Processo nº 658/2019
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 25 de Fevereiro de 2021
ASSUNTO:
- Delegação de competência
- Desocupação do terreno
- Planta cadastral
- Rectificação oficiosa
- Erro nos pressupostos de Direito
- Cumulação do pedido
SUMÁRIO:
- Pela Ordem Executiva n.º 113/2014 e ao abrigo do artº 3º do DL nº 85/84/M, o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território, pelo que também estava delegada a competência prevista no artº 208º da Lei de Terras (Lei nº 10/2013).
- A planta cadastral é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno.
- A ordem de desocupação é um acto resultante do poder-dever da Entidade Recorrida legalmente concedido e exigido pelos artº 7º da Lei Básica da RAEM e artº 208º da Lei nº 10/2013, consistente numa actividade administrativa vinculada.
- O princípio da tutela de boa fé não é operante nas actividades vinculadas da Administração.
- A lei apenas permite a rectificação oficiosa da planta cadastral sem intervenção do interessado no caso de que “o simples erro que se patenteie da própria planta e cuja rectificação não possa prejudicar os direitos dos titulares do prédio a que respeita a planta ou dos prédios confinantes” (artº 18º, nº 2 do DL 3/94/M).
- Quando “o erro proveniente de deficiente demarcação ou que envolva alteração da planta no que respeita à área ou delimitação do terreno só pode ser rectificado mediante a produção de prova demonstrativa da inexactidão das operações no terreno ou na respectiva representação cartográfica e com a concordância de todos os interessados que possam ser prejudicados com a rectificação” (artº 19º, nº 1 do DL 3/94/M).
- Não havendo concordância dos interessados, a rectificação da planta cadastral que é susceptível prejudicar os interesses dos mesmos tem de ser feita por via judicial, promovida pelo Director da DSCC ou por qualquer interessado (artº 19º, nº 2 do DL 3/94/M).
- A rectificação oficiosa da planta cadastral feita com usurpação de poder é nula (artº 122º, nº 2, al. a) do CPA).
- Tendo a rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 um acto de pressuposto do acto recorrido, a nulidade daquele implica a nulidade deste (artº 122º, nº 2, al. i) do CPA).
- É na petição inicial do recurso contencioso que o recorrente, além do pedido principal de feição anulatória, pode acumular outro de feição condenatória à prática do acto devido, não o podendo formular nas alegações facultativas, sob pena de violar o princípio da estabilidade da instância.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 658/2019
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 25 de Fevereiro de 2021
Recorrente: A Limited
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A Limited, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 10/05/2019, que ordenou a desocupação do terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, no prazo de 30 dias, concluíndo que:
a) O artigo 208.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras) estatui, sem possibilidade de delegação, uma competência exclusiva do Chefe do Executivo.
b) Nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), "Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria." (sublinhado nosso).
c) O artigo 208.º da Lei de Terras não habilita o órgão competente a delegar e, tratando-se de uma ordem de desocupação de um terreno, não estamos perante um acto de administração ordinária, i.e. um acto destinado a manter o funcionamento quotidiano da administração, que possibilitasse a aplicação do n.º 2 do artigo 37.º do CPA.
d) A habilitação legal é um requisito fundamental para que possa existir delegação de competências, porque o instituto da delegação derroga o princípio da irrenunciabilidade e inalienabilidade dos poderes públicos previsto no artigo 31.º do CPA.
e) Assim, não havendo habilitação legal, o acto de delegação, no caso a Ordem Executiva n.º 113/2014, é nulo e, em consequência, os actos praticados de acordo com essa delegação feridos do vício de incompetência, sendo, como tal, anuláveis, o que desde já se invoca.
f) E nem se diga que a habilitação legal está consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, pois aqui, não obstante o estatuído no n.º 3 do mesmo diploma, a que nos referiremos de seguida, estabelece-se a possibilidade de delegação de competências executivas.
g) Ora, uma ordem de desocupação não é uma ordem executiva, mas sim uma ordem deliberativa, uma decisão.
h) Decisão essa que não cabe nas elencadas no n.º 3, a saber, "decisão em matérias das atribuições próprias dos serviços públicos".
i) As atribuições da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes ("DSSOPT") estão definidas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho, nelas cabendo, nos termos da alínea c) do artigo em causa "Promover a definição e o estabelecimento da disciplina do uso dos solos e assegurar o seu cumprimento".
j) No presente caso, não está em causa a definição do uso do solo ou o seu cumprimento, mas sim a determinação da localização e propriedade de um terreno, pelo que a ordem de desocupação não cabe nas atribuições próprias desta entidade, razão pela qual a competência para praticar o acto de desocupação não poderia ser delegada.
k) Ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que o acto de delegação, a Ordem Executiva n.º 113/2014, é também ele nulo porque não cumpre outro dos requisitos da delegação, a saber, a especificação de poderes.
l) Estatui o artigo 39.º do CPA que no acto de delegação deve o órgão delegante especificar os poderes que são delegado ou quais os actos que o delegado pode praticar.
m) A Ordem Executiva n.º 113/2014 não especifica os poderes ou actos que o delegado pode praticar, constituindo uma delegação genérica que, como tal, deve ser considerada inexistente por violação do art.º 39.º do CPA.
n) Pelo que, o acto em crise se encontra ferido do vício de incompetência, gerador da sua anulabilidade.
o) A Recorrente é proprietária do terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, desde inícios do século XX, sob o n.º 6150, um terreno em regime de propriedade privada com 56.592m2, que confrontava, na altura da sua inscrição, a Norte e Leste com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta.
p) Pelo processo judicial que correu termos sob o n.º 210/91 - Justificação da Qualidade de Herdeiros -, B e C foram declarados únicos e universais herdeiros do seu avô D, tendo, em consequência, herdado o prédio em causa.
q) Por escritura pública lavrada, a 16 de Outubro de 1993, no cartório do Notário Privado António Correia, foi o prédio vendido à Sociedade de Investimento Predial e Comercial E, Limitada.
r) A Sociedade de Investimento Predial e Comercial E, Limitada, como proprietária, requereu, em Agosto de 1994, junto da Direcção de Cartografia e Cadastro ("DSCC") a demarcação do terreno, o que foi feito, tendo, a 14 de Outubro de 1994, sido emitida, pela primeira vez a planta cadastral 3854/1992.
s) O processo de demarcação foi levado a cabo pela DSCC nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da Lei 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras em vigor na altura), uma vez que o terreno confinava com terrenos do Estado.
t) A Planta Cadastral 3854/1992 foi convertida em definitiva pelo Despacho 10/SATOP/98, de 27 de Fevereiro de 1998.
u) Em Abril de 2004, a proprietária do terreno iniciou um leilão para venda do mesmo.
v) Logo no ponto 1 (The Land) dos detalhes (Particulars) do leilão se descreve o terreno em causa como estando inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6150, com uma área de 53.866m2 (-5% do que a área mencionada no registo predial), com as seguintes confrontações:
NE - terreno junto da Estrada de Seac Pai Van e da Estrada do Alto de Coloane (n.º 22624), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e da Estrada do Alto de Coloane;
SE - terreno junto da Estrada Militar (n.º 19232), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar;
SW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada do Alto de Coloane e Estrada do Campo;
NW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada de Seac Pai Van, Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane.
w) Conforme o ponto 5 (Documents Inspection) do mesmo documento, na altura foi emitida uma planta pelos Serviços de Cartografia e Cadastro identificando e localizando o terreno em causa nos mesmos termos que constam da planta cadastral emitida em Outubro de 1994 na sequência do processo de demarcação do terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição n.º 6150.
x) A ora Recorrente obteve vencimento no leilão e, por escritura pública lavrada, no dia 6 de Maio de 2004, no Cartório da Notária Privada Ana Fonseca, adquiriu o prédio em causa.
y) Como proprietária de um imóvel em regime de propriedade privada, a Recorrente iniciou os procedimentos tendentes à sua utilização e aproveitamento, tendo para o efeito e nos termos do artigo 32.º do Regime Geral da Construção Urbana ("RGCU"), requerido a emissão de plantas cadastrais e iniciado, em 2013, o procedimento de licenciamento de um projecto de construção, onde chegaram a ser emitidas Plantas de Alinhamento Oficial, e, antes, sido emitida a licença n.º 659/2012, que permitiu à Recorrente a instalação de tapumes e contentores no terreno cuja desocupação ora se ordena.
z) Acontece que, em 2018, após a publicação de um relatório do Comissariado contra a Corrupção ("Relatório") e de um Parecer do Ministério Público ("Parecer") que se lhe seguiu, a localização do terreno descrito sob o n.º 6150 passou, no entender da Administração e da Entidade Recorrida, a ser controvertida, tendo resultado (i) na extinção do procedimento de licenciamento (Processo n.º 16/CT/2013/L), actualmente em fase de recurso hierárquico necessário, (ii) e, agora, na ordem de desocupação do terreno.
aa) Tudo porque as respectivas entidades subscritoras afirmam no Relatório e no Parecer que a localização do terreno descrito sob o n.º 6150 não corresponde à localização onde sempre foi identificado e onde se pretendia desenvolver o projecto cujo licenciamento se iniciou.
bb) Para chegar a esta mesma conclusão alega a DSSOPT que analisou vários factos, nomeadamente (i) "o ofício da DSCC n.º 1701/CADV/02.01.107/3854/2018, de 28 de Outubro, que comprova que os limites definidos na planta cadastral n.º 3854/1992, emitida a 16 de Outubro de 2018, pela DSCC correspondem aos da planta cadastral publicada e convertida em definitiva através do Despacho n.º 10/SATOP/98. Alem disso, informou ainda que a CRP presume que o terreno objecto do presente caso não se encontra registado" e que (ii) "o lado oeste e o lado sul do terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane confinarem com a Estrada do Campo, no entanto, o lado norte e o lado leste do terreno sob a descrição n.º 6150 confrontam com a Estrada do Campo, sendo totalmente opostos" e que, "de acordo com as informações do registo predial, o lado oeste do terreno descrito sob o n.º 6150 confina com o Beco da Porta", do qual inexistem referências cadastrais, pelo que "o mesmo deve situar-se na Estrada do Campo, perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças Armadas de Macau, julgando-se que não é possível que o referido terreno se trate de um outro situado no extremo norte da Estrada do Campo". (sublinhado nosso)
cc) Atenta esta fundamentação, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o Acto Recorrido se baseia em conjecturas.
dd) E, se a Entidade Recorrida não tem qualquer prova cabal de que o terreno não seja naquele local, muito menos consegue demonstrar onde é, então, o terreno da Recorrente.
ee) Acontece que estamos a falar de um terreno com mais de 50.000m2 e, como tal, impossível de não se conseguir identificar.
