Processo nº 904/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 4 de Fevereiro de 2021
Recorrente: Sociedade de Administração de Propriedades A Limitada
Recorridos: B e Outros
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Sociedade de Administração de Propriedades A Limitada, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo sumário contra
B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P,
Também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação destes a pagar à Autora as despesas de condomínio dos anos de 2016 a 2018.
Citados os Réus para querendo contestarem vieram alguns deles fazê-lo.
Proferida sentença e não se conformando a Autora com a mesma, veio esta interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Erro no reconhecimento dos pressupostos fácticos e erro na aplicação da lei – pedido principal
1. Relativamente à decisão do Tribunal a quo na sentença sobre a ilegitimidade da autora, salvo o devido respeito, a autora não concordou com isso.
2. A autora intentou a presente acção contra os 1º a 11º réus, uma vez que os 11 réus são proprietários das fracções do Edf. XX Kok, XXXX Fa Un. A autora começou a prestar os serviços de administração predial a favor do Edf. XXXX Fa Un (Edf. XX Kok, Edf. Pou Lei Kok, Edf. Pou Fông Kok) (adiante designado por “XXXX Fa Un”) desde 2014, mas os 11 réus não pagaram as despesas de condomínio das suas fracções deste Outubro de 2015 até Agosto de 2018, pelo que a autora pediu ao Tribunal que condene os 11 réus no pagamento à autora das respectivas despesas de condomínio e da indemnização por danos decorrentes de mora no pagamento.
3. Tal como referiu a autora nos pontos 1 a 13 da petição inicial, em 19 de Janeiro de 2014, “XXXX Fa Un” convocou a primeira assembleia geral de todos os condomínios e por alínea 4. da deliberação, continuou a contratar a autora para prestar serviços de administração da parte comum a favor de “XXXX Fa Un”, e incumbiu o Conselho de Administração de “XXXX Fa Un” (adiante designado por “Conselho de Administração”) de celebrar, em representação de todos os condomínios de “XXXX Fa Un” no seu mandato, o Contrato de Administração com a autora (vide o Anexo n.º 3 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Nos termos do art.º 1356.º n.º 1 do Código Civil (correspondente ao art.º 49 da Lei n.º 14/2017, ora Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio) (adiante designada por “Nova Lei”), em 18 de Julho de 2014, a autora e o “Conselho de Administração” celebraram o Contrato de Administração (adiante designado por “Contrato de Administração”, com duração de 1 ano (até 18 de Julho de 2015), sendo mensalmente as despesas de condomínio de fracção habitacional de MOP$290,00 e o fundo comum de reserva de MOP$29,00, no total de MOP$319,00 (vide o Anexo n.º 4 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. De acordo com o art.º 1.º al. A) do “Contrato de Administração”, o “Conselho de Administração” incumbiu, em representação de todos os proprietários, a autora de prestar serviços de administração predial a favor de “XXXX Fa Un”, cabendo à autora executar todo o teor e a responsabilidade enumerados no contrato. A autora recebe mensalmente as despesas de condomínio, cobre, em representação do “Conselho de Administração”, o fundo comum de reserva e depois transfere-as pontualmente ao “Conselho de Administração” (vide o Anexo n.º 4 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6. Combinando com o art.º 1.º al. B) e C) do “Contrato de Administração” e o Anexo n.º 2, o “Conselho de Administração” e a autora acordaram que para aquele que tem qualquer fracção habitacional, lugar de veículo ou loja beneficia dos serviços de administração, mas não paga ou recusa-se a pagar por razão lícita ou não aceitável pela autora as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva, a autora tem obrigação de exigir o pagamento através do meio legal se for necessário nos termos da lei de Macau, até ao seu integral pagamento. (No prazo de validade do contrato), o “Conselho de Administração” tem obrigação de ajudar a autora para exigir as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva em falta (vide o Anexo n.º 4 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. Em seguida, o “Conselho de Administração” alterou o mandato regularmente, mas nenhuma parte notificou a outra parte da resolução do contrato por meio escrito com a antecedência de 60 dias nos termos do art.º 4 do “Contrato de Administração” (o art.º 49.º n.º 4 da “Nova Lei” também regula o decurso do prazo do Contrato de Administração), pelo que o respectivo “Contrato de Administração” renovou-se automaticamente.
8. Portanto, a autora continuou a prestar serviços de administração a favor de “XXXX Fa Un” desde 18 de Julho de 2015 até 31 de Agosto de 2018.
9. Desde Janeiro de 2016 até Setembro de 2017, a autora aumentou as despesas de condomínio mensais do Edf. “XXXX Fa Un” para MOP$370,00, por causa da infracção e do salário mínimo de trabalhadores de limpeza.
10. Desde Outubro de 2017 até Agosto de 2018, a autora reduziu as despesas de condomínio mensais do Edf. “XXXX Fa Un” para MOP$330,00 e o fundo de reparações é de MOP$40,00, no total de MOP$370,00.
11. Em seguida, como referiu a autora, nos pontos 25 a 28 da petição inicial, que desde 18 de Julho de 2014 até 31 de Agosto de 2018, a autora foi contratada pelo “Conselho de Administração”, para prestar serviços abrangentes de administração geral ao Edf. XXXX Fa Un, as despesas de condomínio do referido prédio foram totalmente pagas pela autora. (vide os Anexos n.ºs 8 a 18 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12. Assim, conforme o acordo do “Contrato de Administração” celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”, a autora foi incumbida de cobrar as despesas de condomínio mensais a todos os condomínios durante a vigência do “Contrato de Administração” (isto é, de 18 de Julho de 2014 até 31 de Agosto de 2018), e as respectivas despesas de condomínio são retribuições a que a autora tem direito a receber conforme o acordo. E o “Conselho de Administração” também incumbiu a autora de exigir, por si própria, as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva em falta aos condomínios e o “Conselho de Administração” também tem obrigação de ajudar a autora para exigir as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva em falta.
