Processo n.º 773/2020 Data do acórdão: 2021-2-4 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– julgamento dos factos
– erro notório na apreciação da prova
S U M Á R I O
Não sendo manifestamente desrazoável o resultado do julgamento dos factos feito pelo tribunal a quo, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova assacado pelo arguido recorrente ao mesmo tribunal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 773/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 190 a 199 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-20-0045-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de dano qualificado, p. e p. pelo art.o 207.o, n.o 1, alínea d), do Código Penal (CP), na pena, especialmente atenuada nos termos do art.o 66.o, n.os 1 e 2, alínea c), e 67.o do CP, de cinco meses de prisão, substituída, ao abrigo do art.o 44.o, n.o 1, do CP, por 150 dias de multa, à quantia diária de MOP80,00, no total, pois, de MOP12.000,00, convertível, no caso de não pagamento nem substituição por trabalho, em cinco meses de prisão.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), rogando, com alegado fundamento de existência de erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova dos autos no tocante ao montante de MOP18.720,00 de reparação da parede em causa referido no facto provado 7, a rectificação desse montante no sentido de passar o mesmo a ser de MOP4.185,00 apenas, para além de pedir, com fundamento no alegado excesso da medida da pena feita por esse Tribunal, a redução da sua pena de multa, no sentido de passar a ser de 50 dias de multa somente, à quantia diária de MOP80,00, no total pretendido de MOP4.000,00.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto a fls. 225 a 228, opinando pelo reenvio do processo por constatação do vício de erro notório na apreciação da prova, com vista à determinação de nova pena ao arguido, em função do resultado da indagação de qual o montante correcto de reparação da parede em questão.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 249 a 250, pugnando pela procedência do recurso, com nova medida da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O arguido veio impugnar o montante de reparação de uma parede exterior do Edifício do Instituto para os Assuntos Municipais de Macau por ele danificada referido no facto provado 7 descrito na página 5 do texto do acórdão recorrido (a fl. 192 dos autos).
2. Segundo esse facto provado 7, o montante de reparação da parede danificada pelo arguido foi de MOP18.720,00 (conforme o teor de fls. 105 a 107 dos autos).
3. A fl. 107 dos autos, consta um ofício subscrito em 18 de Julho de 2019 por um Senhor Vogal do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Municipais, a indicar o montante de MOP18.720,00 como o total de despesas da reparação da parede em causa nos autos, incluindo as despesas de tratamento provisório dessa parede e as despesas da obra de repintura com uso de material original.
4. A fl. 115 dos autos, consta um ofício subscrito em 9 de Agosto de 2019 pelo mesmo Senhor Vogal do Conselho de Administração, a indicar que o montante de dano causado à mesma parede foi de MOP4.185,00, com a justificação de que o montante anterior era valor estimado para a reparação da parede danificada, enquanto esse montante novo resultou da redução do custo de repintura por causa da adjudicação da obra de grande envergadura da manutenção de todas as paredes exteriores do Edifício em causa.
5. A fl. 161 dos autos, consta um ofício subscrito em 14 de Janeiro de 2020 pelo Senhor Presidente do Conselho de Administração do mesmo Instituto, a reclamar a quantia indemnizatória de MOP18.720,00.
6. A audiência de julgamento em primeira instância foi realizada em 20 de Maio de 2020 (cfr. o teor da respectiva acta lavrada a fls. 188 a 189 dos autos).
7. Na fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal sentenciador afirmou (na página 16 do respectivo texto, a fl. 197v dos autos) que como antes do início da audiência de julgamento o arguido depositou a quantia de MOP18.720,00 para pagamento da indemnização, não havia a necessidade de arbitramento oficioso da indemnização no caso dos autos.
8. O Tribunal sentenciador decidiu atenuar especialmente a pena do arguido, com fundamento no sincero arrependimento dele e na já reparação, por ele, antes do início da audiência de julgamento, do dano causado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Veio o arguido impugnar o facto provado 7 descrito no acórdão recorrido na parte em que se diz que o montante de reparação foi de MOP18.720,00.
Entretanto, não pôde ele vir fazer isto, como que venire contra factum proprium, porquanto foi da sua vontade que depositou, antes do início da audiência de julgamento em primeira instância, essa quantia para pagamento da indemnização.
E mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que mesmo que tivesse havido o segundo ofício subscrito pelo acima referido Senhor Vogal do Conselho de Administração do mesmo Instituto a indicar que o montante inicialmente referido no seu primeiro ofício baixou para MOP4.185,00, o arguido, à luz das regras rigorosas da responsabilidade civil por prática de acto ilícito e da respectiva obrigação de indemnização (vertidas mormente nos art.os 477.o, n.o 1, e 556.o do Código Civil), não poderia beneficiar da adjudicação da obra de grande envergadura de manutenção de todas as paredes exteriores do Edifício do Instituto. Aliás, o Senhor Presidente do Conselho de Administração do mesmo Instituto acabou por reclamar, no último ofício atrás referenciado, o montante inicialmente indicado no primeiro dos ofícios identificados, e o arguido também acabou por depositar tal montante inicialmente indicado para efeitos de reparação do dano causado (conduta essa que lhe proporcionou a atenuação especial da pena como tal decidida pelo Tribunal sentenciador), pelo que o resultado de julgamento já feito pelo Tribunal sentenciador de acordo com o qual o motante de dano da parede danificada pelo arguido foi de MOP18.720 não seria manifestamente desrazoável, razões porque haveria que improceder o vício de erro notório na apreciação da prova assacado nesta parte pelo arguido ao mesmo Tribunal.
Do acima observado, decorre naturalmente a inviabilidade da pretendida redução da pena, uma vez que a medida da pena feita pelo Tribunal sentenciador é até algo benévola ao arguido.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com duas UC de taxa de justiça e mil e oitocentas patacas de honorários arbitrados a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 4 de Fevereiro de 2021.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
Processo n.º 773/2020 Pág. 1/7