ff) Ora, tendo o Acto Recorrido por fundamento simples conjecturas, assenta num vício de falta de pressupostos de facto, devendo ser, como tal, anulado, o que desde já se requer.
gg) Note-se que, no procedimento de demarcação do terreno, a DSCC, com base em mais informação do que aquela que é utilizada para fundamentar o Acto Recorrido, afirma que o terreno se pode situar em qualquer local ao longo da Estrada do Campo, não arriscando em identificar, naquele momento, qualquer localização mas também não recusando qualquer possibilidade.
hh) Com o passar do tempo, nomeadamente em Macau, onde tudo muda com bastante rapidez, as confrontações do prédio em causa foram alteradas pelo simples facto de passarem a existir novos arruamentos ou de arrumamentos existentes deixarem de existir ou passarem a ter um novo traçado.
ii) E tanto assim é que a planta cadastral emitida na sequência do procedimento de demarcação, não obstante mencionar a descrição n.º 6150, contem confrontações distintas das do registo predial, e que são as mesma que constam das regras do leilão de 2004.
jj) O mesmo se verificando em plantas cadastrais emitidas posteriormente.
kk) Por outro lado, na zona indicada no acto em crise como sendo aquela onde se situa o terreno descrito sob o n.º 6150, "perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças de Segurança de Macau", não existe nenhum terreno não construído com as dimensões constantes do registo predial.
ll) Os terrenos ali situados estão descritos na Conservatória do Registo Predial sob n.ºs de descrição que não são o 6150 e estão quase na totalidade ocupados com construções cujo licenciamento não foi requerido pela ora Recorrente, o que, a menos que se tratem de construções ilegais não licenciadas, implica obrigatoriamente que o terreno com a descrição n.º 6150 não pode ali situar-se, uma vez que o licenciamento teve que ser requerido pelos legítimos proprietários dos terreno em causa, que tiveram que fazer prova dessa qualidade para obter as respectivas licenças.
mm) Até ao início de 2018, nunca foi posta em causa a localização do terreno, incluindo pela DSSOPT, que, como já foi referido, chegou a emitir licença de obra, plantas de alinhamento oficial e a dar parecer favorável ao projecto de arquitectura apresentado pela Recorrente.
nn) Desde que é proprietária do terreno, a Recorrente requereu, com base nas informações constantes do registo predial, Plantas Cadastrais, o que apenas pode ser feito pelo proprietário do terreno de acordo com o título de registo de propriedade, o mesmo acontecendo com a emissão das plantas de alinhamento oficial, por força do artigo 19.º, 21.º e 32.º, todos do RGCU, nunca tendo sido levantada qualquer dúvida ou questão sobre a localização do terreno ou a sua propriedade pela Recorrente.
oo) Ora, perante o supra exposto, dúvidas não restam que o terreno descrito sob o n.º 6150 e o terreno cuja desocupação se ordena são o mesmo, tendo sempre sido esse o entendimento da Administração, com base nos elementos do registo e do cadastro, pelo que não pode esta vir agora, com base em meras suposições, afirmar o contrário sem indicar claramente onde se localiza o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. 6150 cuja propriedade pertence à Recorrente.
pp) E tanto se trata do mesmo terreno que, nos termos da inscrição 229997C, a Recorrente constituiu hipoteca sobre o mesmo a favor do Banco H (Macau), S.A., de forma a obter financiamento para a execução do projecto de construção.
qq) Não obstante a base factual em que o Relatório e o Parecer assentam, bem como as respectivas conclusões, a verdade é que ambos os documentos carecem de força jurídica para pôr em causa que o terreno cuja desocupação se ordena não é o terreno cuja propriedade pertence à Recorrente.
rr) É o próprio relatório do Comissariado contra a Corrupção que conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa, o que o Governo nunca fez, nem o pode fazer com base num parecer do Ministério Público, que, legalmente, não tem tal efeito jurídico. (sublinhado nosso)
ss) Muito menos podem os procedimentos e vias legais assentar em meras suposições, como as que estão na base do Acto Recorrido, ou em plantas cadastrais com informações diversas das anteriormente emitidas, cujo objectivo é, única e exclusivamente, dar uma aparente "força legal" às conclusões do Relatório e ao Parecer.
tt) Não se pode concluir que o terreno descrito sob o n.º 6150 não é o terreno ocupado pela Recorrente e propriedade desta sem se indicar claramente a que terreno se refere a aludida descrição, quando, desde sempre a Administração considerou que eram o mesmo e sem justificar as anteriores actuações da Administração, nomeadamente as discrepâncias existentes na emissão da mesma planta cadastral.
uu) Na verdade, a Entidade Recorrida não pode, com base na planta cadastral que resultou do procedimento de demarcação do terreno descrito sob o n.º 6150 vir agora dizer que o mesmo é propriedade do Estado, considerando-o terreno disponível.
vv) Não deixa de ser curioso que, para Entidade Recorrida, a mesma planta cadastral que foi emitida em procedimento de demarcação da descrição n.º 6150, faça prova do que a Administração pretende e não faça prova da localização e confrontações do terreno relativamente ao qual foi originariamente emitida.
ww) Pelo exposto, para todos os efeitos legais, até hoje, o terreno propriedade da Recorrente é aquele cujos elementos da descrição predial constam do registo, das plantas cadastrais emitidas na sequência do procedimento de demarcação que resultou na emissão da planta 3854/1992 e das plantas de alinhamento oficial emitidas e constantes do procedimento administrativo de licenciamento, e sobre o qual assentaram todos os actos praticados no procedimento de licenciamento n.º 16/CT/2013/L.
xx) Pelo que, conforme tudo o supra exposto, o Acto Recorrido assenta num vício sobre os pressupostos de facto, uma vez que não estamos perante um terreno do domínio público ou privado, mas sim perante um terreno em regime de propriedade privada legalmente ocupado pelo seu proprietário, o que gera a sua anulabilidade, que desde já se requer para todos os efeitos legais.
yy) Nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
zz) Já o artigo 25.º do mesmo diploma estatui que as descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
aaa) Referindo o n.º 2 desta norma legal que a apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior, bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
bbb) Por sua vez o artigo 71.º do diploma em causa estipula que a descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral e que de cada prédio é feita uma descrição distinta.
ccc) O artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, estatui que "A planta cadastral definitiva é título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações."
ddd) Ora, sendo a planta 3854/1992 definitiva e tendo sido emitida relativamente à descrição n.º 6150 da Conservatória do Registo Predial, uma vez que resulta de um procedimento de demarcação desse mesmo prédio, essa planta é título bastante para a identificação do prédio, não podendo a Administração, a seu belo prazer, utilizar as informações dela constantes, retirando conclusões deturpadas, em violação do estabelecido na lei e dos princípios do registo.
eee) Essa planta deveria, assim que foi emitida, ter sido oficiosamente enviada pela DSCC para a CRP, dando cumprimento ao n.º 2 do art.º 25.º do Código de Registo Predial, o que teria evitado o presente processo.
fff) Nos termos do artigo 1.º do Código de Registo Predial, o registo predial destina-se a dar publicidade à situação dos prédios, assegurando a segurança jurídica do comércio jurídico imobiliário, tendo o mesmo uma função económica e social, resultando esta última da paz social que o registo predial garante, fruto da sua fé pública, presunção de verdade e exactidão dos direitos nele inscritos.
ggg) Presunções estas legalmente estabelecidas no artigo 7.º desse diploma e que abrangem quer a identidade do titular, quer a identificação do prédio em causa, mormente quando, nos termos da artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, tenha sido emitida planta cadastral definitiva, como é o caso.
hhh) Havendo título que identifica o prédio propriedade da Recorrente com a localização, áreas e confrontações do terreno por ela ocupado, não pode vir a Administração, com base na mesma planta e em meras suposições, afirmar o oposto e retirar daí a conclusão que retira e que deu origem ao acto em crise.
iii) Para o fazer teria a Administração, como diz o Comissário contra a Corrupção no Relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para cancelar ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente socorrendo-se dos meios previstos nos artigos 120.º e 121.º do Código de Registo Predial.
jjj) E aí fazer provar cabal do que afirma no Acto Recorrido uma vez que é sobre ela que recai o ónus da prova.
kkk) Não podendo, em consequência, por portas travessas, pôr em causa a verdade registrai e cadastral.
lll) Pelo exposto, não pode a Administração ordenar a desocupação do terreno, nos termos do n.º 1 do artigo 208 da Lei de Terras, alegando que o terreno pertence à RAEM quando a verdade registrai e cadastral demonstram que o terreno é, em regime de propriedade plena, titulado pela Recorrente.
mmm) Ao fazê-lo, sem indicar qual o terreno de que a Recorrente é, afinal, proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à Recorrente qualquer compensação, pelo que o acto em crise viola também a Lei Básica, nomeadamente o seu artigo 103.º.
nnn) A tudo isto acresce que a Recorrente é um terceiro de boa fé, não lhe sendo oponível qualquer nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 284.º do Código Civil.
ooo) Atento tudo o supra exposto, o Acto Recorrido, porque viola o artigo 103.º da Lei Básica, os artigos 1.º, 7.º, 25.º, 71.º, 120.º e 121.º do Código de Registo Predial, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, e o artigo 284.º do Código Civil, é ilegal por vício nos pressupostos de direito e, como tal, anulável por força do artigo 124.º do CPA e do artigo 21.º, n.º 1, als. b) e d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, o que expressamente se requer.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 156 a 180 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Só a Recorrente apresentou alegações facultativas, mantendo, no essencial, a posição já assumida na petição inicial. Além disso, formulou um pedido adicional ao abrigo da al. a) do nº 1 do artº 24º do CPAC, no sentido de que seja ordenada a “Direcção de Serviços de Cartografia e Cadastro a enviar à Conservatória do Registo Predial a Planta Cadastral n.º 3854/1992 com indicação da descrição n.º 6150, para que, ao abrigo do artigo 81.º do Código de Registo Predial, a descrição n.º 6150 seja oficiosamente actualizada com os elementos constantes da planta cadastral em causa.”.
*
O Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“…
1. Do pedido da anulação
Na petição inicial e nas alegações facultativas, a recorrente solicitou reiteradamente a anulação do despacho exarado em 10/05/2019 pelo Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas na Informação n.º47/DJUDEP/2019 (doc. de fls.44 a 56 dos autos), invocando o vício de incompetência e a violação de lei alegadamente consubstanciada em erros nos pressupostos de facto e de direito, sobretudo na violação das disposições legais citadas na conclusão ooo) da petição inicial.