13. E não se aconteceu como indicou o Tribunal a quo “assim, como a autora não recebeu a delegação ou incumbência do “Conselho de Administração”, portanto, não tem legitimidade de exigir aos réus o pagamento das despesas de condomínio”.
14. Assim, na duração do “Contrato de Administração” (desde 18 de Julho de 2014 até 31 de Agosto de 2018), a autora tem legitimidade activa de exigir, por si própria, aos condomínios no pagamento das despesas de condomínio e de fundo comum de reserva em falta.
15. Por outro lado, relativamente à decisão do Tribunal a quo na sentença sobre o chamamento do Conselho de Administração de XXXX Fa Un na causa como associado da autora, salvo o devido respeito à questão da aplicação da lei, discordou disso a autora.
16. A autora pediu, na petição inicial, ao Tribunal a quo que autorize a intervenção provocada do “Conselho de Administração”, como associado da autora na intervenção da presente acção, uma vez que tendo em conta o disposto do art.º 1359.º n.º 1 do Código Civil (correspondente ao art.º 45.º da “Nova Lei”), o “Conselho de Administração” deve prestar os serviços relativos à administração e tem legitimidade de intentar a acção relativa às despesas de condomínio (este entendimento consta da sentença do Juízo de Pequenas Causas Cíveis do TJB de Macau n.º PC1-16-0684-COP – cumprimento da obrigação pecuniária, de 7 de Março de 2017, vide o Anexo n.º 3 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
17. Os fundamentos da chamada e os interesses a tutelar são justamente constantes da petição inicial (vide os pontos 69 a 75 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), e nos termos do art.º 1357.º n.º 1 al. i) e do art.º 1359.º do Código Civil (correspondente aos art.º 43.º n.º 1 al. 12) e art.º 45.º da “Nova Lei”), depois que o “XXXX Fa Un” convocou a assembleia geral do condomínio e elegeu o “Conselho de Administração”, no caso de falta de pagamento das despesas de condomínio por parte de moradores do edifício, deve o “Conselho de Administração” recorrer ao meio judicial contra os moradores em falta, a fim de exigir as despesas de condomínio e demais quantias devidas.
18. É de notar que o “Contrato de Administração” celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração” (designadamente, o n.º 1 al. A) e o n.º 3 do Contrato), estipula expressamente que os condomínios devem pagar directamente as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva à autora durante a duração do “Contrato de Administração”, e a autora, por seu lado, foi incumbida de cobrar mensalmente as despesas de condomínio a todos os condomínios, e as respectivas despesas de condomínio também são as próprias retribuições a que a autora tem direito a receber conforme o acordo, e não se aconteceu como indicou o Tribunal a quo que “prestando a autora serviços de administração a favor do Edf. de XXXX Fa Un através de cobrança das despesas de serviço pagas pelo “Conselho de Administração”.”
19. De facto, a autora foi incumbida pelo “Conselho de Administração” de prestar serviços abrangentes de administração geral ao Edf. XXXX Fa Un, neste período, era a autora quem suportou todas das despesas de serviços de administração do edifício (vide os Anexos n.ºs 8 a 18 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). Caso o Juízo condene os condomínios no pagamento das despesas de condomínio, quem tem o direito de receber as despesas de condomínio deve ser a autora, em vez de ser o “Conselho de Administração” indicado pelo Tribunal a quo.
20. Em segundo lugar, o “Contrato de Administração” também estipula que o “Conselho de Administração” tem a obrigação de ajudar a autora para exigir conjuntamente as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva em falta.
21. Portanto, para garantir os direitos e interesses da autora na cobrança das despesas de condomínio, o “Conselho de Administração” deve intentar a presente acção juntamente com a autora conforme o estipulado do “Contrato de Administração”, e o Tribunal também deve chamar o “Conselho de Administração”, a pedido da autora, para intervir na presente causa.
22. Caso o “Conselho de Administração” não intervenha na presente acção, sem a ajuda do “Conselho de Administração”, a autora não tem direito a exigir aos réus no pagamento das despesas de condomínio e de indemnização com base na relação contratual (art.º 61.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
23. Face ao exposto, in casu, na duração do “Contrato de Administração” (desde 18 de Julho de 2014 até 31 de Agosto de 2018), a autora tem legitimidade activa de exigir, por si própria, aos condomínios no pagamento das despesas de condomínio e de fundo comum de reserva em falta, ou o Tribunal a quo deve admitir o pedido da autora do chamamento do “Conselho de Administração para intervir na presente acção, a fim de suprir a legitimidade da autora.
24. Enfermou manifestamente dos vícios de erro no reconhecimento dos pressupostos fácticos e de erro na aplicação da lei a sentença recorrida que indeferiu os pedidos da autora com base na relação contratual contra os réus por falta de legitimidade da autora e que não autorizou a intervenção provocada do “Conselho de Administração” na presente causa nos termos do art.º 1359.º do Código Civil ou nos termos dos art.ºs 45.º e 43.º n.º 1 al. 4) da Lei n.º 14/2017, ora Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio, e dos art.ºs 58.º, 267.º n.º 1, 262.º e 60.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
II. Violação das disposições legais e erro no reconhecimento dos pressupostos fácticos e na aplicação da lei – pedido subsidiário
25. Relativamente à decisão do Tribunal a quo na sentença sobre o pedido da autora do pagamento das despesas de administração com fundamento de gestão de negócios e de enriquecimento sem causa, salvo o devido respeito, discordou disso a autora.
26. O Tribunal a quo entendeu que caso o “Conselho de Administração” não intentasse a acção judicial contra os réus no presente caso, a autora também não teria nenhum direito de cobrar as despesas de condomínio em falta aos réus, uma vez que o Tribunal a quo julgou, ao mesmo tempo, que a autora não pode exigir aos réus o pagamento das despesas de condomínio em falta com fundamentos de gestão de negócios ou de enriquecimento sem causa.
