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Processo nº 913/2020
Data do Acórdão: 04FEV2021


Assuntos:

Processo de falência
Apreensão de bens de terceiro
Meios gerais de impugnação
Meios especiais de impugnação
Recorribilidade do despacho judicial
Despacho “meramente repetitivo ou confirmativo”
Inadmissibilidade de embargos de terceiro no processo de falência
Meio idóneo para reagir contra a apreensão ordenada no processo de falência


SUMÁRIO

1. Em regra, se não se conformar com o materialmente ordenado num despacho judicial, por entender padecer da ilegalidade substantiva, e inexistir uma norma expressa que lhe afasta a impugnabilidade e que lhe fixa um meio especial de reacção, o visado deve reagir por via de recurso ordinário – artº 561º/1 do CPC.

2. Se não ficar esclarecido do teor de um despacho judicial, o visado deverá pedir esclarecimento nos termos do disposto no artº 572º/-a) do CPC.

3. E se entender que o despacho é nulo por ter sido proferido na inobservância de determinadas normas processuais, o visado deve arguir a nulidade nos termos e prazo fixados na lei processual.

4. Não é recorrível o despacho que se limita a repetir ou confirmar uma decisão já contida num outro despacho anterior.

5. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens que for ordenada no âmbito de processo de falência, na sequência da declaração em estado de falência – artº 1089º/1-c) do CPC.

6. O meio idóneo e oportuno de reacção contra a apreensão ordenada na sequência da declaração de falência é a reclamação, a que se refere o artº 1153º/1-c) do CPC, que visa a separar da massa falida os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa falida.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 913/2020


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I
No âmbito dos autos de falência nº CV1-19-0004-CFI, requerida pela A Lda. contra a B Limitada, em que, na sequência da declaração desta última em estado de falência, foi proferido, em 14MAIO2020, o seguinte despacho ordenando a apreensão do valor da caução depositada pela falida na C, S. A.:
- 關於扣押擔保金事宜(卷宗第659頁、第671至672頁及第673頁):
  根據《民事訴訟法典》第1089條第1款c項,命令扣押破產人存放在C, S.A.的擔保金合共18,012,364.00澳門元。
  為此,去函C, S.A.要求其將有關擔保金存於本案並歸法院處置。

Notificada desse despacho, veio a C, S. A. formular o seguinte requerimento:
C S.A. (“C”), tendo sido notificada do teor do despacho de V. Exa. a fls. 676 do autos em referência, vem, muito respeitosamente e no seguimento da constituição de mandatários forenses cuja procuração e substabelecimento juntou aos presentes autos através da comunicação de 5 de Maio de 2020, registada sob o n.º 35716/2020, requerer que a secretaria notifique a C através dos seus mandatários e não directamente para a sua sede.
Mais requer que o total declarado de MOP$18,012,364.00 não seja incorporado na massa falida da Requerida, B Limitada - devendo a C ser dispensada de o depositar à ordem deste Tribunal -, uma vez que este montante corresponde a parte da facturação da Requerida à C, e está retido como garantia para cumprimento de contratos de empreitada.
Como já se disse, nos autos do Processo n.º CV1-19-0062-CAO, discute-se o direito da C a fazer seu o valor retido, tudo conforme a reconvenção que nos referidos autos a C deduziu, tendo este articulado como fundamento o incumprimento contratual da Requerida.

