-se sublinhar que a possibilidade de aplicação da multa às concessionárias e de prorrogação do prazo de aproveitamento só acontece dentro do prazo da concessão provisória nos termos dos artigos 42º, 103º e 104º da «Lei de terras», mas no presente caso, os prazos de concessões provisórias já terminaram em 30 de Julho de 2016.
11. Desde a revogação do Regulamento Especificado do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, não se formularam novos planos urbanísticos, não correspondendo, pois, aos pressupostos legais para a aplicação da alínea 1) do n.º 2 do artigo 139º e n.º 1 do artigo 140º da «Lei de terras» para requerer a revisão do contrato de concessão ou tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, come pretendem as requerentes.
12. Salvo o respeito devido, não concordamos com a interpretação pessoal das requerentes sobre o artigo 48º da «Lei de terras», porque na realidade, ao abrigo da interpretação do mesmo artigo pelo Tribunal da Segunda Instância, na página 42 da decisão do processo de recurso contencioso n.º 434/2015 de 7 de Julho de 2016:
“… O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido…”
Assim sendo, pode dizer-se que o resultado do n.º 1 do artigo 48º da «Lei de terras» apenas provoca a caducidade de concessões, sem prever qualquer outra possibilidade, e tendo em conta o regime geral da caducidade pelo decurso do prazo previsto no artigo 320º do «Código Civil», não se dispõe qualquer caso do impedimento da caducidade na «Lei de terras».
13. Pela mesma razão, já que no caso do decurso do prazo da concessão provisória sem a conversão em definitiva se pode somente declarar a caducidade, e o artigo 48º da «Lei de terras» dispõe expressamente que as concessões provisórias não podem ser renovadas, tendo em conta a uniformidade do sistema jurídico, perante o requerimento de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento das requerentes, a Administração não tem outra opção, salvo o seu indeferimento.
14. Ora, a caducidade de concessão pelo decurso do prazo de concessão provisória é o efeito produzido pelo artigo 48º da «Lei de terras» que é redigida de acordo com a «Lei Básica», então não viola o artigo 6º da «Lei Básica», relativos à protecção da propriedade privada.
15. Ainda que o plano de reordenamento da Baía da Praia Grande seja interesse público que favoreça o desenvolvimento da sociedade de Macau, isso pode ser somente considerado um motivo pelo qual o respectivo terreno foi concedido a favor da “Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L.” através da escritura de 30 de Julho de 1991, mas não pode ser o motivo da nova concessão pedida desta vez. Nos termos da cláusula 3ª do contrato de concessão, os lotes em epígrafe destinam-se à construção de edifício de “habitação” e estacionamento”, de “habitação, comércio e estacionamento”, e de “hotel e estacionamento”, respectivamente, afigura-se que não se corresponde às situações de dispensa de concurso público previstas na alínea 1) do n.º 2 do artigo 55º da «Lei de terras».
16. Nos termos do n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras», as entidades privadas só podem requerer a troca dos seguintes direitos sobre terrenos de que são titulares e livre de quaisquer ónus ou encargos, pelos direitos sobre os terrenos disponíveis referidos no artigo anterior: 1) Propriedade plena de terrenos privados; 2) Domínio útil de terrenos do Estado; 3) Direitos resultantes da concessão, por arrendamento, de terrenos do Estado.
17. Com base na análise supra, a concessão provisória dos lotes em epígrafe já terminou em 30 de Julho de 2016 e não pode ser renovada. Por outras palavras, uma vez que a concessão do terreno já caducou por termo do prazo, o pedido de troca não satisfaz o exigido no n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras».
Conclusões:
18. Em face do exposto, conclui-se que as alegações escritas não constituem provas factuais ou direitos capazes de mudar as seguintes intenções determinadas; ora submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
18.1 Indeferir o pedido de suspensão do prazo de aproveitamento do terreno e de prorrogação do mesmo por 10 anos, bem como de renovação da concessão provisória por 10 anos, uma vez que a concessão provisória dos lotes em epígrafe já terminou em 30 de Julho de 2016 e não pode ser renovada, nos termos dos artigos 47º, 48º e 215º da «Lei de terras»;
18.2 Indeferir o pedido da nova concessão com dispensa de concurso público a favor das requerentes, dado que os lotes se destinam à construção de edifício de “habitação e estacionamento”, de “habitação, comércio e estacionamento”, e de “hotel e estacionamento”, respectivamente, o que não corresponde às situações de dispensa do concurso público previstas pela alínea 1) do n.º 2 do artigo 55º da «Lei de terras»;
18.3 Indeferir o pedido da troca de terreno, com fundamento de que o prazo de concessão por arrendamento terminou em 30 de Julho de 2016 sem a satisfação do exigido no n.º 2 do artigo 84º da «Lei de terras».
