Processo n.º 250/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 21/Janeiro/2021
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança que indeferiu o seu pedido de autorização de residência na RAEM, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. Em 17 de Fevereiro de 2020 foi o Recorrente notificado do Despacho de indeferimento do pedido apresentado, “por não satisfazer razoavelmente os requisitos necessários à concessão de residência”, e mormente, não possuir habilitação superior nem demonstrar ter formação profissional ou outro tipo de habilitações relevantes e que a actividade que o Recorrente exerce não representa um contributo sócio-económico relevante para a RAEM; além de que o Recorrente não tem laços familiares com residentes da RAEM.
2. Não se conforma o Recorrente com tal decisão, porquanto nos termos da lei, sendo Português – e cumprindo os demais requisitos – tem direito à residência na RAEM.
3. Além disso, o Recorrente cumpre a maioria dos outros requisitos legais para que lhe seja atribuída a residência na RAEM, nomeadamente.
4. O Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, nunca tendo incorrido em incumprimento das leis em vigor na RAEM.
5. O Recorrente dispõe de meios de subsistência bastantes em território da RAEM, auferindo um salário médio razoável que com horas extras e bónus muitas vezes o robustecem.
6. O Recorrente tem uma finalidade clara, legal e legítima, mormente trabalhar e aqui estabelecer o seu centro de vida, acrescentando valor na área profissional em que se insere e por maioria de razão à Região, desempenhando, no momento, funções de técnico de instalações eléctricas junto da sociedade Empresa XXXXX Lda., com sede na Alameda ......, Centro Comercial ......, .../... Macau, tratando-se de um trabalhador com mais de 13 anos de experiência, habilitado para trabalhar em electricidade de tensão (sem corte de energia).
7. As características possuídas pelo ora Recorrente quanto ao seu trabalho específico e especializado na área de electricidade e energia, são raramente encontradas noutros trabalhadores da região.
8. Nas palavras do próprio empregador, é “extremamente difícil encontrar este tipo de técnicos (Trabalho em Tensão) em Portugal e não haver qualquer possibilidade de arranjar técnicos com esta formação em Macau”.
9. Ter habilitações superiores não é um requisito per se e muito menos uma condição sine qua non para a atribuição da Residência da RAEM. A formação superior é importante, não há dúvida, mas não é condição suficiente para se ter capacidades técnicas e profissionais.
10. A actividade que já exerce o Recorrente na RAEM é clara, legal e legítima e cumpre por completo o requisito descrito no artigo 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, n.º 4.
11. O Recorrente desenvolveu laços de forte amizade com residentes permanentes locais que representam, verdadeiramente, a família do Recorrente na RAEM. Quanto se vive num país estrangeiro os laços de amizade acabam por relevar ainda mais e tornar-se tão mais fortes quanto algumas relações familiares.
12. Os critérios definidos na lei não são sine qua non mas antes critérios de atendibilidade dentro de uma lógica de razoabilidade e de interesse para a RAEM.
13. O artigo 9º Lei n.º 4/2003 não se refere a aspectos cumulativos a ter em conta na apreciação do pedido, mas si a aspectos que devem ser levados em conta numa análise consciente, criteriosa e caso-a-caso.
14. O Recorrente dispõe de competências técnicas específicas que poucos trabalhadores na área possuem, representando sem dúvida uma mais-valia para a RAEM.
15. O Recorrente tem relações muito estreitas com a RAEM e tem o suporte, laboral e pessoal para ficar na RAEM e aqui estabelecer a sua vida em definitivo.
16. O Recorrente é um cidadão elegível para a atribuição de autorização de residência tendo em conta os factos já comprovados, bem como a sua vontade para permanecer na RAEM, aí continuar a sua vida e carreira, sentindo-se ainda mais enraizado na cultura com a qual o âmago do seu coração se identifica.
17. Nos termos do artigo 25º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o presente recurso é tempestivo.
18. Os requisitos descritos no artigo 10º da Lei n.º 4/2003 encontram-se cumpridos pelo ora Recorrente.
19. Da mesma forma os requisitos/documentos do artigo 15º da Regulamento Administrativo n.º 5/2003 foram todos cumpridos e entregues, no estrito cumprimento da lei.
20. Por tudo isto, e tendo em conta a matéria já vertida no pedido inicial, no exercício do direito de audiência escrito e bem assim no presente recurso, se requer venha o mesmo a ser julgado procedente e consequentemente, anulada a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência do Recorrente.
Nestes temos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência ser anulado, e concedida a autorização de residência ao Recorrente, com o que farão V. Exas. Justiça!”
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. O Recorrente impugna o despacho de 15.01.2020, pelo qual foi indeferido o pedido de autorização de residência, por se concluir que o Recorrente não satisfaz razoavelmente os requisitos necessários à concessão de autorização de residência, pois não possui habilitação superior, nem demonstra ter formação profissional ou outro tipo de habilitações relevantes que, pela sua especificação técnica, pudessem eventualmente substituir aquele requisito.