Junto aos autos e apreciado pelo Tribunal a quo, foi proferido, em 29MAIO2020, o seguinte despacho:
  法庭透過卷宗第676頁的批示,根據《民事訴訟法典》第1089條第1款c項,命令扣押破產人存放在C, S.A.的擔保金合共18,012,364.00澳門元。為此,已去函C, S.A.要求其將有關擔保金存於本案並歸法院處置。
  C, S.A.認為,該18,012,364.00澳門元的擔保金不屬於破產財產,有關款項是為擔保破產人與其之間的承攬合同的履行,而有關合同的履行和留置擔保金等問題正在第CV1-19-0062-CAO號卷宗內處理,因此請求法庭免除其將上述擔保金存於卷宗。
  本法庭認為,C, S.A.所言沒有道理。
  C, S.A.沒有提交任何設定有關擔保的證明文件。因此,法庭未能確定有關擔保的法律定性。
  然而,即使是特別擔保,也不會影響有關財產屬於破產財產的定性,只是在破產財產上附有擔保而已,正如某屬於破產人的不動產上設有抵押權或被留置的情況一樣。
  對破產財產享有擔保權利所可能影響的是債權人的受償順位。
  破產程序作為統一清算財產和償還負債的程序,若債權人認為其對破產人擁有某項債權,應在指定的期間內在破產程序中提出清償債權的要求,當然不妨礙《民事訴訟法典》第1140條第4款的規定。
  另外,還需注意,《民事訴訟法典》第1101條規定,由宣告破產之判決作出之日起,債權人即喪失以其對破產人之任何債權抵銷其對破產人之債務之權能。
  綜合以上所述,駁回C, S.A.有關聲請,命令向其發出存款憑單以便其將有關擔保金存於本案卷宗。

Notificada e inconformada com este último despacho, a C, S. A. interpôs o recurso ordinário dele para este TSI mediante o requerimento a fls. 996 dos autos de falência.

Pelo seguinte despacho o recurso foi admitido:
  法庭透過卷宗第676頁的批示,根據《民事訴訟法典》第1089條第1款c項,命令扣押破產人存放在C, S.A的擔保金合共18,012,364.00澳門元。為此,已去函C, S.A.要求其將有關擔保金存於本案並歸法院處置。
  C, S.A.透過卷宗第968頁的聲請提出反對,表示該18,012,364.00澳門元的擔保金不屬於破產財產,請求法庭免除其將上述擔保金存於卷宗。
  法庭於卷宗第969頁的批示中認定C, S.A的理由不成立,駁回C, S.A.有關聲請,從而維持卷宗第676頁批示所作決定。為此,法庭命令向C, S.A.發出存款憑單以便其將有關擔保金存於本案卷宗。
  C, S.A.不服,針對卷宗第969頁批示的內容提起上訴。
  該上訴屬適時,且上訴人具正當性,同意接納上訴。
  該上訴為平常上訴,須立即分開上呈,且僅具有移審效力(根據《民事訴訟法典》第581條、第583條、第585條第1款、第591條、第594條第4款、第601條第1款c項、第604條,以及第607條第1款)。
  除應有的尊重外,本法庭認為,本案不適用《民事訴訟法典》第607條第2款c項。這是因為,被上訴批示的根本決定為維持卷宗第676頁批示所作的扣押決定,只是基於合作原因,讓C, S.A.自行將有關被扣押款項存於本案卷宗,不屬於第607條第2款c項所規定的判處履行透過寄存或擔保予以保證之金錢債務的情況。
  作出適當通知。
  