1.1. Quanto à arguição da incompetência do Exmo. Sr. STOP para a prática do despacho em escrutínio, é assente a jurisprudência do douto TUI que vem asseverando (cfr. Acórdãos nos Processos n.º10/2017, n.º39/2017, n.º30/2018 e n.º41/2018): Pela Ordem Executiva n.º113/2014 o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território, pelo que também estavam delegadas as competências previstas na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da actual Lei de Terras.
Não há margem para dúvida de que a jurisprudência unânime do TSI vem navegando no mesmo sentido, afirmando constantemente que a Ordem Executiva n.º113/2014 contém em si a delegação dos poderes no Exmo. Senhor STOP para determinar o despejo consignado no art.179º da Lei n.º10/2013 (Lei de Terras) (a título meramente exemplificativo, vide. Acórdãos nos Processos n.º827/2015, n.º626/2016, n.º1122/2017 e n.º788/2018)
Ressalvado o muito elevado respeito pelo entendimento diferente, e em harmonia com as brilhantes orientações jurisprudenciais, inclinamos a colher que a Ordem Executiva n.º113/2014 engloba ainda a delegação dos poderes no Exmo. Sr. STOP para decretar a ordem de desocupação consignado no art.179º da Lei n.º10/2013. Daí decorre que, segundo nos parece, não existe in casu a arguida incompetência.
1.2. Na petição, a recorrente invocou ainda a violação de lei traduzida em erro nos pressupostos de facto e de direito, sobretudo em infringir o disposto nos arts.1º, 7º, 25º, 71º, 120º e 121º do Código de Registo Predial, 14º do D.L. n.º3/94/M, 284º do Código Civil e 103º da Lei Básica.
Antes de mais, assinale-se que todos os órgãos e organismos públicos não pretendem pôr em perigo, mas reconhecem inequivocamente que a recorrente é proprietária do terreno descrito sob o n.º6150 na Conservatória do Registo Predial, e não há margem para dúvida de que o despacho em questão respeita consciente e estritamente tanto a exactidão da descrição n.º6150 como as presunções derivadas do registo, não ordena nem procede à rectificação do registo por inexactidão ou nulidade.
Tudo isto impulsiona-nos a inferir que não faz sentido que a recorrente assaque a violação dos preceitos nos arts.103º da Lei Básica e 1º, 7º, 71º, 120º e 121º do C.R. Predial ao despacho em escrutínio. Com efeito, a Informação n.º47/DJUDEP/2019 evidencia que tal despacho tomou como pressuposto e arrimo as confrontações identificadas no registo predial do terreno pertencente à recorrente (doc. de fls.66 a 71 dos autos).
1.3. Note-se que o primeiro registo predial do terreno descrito sob o n.º6150 na Conservatória do Registo Predial teve lugar em 1903 e sem indicar a área desse terreno, e todas as confrontações especificadas nesse registo predial, desde o seu início até a presente data, nunca encontram qualquer alteração, confrontações que são iniludivelmente “北面和東面為田畔街,南面為2號房屋 ,西面為 Beco da Porta(大門巷)。” (vide. o Relatório denominado 《關於路環疊石塘村建築項目的調查報告》do Comissariado Contra Corrupção)
Acontece que “5. 1994年7月,財政司海島市財稅分處又發出一份證明,聲稱F律師曾遞交一份房屋稅申報表(M/10),為了對土地進行估價和繳付物業轉移稅差額的效力,F在申報表中更新了標示編號6150土地的位置(四至)。6. 根據該份證明,F律師聲稱土地原來的位置是:西北為田畔街,南面為2 號房屋,東面為 Beco da Porta(大門巷);更新後的位置是:西北為田畔街和石排灣馬路,東南為陸軍路和無門牌房屋,東北為石排灣郊野公園和白粉村。” (cfr. o dito Relatório, sublinha nossa)
É notório que todas as confrontações declaradas pelo advogado Dr. F a pretexto de locação anterior e locação actualizada não só se distingue das especificadas no registo predial do terreno descrito sob o n.º6150 na Conservatória do Registo Predial, mas sim são opostas às originárias que consta do referido registo predial.
O que torna incontestável que pese embora o advogado Dr. F arrogasse a descrição n.º6150 na Conservatória do Registo Predial, todavia, o terreno por ele aludido na sobredita Declaração M/10 da contribuição predial não corresponde ao terreno inscrito a favor dos indivíduos referidos no art.20º da petição inicial, tratando-se sem dúvida de dois terrenos completamente distintos.
Importa frisar que como salientou a entidade recorrida (art.44º da contestação), o Anexo I da própria Planta Cadastral n.º3854/1992 convertida em definitiva pelo Despacho n.º10/SATOP/98 indica, com toda a clareza, que as “Confrontações actuais” se presumem omissas na C.R. Predial.
Chegando aqui, e com todo o respeito pela melhor opinião em sentido contrário, parece-nos que nos arts.25º do Código de Registo Predial e art.14º do D.L. n.º3/94/M; e em boa verdade é desproposita a arguição da violação do preceito no art.284º do Código Civil, na medida em que o despacho atacado nestes autos não tange o registo predial do terreno descrito sob o n.º6150 na Conservatória do Registo Predial.
1.4. Nas suas alegações facultativas, a recorrente arguiu, pela primeira vez, a violação do princípio da boa fé estatuído no art.8º do CPA e do disposto no art.81º do Código do Registo Predial. Não há dúvida de que se trata de argumentos não constantes da petição inicial.
Sem embargo do merecido e elevado respeito pelo entendimento diferente, afigura-se-nos que ao interpor o presente recurso contencioso, a recorrente devia ter conhecimento dos dois argumentos supra referidos, e não se descortina facto superveniente que possa justificar a arguição, na fase de alegações facultativas da violação do princípio da boa fé estatuído no art.8º do CPA e do disposto no art.81º do Código do Registo Predial.
Interpretando o preceito no n.º3 do art.68º do CPAC, a jurisprudência mais autorizada vem constantemente asseverando que nas alegações do recurso contencioso o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo, se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial; ou seja, só podem ser invocados vícios novos nas alegações do recurso contencioso se o recorrente só tiver conhecimento dos factos em que se baseiam tais vícios supervenientemente (a título exemplificativo, vide. arestos do TUI nos Processos n.º1/2004, n.º24/2009, n.º35/2012 e n.º37/2015)
Em conformidade com a supramencionada prudente orientação jurisprudencial, parece-nos que na hipótese de verificá-la, a violação do princípio da boa fé estatuído no art.8º do CPA e do disposto no art.81º do Código do Registo Predial já não pode ser fundamento da invalidade do despacho em escrutínio, visto cuja arguição ser extemporânea.
De outro lado e em bom rigor, não é propositado a arguição (pela recorrente) da violação do preceituado no art.81º do Código do Registo Predial, pois o Exmo. Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas não é competente para proceder à actualização aí prevista, nem obrigado a expedir documentos para os efeitos consagrados neste preceito legal. E é bom de ver que o despacho em questão, de per si, não contende com o princípio da boa fé contemplado no art.8º do CPA.
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2. Do pedido da anulação
Nas alegações facultativas, para além de arguir a violação do princípio da boa fé estatuído no art.8º do CPA e da disposição no art.81º do C.R.Predial, a recorrente formulou, ainda pela primeira vez, o seguinte pedido: “nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 24.º do CPAC, que o Tribunal ordene a Direcção de Serviços de Cartografia e Cadastro a enviar a Conservatória do Registo Predial a Planta Cadastral n.º3854/1992 com indicação da descrição n.º6150, para que, ao abrigo do artigo 81.º do Código de Registo Predial, a descrição n.º6150 seja oficiosamente actualizada com os elementos constantes da planta cadastral em causa.”
Na nossa óptica, independentemente de ser procedente ou infundado o pedido de anulação, essa pretensão de condenação formulada pela recorrente nas alegações facultativas não pode deixar de ser descabida, na medida em que a entidade recorrida – Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas – não é competente para elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico (art.2º do D.L. n.º3/94/M), nem é o autor da Planta Cadastral n.º3854/1992 e, por isso, não fica sujeito ao dever da remessa dessa Planta para Conservatória do Registo Predial.
Convém ter presente que em boa verdade, o sobredito pedido de condenação da recorrente infringe o princípio do contraditório, visto que ela nunca provocou, até à presente fase, a intervenção processual do Director da DSCC neste recurso contencioso.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. Pelo processo judicial que correu termos sob o n.º 210/91 - Justificação da Qualidade de Herdeiros -, B e C foram declarados únicos e universais herdeiros do seu avô D, tendo, em consequência, herdado o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, em regime de propriedade privada, que confrontava a Norte e Leste com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta.
2. Por escritura pública lavrada, a 16 de Outubro de 1993, no cartório do Notário Privado António Correia foi o prédio vendido à Sociedade de Investimento Predial e Comercial E, Limitada.
3. Esta sociedade, como proprietária, requereu, em Agosto de 1994, junto da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (“DSCC”) a demarcação do terreno, o que foi feito.
4. Tendo, a 14 de Outubro de 1994, sido emitida, pela primeira vez a planta cadastral 3854/1992.
5. A Planta Cadastral 3854/1992 foi convertida em definitiva pelo Despacho 10/SATOP/98, de 27 de Fevereiro de 1998.
6. Em Abril de 2004, a proprietária do terreno iniciou um leilão para venda do mesmo.
7. No ponto 1 (The Land) dos detalhes (Particulars) do leilão se descreve o terreno em causa como estando inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6150, com uma área de 53.866m2 (-5% do que a área mencionada no registo predial), com as seguintes confrontações:
NE - terreno junto da Estrada de Seac Pai Van e da Estrada do Alto de Coloane (n.º 22624), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e da Estrada do Alto de Coloane;
SE - terreno junto da Estrada Militar (n.º 19232), terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar;
SW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada do Alto de Coloane e Estrada do Campo;
NW - terreno que se presume omisso na Conservatória do Registo Predial junto da Estrada de Seac Pai Van, Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane.
8. Conforme o ponto 5 (Documents Inspection) do mesmo documento, na altura foi emitida uma planta pelos Serviços de Cartografia e Cadastro identificando e localizando o terreno em causa nos termos mencionados no artigo anterior, cujas confrontações correspondem às da planta cadastral emitida em Outubro de 1994 na sequência do processo de demarcação do terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição n.º 6150.
9. A ora Recorrente obteve vencimento no leilão e, por escritura pública lavrada, no dia 06 de Maio de 2004, no Cartório da Notária Privada Ana Fonseca, adquiriu o prédio em causa.
10. Como proprietária de um imóvel em regime de propriedade privada, a Recorrente iniciou os procedimentos tendentes à sua utilização e aproveitamento, tendo para o efeito e nos termos do artigo 32.º do Regime Geral da Construção Urbana (“RGCU”), requerido a emissão de plantas cadastrais e iniciado, em 2013, o procedimento de licenciamento de um projecto de construção, onde chegaram a ser emitidas Plantas de Alinhamento Oficial, e, antes, sido emitida a licença n.º 659/2012, que permitiu à Recorrente a instalação de tapumes e contentores no terreno cuja desocupação ora se ordena.
