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Processo nº 169/2020 Data: 13.01.2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : “Contratação de trabalhadores não residentes”.
Revogação da autorização.
Motivação da decisão.
Recurso contencioso.



SUMÁRIO

1. A “motivação” de uma decisão deve ser “expressa”, (ou explícita, não sendo assim aceitável uma fundamentação meramente implícita), “clara”, (inteligível, congruente, lógica e coerente), e “bastante”, (suficiente, completa).

2. Nesta conformidade – e atento o prescrito no art. 115° do C.P.A. – adequada, (legal), não é uma decisão (administrativa) em que a “situação” sobre a qual se decide não se apresenta clara, e onde (completamente) omitida é a “fundamentação de direito”.

3. Em sede de recurso contencioso de uma decisão administrativa proferida no âmbito do exercício do poder discricionário, o Tribunal não pode invocar – como que em “substituição” da entidade recorrida – fundamentação jurídica por aquela não indicada para justificar o acerto do decidido.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 169/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28.05.2020, (Proc. n.° 575/2018), negou-se provimento ao recurso contencioso aí interposto por “A”, (“甲”), tendo como objecto o despacho de 13.04.2018, com o qual o SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS confirmou – em sede de recurso hierárquico – a decisão da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais que revogou a antes concedida autorização de contratação por parte da recorrente de 6 trabalhadores não residentes; (cfr., fls. 78 a 83 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Não conformada, do assim decidido traz a recorrente o presente recurso, pedindo a revogação do dito Acórdão com a consequente anulação do acto administrativo recorrido; (cfr., fls. 91 a 102).

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Em sede de vista, é o Ministério Público de opinião que o recurso merece provimento, devendo-se revogar o Acórdão recorrido; (cfr., fls. 119 a 122-v).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância indicou como “provada” a seguinte matéria de facto:

«Tinha sido concedida à recorrente a autorização de contratação de 6 trabalhadores não residentes (2 reparadores de hardware, 2 programadores de desenvolvimento de software e 2 técnicos de instalação e manutenção de hardware).
Por despacho do Director da DASL n.º 21912/IMO/DSAL/2017, foi revogada a supra autorização de contratação de trabalhador não residente concedida à recorrente.
A recorrente interpôs recurso hierárquico para a entidade recorrida.
A DSAL apresentou para o superior a seguinte proposta:
“Sendo que a interessada apresentou um esclarecimento por escrito, mas, ainda não basta a constituição de uma fundamentação suficiente para sustentar a sua pretensão, mais tendo em conta: 1. O presente esclarecimento da interessada e as declarações prestadas pelos trabalhadores em questão na DSAL não são conformes; 2. De acordo com o resultado da investigação feita pela DSAL, verifica-se que, sem o consentimento nem o conhecimento dos trabalhadores, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, a interessada transferiu as informações dos trabalhadores em questão de “B (乙)” para “A (甲)”. Além disso, durante a investigação da DSAL, a interessada pediu aos trabalhadores no activo ou desligados do serviço para assinar de novo o contrato de trabalho com “U (乙甲)” ou “A (甲)”, bem como procedeu à inscrição e ao pagamento das contribuições de tais trabalhadores no FSS; 3. O ofício do FSS, entregue pela interessada na reclamação anterior, não pode comprovar a existência de uma relação laboral entre a ela e os trabalhadores acima referidos; e, 4. Presentemente há residentes locais à procura desse tipo de emprego.
Pelo exposto, propõe-se que se mantenha a decisão proferida no despacho original.”
O Secretário para a Economia e Finanças proferiu, em 13 de Abril de 2018, o seguinte despacho: (vide fls. 28 dos autos)
“Mantém-se a decisão proferida no despacho original.”»; (cfr., fls. 81 a 81-v e 14 a 16 do Apenso).