Notificada da admissão do recurso, a C, S. A. apresentou as motivações de recurso, concluindo e pedindo que:
(i) O Tribunal a quo impôs que a Recorrente entregasse MOP$18,012,364.00 à sua ordem e de modo a integrar a massa falida da B;
(ii) Este montante encontrava-se retido pela Recorrente no seguimento de serviços facturados a esta pela B;
(iii) Está pendente no Tribunal Judicial de Base (Processo n.º CV1-19-0062-CAO) um litígio que opõe a Recorrente e a B, discutindo-se, entre outras questões, o direito da Recorrente a fazer seu o referido valor retido;
(iv) Porém, o Despacho recorrido rejeitou os argumentos da Recorrente porquanto esta (i) não comprovou o direito à retenção, (ii) não pode deixar de fazer integrar na massa falida o valor retido já que nenhum bem da falida dado em garantia (mesmo especial) goza dessa isenção, e (iii) não tem o direito compensar as suas dívidas à B com os créditos que sobre esta detém, pois já foi declarada a falência da B por sentença;
(v) O primeiro fundamento traduz uma manifesta violação do princípio da colaboração (artigo 8.° do CPC), pois, se o Tribunal a quo não estava convencido dos factos invocados pela Recorrente, deveria ter fixado prazo para que esta suprisse eventuais deficiências ou juntasse, à suas alegações, relevante suporte probatório;
(vi) Quanto ao segundo fundamento, ignorou o Tribunal a quo que o montante retido não é - nunca foi - uma garantia stricto sensu, pois não implicou uma prestação (voluntária ou contratualmente imposta) por parte da B mas antes a não entrega de dinheiro da Recorrente que o reteve como forma de garantir o correcto cumprimento de contratos de empreitada;
(vii) O montante retido não é um crédito da B, a B só teria direito a esse montante se e quando cumprisse determinadas metas estipuladas nos contratos de empreitada que celebrou com a Recorrente; dito doutro modo, a B teria um direito de crédito sujeito à condição suspensiva de satisfação dos objectivos estipulados nos contratos de empreitada; não se tendo verificado a condição, o direito nunca se formou na na sua esfera jurídica;
(viii) Determinando à Recorrente a entrega imediata da quantia de MOP$18,012,364.00 à B, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do artigo 1117.º, n.º 1, do CPC, pois o valor retido não era, à data do Despacho recorrido, um bem penhorável da B;
(ix) Já o terceiro e último fundamento do Despacho recorrido pressupôs um pré-juízo inaceitável pelo Tribunal a quo, que para o invocar teve de considerar que a Recorrente deve alguma coisa à B;
(x) Se invoca o artigo 1101.º do CPC, o Tribunal a quo teve de avaliar os dois pressupostos de preenchimento da norma: (1) a Recorrente ter dívidas (para com a B), e (2) estar a querer compensar essas dívidas retendo MOP$18,012,364.00;
(xi) Contudo a Recorrente nega que deva o que quer que seja à B, ainda que esta tenha intentado a acção com o n.º CV1-19-0062-CAO alegando que a Recorrente lhe deve uma indemnização - o que, em devida altura, foi por esta contraditado;
(xii) Decidindo já matéria que está a ser discutida noutra acção, o Tribunal a quo fez errada aplicação do artigo 1101.º do CPC, violando também esta norma.

PELO EXPOSTO, e com douto suprimento,
deverá julgar-se procedente este recurso e, em consequência, ser revogado o Despacho recorrido e substituído por decisão que determine que o montante de MOP$18,012,364.00 pertence à Recorrente, não devendo - em consequência - integrar a massa falida da B, assim se fazendo
Justiça!

Notificados das alegações, nenhum dos sujeitos processuais contra-alegou.

Após o que, o recurso foi feito subir em separado.

Por despacho do Relator, o recurso foi liminarmente admitido.

II

Foram colhidos os vistos.

Não obstante a admissão liminar do recurso pelo Relator nos termos prescritos no artº 619º/1 do CPC, o certo é que o despacho do Relator que admitiu o recurso não deixa, por natureza, de ser um despacho meramente tabular, nunca transitado em jugado e sempre passível da eventual reforma posterior pelo Colectivo.

Melhor analisadas as vicissitudes que precedem à subida do recurso, o Relator suscitou ex ofício a questão prévia da recorribilidade do objecto do recurso e proferiu o seguinte despacho a fim de cumprir o contraditório:

Melhor analisadas as vicissitudes que precedem a subida do recurso na elaboração do projecto do Acórdão a submeter à conferência, verificamos que a decisão material que a recorrente C, S. A. pretende efectivamente reagir contra é a decisão já consubstanciada no despacho proferido em 14MAIO2020, que ordenou a apreensão do valor da caução depositada pela falida na C, S. A., e que a decisão objecto do presente recurso não é mais do que uma mera repetição daquilo que já foi decidido naquele despacho anterior.

Portanto é questionável a admissibilidade do presente recurso, ou pela irrecorribilidade da decisão recorrida ou pela extemporaneidade do recurso.

Assim, não obstante a admissão liminar do recurso pelo Relator nos termos prescritos no artº 619º/1 do CPC, o certo é que o despacho do Relator que admitiu o recurso não deixa, por natureza, de ser um despacho tabular, nunca transitado em jugado e sempre passível da eventual reforma posterior pelo Colectivo.

Assim, notifique as partes para se pronunciar, em dez dias, querendo, sobre a irrecorribilidade da decisão recorrida ou a extemporaneidade do presente recurso.

Notificados, vieram o Administrador da massa falida e a falida pronunciar-se pela irrecorribilidade do recurso, ao passo que a ora recorrente insistiu na admissibilidade do recurso por a decisão recorrida ser materialmente recorrível – vide as fls. 79 a 80, 81 a 83 e 87 a 90 dos presentes autos.