II. Mais, considerou a Entidade Recorrida que a actividade que o Recorrente pretende exercer (“técnico especialista de circuitos eléctricos”) não representa um contributo sócio-económico de relevo para a RAEM.
III. Na apreciação efectuada pela Entidade Recorrida quanto aos requisitos das habilitações superiores, formação profissional ou outro tipo de habilitações, não se verificou nenhum erro.
IV. A Entidade Recorrida não fez nenhuma errada apreciação dos factores de ponderação consagrados no artigo 9º da Lei n.º 4/2003.
V. Como também não violou nenhuma disposição da Lei n.º 4/2003, nem do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, pois ao indeferir o pedido de autorização de residência actuou dentro dos limites da lei e tendo em vista o interesse público.
VI. A Entidade Recorrida ponderou não o interesse pessoal do Requerente, mas sim o interesse da RAEM e esta ponderação, que é discricionária, só é sujeita ao controlo judicial em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade do exercício dos seus poderes, o que não se verificou no caso presente, pois a sua decisão foi norteada pelos limites inerentes ao interesse público.
VII. A Entidade Recorrida não omitiu o seu dever de instrução, pois não só procedeu à audiência do interessado nos termos do CPA, como averiguou todos os factos cujo conhecimento se impunha para decidir o pedido do Recorrente.
VIII. Em conclusão, o acto ora recorrido não enferma de qualquer vício, nem se vislumbra, pese não alegado pelo Recorrente, qualquer ofensa dos princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça ou da proporcionalidade.
Nestes termos e nos mais de direito, ainda com o douto suprimento de V. Exas., por não existir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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Oportunamente, apresentaram o recorrente e a entidade recorrida alegações facultativas, reiterando as razões já deduzidas nos seus articulados.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é cidadão português, titular do passaporte português, portador do visto de trabalho na RAEM válido até 31.12.2020.
O recorrente submeteu junto dos serviços competentes da RAEM pedido de autorização de residência na RAEM.
O Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência elaborou a seguinte proposta:
“1. O requerente, A, titular de Passaporte Português, requer Autorização de Residência na RAEM, nos termos do art.º 20º do RA n.º 5/2003, para exercer funções na firma Empresa XXXXX, Limitada, como Live Work Specialist.
2. Por entender não haver fundamento bastante para autorização de residência, dado, apenas ter apresentado dois Certificados de Formação Profissional com durações de 8 horas e 16 horas, constante na fls. 74 e 75 não demonstrando possuir qualquer outro tipo de formação que permita afirmar como uma mais valia naquela área para a RAEM, e da análise constatar-se que configura tipicamente um caso de importação de mão de obra para a qual a DSAL já o autorizou a exercer a sua actividade profissional na RAEM, assim, foi o interessado notificado em audiência escrita nos termos do art.ºs 93º e 94º do CPA do sentido provável de indeferimento do seu pedido com os fundamentos nela constantes, tendo-lhe sido concedido 10 dias para dizer o que se lhe oferecer.
3. Em fase de audiência e dentro do prazo concedido apresentou documento que pretende contrariar a proposta de indeferimento, dizendo em síntese que possui uma vastíssima formação contínua nos vários locais por onde trabalhou ao longo dos anos, uma vez que neste sector de actividade (electricidade) é muito importante obter formação no local de trabalho e para quem desempenha trabalhos de tensão é fundamental o desenvolvimento de competências técnicas específicas, que são muito raras na RAEM, não sendo possível a reparação de instalações de tensão sem ser por especialistas, como o caso do requerente e nesta área de actividade, mais do que diplomas ou certificados profissionais, interessa a formação dada no local e a experiência profissional, factos esses que se realçam no ponto 4 da presente informação.
4. Tendo em conta que o requerente foi autorizado pela DSAL a exercer a sua actividade profissional, salvaguardando o interesse do interessado bem como o interesse público e que o requerente apenas não preenche razoavelmente os interesses e finalidades para autorização do pedido, por não ter feito provas de capacidade profissional razoáveis, e ainda atentos os factos e ao descrito nos pontos 5 e 6 da presente informação, por além de considerados não apresentar novos elementos que alteram o constante na Audiência Escrita, julgo de manter o indeferimento do seu pedido com os fundamentos constantes na mesma.
À consideração do Exm.º Comandante.”
Submetida a proposta ao Comandante da PSP, este deu o seguinte despacho:
“Concordo com o parecer do Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, constante na presente informação. À consideração do Exm.º Sec. Seg.”
Em 15.1.2020, pelo Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho, ora acto administrativo impugnado:
“Analisado o pedido, verifica-se que o cidadão A não satisfaz razoavelmente os requisitos necessários à concessão de autorização de residência.
Com efeito, o Requerente não possui habilitação superior, nem demonstra ter formação profissional ou outro tipo de habilitações relevantes que, pela sua especificação técnica, pudessem eventualmente substituir aquele requisito.
