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Processo n.º 528/2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 25/Fevereiro/2021

Recorrente:
- A

Recorrido:
- Director Substituto dos Serviços de Saúde

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso contencioso por si interposto, recorreu A, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrente”), jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. A sentença recorrida julgou que os princípios da boa fé e colaboração não foram violados porquanto, para que haja violação daqueles princípios mister é que entre o particular e a Administração haja uma relação jurídica administrativa estabelecida ou, no mínimo, quando haja um procedimento administrativo aberto/instaurado. Mas não é assim.
     2. A letra da lei não diz isso, nem é tão restritiva ou exigente tal como pretende a interpretação feita e subjacente à sentença recorrida.
     3. Estipulam os artigos 8º n.º 1 e 9º do CPA que no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé e em colaboração.
     4. O mesmo é dizer que a boa fé e colaboração devem vigorar qualquer que seja a forma do relacionamento e qualquer que seja a hipotética fase em que esteja inserido aquele relacionamento. Haja ou não procedimento administrativo em curso, haja ou não relação jurídica administrativa (RJA) estabelecida.
     5. Pelo que, a sentença recorrida ao concluir inversamente, de que a existência de RJA ou de um procedimento administrativo aberto e em curso constitui um pressuposto prévio necessário à aplicação daqueles princípios é desconforme à letra e espírito da lei.
     6. No caso “sub judice”, não é plausível afirmar, tal como a sentença recorrida o faz, que não haja relacionamento entre o recorrente e a Direcção dos Serviços de Saúde de Macau.
     7. Em Outubro de 2014 foi recusado o pedido de registo como médico. Em Dezembro de 2014 funcionários representantes da mesma Direcção dos Serviços de Saúde Macau reuniram com o grupo de candidatos afectados – nele se incluindo o ora recorrente – onde aqueles aconselharam o recorrente e outros afectados a frequentarem um curso complementar a ser ministrado por universidade chinesa – após o que os pedidos seriam reapreciados.
     8. Houve, assim, relacionamento estabelecido entre as partes, o “conselho” por parte dos representantes da DSS inculcou no recorrente um determinado grau de “confiança” alicerçada na boa fé que julgou existir.
     9. Assim, a sentença recorrida, nesta parte, é ilegal, por má interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 8º n.ºs 1 e 2, e 9º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
     10. Correctamente interpretando aquelas normas, deveria ser aplicado aqueles princípios no caso concreto.
     11. A sentença recorrida entende que pese embora a alteração feita em 3/1/2014 aos requisitos exigíveis para registo médico ter sido apenas divulgada internamente através de acto interno e anúncio afixado, tal não lesou nem ofendeu os direitos do recorrente.
     12. Entende a sentença recorrida que de como aquela alteração foi feita no âmbito do exercício dos poderes discricionários que a lei lhe conferiu, e que, não estando em causa o exercício do poder regulamentar, nihil obstat.
     13. A questão fulcral é saber onde se situa a linha-limite que faz a destrinça entre o que há de ser feito por acto administrativo, e onde começa a exigência do regulamento administrativo.
     14. Há, pois, que discorrer sobre as características da norma jurídica e quando ela existe. A generalidade e a abstracção são atributos indispensáveis da norma jurídica.
     15. A aprovação e/ou alteração dos requisitos exigíveis para o registo médico reúne os requisitos de generalidade e abstracção para serem encarados como normas jurídicas, aplicando-se a todos os candidatos em causa, disciplinando as regras de admissão, o procedimento a seguir.
     16. São, indiscutivelmente, actos normativos de natureza regulamentar.
     17. Assim, a aprovação e/ou alteração desses requisitos devem constar de regulamento administrativo, e, não por simples acto interno aliado a publicidade em anúncio fixado em tabuleta.
     18. Estamos perante uma situação de ilegalidade da norma, ilegalidade essa que poderá ser julgada “ex officio”, incidentalmente.
     19. O Venerando TUI, por seu acórdão proferido em 30 de Julho de 2015, no Processo N.º 46/2015, qualificou como norma regulamentar a que regula a prova escrita de conhecimentos do concurso público para um lugar de técnico superior de saúde.