Todavia, conforme demonstramos infra, de duas uma, ou processualmente falando, o objecto do presente recurso é irrecorrível por ser meramente confirmativo ou repetitivo dum despacho anterior, ou materialmente falando, a ordem da apreensão, para nós, já consubstanciada no despacho anterior em si não é susceptível de impugnação (pelo menos na fase processual em que foi ordenada), qualquer que seja o meio de reacção.

Então vejamos.

Como se sabe, dada a falibilidade humana e naturalmente a possibilidade de erro por parte dos juízes, a lei processual estabelece instrumentos processuais colocados à disposição dos sujeitos processuais e até terceiros que se vêem prejudicados por uma decisão judicial, com vista a eliminação dessa decisão que, pelo menos na sua óptica, se apresenta injusta, por ser errada ou violadora da lei.

Eis os chamados meios de impugnação, dentre os quais, uns dirigidos ao próprio autor da decisão, que são por exemplo a arguição de nulidade, oposição mediante embargos de terceiro e embargos de executado, outros dirigidos a uma instância hierarquicamente superior, ai temos interalia a reclamação da não admissão ou da retenção de recurso dirigida ao presidente do tribunal ad quem e o recurso ordinário dirigido ao tribunal superior.

Por razões variadas e bem compreensíveis, a própria lei também cria meios de reacção especiais, ao dispor das partes ou de terceiro, para reagir contra determinadas decisões judiciais reputadas por eles erradas e injustas.

De entre esses meios, alguns são dirigidos ao próprio autor de tais decisões.

São v. g. as situações previstas no artº 572º do CPC, à luz do qual pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha e a sua reforma quanto a custas e multa.

Todos estes meios de reacção, gerais ou especiais, são sujeitos ao princípio da tipicidade, ou seja, é a própria lei que os cria e lhes fixa o regime a que se devem sujeitar, dispondo para cada um desses meios «quem», «como» e «quando» pode recorrer a tais meios, e «para quem» devem ser dirigidos.

In casu, perante o despacho proferido em 14MAIO2020 que ordenou a apreensão do valor da caução que nela foi depositada pela falida, a ora recorrente C, S. A., em vez de reagir por qualquer um dos meios tipificados na lei contra o ordenado, antes decidiu lançar mão a um meio, não previsto na lei, algo semelhante à reclamação concebida para o procedimento administrativo, e mediante o qual pediu ao autor da ordem a reponderação daquilo que já ordenou e, se for caso disso, a dispensa do cumprimento daquilo que lhe foi ordenado.

Na verdade, o meio de reacção pelo qual optou a C, S. A. não se trata de qualquer dos meios criados na lei para reagir contra um despacho judicial.

Pois, como se sabe, em regra, se não se conformar com o materialmente ordenado num despacho judicial, por entender padecer da ilegalidade substantiva, e inexistir uma norma expressa que lhe afasta a impugnabilidade e que lhe fixa um meio especial de reacção, o visado deve reagir por via de recurso ordinário – artº 561º/1 do CPC.

Se não ficar esclarecido do teor de um despacho judicial, o visado deverá pedir esclarecimento nos termos do disposto no artº 572º/-a) do CPC.

E se entender que o despacho é nulo por ter sido proferido na inobservância de determinadas normas processuais, o visado deve arguir a nulidade nos termos e prazo fixados na lei processual.

Voltemos ao caso sub judice, tal como frisámos supra e no nosso despacho proferido em cumprimento do contraditório, a decisão judicial que ordenou a apreensão do valor da caução foi a contida no despacho de 14MAIO2020, de que foi notificada a visada C, S. A. por carta registada expedida em 15MAIO2020 – vide fls. 681 dos autos de falência.

Independentemente da questão, que trataremos infra, da impugnabilidade da ordem da apreensão, ao decidir reagir, como reagiu, contra a decisão que ordenou a apreensão do valor da caução, a visada, ora recorrente, C, S. A. não acertou o verdadeiro alvo, que deveria ser o despacho de 14MAIO2020.