11. Em 2018, após a publicação de um relatório do Comissariado contra a Corrupção e de um Parecer do Ministério Público que se lhe seguiu, a localização do terreno descrito sob o n.º 6150 passou, no entender da Administração e da Entidade Recorrida, a ser controvertida,
12. Tendo resultado na extinção do procedimento de licenciamento (Processo n.º 16/CT/2013/L).
13. O técnico do DSSOPT elaborou, em 09/05/2019, a seguinte informação (nº 47/DJUDEP/2019):
“…
1. Através da CSI n.º 490/DURDEP/2019, de 25 de Março, o Departamento de Urbanização (DURDEP) solicitou ao Departamento Jurídico (DJUDEP) a emissão de parecer jurídico sobre o assunto referido em epígrafe.
I. Enquadramento
2. Por Despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro, esta entidade manifestou a sua concordância com o "Parecer sobre o terreno do projecto de construção do Alto de Coloane" elaborado pelo Ministério Público (MP) em 28 de Março de 2018 e determinou que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) iniciasse os procedimentos referidos nos pontos 6.3 e 6.4 do parecer.
3. De acordo com o ponto 6.3 do parecer acima referido "no intuito de assegurar a estabilidade e determinação da lei, caso a planta de alinhamento e a planta cadastral elaboradas nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) ainda sejam válidas, a autoridade administrativa deverá declarar, com a maior brevidade possível, a nulidade dos respectivos actos administrativos".
O ponto 6.4 refere que "a fim de proteger os terrenos do Estado e de defender o prestígio de governação do Governo de Macau, a Administração tem fundamentos legais suficientes para determinar a desocupação do terreno onde se localiza o projecto de construção do Alto de Coloane".
4. Seguidamente, por despacho de 29 de Novembro de 2018 exarado na informação n.º 113/DJUDEP/2018, de 26 de Novembro, o STOP manifestou a sua concordância com a análise constante da informação, tendo-se procedido à audiência prévia do interessado.
II. Notificação da interessada e sua resposta
5. Assim, nos termos dos artigos 93.º e 94.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), através do ofício n.º 19648/DURDEP/2018, de 19 de Dezembro, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) notificou a sociedade A Limited, doravante designada por ocupante, da realização da audiência prévia relativa à intenção de tomada de decisão final sobre a ocupação ilegal de terreno, para se pronunciar sobre as questões de facto e de direito relevantes inerentes ao respectivo procedimento, por escrito, no prazo de 10 dias, contados a partir da notificação.
6. Posteriormente, em 18 de Janeiro de 2019, o Senhor Dr. G, na qualidade de advogado da ocupante, apresentou à DSSOPT a resposta à audiência prévia, por escrito, alegando que, ao abrigo dos artigos 70.º, 113.º e 114.º do CPA, a sociedade não podia exercer o direito de audiência uma vez que a DSSOPT não tinha enviado as informações necessárias no ofício da notificação, não produzindo por isso quaisquer efeitos. Assim, solicitou o novo envio da notificação com as informações necessárias e a indicação do prazo de exercício de direito de audiência.
7. Mais tarde, em 23 de Janeiro de 2019, o referido mandatário, apresentou à DSSOPT a resposta à audiência escrita, cujo texto se transcreve de seguida:
"1. Refere o ofício que a A Limited deve desocupar e devolver o terreno em causa ao Estado porque (1) não possui licença de ocupação temporária, (2) trata-se de terreno disponível do Estado uma vez que não existe qualquer registo de propriedade ou outro direito real sobre o mesmo, e (3) a sociedade não tem contrato de concessão nem licença de ocupação temporária, pelo que o terreno está a ser ilegalmente ocupado, actuação que é punida, nos termos da Lei de Terras, com multa.
2. Ora, diga-se, em primeiro lugar que a A Limited, conforme certidão predial a que essa Direcção pode ter acesso por via informática, é, desde 6 de Maio de 2004. proprietária de um terreno com a área de 56592 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e dois) metros quadrados, que confronta a Norte e Este com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta, vide inscrição n.º 85096G.
3. Terreno este que sempre foi considerado como sendo aquele indicado a sombreado na planta anexa ao Ofício, nunca tendo sido posta em causa a identificação e titularidade do mesmo.
4. Na verdade, essa Direcção chegou a emitir as plantas de alinhamento e a dar parecer favorável a um projecto de arquitectura apresentado pela A Limited, tendo também emitido a licença de obra n. o 659/2012, que possibilitou à A Limited a instalação tapumes e contentores no terreno, cujo remoção agora se pretende ordenar.
5. De igual forma, os outros departamentos da administração que intervieram, nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana, no procedimento de aprovação do projecto de arquitectura apresentado e na emissão da licença supre identificada, nunca, nos seus pareceres, questionaram a legitimidade da A Limited como proprietária do terreno, num a localização deste, identificando-o como aquele que está sombreado na planta anexa ao Ofício.
6. Pelo exposto, a Administração e essa Direcção sempre identificaram o terreno de que a A Limited é proprietária com aquele que vem identificado na planta, desconhecendo-se qual o motivo para essa Direcção vir agora alegar que o terreno não se encontra registado, que a sociedade não tem qualquer direito de propriedade sobre ele, que ali colocou tapumes e contentores sem ter licença para tal, devendo, em consequência, desocupá-lo e devolvê-lo.
7. Esta decisão apenas pode ter como base o Relatório do Comissariado contra a Corrupção e o Parecer do Ministério Público que alegam que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro, sem que indiquem qual.
8. Não obstante a base factual em que o relatório e o parecer assentam, bem como as respectivas conclusões, a verdade é que ambos os documentos carecem de força jurídica para, por si só, modificarem a realidade registra] e jurídica, isto é, que o terreno em causa é o terreno cuja propriedade pertence à A Limited.
9. Na verdade, é o próprio relatório do Comissariado contra a Corrupção que conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa,
10. o que o Governo nunca fez, nem o pode fazer administrativamente, através dessa Direcção de Serviço, com base num parecer do Ministério Público, que, legalmente, não tem tal efeito jurídico.
11. Assim, para todos os efeitos legais, atendendo aos elementos da descrição predial que constam do registo, até hoje, o terreno em causa é propriedade da A Limited, facto, repete-se, admitido por essa Direcção, o que se comprova pela emissão da licença de construção n.º 659/2012 e por outros procedimentos administrativos que aí correram em que se analisaram projectos de construção para esse mesmo terreno.
12. Nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
13. Sendo que o artigo 25.º do mesmo diploma estatui que as descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
14. Referindo o n.º 2 deste inciso legal que a apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior, bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
15. Por sua vez o artigo 71.º do diploma em causa estipula que a descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral e que de cada prédio é feita uma descrição distinta.
16. Ora, no caso, a descrição a que corresponde o terreno em causa e que tem o n.º 6150 é bem clara na identificação da localização do prédio e da sua área, não podendo a Administração, como base em suposições não demonstradas em sede própria, vir afirmar o contrário e retirar daí a conclusão que retira e que deu origem ao despacho em crise.
17. Para o fazer teria a Administração, como diz o Comissariado contra a Corrupção no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código de Registo Predial.
18. Não podendo, em consequência, por portas travessas, pôr em causa a verdade registral.
19. Por outro lacto, ao afirmar que o terreno não pertence à A Limited e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a mesma sociedade é, afinal proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação é contrária à Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º.
20. Pelo exposto, não pode a Administração afirmar que a A Limited não detém qualquer direito de propriedade sobre o terreno, que este não se encontra registado em nome da mesma sociedade e que esta não tem licença para o ocupar, declarando-o terreno disponível do Estado e, em consequência, ordenando que a sociedade o desocupe e devolva nos termos da Lei de Terras.
21. A A Limited é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registral, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de Terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.
22. Por outro lado, atenta a emissão de licença de obra já mencionada, a A Limited foi autorizada por essa Direcção a vedar o terreno de forma a iniciar os trabalhos de construção, razão pela qual não existe, qualquer motivo para o desocupar.
Termos em que, por não se verificam os pressupostos de facto e de direito para que seja ordenado o despejo, desocupação e devolução do terreno, deve o presente procedimento ser arquivado, com as devidas consequências legais, sugerindo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 94.º do CPA, a inquirição de testemunhas apresentadas por si."
8. Relativamente aos elementos em falta na notificação apontados pela ocupante, foi determinada a suspensão da contagem do prazo de audiência, por despacho do Director da DSSOPT, de 27 de Fevereiro de 2019, exarado na proposta n.º 1303/DURDEP/2019, de 21 de Fevereiro e foi autorizado o envio de nova notificação com os conteúdos anteriormente em falta, sendo o prazo de resposta de 10 dias a contar da data de a notificação.
9. Por sua vez, considerando que nos termos da inscrição predial n.º 229979C, a ocupante tinha constituído uma hipoteca sobre o terreno descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 6150 a favor do Banco H (Macau), S.A., impendia sobre esta Direcção de Serviços o dever de realizar a audiência prévia ao banco credor sobre o sentido provável da decisão em causa, de acordo com os artigos 93.º e 94.º do CPA.
10. Deste modo, a DSSOPT, através do ofício n.º 2865/DURDEP/2019, de 28 de Fevereiro, notificou o Banco H (Macau), S.A., para se pronunciar no prazo de 10 dias a contar da data da recepção da notificação, não tendo recebido, no entanto, a sua resposta dentro do prazo indicado.
11. Para além disso, através do ofício n.º 2866/DURDEP/2019, de 28 de Fevereiro, a DSSOPT remeteu as respectivas informações ao Senhor Dr. G, advogado da requerente.
12. Em 14 de Março de 2019, este mandatário apresentou à DSSOPT, uma vez mais, a audiência escrita, cujo texto se transcreve de seguida:
"1. Refere o Ofício que a Sociedade deve desocupar e devolver o terreno em causa ao Estado porque (1) não possui licença de ocupação temporária, (2) trata-se de terreno disponível do Estado uma vez que não existe qualquer registo de propriedade ou outro direito real sobre o mesmo, e (3) a Sociedade não tem contrato de concessão nem licença de ocupação temporária, pelo que o terreno está a ser ilegalmente ocupado, actuação que é punida, nos termos da lei de Terras, com multa.