     20. Assim, nesta parte, a sentença recorrida violou os princípios de boa fé, de colaboração e de informação, consagrados nos artigos 8º, 9º e 63º do CPA.
     Nestes termos, nos melhores de Direito, deve o presente recurso jurisdicional ser admitido e, a final, julgado procedente por provado, e em consequência ser revogados a sentença recorrida e o acto administrativo impugnado.
     Assim, se fazendo inteira e sã Justiça!”
*
Ao recurso respondeu o Director dos Serviços de Saúde da RAEM, ora recorrido, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
     “i. O Recorrente vem imputar à sentença recorrida o erro na interpretação e aplicação das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º (princípio da boa fé) e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9º (princípio da colaboração entre a Administração e os particulares), ambos do CPA, e vem ainda afirmar que o Tribunal a quo ao não ter julgado “ex officio” e incidentalmente a ilegalidade da norma violou os princípios da boa fé, da colaboração e da informação consagrados, respectivamente, nos artigos 8º, 9º e 63º do CPA.
     ii. A Entidade Recorrida não pode conformar-se com o entendimento sufragado pelo Recorrente, pelo que se impugnam todas as alegações de recurso.
     iii. A interpretação do Recorrente quanto ao tipo, à forma e à dimensão dos princípios da boa fé da cooperação não tem qualquer suporte real, por ser totalmente inexequível e impraticável, pois trata-se de uma posição que a vencer criaria um ónus sobre a Administração que ela não seria capaz de cumprir.
     iv. No ordenamento jurídico da RAEM vigora a jurisprudência de que o dever de informar é casuístico e sempre em presença de um pedido formulado com essa finalidade (vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 7 de Dezembro de 2017, proferido no Processo n.º 416/2016).
     v. Andou bem a douta sentença recorrida ao decidir que só há violação dos princípios da boa fé e da colaboração se entre o particular e a Administração tiver havido uma relação jurídica administrativa estabelecida ou a instauração de um procedimento administrativo.
     vi. O Recorrente imputa à Administração a responsabilidade pelo curso complementar que acabou por frequentar, como se tivesse sido a Administração a indicar-lhe em concreto qual o curso complementar que teria de frequentar e em que universidade e, bem assim, como se lhe tivesse sido prometido que a conclusão do curso complementar era condição suficiente para lhe ser concedida a licença de mestre de medicina tradicional chinesa.
     vii. O Recorrente faz referência à reunião ocorrida em Dezembro de 2014, mas ignora o teor do Ofício n.º 2064/OF/UTLAP/2015 que lhe foi enviado em 20 de Julho de 2015 (cfr. fls. 072 e verso do Volume 2 do processo instrutor), mediante o qual foi informado que, nos termos da alínea (5) do artigo 6º das “Regras de inscrição para o Exame Nacional de Qualificação de Médico (versão de 2014)”, o curso de ciência médica (adulto) não é considerado como fundamento para fazer o exame de qualificação médica, pelo que, após concluído o curso complementar, ele deveria apresentar um certificado comprovativo do cumprimento daquele requisito.
     viii. Salvo o devido respeito, que é muito, afirmar que a Administração violou os princípios da boa fé e da colaboração, apesar de ter sido o cuidado de lhe enviar o citado Ofício, é, no mínimo, irrazoável.
     ix. No ordenamento jurídico da RAEM encontra-se consolidada a jurisprudência de que os princípios gerias da boa fé, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da justiça se aplicam apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperantes para os actos vinculados, como é o caso dos critérios de acreditação de mestres em medicina tradicional chinesa que auto-vinculam a Administração (vide, a título de exemplo, o recente Acórdão deste Venerando Tribunal, de 19 de Março de 2020, tirado no Processo n.º 577/2018 e os Acórdãos do Tribunal de Última Instância aí citados).
     x. O Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9º do CPA.
     xi. Ressalvado o máximo de respeito devido, uma vez que há um histórico jurídico relativo a este processo que não pode, nem deve ser ignorado pelo Recorrente, atrevemo-nos a afirmar que a argumentação agora trazida à colação pelo Recorrente só pode ser justificada pela falta de melhores argumentos contra a sentença recorrida.