27. Entende a autora que o Tribunal a quo ofendeu a garantia de acesso aos tribunais prevista no art.º 1.º do Código de Processo Civil, designadamente, no seu n.º 2, a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção.
28. É de repetir que tendo em conta todas das cláusulas do “Contrato de Administração” celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”, não podemos concluir o facto dado por provado pelo Tribunal a quo – “a autora prestou serviços, em contrapartida, a contraparte (“Conselho de Administração”) deve pagar as despesas nos termos contratuais”.
29. Na perspectiva da realidade, o órgão de administração eleito pela assembleia geral do condomínio é justamente composto por condomínios, os réus neste caso não pagaram voluntariamente as despesas de condomínio à autora e o Conselho de Administração não ajudou a autora para exigir aos réus as despesas de condomínio.
30. A razão é óbvia, as despesas de actos de administração deste edifício não foram pagas pelo Conselho de Administração, mas na realidade, os verdadeiros beneficiários destes serviços são os réus no presente caso. Quando o Conselho de Administração não ajudou a autora para intentar a acção judicial, os réus iriam alcançar a finalidade de não pagar as despesas de condomínio à autora.
31. É de sabido que, da administração da parte comum do edifício resultam necessariamente as despesas, e estas despesas foram totalmente pagas pela autora, daí, se os proprietários, através do referido meio, cheguem à sua finalidade de não pagar à autora as despesas de condomínio, na falta de fundo de funcionamento suficiente por parte da autora, o que iria causar impacto negativo à qualidade da administração e ao ambiente predial.
32. O que é mais grave é que na maioria de contratos de administração de prédios de Macau, é provável falhar em exigir a condomínios o pagamento das despesas de condomínio em falta por causa de falta de ajuda do órgão de administração eleito pela assembleia geral do condomínio.
33. O que violou plenamente o espírito legislativo da constituição deste regime pelo legislador e fez com que as sociedades de administração não quiserem prestar serviços de administração predial.
34. Portanto, a autora pediu subsidiariamente, na petição inicial, que condene os réus no pagamento à autora das despesas de condomínio com base na gestão de negócios (vide os pontos 49 a 61 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e na restituição de benefícios indevidamente recebidos à autora com base no enriquecimento sem causa (vide os pontos 62 a 68 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
35. Em segundo lugar, caso o Tribunal a quo tenha opinião divergente e entenda que o “Contrato de Administração” celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração” já ficou vencido, no entanto, o Tribunal a quo, quando o processo não entrou na fase de audiência de julgamento, não pode concluir directamente que “findo o contrato, as partes não o renovaram, daí, podemos ver que o “Conselho de Administração” não pretendeu deixar a autora a continuar a administração” e “Já que o “Conselho de Administração” já não pretendeu deixar a autora a continuar a administração, a autora não devia continuar a direccionar os negócios de outrem. Já que o “Conselho de Administração” não incumbiu a autora de fazer administração, deve a autora não intervir nos negócios de outrem”.
36. De facto, a autora, como uma sociedade limitada de administração de propriedades (vide o Anexo n.º 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
37. Pelo menos no período de Janeiro de 2014 até Agosto de 2018, a autora prestou serviços abrangentes de administração geral a favor de todos os proprietários de “XXXX Fa Un”. Para cumprir os serviços de administração, todas as despesas foram pagas pela autora (vide os Anexos n.ºs 8 a 18 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
38. Além dos réus no presente caso, outros proprietários das fracções autónomas do edifício têm pago mensalmente as despesas de condomínio à autora.
39. Daí, podemos ver que os referidos actos de administração da autora, para além da própria finalidade lucrativa, destinam-se aos benefícios aos réus e outros proprietários de “XXXX Fa Un” e são lhes mais favoráveis, isto é, a autora interveio no negócio dos réus e de outros proprietários de “XXXX Fa Un”, e não no negócio do “Conselho de Administração”, quem beneficia-se realmente dos actos da autora são os réus e outros proprietários de “XXXX Fa Un”.
40. Relativamente ao conceito de gestão de negócios, o TUI indicou claramente no acórdão do Processo n.º 3/2012 que: “são requisitos da gestão de negócios: i) Alguém (gestor) assume a direcção de negócio alheio; ii) O gestor actue no interesse e por conta do dono do negócio; iii) Não há autorização para a actuação do gestor. Na verdade, exige-se um interesse do dono do negócio, mas não está afastado que, ao lado deste, também possa coexistir um interesse do gestor. O que se importa é que a actividade do gestor não decorra em seu exclusivo interesse, tendo também de prosseguir o interesse do dono do negócio”.
41. Daí, podemos ver que um dos requisitos da gestão de negócios consiste justamente em que o gestor faz actos de administração sem autorização, assim, para julgar se os actos de administração feitos pela autora preenchem ou não à gestão de negócios, não é necessário considerar se a autora obteve ou não a aprovação dos réus e de outros proprietários de “XXXX Fa Un”.
42. Mesmo que na fase de audiência de julgamento fosse provado que o “Conselho de Administração” não pretendeu a autora continuar a administração, a autora fez os referidos actos de administração sem necessidade de considerar a vontade do “Conselho de Administração” ou de aprovação do “Conselho de Administração”.
43. Portanto, nos termos do art.º 458.º do Código Civil, a autora era gestor efectivo de “XXXX Fa Un”, assim, pode-se julgar que os actos de administração efectuados pela autora para “XXXX Fa Un” enquadram-se na gestão de negócios, isto é, existe a relação jurídica de gestão de negócios entre a autora e os réus neste caso.