2. Ora, diga-se, em primeiro lugar que a Sociedade, conforme certidão predial a que essa Direcção pode ter acesso por via informática, é, desde 6 de Maio de 2004, proprietária de um terreno com a área de 56592m2 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e dois metros quadrados), que confronta a Norte e Este com a Estrada do Campo, a Sul com a casa n.º 2 e a Oeste com o Beco da Porta, vide inscrição n.º 85096G confrontações estas registadas desde 1903.
3. Terreno este que sempre foi considerado como sendo aquele indicado a sombreado na planta emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro anexa ao Ofício, nunca tendo sido, até ao presente, posta em causa a identificação e titularidade do mesmo.
4. Na verdade, essa Direcção chegou a emitir as plantas de alinhamento e a dar parecer favorável a um projecto de arquitectura apresentado pela Sociedade, tendo também emitido a licença de obra n.º 659/2012, que possibilitou à Sociedade a instalação tapumes e contentores no terreno, cujo remoção agora se pretende ordenar.
5. De igual forma, os outros departamentos da administração que intervieram, nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana, no procedimento de aprovação do projecto de arquitectura apresentado e na emissão da licença supra identificada, nunca, nos seus pareceres, questionaram a legitimidade da Sociedade como proprietária do terreno, nem a localização deste, identificando-o como aquele que está sombreado na planta anexa ao Ofício.
6. Pelo exposto, a Administração e essa Direcção sempre identificaram o terreno de que o Sociedade é proprietária com aquele que vem identificado na planta.
7. A alegação de que o terreno não se encontra registado assenta, em primeiro lugar numa certidão do registo predial emitida com base numa planta cadastral cujas confrontações nada têm a ver com as confrontações originais do terreno em causa, razão pela qual a conservatória emitiu uma certidão negativa.
8. Tivesse-se solicitado uma certidão com base nas confrontações do registo e a resposta da conservatória seria totalmente distinta.
9. Por outro lado, importa frisar que a própria Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro emitiu anteriormente plantas cadastrais tendo por base as confrontações constantes do registo predial e, nessas plantas, identificou o terreno como sendo aquele que agora diz presumir-se omisso.
10. Acresce que, no início de 2018, a Sociedade requereu emissão de nova planta cadastral que até hoje não chegou a ser emitida, tendo a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro informado que o pedido estava a ser processado, pelo que muito se estranha a emissão da planta junta como anexo 4 ao Ofício em Outubro de 2018 e a não emissão daquela que a Sociedade requereu no início desse mesmo ano.
11. Assim, atendendo a que os anexos 3 e 4 enfermam de vício nos pressupostos de facto, uma vez que as confrontações são diferentes das que constam do registo, devem os mesmos ser desconsiderados,
12. não podendo, com base neles, afirmar-se que a Sociedade não tem qualquer direito de propriedade sobre o terreno e, em consequência, que ali colocou tapumes e contentores sem ter licença para tal, devendo, como tal, desocupá-lo e devolvê-lo,
13. Porque não foi pedida à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro uma planta com as confrontações constantes do registo?
14. Se, com base numa planta em que as confrontações não coincidem com as registadas, essa Direcção decide que o terreno não pertence à Sociedade, deveria, para sustentar melhor a sua tese, ter, pelo menos, simultaneamente, requerido uma planta com as confrontações correctas.
15. Em segundo lugar diz o Ofício que o "Parecer sobre o Terreno Envolvido no Projecto de Construção do Alto de Coloane" elaborado pelo Ministério Público entende que a Administração tem fundamentos de direito suficientes para ordenar a sua desocupação.
16. É verdade que o referido Parecer do Ministério Público alega que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro.
17. No entanto nunca indica de qual terreno se trata,
18. Não obstante a base factual em que o parecer assenta, bem como as respectivas conclusões, a verdade é que o documento carece de força jurídica para, por si só, modificar a realidade registral e jurídica, isto é. que o terreno em causa é o terreno cuja propriedade pertence à Sociedade.
19. Veja-se que o relatório do Comissariado contra a Corrupção elaborado relativamente ao mesmo terreno conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa.
20. Acontece que o Governo nunca o fez e não o pode fazer administrativamente, através dessa Direcção de Serviços, com base na homologação de um parecer do Ministério Público, que, legalmente, não tem tal efeito jurídico.
21. Para todos os efeitos legais, atendendo aos elementos da descrição predial que constam do registo, até hoje, o terreno em causa é propriedade da Sociedade, facto, repete-se, admitido por essa Direcção, o que comprova pela emissão da licença de construção n.º 659/2012 e por outros procedimentos administrativos que aí correram em que se analisaram projectos de construção para esse mesmo terreno.
22. Nos termos do artigo 7.º do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
23. Sendo que o artigo 25.º do mesmo diploma estatui que as descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
24. Referindo o n.º 2 deste inciso legal que a apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior; bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
25. Por sua vez o artigo 71.º do diploma em causa estipula que a descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral e que de cada prédio é feita uma descrição distinta.
26. Ora, no caso, a descrição a que corresponde o terreno em causa e que tem o n.º 6150 é bem clara na identificação da localização do prédio e da sua área, não podendo a Administração, como base em suposições não demonstradas em sede própria, vir afirmar o contrário e retirar daí a conclusão que retira e que deu origem ao despacho em crise.
27. Para o fazer teria a Administração, como diz o Comissariado contra a Corrupção no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código de Registo Predial.
28. Não podendo, em consequência, por portas travessas, pôr em causa a verdade registral.
29. Por outro lado, ao afirmar que o terreno não pertence à Sociedade e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a Sociedade é, afinal, proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à Sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação viola a Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º.
30. Pelo exposto, não pode a Administração afirmar que a Sociedade não detém qualquer direito de propriedade sobre o terreno, que este não se encontra registado em nome da Sociedade e que esta não tem licença para o ocupar, declarando-o terreno disponível do Estado e, em consequência, ordenando que a Sociedade o desocupe e devolva nos termos da Lei de Terras.
31. A Sociedade é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registral, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de Terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.
32. Por outro lado, atenta a emissão de licença de obra já mencionada, a Sociedade foi autorizada por essa Direcção a vedar o terreno de forma a iniciar os trabalhos de construção, razão pela qual não existe, qualquer motivo para o desocupar.
Uma vez que não se verificam os pressupostos de facto e de direito para que sejam ordenadas a desocupação e devolução do terreno, a requerente considera que o respectivo procedimento deve ser suspenso, sugerindo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 94.º do CPA, a inquirição de testemunhas apresentadas por si."
III. Análise
13. A requerente começa por alegar nos pontos 4 e 5 da sua resposta, que a Administração emitiu a planta de alinhamento oficial e deu parecer favorável ao projecto de arquitectura por si apresentado e emitiu a licença de obra n.º 659/2012, o que permitiu à ocupante a instalação de tapumes e contentores no terreno, cuja remoção agora se pretende ordenar. E que, durante o procedimento de licenciamento (aprovação do projecto de arquitectura e a emissão da licença supra-identificada), nunca a Administração, nos seus pareceres, questionou a sua legitimidade como proprietária do terreno, nem a localização deste.
14. Quanto ao argumento de que esta Direcção chegou a emitir plantas de alinhamento e a dar parecer favorável ao projecto de arquitectura, dir-se-á que apesar de a DSSOPT ter efectivamente emitido a PAO n.º 96A082, esta não confere qualquer direito real sobre o terreno dela objecto, nem tal emissão põe em causa a conclusão a que entretanto se chegou que o terreno onde se pretende implantar o projecto de construção cujo licenciamento se requereu não é o terreno em questão no presente processo.
Por outro lado, o parecer favorável aos projectos de arquitectura e de alteração de arquitectura, constante do despacho do Subdirector da DSSOPT, Substituto, de 29 de Outubro de 2015, foi emitido no pressuposto, conforme a planta cadastral, de que o referido terreno se situava naquele local e, portanto, que o dono da obra era titular do mesmo, pelo que detinha legitimidade para executar a obra.
15. Ora, uma vez que, posteriormente, se chegou à conclusão que afinal o terreno em causa não se encontra situado naquele local, mas noutro, e que se trata de um terreno do Estado, há que desencadear os procedimentos legais necessários para se repor a legalidade e reaver a posse do dito terreno
16. Nesta conformidade, verificando-se na pendência do procedimento de licenciamento que o terreno identificado na planta cadastral emitida pela DSCC, bem como na PAO emitida pela DSSOPT para o respectivo projecto de construção é propriedade do Estado e que sobre ele o requerente, dono da obra, não dispõe de qualquer direito que lhe confira poderes de construção e transformação, não restava à DSSOPT outra opção que não a de declarar, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo, a extinção do procedimento de licenciamento por o objecto da decisão se revelar impossível e inútil (falta de legitimidade da parte no procedimento), bem como de iniciar o presente procedimento de desocupação do terreno em apreço.
17. No ponto 11 e ss da resposta a ocupante alega que os anexos 3 e 4 do ofício de Outubro de 2018 padecem de vício nos pressupostos de facto, uma vez que as confrontações são diferentes das que constam do registo, considerando que devem os mesmos ser desconsiderados.
18. Os referidos documentos (anexos 3 e 4) são certidões emitidas pela CRP, em 8 de Novembro de 2018, que comprovam que o terreno em apreço se encontra assinalado na planta cadastral n.º 71210005 (Proc. n.º 3854/1992), emitida pela DSCC em 16 de Outubro de 2018, e que não existe qualquer registo de direito de propriedade ou outro direito real, designadamente domínio útil ou direito resultante de concessão por arrendamento a favor de particular (pessoa singular ou pessoa colectiva). Deste modo, de acordo com as disposições do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM e do artigo 8.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o mesmo é propriedade do Estado considerando-se terreno disponível.
19. De facto, de acordo com a planta cadastral acima referida, as confrontações e pontos coordenados do terreno em apreço estão claramente definidos e consta indicação especifica que o mesmo se presume omisso na CRP, pelo que não colhem os argumentos invocados pela ocupante, uma vez que os factos constantes dos documentos referidos como anexos 3 e 4 encontram-se devidamente comprovados.
20. Nos pontos 16 e 21 da resposta, a ocupante alega que o parecer do Ministério Público que demonstra que o terreno registado sob o n.º 6150 não é o terreno em causa no presente processo, mas outro, não indicando, no entanto, qual é este outro terreno, carece de força jurídica.
21. Invocando que "é o próprio relatório do CCAC que conclui sugerindo que o Governo da RAEM recorra aos devidos procedimentos e vias legais para reaver o terreno em causa".
22. Conforme referido supra, estes documentos deram origem ao despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro que veio concordar com o parecer do MP e determinar que o STOP desse início aos procedimentos referidos nos pontos 6.3 e 6.4 do parecer.