     xii. Por sentença datada de 12 de Abril de 2018, o Tribunal Administrativo anulou o acto administrativo praticado pelo Director dos Serviços de Saúde, por considerar que os critérios de reconhecimento de qualificação de mestre de medicina tradicional chinesa elaborados pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa violam a alínea e) do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.
     xiii. Em 16 de Dezembro do ano transacto, este Venerando Tribunal, com o fundamento de que o vício de legalidade da adopção dos critérios de auto-vinculação não havia sido suscitado pelo Recorrente contencioso, nem pelo Ministério Público, e como não se trata de um vício de conhecimento oficioso, por estar em causa uma invalidade conducente à anulação, não podia o Tribunal recorrido ter conhecido de tal vício, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo para apreciação dos demais vícios invocados pelo Recorrente contencioso.
     xiv. A sentença recorrida, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, aborda a questão relativa à criação e alteração dos critérios de acreditação de mestres em medicina tradicional chinesa, referindo expressamente que os tribunais da RAEM, sempre que têm sido chamados a pronunciar-se sobre estes critérios reguladores, tem rejeitado a ilegalidade dos mesmos, por entender que eles são uma concretização do exercício do poder discricionário pela Administração.
     xv. De acordo com o entendimento da doutrina e da jurisprudência, pese embora a auto-vinculação se verifique em larga medida no domínio do exercício pela Administração de poderes discricionários, nada impede que a Administração, tendo em vista a correcta interpretação e densificação de conceitos indeterminados puros, opte por criar critérios reguladores e, nesta mesma perspectiva, atento o interesse público em causa, nada obsta a que a Administração venha a alterar os critérios de densificação dos conceitos indeterminados (cfr. João Tiago V. A. da Silveira, Directivas de auto-vinculação em poderes discricionários, in “Revista jurídica”, Lisboa, (18-19), Dezembro-Janeiro 1996, páginas 164-240, bem como os acórdãos deste Venerando Tribunal referentes aos Processos n.º 413/2016, 414/2016, 415/2016, 416/2016 e 417/2016).
     xvi. Na senda do entendimento jurisprudência sobre esta matéria, que rejeita em absoluto a tese agora defendida pelo Recorrente, o Tribunal a quo concluiu que os critérios orientadores não são actos normativos de natureza regulamentar, mas sim uma concretização do exercício do poder discricionário pelo Administração.
     xvii. Caso o Tribunal a quo tivesse decidido de acordo com o pretendido pelo Recorrente estaria a pôr em causa recentes decisões judiciais, bem como a própria Administração que tem actuado em conformidade com tais decisões.
     xviii. O Tribunal a quo acabou por apreciar oficiosamente a legalidade dos critérios, pelo que não se compreende como é que o Recorrente pode assacar à sentença recorrida a violação dos princípios da boa fé, da colaboração e da informação, ainda mais quando só agora em sede de recurso jurisdicional é que veio pôr em causa a ilegalidade destes critérios por considerar que eles revestem actos normativos de natureza regulamentar.
     xix. O Recorrente faz alusão a um aresto do Tribunal de Última Instância proferido em 30 de Julho de 2015 no Processo n.º 46/2015, que está relacionado com um procedimento concursal, mais concretamente com uma norma que regulava a prova escrita de conhecimentos de um concurso público para um lugar de técnico superior de saúde e, portanto, inserida no Regulamento do Concurso n.º 16/TSS/DIET/2012, daí ser designada por norma regulamentar, mas, em contrapartida, faz tábua rasa do decidido por este Venerando Tribunal no Processo n.º 694/2018, que respeita aos presentes autos, e nos recursos jurisdicionais que apreciaram e decidiram a questão relativa à criação e alteração dos critérios de acreditação de mestres em medicina tradicional chinesa.
     xx. Andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não tendo a sentença recorrida violado os princípios da boa fé, da colaboração e da informação ínsitos, respectivamente, artigos 8º, 9º e 63º do CPA, nem quaisquer outros princípios.
     Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a douta sentença recorrida com as legais consequências.
     Assim estarão Vossas Excelências,
     Senhores Venerandos Juízes,
     Fazendo a costumada
     JUSTIÇA!”