Constata-se também que com a actividade que pretende exercer (“técnico especialista de circuitos eléctricos”) o Requerente não demonstra representar um contributo sócio-económico de relevo para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
Assim, e ponderando também que o Requerente não possui laços familiares com residentes da RAEM, não tem relevantes anteriores ligações a Macau e a situação não reveste contornos humanitários, decido pelo indeferimento do pedido.”
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Nestes autos, o recorrente solicitou reiteradamente a anulação do despacho exarado na Informação n.º 200092/SRDARPB/2019P pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança (doc. de fls. 88 a 91 do P.A., cujo texto integral se dá aqui por reproduzido na sua íntegra), arrogando que ele reunia os requisitos legalmente consagrados para efeitos de autorização de residência.
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Repare-se que na petição inicial e nas suas alegações facultativas, o recorrente não podia deixar de reconhecer que ele não possui habilitação superior nem laços familiares na RAEM. Todavia, o mesmo arrogou que o despacho em escrutínio incorrera em “uma grosseira falta de ponderação razoável sobre os requisitos exigidos pela lei e o preenchimento desses requisitos” por si, elencando não ter antecedentes criminais, possuir meios de subsistência na RAEM e ter profissão que poucos exercem.
Para além de não possuir habilitações superiores, o recorrente detém só e apenas as seguintes formações: - curso de «Formação profissional de Preparação para o Exame de Certificado de Competências em Contagem BTN» com a duração de oito horas; - curso de «Formação profissional de STAFP – Segurança Trabalhos em Altura – Fachadas, Postes de Betão e Metálicos» com a duração de dezasseis horas; frequência da «Unidade de Formação de Curta Duração Língua Inglesa – relações laborais – iniciação», com a duração total de cinquenta horas. Tais três são tudo.
Bem, o recorrente tem toda a liberdade de sobrestimar ou exagerar a sua experiência e competência técnicas, subscrevemos sem hesitação os juízos da entidade recorrida que assevera que o recorrente não demonstra ter formação profissional ou outro tipo de habilitações que, pela sua especificação técnica, pudessem substituir a habilitação superior, e por outro lado, o mesmo nem demonstra que a actividade que ele pretende exercer aqui represente um contributo social-económico de relevo para a RAEM.
Pois, entendemos sossegadamente que comportando o exercício de poderes discricionários, tais juízos (da entidade recorrida) subjacentes ao despacho in quaestio não enfermam de qualquer erro grosseiro ou total desrazoabilidade, pelo contrário, são cautelosos, sensatos, equilibrados e irrefutáveis. Sendo assim e de acordo com a jurisprudência constante e inabalavelmente consolidada (a título exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º 38/2012 e n.º 123/2014, do TSI nos Processos n.º 766/2011, n.º 570/2012 e n.º 356/2013), estamos convictos de que os sobreditos juízos não podem ser sindicados pelo Tribunal.
Nesta linha de ponderação, não podemos deixar de consignar aqui que a atitude do recorrente, traduzida em considerar que ele reunir todos os requisitos legalmente prescritos para efeitos da autorização de residência e ter direito à concessão de autorização de residência é infundada.
No que toca aos restantes argumentos do recorrente, sufragamos as impugnações e explanações tecidas na contestação, afigurando-se-nos que são cabais, pertinentes, discernidas e virtuosas tais impugnações e explanações, nomeadamente as descritas nos arts. 13.º a 33.º da contestação.
Tudo isto encoraja-nos a concluir que o despacho recorrido nestes autos é legal e inatacável.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
Em termos sintéticos, podemos concluir pelo seguinte:
- O facto de o recorrente ser cidadão português, não significa que a concessão de autorização de residência na RAEM seja automática;
- A questão de saber se o recorrente tem ou não formação profissional ou habilitações relevantes, nenhuma censura merece o acto administrado impugnado, uma vez que, tal como se refere no próprio acto, o recorrente apenas possui os seguintes cursos: curso de Formação Profissional de Preparação para o exame de certificado de competências em contagem BTN, com a duração de 8 horas; curso de Formação Profissional de STAFP – Segurança Trabalhos em Altura – Fachadas, Postes de Betão e Metálicos, com a duração de 16 horas; e frequência do curso de “Unidade de Formação de Curta Duração Língua Inglesa – relações laborais – iniciação”, com a duração de 50 horas. Atentas a natureza e a duração desses cursos de formação, somos a entender que não se vislumbra erro manifesto e grosseiro por parte da Administração na valoração e atribuição da pouca relevância desses cursos de formação profissional e habilitações do recorrente;
- De acordo com a jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores da RAEM, as decisões da Administração só são justiciáveis desde que violem de modo intolerável ou grosseiro os princípios que funcionam como limites internos à actividade administrativa discricionária, o que não é caso.
Por isto há-de julgar improcedente o recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 21 de Janeiro de 2021
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
O MºPº
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
Recurso Contencioso 250/2020 Página 30