23. Nestes termos, no cumprimento do despacho do STOP, a DSSOPT elaborou a informação n.º 113/DJUDEP/2018, de 8 de Novembro, que contém a análise, os pareceres e os factos invocados pelos CCAC e MP, assim como, o ofício da DSCC n.º 1701/CADV/02.01.l07/3854/2018, de 29 de Outubro, o qual comprova que os limites definidos na planta cadastral n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018, pela DSCC correspondem aos da planta cadastral publicada e convertida em definitiva através do Despacho n.º 10/SATOP/98. Além disso, informou ainda que a CRP presume que o terreno objecto do presente caso não se encontra registado (Anexo 1).
24. Tendo, por outro lado, a DSCC através do ofício n.º 1715/CADV/02.01.107/3854/2018, de 30 de Outubro, comprovado que a planta cadastral oficial n.º 3854/1992 tinha sido emitida ao abrigo da alínea b) do n.º 6 do artigo 19.º e do n.º 2 do artigo 32.º do RGCU, aprovado pelo Decreto-lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto. E conforme o n.º 3 do artigo 32.º a planta cadastral oficial tem um prazo de validade de 12 meses (Anexo 2).
25. Relativamente ao invocado no ponto 23 supra quanto à sugestão do CCAC, note-se que no ponto 22 da informação n.º 113/DJUDEP/2018, elaborada pela DSSOPT em 8 de Novembro, conclui-se que "De acordo com o artigo 7.º da Lei Básica da RAEM, o terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane é propriedade do Estado. Nestes termos, propõe-se superiormente que seja aberto um processo relativo à ocupação ilegal de terreno do Estado, no sentido de dar início à sua desocupação.".
26. Tendo a proposta acima mencionada merecido a concordância do STOP, por despacho de 29 de Novembro de 2018, exarado naquela informação n.º 113/DJUDEP/2018, na sequência do que a DSSOPT deu início ao presente procedimento de recuperação do terreno em epígrafe (processo n.º 23/DC/2018/F).
27. Relativamente às alegações dos (pontos 22 a 27) sobre os artigos 7.º, 25.º e 71.º do Código de Registo Predial tal como consta do parecer do MP, a localização do terreno para o projecto de construção do Alto de Coloane não corresponde à do terreno descrito sob o n.º 6150, conforme passamos a explicar.
Primeiro, o lado oeste e o lado sul do terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane confinam com a Estrada do Campo, no entanto, o lado norte e o lado leste do terreno sob a descrição n.º 6150 confrontam com a Estrada do Campo, sendo totalmente opostos, ou seja, os dois terrenos situam-se nos dois lados da Estrada do Campo e não se sobrepõem um ao outro.
Em segundo lugar, de acordo com as informações da CRP, o lado oeste do terreno descrito sob o n.º 6150 confina com o Beco da Porta. Apesar de não se terem encontrado informações cadastrais relativas ao Beco da Porta, tendo em conta que o terreno descrito sob o n.º 6150 confronta do lado oeste com o Beco da Porta, o mesmo terreno deve situar-se na Estrada do Campo, perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças de Segurança de Macau, julgando-se que não é possível que se trate do mesmo terreno mas de um outro terreno situado no extremo norte da Estrada do Campo (cfr. ponto 1 do parecer do MP).
28. Ademais, o artigo 7.º do Código do Registo Predial estipula: "O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define." Sendo assim, quer o impresso de "Contribuição Predial" passado pela DSF, quer a planta cadastral emitida pela DSCC nos termos do RGCU, quer a planta de alinhamento oficial emitida pela DSSOPT para o respectivo projecto não constituem prova legal do facto registado.
29. Deste modo, o terreno descrito na CRP sob o n.º 6150 e o terreno onde seria implementado projecto de construção do Alto de Coloane são dois terrenos completamente diferentes, que não se sobrepõem um ao outro, pelo que mesmo que o proprietário do terreno descrito sob o n.º 6150 tenha obtido os documentos comprovativos emitidos pela Administração respeitantes ao terreno para execução do projecto de construção do Alto de Coloane, tais como o impresso relativo ao pagamento da contribuição predial, a planta cadastral emitida nos termos do RGCU e a planta de alinhamento oficial, esses documentos não configuram título de aquisição formal da propriedade ou de outro direito real sobre o terreno do empreendimento do Alto de Coloane (cfr. ponto 2 do parecer do MP).
30. Por sua vez, o ponto 27 da resposta refere que "Para o fazer teria a Administração, como diz o CCAC no aludido relatório, que iniciar os procedimentos legais necessários para anular a inscrição de propriedade do imóvel ou alterar a descrição predial em causa, nomeadamente através da competente acção judicial nos termos prescritos no Código do Registo Predial.".
31. É de sublinhar que o CCAC não afirma o que a ocupante pretende fazer crer. O que o CCAC diz é que o actual lote de terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane faz parte dos terrenos do Estado na RAEM, pelo que o Governo da RAEM deve, com recurso aos devidos procedimentos e vias legais, proceder em conformidade com vista a reaver o terreno em causa, que é precisamente o que a Administração está a fazer com o presente procedimento de desocupação do terreno em causa.
32. Não se acolhe o alegado pela ocupante no ponto 29 da resposta "...ao afirmar que o terreno não pertence à Sociedade e que deve ser declarado terreno do Estado, sem indicar qual o terreno de que a Sociedade é, afinal, proprietária, está a Administração a praticar um acto com os efeitos de uma expropriação sem que seja dada à Sociedade qualquer compensação, pelo que esta actuação viola a Lei Básica, nomeadamente ao seu artigo 103.º." , porquanto não se põe em causa que a ocupante seja proprietária de um terreno, a questão que aqui se coloca é que o terreno propriedade da ocupante não é o terreno objecto do projecto de licenciamento no Alto de Coloane, pelo que vir invocar efeitos de uma expropriação e eventuais compensações indemnizatórias não faz qualquer sentido.
33. Também não colhe o alegado pela ocupante no ponto 31 da resposta, de que "A sociedade é, para todos os efeitos legais, e atenta a realidade registrai, proprietária, e não concessionária, do terreno em causa, pelo que a Lei de terras e o procedimento de despejo não se podem aplicar ao caso em concreto.".
34. Pois que ficando plenamente demonstrado que o terreno em apreço não se encontra registado, não oferece dúvidas que a Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) se aplica ao presente caso, designadamente o previsto no seu artigo 208.º: "1. Compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação do terreno do domínio público ou do domínio privado ilegalmente ocupado, fixando um prazo para o efeito. 2. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que o terreno tenha sido desocupado, a DSSOPT pode executar a desocupação ao abrigo do disposto no Código do Procedimento Administrativo.".
Neste contexto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 208.º da Lei de terras, pode e deve o Chefe do Executivo determinar a desocupação do terreno em apreço e fixar um prazo para o efeito.
35. Por último, a ocupante propôs a inquirição de duas testemunhas nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 94.º do Código do Procedimento Administrativo. Considerando que a ocupante já apresentou as suas alegações na audiência escrita e que para o caso vertente é irrelevante a prova testemunhal já que a questão factual está plenamente demonstrada," entendemos que não há necessidade de realizar a inquirição de testemunhas.
IV. Conclusão
36. O terreno descrito na CRP sob o n.º 6150 e o terreno objecto do projecto de construção do Alto de Coloane, são dois terrenos distintos que não se sobrepõem um ao outro.
37. Ora, uma vez que em relação ao terreno em apreço não existe qualquer registo de direito de propriedade ou de outro direito real a favor de particular, designadamente direito resultante de concessão por aforamento (domínio útil) ou por arrendamento, nem foi emitida qualquer licença de ocupação temporária, de acordo com as disposições do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM e do artigo 8.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o mesmo integra o domínio do Estado, devendo a ocupante proceder à desocupação e entrega do terreno ao Governo da RAEM.
38. Visto que os argumentos trazidos pela ocupante em sede de audiência prévia não contribuíram para uma alteração do projecto de decisão, deve ser mantido o sentido da decisão de ordenar ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 208.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) a desocupação do terreno, no prazo para o efeito fixado e com a cominação que, caso a ocupante não cumpra esta ordem, a DSSOPT procederá à sua execução a expensas da ocupante, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo. (cfr. n.º 2 do mesmo artigo 208º da Lei de terras).
A consideração superior.
…”.
14. Em 10/05/2019, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu, na informação n.º 47/DJUDEP/2019, o seguinte despacho: “Concordo”.
15. Pela Ordem Executiva n.º 113/2014, o Chefe do Executivo delegou no STOP as competências executivas em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
16. A Ordem Executiva nº 113/2014, de 20/12/2014, foi publicada no B.O. de 20/12/2014, I Série, Número Extraordinário.
17. Em consequência da solicitação oficiosa do Relator dos presentes autos, a DSCC informou o seguinte (fls. 260 dos autos):
“…
1. As plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta cadastral RGCU n.º 3854/1992 (anexos 1 a 3), foram emitidas nos termos dos artigos 19.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana», tratando-se de plantas cadastrais oficiais na escala 1/1000, adiante designadas por "plantas cadastrais RGCU". Nos termos do «Regulamento Geral da Construção Urbana», as plantas cadastrais RGCU só servem para pedidos de aprovação de projectos e têm um prazo de validade de 12 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do Regulamento. As plantas cadastrais RGCU em causa foram emitidas com base na primeira planta cadastral RGCU emitida em 14 de Outubro de 1994 (anexo 4).
2. Por despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, exarado no "Parecer sobre o terreno relacionado com o projecto de construção do Alto de Coloane" do Ministério Público, a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de acordo com o referido despacho, apresentou a Informação n.º 33/DIR/2018, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 5). Ao abrigo do artigo 18.º do Decreto-Lei nº 3/94/M, a DSCC rectificou oficiosamente as respectivas informações cadastrais, retirando a descrição predial n.º 6150 constante no n.º de cadastro 1210.005, rectificando a situação jurídica do terreno como terreno do Estado, cujos elementos de identificação física não sofreram alterações, correspondendo aos elementos de identificação física constantes na planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho n.º 10/SATOP/98.
3. Pelo ofício da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), de 11 de Outubro de 2018 (anexo 6), para a resolução de um caso de ocupação ilegal, foi solicitada à DSCC a emissão de uma planta cadastral de um terreno junto à Estrada do Campo, em Coloane. Os elementos de confrontações, localização e identificação física do terreno referido no respectivo ofício correspondem à da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. As informações nela constantes já tinham sido actualizadas de acordo com a supracitada Informação n.º 33/DIR/2018; assim, a planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018 (anexo 7), foi emitida com base nos elementos de identificação física e informações cadastrais actualizadas da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. Os elementos de identificação física do terreno constantes na planta, correspondem tanto: às das plantas cadastrais RGCU n.º 3854/1992 emitidas anteriormente, à planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005 elaborada nos. termos do Decreto-Lei n.º 3/94/M, assim como, ao do processo de cadastro, não tendo sido alterados.