*
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Nas alegações do recurso jurisdicional em apreciação, o recorrente pediu “ser revogados a sentença recorrida e o acto administrativo impugnado”, arrogando que na douta sentença em escrutínio, o MMº Juiz a quo fez a má interpretação e aplicação dos princípios da boa fé e da colaboração consagrados nos art. 8º e 9º do CPA.
*
Repare-se que o princípio da boa fé tem expressão, e bem, em todo o ordenamento jurídico da RAEM – o que nos dão a conta nomeadamente as disposições nos art. 8º do CPA, art. 326º do Código Civil, art. 7º da Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho) e art. 9º do Código de Processo Civil.
Todavia, a aplicação deste princípio não é omnipresente. Com efeito, é solidamente consolidada a jurisprudência mais autorizada inculcando que o princípio da boa fé não é operante aos actos administrativos vinculados, apenas aos poderes discricionários (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 103/2018 e n.º 13/2019, do TSI nos Processos n.º 588/2018, n.º 531/2018, n.º 369/2016 e n.º 474/2017).
Dispõe o n.º 1 do art. 8º do CPA: No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
Na nossa óptica, é sagaz e equilibrada a tese que preconiza (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 693/2010 e n.º 48/2019): A invocação da violação do princípio da boa fé (art. 8º, do CPA) só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão administrativa estaria para ser tomada.
Por sua vez, o n.º 1 do art. 9º do mesmo Código prevê: Os órgãos da Administração Pública e os particulares devem actuar em estreita cooperação recíproca, devendo designadamente: a) Prestar as informações e os esclarecimentos solicitados, desde que não tenham carácter confidencial ou de reserva pessoal; b) Apoiar e estimular todas as iniciativas socialmente úteis.
Em esteira, inclinamos a colher que não merece censura a posição do MMº Juiz a quo, no sentido de que “儘管司法上訴人曾於2007年向行政當局查詢有關資訊,並不能說明其已與行政當局建立了某種穩定的、持續的聯擊,以致足可要求行政當局在任何決定之前須將其利益權衡在內,須對其秉持善意行事。”
Pois, as informações prestadas pelos Serviços de Saúde de Macau ao recorrente em 2007 consistem em, tão-só e simplesmente, comunicar o mesmo dos parâmetros então vigentes (vide. docs. de fls. 238 e 239 dos autos). É sem dúvida que as quais não podem impedir a Administração de actualizar os parâmetros em sintonia com a evolução de interesses públicos, e antes de realizar a revisão dos parâmetros em 03/01/2014 a Administração não ficava obrigada a proceder à audiência ou consulta do recorrente.
De qualquer forma, importa ter presente que “Pondo de lado casos contados e dentro de certos limites, a violação do dever de colaboração não conduzirá a um juízo de censura que afecte automaticamente a consistência da própria decisão do procedimento.” (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim: Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina 2ª edição, p. 117)
Nestes termos, e de acordo com as jurisprudências respeitantes ao disposto nas alíneas e) do n.º 1 do art. 6º e b) do art. 7º do D.L. n.º 84/90/M na redacção dada pelo D.L. n.º 20/98/M (cfr. Acórdãos do TSI n.º 413/2016, n.º 415/2016 e n.º 416/2016), afigura-se-nos que a douta sentença em escrutínio não padece da assacada má interpretação e aplicação dos princípios da boa fé e da colaboração consagrados nos art. 8º e 9º do CPA.
*
Para os devidos efeitos, impõe-se acentuar que na fase do recurso contencioso, o recorrente nunca suscitou as questões colocadas nas conclusões 13 a 20 das alegações do presente recurso jurisdicional. Significa isto que em sede do recurso jurisdicional, o recorrente suscitou questões novas.
Ora bem, vem asseverando a boa jurisprudência que o recorrente do recurso jurisdicional não pode suscitar questões novas, não submetidas ao tribunal a quo, salvo aquelas de conhecimento oficioso do Tribunal (cfr. Acórdão do TSI n.º 480/2012, no mesmo sentido vide. o do TUI n.º 32/2008).