44. Nos termos dos art.ºs 462.º n.º 1, 1331.º al. d) e 1332.º (correspondentes aos art.ºs 5.º n.º 4, 7.º e 8.º da “Nova Lei”), e dos art.ºs 464.º e 1084.º n.º 1 do Código Civil, como a administração da autora corresponde aos interesses dos réus neste caso e de outros proprietários e a autora é um empresário comercial enquanto pessoa colectiva e explorava as actividades de administração predial (no âmbito profissional), a autora tem legitimidade activa de cobrar as retribuições, isto é, as despesas de condomínio, aos réus com base na gestão de negócios, e este pedido subsidiário da autora não é juridicamente improcedente de forma manifesta.
45. Por fim, tal como se referiu acima, entende a autora que deve intentar a acção contra os réus beneficiários com fundamento de gestão de negócios e não contra o “Conselho de Administração” como indicou o Tribunal a quo. Portanto, mesmo que não entenda que a administração de facto da autora sobre o condomínio “XXXX Fa Un” não se enquadra na gestão de negócios, os proprietários das fracções autónomas quem se recusaram a pagar as despesas de condomínio devem assumir a responsabilidade de pagamento das despesas de condomínio com fundamento de enriquecimento sem causa, já que a autora já pagou e suportou as despesas da parte comum.
46. Uma vez que a autora é uma sociedade limitada de administração predial com finalidade lucrativa, a autora, como gestor de facto, prestou serviços de administração predial a favor do Edf. “XXXX Fa Un” e pagou as despesas da parte comum do condomínio, pelo menos, deste Janeiro de 2014 até Agosto de 2018, este conjunto de actos da autora corresponde manifestamente aos interesses de todos os condomínios de “XXXX Fa Un”.
47. In casu, os réus são proprietários das respectivas fracções autónimas de “XXXX Fa Un”, aceitaram e beneficiaram dos serviços prestados pela autora, a autora, por sua vez, tem insistido a exigir aos réus o pagamento das despesas de condomínio, mas eles recusaram-se a assumir conjuntamente os encargos de “XXXX Fa Un”, daí, fazendo com que a autora não recebesse as respectivas retribuições, podemos ver que os réus pouparam esta parte de despesas.
48. Por isso, os réus quem se recusaram a pagar as despesas de condomínio, de facto, tiraram benefícios e não têm justificação de obter tais serviços de administração, e por outro lado, a autora sofreu prejuízos por causa disso.
49. Portanto, nos termos dos art.ºs 467.º n.º 1 e 1332.º (correspondente ao art.º 7.º da “Nova Lei”) e 437.º n.º 1 do Código Civil, a autora tem legitimidade activa de exigir aos réus a restituição dos benefícios indevidamente recebidos à autora, isto é, as despesas de condomínio, com fundamentos de enriquecimento sem causa, igualmente, este pedido subsidiário da autora também não é juridicamente procedente de forma manifesta.
50. E a sentença recorrida julgou que os pedidos subsidiários da autora são manifestamente improcedentes no caso de erro no reconhecimento de pressupostos fácticos, o que violou evidentemente o disposto no art.º 1.º do Código de Processo Civil e enfermou do vício de erro na aplicação dos art.ºs 458.º e 468.º do Código Civil.
Os Recorridos 1º a 11º Réus vieram contra-alegar, apresentando as seguintes conclusões:
A autora interpôs recurso da decisão no despacho recorrido sobre a ilegitimidade da autora em relação do pedido das despesas de condomínio com base na relação contratual (pedido principal)
1. A autora invocou que ele tem legitimidade activa para exigir, por si própria, aos condomínios o pagamento das despesas de condomínio e de fundo comum de reserva em falta dos anos 2016 a 2018.
2. A legitimidade de exigir as despesas de condomínio decorrentes da relação contratual pressupõe a existência da relação contratual.
3. Segundo os pontos 4 e 7 das conclusões das alegações de recurso, a autora entende que o contrato celebrado com o “Conselho de Administração” estava válido nos anos de 2016 a 2018.
4. Em 17 de Julho de 2014, a autora e o “Conselho de Administração” celebraram o Contrato de Administração, e nos termos do art.º 1080.º do Código Civil e do art.º 1356.º do Código Civil então vigente, o respectivo teor corresponde às características do contrato de prestação de serviços, pelo que se deve aplicar o regime de contrato de prestação de serviços.
5. Findo o prazo do Contrato de Administração, a autora apontou, nas suas alegações, que “nenhuma parte notificou a outra parte da resolução do contrato por meio escrito com a antecedência de 60 dias nos termos do art.º 4 do “Contrato de Administração”, pelo que o respectivo “Contrato de Administração” renovou-se automaticamente”, primeiro, ao abrigo do art.º 4.º do “Contrato de Administração”, “os casos omissos serão resolvidos de acordo com a legislação de Macau. Este contrato entra em vigor logo depois de ser assinado pelas duas partes, com duração de um ano a partir do dia de celebração. Quem quer fazer denúncia do contrato, deve notificar por meio escrito com antecedência de 60 dias …”. Por isso, todos os réus não concordaram com a conclusão formulada pela autora da renovação automática do contrato.
6. Entretanto, a autora referiu que a “Nova Lei” também dispõe, no art.º 49.º n.º 4.º, o respectivo reconhecimento sobre o término do prazo do contrato de administração. Aqui, é de acrescentar que o contrato de prestação de serviços foi celebrado em Julho de 2014, com duração de 1 ano, por isso, ficou findo em Julho de 2015, na altura, a “Nova Lei” ainda não entrou em vigor, portanto, não se deve atender à “Nova Lei”.