4. Pelo ofício de 19 de Outubro de 2018 (anexo 8), a DSSOPT solicitou à DSCC, que informasse sobre planta cadastral RGCU n.º 3854/1992. Em resposta, a DSCC remeteu em 29 de Outubro de 2018, uma cópia da planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 9)…”.
18. A supra informação foi notificada às partes por cartas registadas datadas de 20/08/2020.
19. Em 07/09/2020, a Recorrente pronunciou-se sobre a informação da DSCC nos termos constantes a fls. 297 a 301 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
20. O relatório do CCAC supra referido tem o seguinte teor:
“Relatório de investigação sobre o projecto de
construção do Alto de Coloane
Introdução
1. Em Março de 2012, órgãos de comunicação social referiram que o lote do terreno sito no Alto de Coloane, próximo da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, tinha já uma planta de alinhamento oficial (adiante designada por planta de alinhamento) emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (adiante designada por DSSOPT), no qual se iriam construir edifícios destinados a habitação e comércio com altura até 100 metros. Devido ao facto de aquele projecto de construção se situar em Coloane, e o seu desenvolvimento envolver a escavação de colinas numa grande área, o público mostrou-se alerta e levantou preocupações face à eventual destruição do ambiente ecológico.
2. Em 8 de Março de 2013, quando foi entrevistado por órgãos de comunicação social, o promotor do referido projecto referiu que o lote do terreno era propriedade privada, tendo sido adquirido por leilão em Hong Kong há alguns anos atrás. Entretanto, já submetera o projecto de construção de acordo com a planta de alinhamento emitida anteriormente pelo Governo. Além disso, referiu também que o desenvolvimento do projecto provocaria certamente danos no ambiente, mas o promotor tentaria cortar as colinas o menos possível, protegeria a casamata do lote, e tomaria medidas suficientes relativamente à necessidade de protecção ambiental, de acordo com as exigências do Governo.
3. Em Junho de 2013, o director da DSSOPT referiu aos órgãos de comunicação social que o promotor do projecto tinha submetido o projecto de construção de acordo com a planta de alinhamento, e que a DSSOPT tinha solicitado aos serviços respectivos a emissão de pareceres relativamente àquele projecto. Referiu também que aquele serviço tinha vindo a receber vários pareceres, mas naquela fase, não se encontravam reunidas as condições necessárias para a realização de uma apreciação final, sendo que o promotor do projecto deveria ainda apresentar informações relativamente ao trânsito, à protecção ambiental e à casamata do terreno.
4. Em 3 de Março de 2016, a DSSOPT referiu, através de nota de imprensa, que apesar de ter sido emitido recentemente um parecer favorável relativamente ao anteprojecto do projecto a ser construído, ainda assim o titular daquele terreno ainda não submetera o projecto de construção e os respectivos projectos de especialidade, pelo que não estavam reunidas ainda as condições necessárias para que fosse, em breve, dado início à execução da obra.
5. Em 8 de Março de 2016, a Associação Novo Macau entregou ao Comissariado contra a Corrupção (adiante designado por CCAC) uma carta, solicitando uma investigação para apuramento da existência, ou não, de irregularidades administrativas ou “transferência de interesses” durante o procedimento de autorização daquele projecto por parte dos serviços de obras públicas.
6. Em 6 de Agosto de 2016, o CCAC recebeu uma queixa apresentada pela Associação I, na qual se referia que, durante a elaboração da planta de alinhamento daquele lote, a DSSOPT tinha determinado como altura máxima para os edifícios a construir, uma cota altimétrica de 100 metros, o que poderia violar as instruções originais e as práticas habituais daquele serviço, pelo que solicitava uma investigação relativamente à legalidade do respectivo procedimento.
7. Pelo exposto, o Comissário contra a Corrupção determinou, ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 10/2000 (Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau) (adiante designada por Lei Orgânica do CCAC), por despacho, a instauração de um inquérito, relativamente a este caso, a ser realizado pela Direcção dos Serviços de Provedoria de Justiça, focando a análise na veracidade da localização, na área e na propriedade do lote do terreno daquele projecto, bem como na legalidade e na razoabilidade dos procedimentos de autorização do respectivo projecto.
Parte I: O projecto de construção do Alto de Coloane
Em conformidade com a Lei Orgânica do CCAC, o grupo de trabalho do CCAC, responsável pelo inquérito, tomou uma série de medidas de investigação, nomeadamente solicitando informações junto dos serviços públicos e dos tribunais, consultando o arquivo histórico e os processos de autorização, ouvindo algum do pessoal envolvido, e elaborando os respectivos autos, tendo ainda efectuado vistorias ao próprio local.
Para facilitar a análise e compreensão do desenvolvimento daquele projecto de construção e dos respectivos lotes, serão especificadas seguidamente as questões relacionadas com a mudança do direito de propriedade do lote onde se situa aquele projecto, bem como com a demarcação do terreno e os procedimentos de autorização do mesmo.
1) Antecedentes relativos à mudança do direito de propriedade do lote e à demarcação do terreno
1. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, o projecto de construção do Alto de Coloane situa-se na Estrada do Campo de Coloane, com o número da descricão predial (adiante designado por n.º de descrição) 6150 e a área de 56.592 m2, sendo o terreno propriedade privada, e tendo como titular actual a A Limited (adiante designada por “Sociedade A”).
2. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, em 1903, J vendeu a D1, um terreno sito na Estrada do Campo de Coloane e três habitações sitas na Rua dos Negociantes, por um valor total de 1.100 patacas. Em 19 de Dezembro de 1903, D1 procedeu aos respectivos registos junto da Conservatória do Registo Predial, passando o n.º de descrição, daquele terreno sito na Estrada do Campo, a ser 6150.
3. O direito de propriedade e o respectivo registo relativamente àquele terreno não se alteraram desde o ano de 1903. Até que em Julho de 1991, os residentes de Coloane, B e C, instauraram junto do Tribunal um processo de habilitação de herdeiros, requerendo a sucessão daquele terreno. Em Abril de 1992, o Tribunal declarou que B e C adquiriram o direito de propriedade do terreno a título sucessório.
4. Em Outubro de 1992 e Setembro de 1993, B apresentou, duas vezes, um pedido à então Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), solicitando a demarcação do terreno, alegando que o terreno situava-se no Alto de Coloane, numa zona próxima da Estrada do Campo, da Estrada de Seac Pai Van e da Estrada do Alto. No entanto, foi recusado, pela DSCC, o respectivo pedido da emissão da planta cadastral, tendo em conta a falta de quaisquer dados comprovativos e a desconformidade manifesta da localização do lote de terreno face ao que constava no registo predial.
5. Em Outubro de 1993, B e C venderam à Sociedade de Investimento Predial e Comercial E, Limitada (adiante designada por Sociedade E) o terreno por um valor de 150 milhões de patacas. Todavia, tendo em conta que a localização, os limites, bem como a área do terreno ainda não tinham sido confirmados pela Administração Pública, foi estipulado no contrato de compra e venda que o comprador iria pagar o preço só após a emissão da respectiva planta cadastral por parte da DSCC.
6. Em Agosto de 1994, a Sociedade E apresentou novamente um pedido à DSCC, solicitando a demarcação do terreno. Para além do contrato de compra e venda do terreno, os documentos apresentados incluíam a certidão de registo predial com averbamento referente à área do terreno e uma certidão de transcrição do impresso (M/10), emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da Direcção dos Serviços de Finanças (adiante designada por DSF).
7. Em Outubro de 1994, a DSCC considerou que os documentos apresentados pela parte interessada serviam para comprovar a área e a localização do terreno, e que as dúvidas existentes anteriormente já tinham sido eliminadas, pelo que a DSCC definiu os limites e a área do terreno, emitindo assim a respectiva planta cadastral à Sociedade E.
8. Em Maio de 2004, a Sociedade E e a Sociedade A assinaram em Macau a escritura de compra e venda e o terreno foi vendido à Sociedade A pelo valor de 88 milhões de dólares de Hong Kong, tendo também esta última procedido ao registo predial da compra do terreno. Por isso, o proprietário actual do terreno é a Sociedade A.
9. Decorreu mais de uma dezena de anos desde 1992, o ano em que B e C adquiriram a propriedade do terreno a título sucessório, até 2004, o ano em que a Sociedade A comprou o terreno. Entretanto, surgiram várias acções judiciais relacionadas com o terreno. No entanto, os registos relativos às acções foram sucessivamente cancelados posteriormente no registo predial, tendo em conta, nomeadamente, o termo do seu prazo e a desistência da instância por parte do autor.
2) Antecedentes relativos ao plano de aproveitamento do lote do terreno e à aprovação do projecto
1. Em Junho de 1999, a Sociedade E requereu, junto da DSSOPT, a emissão da planta de alinhamento do terreno sob a descrição n.º 6150. Na apreciação do dito pedido, os serviços de obras públicas referiram que o lote do terreno em causa integrava o “Plano de ordenamento de Coloane”, pelo que a autorização do mesmo estariam condicionadas à sua conformidade com o aludido plano.
2. Em Agosto de 1999, os serviços de obras públicas emitiram uma planta de alinhamento, nos termos da qual se fixou a altura máxima permitida para a construção de edifícios em 20,5 metros (cota altimétrica de 33,4 metros), e se definiu que o terreno, com a área de 20.000 m2, localizado perto da zona da Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar, seria classificado como zona de proibição de construção, solicitando que fosse cedida uma parcela desse terreno ao Governo para construção de estradas por parte do proprietário.
3. Em Março de 2009, a Sociedade A apresentou um pedido à DSSOPT, no qual solicitava a emissão de nova planta de alinhamento, submetendo também o programa preliminar do estudo de desenvolvimento do terreno em causa. De acordo com o referido programa, a Sociedade A tencionava construir 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e 9 blocos de edifícios destinados a habitação com 115 metros de altura (37 pisos).
4. Em Dezembro de 2009, a DSSOPT emitiu a planta de alinhamento do terreno, fixando o índice de utilização do solo (IUS) do lote do terreno em 5 e, em simultâneo, o lote do terreno em causa foi dividido em três partes: para a parte próxima da Estrada de Seac Pai Van, a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 80 metros; para a parte próxima da Estrada do Campo, a altura máxima permitida foi fixada em 8,9 metros; para a parte próxima da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, a altura máxima permitida foi fixada em 9 metros.
5. Em Junho de 2010, a Sociedade A solicitou novamente à DSSOPT a emissão de nova planta de alinhamento referente ao terreno em causa. Nesse pedido, a Sociedade A solicitou que se aligeirassem as exigências das condicionantes urbanísticas, autorizando, por exemplo, que a altura máxima permitida para a construção de edifícios fosse fixada na cota altimétrica de 198 metros (63 pisos) em vez de 80 metros e que o índice de utilização do solo (IUS), fixado no valor de 5, fosse substituído pelo índice líquido de utilização do solo (ILUS) de 9.