Os recursos jurisdicionais são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e, por tal motivo e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame. (cfr. Acórdãos do TSI n.º 509/2015, n.º 306/2018 e n.º 891/2017)
Na mesma linha de raciocínio, podemos sossegadamente concluir que os argumentos arrogados nas conclusões 13 a 20 das alegações do presente recurso jurisdicional são impróprios e não podem ser atendidos como fundamento do recurso jurisdicional.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
    2007年,司法上訴人向衛生局查詢有關申請中醫師執業准照之基準,獲衛生局提供當時適用的“中醫師資格認可評審基準”(見卷宗第239頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2014年1月3日,中醫師資格認可評審之基準修訂為“被國家官方認可為中醫學歷教育場所的中醫課程畢業證書(全時間/全日制三年或以上) ,方認可為具備中醫師執業資格” (見卷宗第239頁至第240頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2014年10月16日,司法上訴人及其7名同學向衛生局申請中醫師執業准照 (見卷宗第460頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2014年12月5日,衛生局副局長駁回有關申請(見卷宗第451頁至第452頁及第454頁至第456頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2014年12月19日,司法上訴人參與由衛生局醫務活動牌照科召開的會議,就如何通過考核取得中醫師執業准照一事進行商討(見卷宗第461頁至第462頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    司法上訴人於2015年7月13日至2016年1月10日修讀由廈門大學開辦之補充課程,並取得“補充學時證明書” (見卷宗第275頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2015年7月20日,衛生局透過編號2064/OF/UTLAP/2015公函通知司法上訴人“關於修讀補充課程的建議” (見卷宗第270頁至第272頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2016年1月12日,司法上訴人向衛生局提交中醫師執業牌照申請,並附同相關文件(見行政卷宗三第1頁至第16頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
    2016年1月21日,衛生局中醫師資格認可評審委員會為審議司法上訴人的中醫師資格申請進行會議,並建議致函國家中醫藥管理局核實司法上訴人提交之學歷文件及有關學歷是否符合報考國家醫師資格考試的學歷資格要求(詳見行政卷宗三第17頁至第18頁) 。
    2016年2月17日,衛生局局長同意編號275/NI/UTLAP/2016內部工作備註內的上述會議意見書的建議,並於同年2月23日向國家中醫藥管理局發出編號446/OF/UTLAP/2016公函以查核司法上訴人之相關學歷資料 (詳見行政卷宗三第19頁至第23頁) 。
    2016年4月13日,國家中醫藥管理局港澳臺辦公室回覆衛生局(詳見行政卷宗三第24頁至第27頁)。
    2016年5月24日,衛生局中醫師資格認可評審委員會經參考國家中醫藥管理局的回函等資料,指出因司法上訴人所持的學歷為醫學成人學歷教育,未獲中華人民共和國官方認可為執業醫師資格考試的依據,建議不認可司法上訴人的中醫師資格(詳見行政卷宗三第53頁至第55頁)。
    2016年5月31日,衛生局私人醫務活動牌照技術委員會審議司法上訴人提出之中醫師執照申請,同意中醫師資格認可評審委員會之上述意見,建議不核准司法上訴人的中醫師資格(詳見行政卷宗三第57頁)。
    2016年6月6日,衛生局代副局長同意編號169/R/UTLAP/2016報告書的建議,根據中醫師資格認可評審委員會及私人醫務活動牌照技術委員會之審議意見,因司法上訴人所提交之學歷證明不符合中醫師資格認可評審基準及不具備5月18日第20/98/M號法令修訂的12月31日第84/90/M號法令第6條第2款e)項之規定,決定不批給中醫師執業牌照予司法上訴人,並於同年6月8日發出編號1684/OF/UTLAP/2016公函將上述決定通知司法上訴人(詳見行政卷宗三第58頁至第70頁)。
    2016年7月12日,司法上訴人針對上述決定向衛生局局長提起必要訴願(詳見行政卷宗三第71頁)。
    2016年7月26日,衛生局中醫師資格認可評審委員會審議司法上訴人提交之訴願書,建議駁回司法上訴人提起之必要訴願(詳見行政卷宗三第72至第73頁)。
    2016年8月18日,衛生局私人醫務活動牌照技術委員會建議駁回司法上訴人提起之必要訴願(詳見行政卷宗三第74頁)。
    2016年9月2日,衛生局代局長於編號167/PP/UTLAP/2016報告書/建議書作出同意批示,指出因司法上訴人未符合經5月18日第20/98/M號法令修訂的12月31日第84/90/M號法令第6條第2款e)項及第3條所規定的要件,決定駁回司法上訴人提起之必要訴願,並於同年9月9日透過編號2858/OF/UTLAP/2016公函將有關決定通知司法上訴人(詳見行政卷宗三第75頁至第86頁及卷宗第181頁至第183頁)。
    2016年10月20日,司法上訴人之訴訟代理人透過圖文傳真方式針對上述駁回必要訴願之決定向行政法院提起司法上訴。
*
Assaca o recorrente ao acto administrativo impugnado vício de violação de lei por afronta aos princípios da boa fé e de colaboração entre a Administração e os particulares, consagrados nos artigos 8.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 8.º do CPA:
“No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.”