Do direito

3. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao anterior recurso da ora recorrente onde, apreciando-se os vícios então imputados ao acto administrativo recorrido consignou-se (nomeadamente) o que segue:

“Erro nos pressupostos de facto
A recorrente alegou que tinha celebrado o contrato de trabalho com os trabalhadores em questão, e aquele era responsável pelo pagamento de salário, emissão de recibo do pagamento de salário para estes e pagamento das contribuições do regime de segurança social.
Para provar tais factos, a recorrente arrolou vários responsáveis e trabalhadores que trabalharam ou trabalham na A (甲) e/ou na B (乙) como testemunhas.
A maioria das testemunhas referiu que a recorrente era o seu empregador verdadeiro e, alegou que B (乙) era responsável apenas pela prestação de serviços de gestão de recursos humanos para a recorrente, mas, após a análise abrangente de outras provas constantes dos autos, incluindo as declarações prestadas por outros trabalhadores na autoridade administrativa, verifica-se que a maioria dos declarantes referiu ser contratada pela “B (乙)” e não prestar serviços para a recorrente.
Alguns declarantes disseram que, após ter sido desligados de “B (乙)”, a pedido desta companhia, tinham assinado de novo o contrato de trabalho e, tinham ser informados de que B (乙) e a recorrente, A (甲), pertenciam ao mesmo titular ou à parceria, razão pela qual foram transferidos para ser trabalhadores da recorrente. Mais, alguns declarantes alegaram que só foi imprimida a “B (乙)” no seu recibo de pagamento de salário, ao invés das informações da recorrente.
Para além disso, mesmo que a recorrente tenha efectuado o pagamento das contribuições dos trabalhadores em questão no FSS, este Tribunal entende que a existência de uma relação laboral se fundamenta em elementos, como a prestação de serviços, o pagamento de remuneração e a existência de dependência. O mero pagamento das contribuições para o FSS não significa necessariamente que haja uma relação laboral.
De facto, segundo a regra de experiência comum, é impossível que os trabalhadores contratados não saibam para qual empregador eles prestam serviços, pelo que este Tribunal propende a admitir as declarações prestadas por outros trabalhadores no procedimento administrativo e, entende que tais declarações são mais credíveis e razoáveis.
Pelo exposto, este tribunal entende que o acto administrativo recorrido não padece do vício do erro nos pressupostos de facto
*
Revogabilidade do acto administrativo
Para além disso, a recorrente mais alegou que tal autorização de contratação de trabalhador não residente lhe concedeu o direito de contratar trabalhador não residente, entendendo que se trata de um acto administrativo gerador de vantagens e a administração não pode livremente revogar este acto, pelo que alegou que o acto administrativo recorrido violava o disposto no art.º 129.º, n.º 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo.
Nos termos do disposto no art.º 129.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos seguintes:
- Quando a sua irrevogabilidade resultar de vinculação legal;
- Quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos;
- Quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
Além disso, o art.º 130.º do Código do Procedimento Administrativo dispõe que “os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.”
Do referido artigo resulta que, salvo as excepções previstas na lei, os actos administrativos que sejam válidos, em geral, podem ser livremente revogados pela Administração; aos actos administrativos que sejam inválidos, a lei permite que a autoridade possa revogar tais actos num prazo determinado.
Nos termos do disposto no art.º 32.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 21/2009, é punido com multa de $10.000,00 a $20.000,00, por cada trabalhador, o empregador que contrate trabalhador não residente a quem tenha sido concedida autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador.
Para além disso, a alínea 1) do n.º 1 do art.º 33.º da mesma Lei dispõe que, “pelas infracções previstas nos n.ºs 1 a 3 do artigo anterior, podem ser aplicadas as seguintes sanções acessórias: ao empregador, revogação de todas ou parte das autorizações de contratação de trabalhadores não residentes concedidas, acompanhada da privação, pelo período de seis meses a dois anos, do direito de pedir novas autorizações.”
No acórdão do TUI n.º 54/2011 referiu-se: “defende a vinculação da revogação dos actos ilegais, quer quanto aos actos revogados desfavoráveis aos particulares, quer quanto aos actos favoráveis a estes.”
De acordo com os factos provados, a recorrente, sem o consentimento de alguns trabalhadores, transferiu arbitrariamente os trabalhadores de B (乙) para ser trabalhadores da recorrente, cujo acto viola o disposto no art.º 32.º, n.º 1, al. 3 da Lei n.º 21/2009, bem como preenche as condições que permitem a revogação da autorização de contratação de trabalhador não residente concedida à recorrente.
(…)”; (cfr., fls. 81-v a 82-v e 16 a 20 do Apenso).