7. Quando à falta de notificação por escrito da resolução de contrato com antecedência de 60 dias após o decurso do prazo contrato, de facto, não há possibilidade de resolver um contrato já caducado após o término do contrato. De acordo com o regime de contrato de prestação de serviços, o contrato não se renova automaticamente depois de ficar findo, pelo que o referido contrato de prestação de serviços ficou terminado em 17 de Julho de 2015, daí, o “Conselho de Administração” e a autora não têm nenhuma relação de contrato de prestação de serviços, já que do contrato não consta nenhum acordo ou norma jurídica de renovação automática.
8. Além disso, no caso meramente hipotético, nos anos 2016 a 2018, mesmo que a autora e o “Conselho de Administração” tenham relação contratual, “a administração tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro” nos termos do art.º 1359.º do Código Civil (corresponde ao art.º 45.º da Lei n.º 14/2017).
9. O edifício envolvido no presente caso constituiu o “Conselho de Administração de Proprietários” em 19 de Janeiro de 2014 – “Conselho de Administração XXXX Fa Un”. In casu, era o “Conselho de Administração XXXX Fa Un” quem tem legitimidade da parte como autor, este entendimento também foi revelado na sentença proferida pelo Juízo de Pequenas Causas Cíveis do TJB de Macau n.º PC1-16-0684-COP – cumprimento da obrigação pecuniária, de 7 de Março de 2017. (vide o Anexo n.º 6 da petição inicial).
10. E a autora justificou, nas alegações de recurso, a sua legitimidade de exigir, por si própria, a todos os réus o pagamento, uma vez que, nos pontos 6 e 12 das alegações de recurso, a autora indicou a sua relação com o “Conselho de Administração” e julgou que ela foi incumbida pelo “Conselho de Administração” de exigir, por si própria, as despesas de condomínio, aliás, esta parte nunca foi mencionada pela autora na petição inicial. É de saber que “os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, em vez de meios de conhecimento das novas questões, assim, é afastada a possibilidade de dedução de novos factos na fase de recurso” (neste sentido, cfr. os acórdãos dos Processos do TUI n.º 17/2002 de 6 de Dezembro de 2002, n.º 29/2003 de 17 de Dezembro de 2003, n.º 15/2007 de 2 de Maio de 2007 e n.º 3/2011 de 16 de Janeiro de 2011), portanto, o tribunal superior deve afastar de conhecer da questão de saber se a autora foi incumbida ou não.
11. Portanto, o despacho do Tribunal a quo não enfermou de nenhum vício na análise da relação obrigacional das despesas de condomínio indicada no pedido principal.
A autora interpôs recurso da parte do despacho recorrido que indeferiu a intervenção provocada do Conselho de Administração XXXX Fa Un na causa como associado da autora
12. E referiu a autora nas alegações de recurso que “no “Contrato de Administração”, também se estipula que o “Conselho de Administração” tem obrigação de ajudar a autora para exigir as despesas de condomínio e o fundo comum de reserva em falta”.
13. Tal como se referiu acima, quanto às “despesas de condomínio” nos anos 2016 a 2018, como o contrato já ficou caducado em Julho de 2015, a autora e o “Conselho de Administração” não têm nenhuma relação contratual, assim, a autora não tem legitimidade de exigir as despesas de condomínio com base na relação contratual, entretanto, não pode citar as cláusulas do contrato para chamar o “Conselho de Administração” na causa através da intervenção provocada, como associado da autora.
14. No caso meramente hipotético, caso a relação contratual ainda esteja vigente, e a autora referiu, nas alegações de recurso, que o “Conselho de Administração” incumbiu a autora de cobrar as despesas de condomínio decorrentes da relação contratual, as respectivas despesas de condomínio são justamente as retribuições devidamente recebidas pela autora conforme o contrato, e o “Conselho de Administração”, por sua vez, também tem obrigação de ajudar a autora para exigir conjuntamente tais despesas.
15. Neste momento, surge uma contradição. Se como se referiu acima, a autora pretendeu exigir, nesta acção, os seus próprios direitos (em vez de exigir, em representação do “Conselho de Administração”, os direitos pertencentes ao Conselho de Administração).
16. É de referir que nos termos do art.º 267.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, para que a intervenção provocada seja autorizada, a autora deve provar a existência de qualquer circunstância prevista no art.º 262.º do mesmo Código e justificar o interesse que, através do chamamento, pretendeu acautelar.
17. Por um lado, tal como se mencionou, todos os interesses exigidos pela autora são interesses próprios e o chamamento do “Conselho de Administração” não constitui as circunstâncias da coligação previstas no art.º 64.º do Código de Processo Civil, nem as do litisconsórcio voluntário previstas no art.º 60.º do mesmo Código.
18. Por outro lado, quanto às despesas de condomínio solicitadas pela autora, tendo em conta a causa de pedir deduzida pela autora (aqui não se trata da veracidade da causa de pedir), também não existe as circunstâncias do litisconsórcio necessário indicadas no art.º 61.º do Código de Processo Civil. Na verdade, no caso meramente hipotético, mesmo que a autora consiga provar os factos constitutivos da causa de pedir e as suas opiniões jurídicas sejam acolhidas pelo Exm.º Juiz, a respectiva sentença também pode produzir o seu efeito útil normal, independentemente da intervenção do “Conselho de Administração” na causa.
A autora interpôs recurso da parte do despacho recorrido relativa à ilegitimidade da autora nos pedidos de gestão de negócios e de enriquecimento sem causa
19. Avançou a autora que “O Tribunal a quo entendeu que a autora não tem legitimidade activa no presente caso e não autorizou o pedido da autora do chamamento do “Conselho de Administração” na presente causa, caso o “Conselho de Administração” não intentasse a acção judicial contra os réus no presente caso, a autora também não teria nenhum direito de cobrar as despesas de condomínio em falta aos réus”.