Por sua vez, preceitua o artigo 9.º do CPA:
“1. Os órgãos da Administração Pública e os particulares devem actuar em estreita cooperação recíproca, devendo designadamente: a) prestar as informações e os esclarecimentos solicitados, desde que não tenham carácter confidencial ou de reserva pessoal; b) apoiar e estimular todas as iniciativas socialmente úteis.
2. A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.”
A nosso ver, a Administração só fica vinculada aos princípios da boa fé e da colaboração a partir do momento em que determinado administrado tenha estabelecido alguma relação jurídica com a Administração, melhor dizendo, desde que tenha instaurado um procedimento administrativo. E isto faz todo o sentido, pois não havendo estabelecido relação com a Administração, a Administração não tem qualquer obrigação com o particular, daí que não há fundamento para atribuir qualquer responsabilidade à Administração por algo praticado pela mesma.
Não obstante se prever no n.º 1 do artigo 8.º do CPA que o princípio da boa fé se aplica em todas as formas e fases da actividade administrativa, mas isso só é verdade quando tiver instaurado algum procedimento administrativo; não havendo lugar a procedimento administrativo, aquele princípio não vincula a Administração.

Conforme resulta dos factos provados, a solicitação do recorrente, a Administração prestou-lhe em 2007 algumas informações sobre os critérios de acreditação de mestres em medicina tradicional chinesa.
Não obstante que em Janeiro de 2014 a Administração procedeu à alteração daqueles critérios, mas não tendo estabelecido entre 2007 e 2014 qualquer relação jurídica administrativa entre a Administração e o recorrente, mais precisamente, não tendo este último iniciado qualquer procedimento administrativo até aquele momento, não vemos razão para atribuir à Administração qualquer responsabilidade pela alteração daqueles critérios.
Por outro lado, apesar de o recorrente ter reunido com responsáveis do recorrido em Dezembro de 2014, os quais poderiam ter fornecido algumas informações pouco claras ou menos correctas ao recorrente, a verdade é que o acto administrativo foi praticado em consonância com os critérios de acreditação pré-fixados, ou seja, a Administração estava auto-vinculada àqueles mesmos critérios.
Na medida em que os princípios gerais de direito administrativo só se aplicam no âmbito do exercício de poderes discricionários e não operam nos actos vinculados, nenhum reparo merece o acto administrativo impugnado, improcedendo, assim, as razões aduzidas pelo recorrente nesta parte.
*
Alega ainda o recorrente o facto de que a aprovação e/ou alteração dos requisitos exigíveis para registo de médico teria constar de regulamento administrativo e não por simples acto interno.
Ora bem, conforme dito pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e bem, trata-se de uma questão nova, que só agora é levantada pelo recorrente neste recurso jurisdicional, pelo que não se pode nesta sede jurisdicional ser apreciada.
Efectivamente, como vem sendo decidido pelos tribunais da RAEM, o recorrente não pode suscitar questões novas em sede de recurso jurisdicional que não foram submetidas a apreciação pelo tribunal a quo, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso do Tribunal, o que não é o caso.
Isto posto, sem necessidade de delongas considerações, somos a entender que a questão colocada pelo recorrente nos pontos 13 a 20 das conclusões alegatórias não pode ser atendida nesta sede jurisdicional.
Por tudo quanto deixou exposto, há-de negar provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 25 de Fevereiro de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng



Recurso Jurisdicional 528/2020 Página 20