Aqui chegados, e constatando-se que o presente recurso tem como objecto uma decisão (em tudo) idêntica à que foi sindicada nos Autos de Recurso Jurisdicional n.° 168/2020, (cfr., Ac. de 18.12.2020), e apresentando-se que idêntica deve ser a solução a adoptar, passa-se a acompanhar (de perto) o que nestes autos se entendeu consignar.

Pois bem, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que o “acto administrativo recorrido não padecia do vício de erro nos pressupostos de facto”, e considerando que a recorrente “violou o disposto no artigo 32.º, n. 2, al. 6) da Lei n.º 21/2009”, deu como verificadas as “condições para revogar as autorizações de contratação de trabalhadores não residentes concedidas”, assim negando-se provimento ao recurso.

Antes de mais, tem-se por útil e oportuno consignar que esta referida Lei n.° 21/2009 – “Lei da contratação de trabalhadores não residentes” – estabelece o regime geral da contratação de trabalhadores não residentes para prestarem trabalho na R.A.E.M., (cfr., art. 1°, n.° 1), que o atrás citado art. 32°, n.° 2, al. 6) pune, a título de “infracção administrativa”, o empregador que “Utilize o trabalhador não residente em local diferente do expressamente autorizado, ainda que se trate de outro estabelecimento pertencente ao mesmo empregador”, estabelecendo, o art. 33°, n.° 1, al. 1) que como sanção acessória de tal infracção pode ser aplicada “Ao empregador, revogação de todas ou parte das autorizações de contratação de trabalhadores não residentes concedidas, acompanhada da privação, pelo período de seis meses a dois anos, do direito de pedir novas autorizações”.

Aqui chegados, esclarecidos os termos em que se proferiu a “decisão administrativa” objecto do anterior recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância e expostas as razões que levaram a se decidir pela sua improcedência, cabe porém dizer que se mostra de subscrever – e adoptar – as considerações pelo Ministério Público tecidas no seu Parecer, que dão clara e adequada resposta – solução – ao presente recurso.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Pois bem, com recurso aos elementos constantes nas supra referidas decisões, (“administrativa” e “jurisdicional”), sabe-se que à ora recorrente foi “autorizada a contratação de 6 trabalhadores não residentes”, e que, (posteriormente), por despacho de 08.08.2017 do Director da D.S.A.L., foi esta mesma autorização “revogada”.

Sabe-se também que, do assim decidido interpôs a ora recorrente recurso hierárquico, que no âmbito deste, em 13.04.2018, pelo Secretário para a Economia e Finanças foi decidido confirmar tal revogação, e que, com o Acórdão ora recorrido se decidiu manter tal acto administrativo.

E, para além disto, em nossa opinião, (e infelizmente), pouco mais se sabe, (afigurando-se-nos que tal “dificuldade” terá sido igualmente sentida pelo Tribunal de Segunda Instância que, em sede da sua “decisão da matéria de facto” consignou o que já se deixou relatado).

Ora, como cremos ser normal, (ou natural), toda a “decisão”, (opção ou escolha), tem uma “justificação”, (uma causa, ou razão de ser).

Pode até não ser muito “clara”, (perceptível ou nítida), mas, em princípio, (e pelo menos, para a grande maioria das pessoas), existe sempre um “motivo” para uma tomada de posição.

E se assim é em questões do “foro pessoal”, o mesmo sucede – ou melhor, deve suceder – no caso de decisões proferidas em “procedimentos administrativos”, (contenciosos ou não), como as que em causa estão, (e quaisquer outros).

Existem, porém, diferenças.

É que enquanto para as primeiras, (as do “foro pessoal”), a justificação não precisa de ser revelada, (ou exteriorizada), nas segundas, a “motivação da decisão”, para além de constituir “exigência legal”, deve ser “expressa”, (ou explícita, não sendo assim aceitável uma fundamentação meramente implícita), “clara”, (inteligível, congruente, lógica e coerente), e “bastante”, (suficiente, completa), assumindo tal aspecto primordial importância.