20. O despacho recorrido já justificou bem, mesmo que a autora entenda que as determinadas situações só podem ser avaliadas após a audiência, o despacho recorrido já justificou claramente que “Além disso, nos termos da lei, os réus, como condomínios, têm obrigação de pagar os encargos de condomínio ao “Conselho de Administração” (art.º 43.º n.º 1 al. 4) da Lei n.º 14/2017). Depois de cobrar as referidas despesas, deve o “Conselho de Administração” pagar à autora as despesas decorrentes do Contrato de Administração celebrados entre os mesmos. Mesmo que a autora entenda que a sua prestação de administração se enquadra na gestão de negócios ou ela sofreu de prejuízos por causa de benefícios de outrem, ela deve intentar a acção contra o “Conselho de Administração”, uma vez que o “Conselho de Administração” é a verdadeira parte beneficiada”.
21. Daí, podemos ver que o despacho recorrido não violou a “garantia de acesso aos tribunais” nem nenhum espírito legislativo, apenas o destinatário da acção deduzida pela autora está errado e deve ser o “Conselho de Administração”, em vez de ser todos os réus neste caso, quer com fundamento de gestão de negócios, quer com fundamento de enriquecimento sem causa.
22. Por fim, é de acrescentar que tal como invocou o despacho recorrido que “nos termos do art.º 468.º do Código Civil, não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
23. O destinatário da acção deduzida pela autora deve ser o “Conselho de Administração” com base quer no pedido de relação contratual (pedido principal), quer no pedido de gestão sem causa. No caso meramente hipotético, se a causa de pedir invocada pela autora seja provada, a respectiva acção basta realizar os pedidos da autora, portanto, o enriquecimento sem causa não deve ser o último meio da autora.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«A autora indicou, na petição inicial, que em 18 de Julho de 2014, celebrou o Contrato de Administração com o Conselho de Administração de XXXX Fa Un e assim, foi incumbida pelo referido “Conselho de Administração” de prestar serviços abrangentes de administração geral a favor do Edf. de XXXX Fa Un.
Todavia, os réus não pagaram as despesas de condomínio devidas em períodos diferentes nos anos de 2016 a 2018, por conseguinte, a autora pediu ao Tribunal que condene procedentes os pedidos.
A autora pediu o pagamento das despesas de condomínio pelos réus não só com fundamento de cumprimento do Contrato de Administração supracitado, mas também pediu subsidiariamente o pagamento das respectivas despesas com fundamento de gestão de negócios e de enriquecimento sem causa.
Além disso, pediu ainda ao Tribunal que chame o Conselho de Administração de XXXX Fa Un para intervir na causa como associado da autora.
Os réus alegaram, na contestação, que a autora não tem legitimidade em relação à relação contratual, igualmente, os réus também não têm legitimidade em relação à gestão de negócios e ao enriquecimento sem causa, e o chamamento solicitado pela autora não preenche o disposto no art.º 267.º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar as questões supracitadas.
Quanto à questão de falta de legitimidade da autora
Nos termos do art.º 58.º do Código de Processo Civil, na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Entende-se por legitimidade a posição jurídica das partes do objecto controvertido. Com base nesta posição, as partes têm acesso ao tribunal com o litígio, a fim de defender os seus interesses devidos através da acção. Caso o litígio pertença às partes, elas têm legitimidade de intervir na acção, na medida em que essa posição jurídica lhes consagra a legitimidade de intervenção na acção.
Portanto, é de apurar quem são titulares da relação obrigacional no caso de pagamento das despesas de condomínio. As despesas de condomínio são encargos de condomínio. Tanto nos termos do art.º 1359.º do Código Civil, como nos termos do art.º 45.º da Lei n.º 14/2017, ora Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio, é função da administração exigir de cada condomínio as prestações devidas para pagamento de encargos de condomínio, incluindo a contribuição para o fundo comum de reserva (vide art.º 43.º n.º 1 al. 4) da Lei n.º 14/2017).
Daí, as despesas de condomínio, como encargos de condomínio, devem ser pagas por cada condomínio ao “Conselho de Administração”. Assim, as despesas de condomínio, como encargos de condomínio, representam uma obrigação de cada condomínio em relação ao “Conselho de Administração”, portanto, a respectiva obrigação consiste na relação obrigacional entre todos os condomínios e o “Conselho de Administração”.
A autora é apenas uma sociedade de administração contratada pelo “Conselho de Administração”, fornecendo serviços de administração ordinária através do Contrato de Administração celebrado com o “Conselho de Administração” e recebendo mensalmente as respectivas retribuições (a questão de saber se a respectiva retribuição foi paga directamente pelo “Conselho de Administração” ou foi paga pelos condomínios à autora com o consentimento do “Conselho de Administração” é apenas questão de modo de pagamento, não afectando a natureza da obrigação constituída nem causando a alteração subjectiva da obrigação), uma vez que a autora indicou, na petição inicial, que ela foi incumbida pelo “Conselho de Administração” de proceder à administração.
Portanto, em relação à questão de pagamento decorrente do Contrato de Administração celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”, isto é, em relação à questão controvertida no presente caso, o sujeito da obrigação deve ser o “Conselho de Administração”, em vez de ser os réus no presente caso, na medida em que a relação jurídica controvertida está oriunda do contrato celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”, sendo justamente eles sujeitos do litígio.
Do ponto de vista jurídico, os encargos de condomínio foram pagos pelos condomínios ao “Conselho de Administração”, obrigação essa não se confunde com o contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”. Com efeito, na prática, a autora foi incumbida, às vezes, pelo “Conselho de Administração” de cobrar as respectivas despesas, mas a cobrança das respectivas despesas a favor do “Conselho de Administração” não implica que os réus são sujeitos passivos da obrigação da autora. O sujeito passivo decorrente do contrato de prestação de serviços deve ser o “Conselho de Administração”, em vez de ser os réus.