Pois optou por atacar, por via do presente recurso, o despacho de 29MAIO2020, proferido em resposta ao requerimento apresentado pelo ora recorrente pedindo a não incorporação na massa falida a quantia de MOP$18.012.364,00, quando pretendeu realmente questionar a ordem da apreensão contida no anterior despacho datado de 14MAIO2020.

Tal como dissemos supra, esse requerimento que provocou o despacho datado de 29MAIO2020 não é integrável em qualquer dos meios de reacção contra despacho judicial, gerais ou especiais.

Portanto, não pode ter quaisquer efeitos jurídicos, nomeadamente, suspensivo da execução da ordem de apreensão ou do andamento do processo, ou devolutivo do poder de rever a ordem para quem que seja.

E o despacho de 29MAIO2020, produzido na sequência de um requerimento não integrável em qualquer dos meios de impugnação tipificados na lei, naturalmente não pode ser susceptível de ser atacado por qualquer dos meios previstos na lei, uma vez que o despacho produzido nestas circunstâncias anormais não passa de ser inócuo, meramente repetitivo e confirmativo daquilo que já foi decidido naquele despacho anterior (de 14MAIO2020), em relação ao qual a lei não deve reconhecer qualquer impugnabilidade.

Tendo por objecto um despacho inócuo, meramente repetitivo e confirmativo, e portanto não impugnável, o presente recurso não pode deixar de ser não admitido.

Pelo que ficou dito, o recurso é processualmente inadmissível.

Passemos já ao seu aspecto material, ou seja, à impugnabilidade da ordem de apreensão.

Por força da norma expressa, no âmbito de processo de falência, a ordem da apreensão que a ora recorrente realmente pretendeu atacar não é em si impugnável, ou pelo menos não é ainda impugnável nesta fase processual em que foi emanada.

Pois o artº 292º do CPC dispõe que:
1. Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
2. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de falência ou insolvência.
De acordo com o preceituado no nº 1 desse citado artigo, a lei cria um meio especial de impugnação, que se denomina oposição por embargos de terceiro, ao dispor de terceiro que considera a sua posse ou o seu direito ofendidos por qualquer acto judicial que ordenar apreensão ou entrega de bens no âmbito de um determinado processo que lhe é alheio.

E logo no seu nº 2, a lei estabelece uma excepção a esta norma especial, à luz da qual é expressamente afastada a admissibilidade deste meio especial de impugnação se a apreensão de bens for a ordenada no processo de falência ou insolvência.

Todavia, o que não quer dizer que ao terceiro que ver a sua posse ou direito ofendidos não seja reconhecido qualquer meio de reacção perante o acto judicial que for ofensivo de seus direitos, pois o legislador já teve o cuidado de criar um meio de impugnação, também especial ao seu dispor, para defender seus direitos num momento posterior.

É justamente a reclamação, a que se refere o artº 1153º/1-c) do CPC, que visa a separar da massa falida os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa falida.

Portanto, qualquer que seja o aspecto, processual ou material, em que foi vista a recorribilidade da ordem de apreensão, o presente recurso não pode deixar de ser inadmissível.

Em conclusão:

1. Em regra, se não se conformar com o materialmente ordenado num despacho judicial, por entender padecer da ilegalidade substantiva, e inexistir uma norma expressa que lhe afasta a impugnabilidade e que lhe fixa um meio especial de reacção, o visado deve reagir por via de recurso ordinário – artº 561º/1 do CPC.

2. Se não ficar esclarecido do teor de um despacho judicial, o visado deverá pedir esclarecimento nos termos do disposto no artº 572º/-a) do CPC.

3. E se entender que o despacho é nulo por ter sido proferido na inobservância de determinadas normas processuais, o visado deve arguir a nulidade nos termos e prazo fixados na lei processual.

4. Não é recorrível o despacho que se limita a repetir ou confirmar uma decisão já contida num outro despacho anterior.

5. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens que for ordenada no âmbito de processo de falência, na sequência da declaração em estado de falência – artº 1089º/1-c) do CPC.

6. O meio idóneo e oportuno de reacção contra a apreensão ordenada na sequência da declaração de falência é a reclamação, a que se refere o artº 1153º/1-c) do CPC, que visa a separar da massa falida os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa falida.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em não admitir o presente recurso.

Custas do recurso pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 04FEV2021
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

913/2020-1