Em 10/03/2017, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
"Subscrevo. Indeferem-se os requerimentos segundo proposto"»; (cfr., fls. 1149-v a 1151-v e 4 a 13 do Apenso).
Do direito
3. Inconformadas com o decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, (Proc. n.° 355/2017), vem as (2) recorrentes sociedades atrás identificadas recorrer para este Tribunal de Última Instância.
Das alegações e conclusões que em sede do seu recurso apresentaram resulta que pretendem que se decrete uma “ampliação da matéria de facto”, e que, após tal, se profira nova decisão.
Ora, sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, não se mostra de acolher a pretensão apresentada, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Vejamos.
Antes de mais, (e seja como for), cabe aqui salientar que se tem como justas e adequadas as doutas considerações pelo Exmo. Representante do Ministério Público tecidas no douto Parecer que atrás se deixou transcrito, sendo de notar que correspondem, na íntegra, ao que por esta Instância tem sido entendido em sede de processos sobre idêntica “matéria” (e “questões”), e que, para não nos repetirmos, para os mesmos se remete; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 11.04.2018, Proc. n.° 38/2017; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020; de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020; de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020 e de 27.11.2020, Procs. n°s 132/2020, 133/2020, 141/2020, 142/2020, 143/2020, 144/2020, 157/2020 e 161/2020).
Com efeito, e como no recente Acórdão desta Instância de 27.11.2020 – Proc. n.° 161/2020, e onde em questão estava idêntica decisão administrativa – tivemos oportunidade de considerar:
“Certo sendo que o próprio prazo de concessão por arrendamento dos terrenos em questão expirou em 30.07.2016, como considerar inadequado, (ou ilegal), o despacho do Chefe do Executivo que deu origem aos presentes autos, proferido em 10.03.2017, quando, (pelo menos, factualmente), já se deviam considerar que caducas estavam as ditas concessões?
A resposta apresenta-se-nos óbvia e evidente.
Com efeito, dúvidas não havendo que tratando-se de um “acto vinculado”, e que, assim, que à Administração – impunha-se – a declaração de caducidade das concessões por decorrido estar o seu prazo de arrendamento sem o seu aproveitamento, que mais poderia suceder?”.
Na verdade, como “suspender” ou “prorrogar” um prazo que já decorreu?
E com que fundamento “renovar” ou decidir por uma “nova concessão”, se a anterior caducou por integral decurso do seu prazo de 25 anos sem aproveitamento por parte dos concessionários?
Da mesma forma, como, ou porque, após uma já verificada caducidade da concessão, “trocar” os terrenos (antes) concessionados?
Clara se nos apresenta a resposta.
Porém, nos presentes autos, (e independentemente do demais), mostra-se de se atentar (também) no seguinte.
Dizem – em síntese – as ora recorrentes que o Acórdão recorrido “desconsiderou dois extensos conjuntos de factos” que, a terem sido considerados, dados como provados e adequadamente ponderados, levariam a uma decisão de mérito de sentido contrário, assim justificando o pedido de ampliação da matéria de facto que deduzem.
Como se nos apresenta evidente, impõe-se a improcedência do assim pretendido.
Com efeito, abordando idêntica questão temos vindo a considerar que a competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020, de 14.10.2020, Procs. n°s 124/2020 e 125/2020 e de 27.11.2020, Proc. n.° 157/2020).
Assim, (não sendo também de olvidar que o Tribunal não tem que apreciar todos os fundamentos – ou “factos” – invocados pelas partes), e como com o que se deixou relatado demonstrado cremos estar, a factualidade dada como provada é inequívoca no sentido de que decorrido já estava o prazo das concessões por arrendamento às ora recorrentes dos lotes “D2” e “D5”, (aqui em questão e que findou em 30.07.2016), e, dest’arte, nenhuma censura ou reparo se mostra de tecer ao Acórdão recorrido que confirmou o despacho administrativo em momento posterior aquela data proferido, (em 10.03.2017).
Tudo visto, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelas recorrentes, com a taxa de justiça individual de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 04 de Dezembro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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