Aliás, só assim se compreende o que terá levado a que no Código de Procedimento Administrativo se tenha regulamentado a matéria respeitante ao “acto administrativo” da forma que aí consta nos art°s 110° e seguintes, em especial, sobre a sua “forma” e “menções obrigatórias”, e, com especial relevância para os presentes autos, no que diz respeito ao “dever” e “requisitos da (sua) fundamentação”; (cfr., art. 114° e 115°; podendo-se, sobre esta matéria ver, v.g., Lino Ribeiro e J. Cândido Pinho in, “C.P.A. de Macau, Anotado e Comentado”, pág. 593 e segs.).

Tenha-se se pois presente que no que toca aos “requisitos da fundamentação” se prescreve no art. 115° do C.P.A. que:

“1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados”.

De facto, e como se nos mostra evidente, da “fundamentação” de uma decisão, (e, mais precisamente, do seu “teor”), depende a sua (boa) “compreensão”.

E desta, a sua concordância ou discordância pelo seu destinatário (e interessados em geral), para a sua consequente aceitação ou não, e, eventual contestação.

Daí que se apresente igualmente evidente que a ausência de uma adequada – clara e suficiente – fundamentação de uma decisão, impossibilita a sua compreensão, e, (consequentemente), sem se saber ou alcançar o “porque do decidido”, inviável é uma necessária ponderação para efeitos de eventual pedido de reforma ou correcção em sede da sua impugnação; (cfr., v.g., o Ac. de 27.11.2020, Proc. n.° 142/2020).

De nada valeria então a consagração do “princípio do devido processo legal”, (ou “due process of law”, expressão pela primeira vez invocada em 1354; cfr., v.g., Manuel Ferreira Filho in, “Curso de Direito Constitucional”, pág. 212), o mesmo sucedendo com o “princípio da tutela jurisdicional efectiva” estatuído no art. 2° do C.P.A.C..

Isto dito, voltemos à situação dos autos.

Pois bem, a “decisão administrativa” objecto do anterior recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância assentou na “Informação/Parecer” que atrás – em sede de “matéria de facto” – já se deixou (integralmente) transcrita.

Nenhuma questão se mostrando de colocar ao facto de se tratar de uma decisão consistente numa ”declaração de concordância” com tal “expediente”, (até porque legalmente permitida pelo n.° 1 do art. 115° do C.P.A.), o mesmo já não parece poder suceder com este último.

Com efeito, e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, a dita “Informação/Parecer” – que, recorde-se, constitui a “fundamentação” da decisão administrativa objecto do anterior recurso contencioso – apresenta-se-nos incompatível com o que legalmente se exige.

Para além de ser uma (quase integral) repetição da “decisão (revogatória) da D.S.A.L.” de 07.08.2017, empregam-se nela expressões, no mínimo, “dúbias” – “transferiu dados dos seus trabalhadores”, sem se concretizar quais, (nada se explicitando quanto à sua “natureza”), o mesmo sucedendo com os ditos “trabalhadores”, onde também não se explicita sequer se eram “residentes ou não”.

Por sua vez, importa igualmente notar que completamente omitida foi a “fundamentação de direito”, pois que nenhuma referência é feita à norma (ou normas) que, em concreto, regula(m) a situação para efeitos da decisão proferida, (tanto pela D.S.A.L., no sentido da “revogação da autorização de contratação de trabalhadores não residentes” antes concedida, assim como para a sua confirmação).

E, perante isto, cremos pois que justa e acertada se nos mostra ser a posição pelo Exmo. Representante do Ministério Público assumida no Parecer junto em sede de vista, onde, em nossa opinião, é feita uma adequada identificação e enquadramento jurídico-legal da “questão” e suas implicações.

De facto, e independentemente do demais, não se pode deixar de ter presente que, como se referiu, a “decisão administrativa” não indicou a sua “base legal”, e que, assim sendo, a invocação (oficiosa) dos artigos 32° e 33° da Lei n.° 21/2009 pelo Tribunal de Segunda Instância (para efeitos da sua justificação) não se mostra de subscrever.