Mesmo que a autora entenda que ela pode cobrar, em representação do “Conselho de Administração”, as despesas de condomínio aos réus, enquanto condomínios, que deviam ser pagas ao “Conselho de Administração”, mas a autora não indicou, na petição inicial, que ela já foi delegada ou incumbida pelo “Conselho de Administração” de cobrar tais despesas.
Assim, a autora não recebeu a delegação ou incumbência do “Conselho de Administração”, portanto, não tem legitimidade de exigir aos réus o pagamento das despesas de condomínio.
Igualmente, como o contrato de prestação de serviços foi celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração”, a autora deve pedir a contraprestação ao “Conselho de Administração”, e não aos réus do presente caso.
Nestes termos, indefere-se os pedidos deduzidos pela autora com base na relação contratual contra os réus por ilegitimidade.
Relativamente à questão do chamamento do Conselho de Administração de XXXX Fa Un na intervenção provocada na causa como associado da autora
Nos termos do art.º 267.º n.º 1 do Código de Processo Civil, qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
A referida disposição deve ser coordenada com o art.º 262.º do Código de Processo Civil, o chamado é interessado na acção.
Portanto, “os terceiros que podem ser chamados são aqueles que têm direito de intervir espontaneamente, nos termos do art.º 262.º, ou seja, aqueles que deveriam ou poderiam intervir em litisconsórcio voluntário ou necessário com o autor ou com o réu e aqueles que deveriam ou poderiam coligar-se com o autor”.1
E nos termos do art.º 60.º (sic.) n.º 1 do Código de Processo Civil, se a lei ou o negócio jurídico exigir a intervenção dos vários sujeitos da relação material controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
In casu, tal como indicou a autora no ponto 25 da petição inicial, a autora foi incumbida pelo “Conselho de Administração” de proceder à administração, o contrato celebrado entre a autora e o “Conselho de Administração” reflecte justamente a relação de comissão, prestando a autora serviços de administração a favor do Edf. de XXXX Fa Un através da cobrança das despesas de serviço pagas pelo “Conselho de Administração”.
A relação de comissão ou a relação de prestação de serviços de administração é estabelecida entre a autora e o “Conselho de Administração”, assim, não estão preenchidos os pressupostos de litisconsórcio activo contra os réus.
Nestes termos, indefere-se o pedido de participação provocada.
*
Relativamente ao pedido de pagamento das despesas de condomínio pelos réus por causa de gestão de negócios e de enriquecimento sem causa
Tal como se referiu acima, a autora celebrou o Contrato de Administração com o “Conselho de Administração”. Segundo este Contrato, a autora prestou serviços, em contrapartida, a contraparte (“Conselho de Administração”) deve pagar as despesas nos termos contratuais.
Tal como indicou a autora no ponto 4 da petição inicial que o respectivo Contrato de Administração tem duração de 1 ano até 18 de Julho de 2015. Terminado o contrato, a autora deixou de ter obrigação de prestar serviços de administração nos termos contratuais. Findo o contrato, as partes não o renovaram, daí, podemos ver que o “Conselho de Administração” não pretendeu deixar a autora a continuar a administração.
Nos termos do art.º 458.º do Código Civil, dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.
Um dos requisitos de gestão de negócios é “a direcção no interesse do respectivo dono”. Já que o “Conselho de Administração” já não pretendeu deixar a autora a continuar a administração, a autora não devia continuar a direccionar os negócios de outrem. Já que o “Conselho de Administração” não incumbiu a autora de fazer administração, deve a autora não intervir nos negócios de outrem.
Além disso, nos termos da lei, os réus, como condomínios, têm obrigação de pagar os encargos de condomínio ao “Conselho de Administração” (art.º 43.º n.º 1 al. 4) da Lei n.º 14/2017). Depois de cobrar as referidas despesas, deve o “Conselho de Administração” pagar à autora as despesas decorrentes do Contrato de Administração celebrados entre os mesmos.
Mesmo que a autora entenda que a sua prestação de administração se enquadra na gestão de negócios ou ela sofreu de prejuízos por causa de benefícios de outrem, ela deve intentar a acção contra o “Conselho de Administração”, uma vez que o “Conselho de Administração” é a verdadeira parte beneficiada.
Assim, o fundamento de gestão de negócios invocado pela autora é manifestamente improcedente.
Além disso, nos termos do art.º 468.º do Código Civil, não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro mei-o de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Indicou também o TSI no Processo n.º 466/2013 que “o enriquecimento sem causa é um instituto que apresenta um carácter subsidiário (art.º 468.º do CC), isto é, só é possível no caso de inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento.”
A autora pode intentar acção contra o “Conselho de Administração” para defender os seus direitos, pelo que o fundamento de enriquecimento sem causa é manifestamente improcedente.
Nestes termos, condena-se manifestamente improcedentes os pedidos invocados pela autora.
Custas pela autora.
Notifique e registe.».
São três as questões sobre as quais versa a decisão recorrida:
1. A falta de legitimidade da Autora;
2. Indeferimento da intervenção provocada do Conselho de Administração do Condomínio;
3. Improcedência do pedido de condenação dos Réus no pagamento das quantias pedidas a título de gestão de negócios e de enriquecimento sem causa.
Estes autos seguem a forma sumária, regulada no artº 670º e seguintes do CPC.
Os termos do processo sumário consistem na p.i., contestação, eventual resposta à contestação (que no caso em apreço não houve) e findos os articulados o juiz aprecia logo das excepções dilatórias ou nulidades que lhe cumpra conhecer – artº 673º do CPC -.
Como é sabido as excepções dilatórias conduzem à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal – artº 412º nº 2 do CPC -. Não havendo nos autos nenhuma pronúncia nesse sentido – absolvição da instância ou remessa do processo para outro tribunal – haveria que concluir que nestes autos não se conheceu de excepção dilatória alguma.
Logo, tendo havido contestação, nos termos do artº 673º do CPC havia de se ter procedido a julgamento, sendo certo que foram indicadas testemunhas.
Nada se dizendo quanto às razões pelas quais não se procedeu a julgamento, lavrou o Mmº Juiz do processo nos autos a decisão transcrita supra.
Ora, face ao exposto ficamos sem saber se o despacho recorrido é um despacho em que se conhece das excepções dilatórias ou se se trata de uma decisão de mérito.
Por outro lado, salvo melhor opinião, entendemos que mandaria a boa técnica que primeiro se tivesse tratado das questões relacionadas com os incidentes da instância, nomeadamente a requerida intervenção provocada de um terceiro como associado da Autora e só após se passasse a conhecer das excepções dilatórias e nulidades se as houvesse e após do mérito. Até porque a intervenção poderia, quiçá, resolver o problema da ilegitimidade activa se a houvesse.
Mas assim não se fez.
Da questão da legitimidade da Autora.
Na decisão recorrida começa por se invocar o artº 58º do CPC o qual inevitavelmente nos conduz à questão da legitimidade adjectiva.
A falta de legitimidade para a acção como excepção dilatória que é conduz à absolvição dos Réus da instância – artº 412º do CPC -.
Com a absolvição da instância o processo termina, isto é, nada mais há a conhecer.
No caso em apreço invoca-se o artº 58º do CPC e conclui-se pelo indeferimento dos “pedidos deduzidos pela autora com base na relação contratual contra os réus por ilegitimidade”.
Seja lá o que for que isto queira dizer ficamos sem saber se concluiu que a Autora era parte ilegítima para a acção ou se se concluiu que a Autora não tinha o direito que reclamava contra os Réus.
Caso o que esteja em causa seja a ilegitimidade adjectiva esta haverá de ser aferida em função da relação material controvertida, tal como é configurada pela Autora.
A este respeito o que a Autora alega é que por assembleia geral foi deliberado que se continuasse a contratar a Autora para prestar serviços de administração do edifício conferindo poderes à administração para celebrar o “contrato de administração” com a Autora – cf. artº 3º da p.i. -.
Note-se que ao tempo estava em vigor o artº 1356º do C.Civ. que permitia o exercício da administração por terceiros.
No seguimento do que, foi celebrado o contrato junto aos autos como documento 4 do qual resulta que a Autora tinha de cobrar dos condóminos a contribuição destes para as despesas do condomínio e para o fundo de reserva, cabendo à Administração auxiliar a Autora na cobrança das mesmas se fosse necessário, resultando da cláusula 1.B do contrato celebrado entre a Autora e a Administração que a Autora deve recorrer aos meios judiciais para cobrança das comparticipações dos condóminos nas despesas do condomínio.
Atente-se que na decisão recorrida na parte em que é indeferido o chamamento do conselho de administração se reconhece que a Autora foi encarregue de proceder à Administração.
Ora, independentemente de saber da razão da Autora e se esta tem ou não direito em termos de direito substantivo de vir pedir a condenação dos Réus no pagamento do condomínio em falta, face aos termos em que a relação material controvertida é apresentada em sede de p.i., o que se impõe concluir é que a Autora é parte legítima na acção.
Logo se o que se queria dizer é que para o pedido de condenação dos Réus no pagamento do condomínio a Autora era parte ilegítima para a acção, enferma a decisão recorrida de erro de julgamento.
Mas se ainda não fosse suficiente, vem a Autora pedir a intervenção provocada como sua associada da administração do condomínio.
Ora, salvo melhor opinião sempre haveria que decidir primeiro da intervenção provocada e só após da legitimidade, uma vez que, da apreciação desta questão poderia resultar, ou não, a legitimidade activa da Autora.
Apreciemos então a questão do chamamento.
Dispõe o artº 267º do CPC o seguinte:
1. Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos previstos no artigo 67.º, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.
Tal como se reconhece na decisão recorrida a intervenção provocada deve ser admitida nos mesmos termos em que pode ser admitida a intervenção espontânea de acordo com o disposto no artº 262º do CPC.
Ora, atendendo ao que a Autora invoca na p.i. e resulta do contrato celebrado com o conselho de administração, de que tem de proceder à cobrança da participação dos condóminos nas despesas de condomínio e do fundo de reserva, podendo até recorrer aos meios judiciais para o efeito, cabendo ao conselho de administração auxilia-la para o efeito, é para nós claro que a situação se enquadra no artº 60º do CPC, nada obstando que seja deferida a intervenção do conselho de administração, uma vez que, independentemente da razão da Autora em termos de direito substantivo, segundo o que alega, seja ela (Autora) por força do contrato, seja o Conselho de Administração podem, exigir dos condóminos o pagamento das quantias a que os autos se referem, ficando até, desta forma, acautelada a legitimidade da Autora para aqueles que defendem que só o Conselho de Administração tem poderes para o fazer, ou só este o possa ter relativamente a determinado período.
Assim sendo, impõe-se revogar a decisão recorrida na parte em que indeferiu o chamamento do Conselho de Administração, deferindo-o.
Destarte, concluindo-se pela legitimidade da Autora para a acção e pelo deferimento da intervenção principal provocada do Conselho de Administração do Condomínio, decisões que podem vir a influenciar na decisão do mérito da causa, impõe-se a anulação de tudo o mais que se decidiu após ordenando a remessa dos autos à 1ª Instância para os efeitos convenientes.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos concedendo provimento ao recurso interposto pela Autora, declara-se a Autora parte legítima para a acção e defere-se a intervenção provocada do Conselho de Administração do Edifício XXXX Fa Un como associado da Autora, ficando prejudicada a apreciação das demais questões e ordenando a remessa dos autos à 1ª Instância para os efeitos convenientes.
Custas pelos Réus.
Registe e Notifique.
RAEM, 4 de Fevereiro de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Vol. II, p. 188.
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904/2020 CÍVEL 1