Como – bem – se salienta no referido Parecer, (e vale a pena aqui recordar): “O que sucedeu foi que a douta decisão recorrida, ela própria, justificou a legalidade do acto administrativo contenciosamente impugnado nos referidos artigos 32.º, n.º 2, alínea 6) e do artigo 33.º, n.º 1, alínea 1) da Lei 21/2009, como que fundamentando, a posteriori, esse mesmo acto.
Com todo o respeito, pensamos que estava vedado ao douto Tribunal a quo fazê-lo. Nem sequer ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo pois que, neste caso, não havia uma vinculação legal da Administração a revogar o acto ao abrigo da norma do n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 21/2009, dado que esta norma, tipicamente, concede discricionariedade, tal como resulta da utilização da palavra «podem». Daí que nos pareça não ser aqui aplicável a jurisprudência desse Tribunal consagrada no acórdão tirado no processo n.º 54/2011 e que a douta decisão recorrida invocou.
Donde, tratando-se de um poder discricionário, era a Administração que estava obrigada a invocar a norma habilitante do respectivo exercício e o facto é que, da fundamentação do acto nada resulta a esse propósito. Cremos, modestamente e com todo o respeito, que não cabia ao tribunal fazê-lo”; (cfr., fls. 120-v).

Assim, impõe-se-nos a procedência do presente recurso.

Na verdade – para além de se apresentar (excessivamente) sintético na sua “decisão de facto”, não se podendo olvidar que, nesta sede, adequado é relatar “factos”, “acontecimentos”, que permitam alcançar o que efectivamente sucedeu e qual a “concreta situação” em questão, sendo de notar que o “teor” de uma decisão nem sempre equivale a tal – o Acórdão ora recorrido não se mostra correcto no que toca à sua “fundamentação de direito”, na medida em que, como que em “substituição” da entidade administrativa que praticou o acto administrativo recorrido no âmbito do exercício de um “poder discricionário”, invoca base jurídica que aquele não invocou, certo sendo que não o podia fazer.

Atente-se pois na expressão “podem” do art. 33°, n.° 1, al. 1) da Lei n.° 21/2009, inquestionável sendo assim que a aí prevista “revogação da autorização de contratação de trabalhadores não residentes” constitui (tão só) uma “medida possível”, a adoptar pela Administração, de acordo com critérios (subjectivos) de oportunidade, conveniência, e de melhor, ou maior, utilidade pública.

Contudo, e independentemente do demais, cabe salientar também que a própria aplicação – pelo Tribunal de Segunda Instância – dos ditos preceitos legais não se mostra acertada.

Dade já, e como já se deixou referido, em nenhum ponto da decisão da matéria de facto elencada como “provada” no Acórdão recorrido se indicou – como “assente” (ou “adquirido”) – que a imputada “conduta” da ora recorrente (na “transferência de dados”) implicou, ou diz respeito, a “trabalhadores não residentes”.

E, desta forma, como cremos que resulta evidente, em causa não está o art. 32°, n.° 2, al. 6) da Lei n.° 21/2009, o que, por sua vez, afasta (totalmente) a aplicação da (eventual) “sanção acessória” da (possível) revogação das anteriores autorizações concedidas.

Por sua vez, adequado também não foi o decidido a respeito do art. 130° do C.P.A..

Com efeito, regulando a “revogabilidade de actos anuláveis” prescreve este normativo que:

“1. Os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar”.

E no caso, e como se vê, (aplicável não sendo o art. 32°, n.° 2, al. 6) da Lei n.° 21/2009), não se vislumbra qual a “invalidade” da antes concedida “autorização de contratação de trabalhadores não residentes” para efeitos da sua (possível) revogação; (cfr., L. Ribeiro e C. Pinho in, ob. cit., pág. 757 e segs.).

Nesta conformidade, (e verificados também não estando os pressupostos para a aplicação do art. 129° do C.P.A. quanto à possibilidade da “revogabilidade de actos válidos”), vista está a solução para o presente recurso, havendo que se revogar o Acórdão recorrido.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido com a consequente anulação do acto administrativo praticado.

Sem tributação.

Registe e notifique.

Macau, aos 13 de Janeiro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas






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