6. Em Abril de 2011, a DSSOPT emitiu uma nova planta de alinhamento, nos termos da qual: o índice líquido de utilização do solo (ILUS) máximo permitido foi fixado em 8; a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros; a distância entre cada torre não podia ser inferior a 1/6 da altura das torres; determinando-se ainda a necessidade de, aquando da apresentação do anteprojecto da obra de construção, se submeter os relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego e a paisagem arquitectónica aos respectivos serviços para efeitos de autorização.
7. Em Janeiro de 2012, a Sociedade A solicitou novamente à DSSOPT a emissão de nova planta de alinhamento. Na sequência desse pedido, a DSSOPT emitiu uma planta de alinhamento em 2 de Março de 2012, com o mesmo teor da planta de alinhamento emitida em Abril de 2011 por entender não existir nenhuma alteração relativamente às condicionantes urbanísticas daquele terreno.
8. Em Fevereiro de 2013, a Sociedade A apresentou, junto da DSSOPT, o anteprojecto da obra de construção, segundo o qual, o projecto abrangia uma área de 48.868 m2, a área bruta de construção global era de 668.741 m2, e previa a construção de 13 torres com um máximo de 33 pisos, tendo aquela sociedade anexado os relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego e a paisagem arquitectónica elaborados pela Consultadoria de Avaliação de Impacto Ambiental Macau Limitada.
9. A DSSOPT remeteu o mencionado anteprojecto da obra de construção e os relatórios de avaliação aos serviços competentes, a saber, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), o Instituto Cultural, entre outros, para efeitos de recolha de pareceres. Os respectivos serviços competentes emitiram um conjunto de propostas de alteração ao projecto tendo em conta, nomeadamente, o impacto que este último tinha sobre a paisagem, os espaços verdes e o tráfego, tendo ainda o Instituto Cultural solicitado que a casamata localizada na zona abrangida pelo projecto fosse preservada.
10. Em Janeiro de 2014, a Sociedade A apresentou, junto da DSSOPT, um anteprojecto de revisão da obra de construção e relatórios de avaliação sobre o ambiente, o tráfego, o fluxo de ar, entre outros, emitidos pela “AECOM Macau Companhia Limitada”. Ficou decidido também não construir edifícios na zona onde se encontra a casamata e diminuir o número total de torres do projecto de 13 para 12.
11. Em Outubro de 2015, após o reconhecimento dos relatórios da avaliação do impacto ambiental e da paisagem por parte dos respectivos serviços públicos, a DSSOPT emitiu parecer favorável sobre o anteprojecto da obra de construção revisto e sobre os relatórios de avaliação. Entre Abril e Junho de 2016, a Sociedade A solicitou a aprovação do projecto da obra de construção e de um conjunto de projectos especializados em matéria de fundações, de abastecimento e drenagem de águas, de abastecimento de electricidade, entre outros. No entanto, como não obteve ainda a autorização por parte da DSSOPT, ainda não iniciou a execução do referido projecto.
Parte II: Dúvidas existentes no procedimento
da aquisição da propriedade do terreno
Durante a investigação, o CCAC deparou-se com muitas dúvidas no procedimento de transição, ocorrido na década de 90 do século passado por via sucessória, da propriedade do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane a favor de B e C, de entre as quais não se exclui a possibilidade de alguém ter aproveitado o procedimento judicial para, fingindo tratar-se de descendentes do proprietário do terreno, adquirir, de forma ilegal, o respectivo terreno. Resumem-se seguidamente as diversas dúvidas encontradas na investigação:
1. De acordo com as informações da Conservatória do Registo Predial, o n.º de descrição do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane é 6150, e o proprietário daquele terreno, de acordo com o primeiro registo predial datado de 1903, registou-se como sendo D1. Desde então, o registo predial, nomeadamente o direito de propriedade daquele terreno não se alterou durante quase 90 anos.
2. Em Julho de 1991, B e C instauraram, recorrendo ao seu advogado F, junto do Tribunal, um processo de habilitação de herdeiros, solicitando o reconhecimento de que D (aliás D1), seria avô deles e que eles poderiam adquirir o terreno sob o n.º de descrição 6150 a título de herdeiros.
3. Na petição inicial apresentada ao Tribunal, referia-se que B e C alegavam que o avô deles, D, também se chamava D1, que o mesmo e a avó deles morreram pouco depois da Segunda Guerra Mundial, que o pai deles, K, seria único filho do avô, e que os pais deles morreram há 40 anos, pelo que eles eram os únicos herdeiros.
4. Na relação de bens sobre sucessões apresentada ao Tribunal, mostrava-se que B e C tinham solicitado a sucessão do terreno, sob o n.º de descrição 6150, registado em nome de D1, declarando que o terreno se situava na Estrada do Campo e que custava 57.000 patacas, bem como apresentaram a certidão de registo predial, da altura, daquele terreno.
5. Em Outubro de 1991, o advogado de B e C apresentou ao Tribunal um anúncio sobre o processo de habilitação de herdeiros que tinha sido publicado em jornais de língua chinesa e portuguesa nos termos da legislação processual, no qual se comunicava que qualquer pessoa indeterminada poderia arrogar os seus direitos dentro do prazo legal.
6. Em 2 de Abril de 1992, o Tribunal iniciou o julgamento sobre o caso. Depois de ter ouvido os depoimentos de L e de M, testemunhas indicadas por B e C, o juíz proferiu sentença, reconhecendo o facto registado na petição inicial e declarou que B e C seriam únicos herdeiros de D, aliás D1.
7. Em 7 de Dezembro de 1992, B e C solicitaram, recorrendo à sentença judicial transitada em julgado, junto da Conservatória do Registo Predial a transmissão do terreno sob o n.º de descrição 6150 a seu favor. A partir daquela data, B e C adquiriram, oficialmente e por via sucessória, o direito de propriedade do terreno que originalmente pertencia a D1.
8. O CCAC descobriu na investigação que, apesar de o processo de habilitação de herdeiros referido ter corrido nos termos do Código de Processo Civil, ainda assim, encontram-se no caso situações de falta de fundamento na apreciação de factos, sendo difícil excluir a possibilidade de ter havido quem tivesse aproveitado os procedimentos judiciais para adquirir o terreno.
9. A finalidade da acção instaurada por B e C era a aquisição do direito de propriedade do terreno sob o n.º de descrição 6150 por via sucessória. Com esse propósito, alegaram, na petição inicial, que D, o avô deles, tinha, também, outro nome, D1, esperando que o Tribunal reconhecesse que eles eram os únicos herdeiros legais de D1.
10. No entanto, na acção em causa, B e C não apresentaram ao Tribunal quaisquer documentos que fizessem prova de que D tinha também o nome de D1. As duas testemunhas referiram que conheciam os pais do B e C, mas não conheciam o avô deles, sendo que nunca foi provado que D e D1 eram uma e a mesma pessoa.
11. Nos registos de nascimento requeridos por B e C em 1958 e 1977, respectivamente, D2 é identificado expressamente como avô dos mesmos, não existindo, no entanto, qualquer registo no sentido de que o mesmo tivesse, a título alternativo, o nome D1. Tal registo também não foi encontrado em quaisquer outros documentos.
12. O CCAC, através da consulta da escritura pública e da “escritura de papel de seda ou «sá-chi-kai»” primitivas, confirmou que o nome em chinês do D2 é “D”, e o nome em chinês do D1 é “D1”. A alegação de B e C no sentido de que o seu avô tem como nome “D aliás D1” é desprovida de qualquer meio comprovativo, aliás, tal facto de uma pessoa com apelido “XX” ter simultaneamente o apelido “YY” não c
13. Ainda que o avô de B e C tivesse como nome alternativo “D1”, o nome em chinês pode não corresponder necessariamente aos caracteres chineses “D1”, nem necessariamente à pessoa que figura como proprietário no registo predial do terreno em causa. Mais, o nome do proprietário constante do registo predial do dito terreno é D1, enquanto que o nome alternativo do avô, alegado por B e C, é D1, existindo aqui uma diferença entre “XX” e “YY”, não havendo, no entanto, nenhuma justificação para tal facto.
14. Em Maio de 1995, “N”, a mulher de B, intentou uma acção judicial junto do Tribunal solicitando a declaração de nulidade das transacções relacionadas com o terreno descrito sob o n.º 6150, tendo como fundamento que B tinha declarado “O” como seu cônjuge no processo de habilitação de herdeiros, quando, de acordo com os dados do registo de casamento, seu cônjuge é antes “N” e esta não tinha dado qualquer consentimento relativamente à transacção em questão.
15. Na petição inicial apresentada no Tribunal, B e C alegaram que D seria o seu avô e P seria a sua avó, no entanto, de acordo com o registo de nascimento de B, o avô seria D2 e aavó seria antes Q, sendo que foi confirmado na sentença do Tribunal que a avó dos dois era
16. Em relação a estas dúvidas sobre a identidade, as mesmas podem ser demonstra das através da consulta dos registos de nascimento e de casamento dos interessados, no entanto, os interessados não apresentaram as respectivas certidões de registo civil no decorrer do referido processo judicial, indiciando a violação da previsão legal constante do “Código do Registo Civil” nos termos da qual um facto relativo ao estado civil só pode ter por fundamento o registo civil, não podendo ser ilidido por recurso a qualquer outra prova.
17. E foi desta forma que B e C, através do processo de habilitação de herdeiros, adquiriram o direito de propriedade do terreno descrito sob o n.º 6150, originalmentepertencentea D1. Embora B e C tenham falecido, respectivamente, em 1995 e 1999, o terreno em causa foi vendido pelos mesmos à Sociedade E em Outubro de 1993, pelo valor de cento e cinquenta milhões de patacas.
Parte III: Dúvidas existentes no âmbito da
localização e da área do terreno
Durante a investigação, o CCAC descobriu que a localização do terreno sob a descrição n.º 6150 não se situa no Alto de Coloane, e a sua área também não é de 56.592 m2. No procedimento da demarcação do terreno e da emissão da planta cadastral, existiam erros notórios, até mesmo situações fraudulentas. Seguem-se, resumidamente o respectivo desenvolvimento e as dúvidas detectadas:
1) Dois pedidos para a emissão da planta cadastral foram recusados
1. O primeiro registo do terreno sob a descrição n.º 6150, efectuado em 1903, não mencionava a área e o número policial do referido terreno, mas do mesmo constava a localização (confrontações) do terreno: o lado norte e o lado leste é a Estrada do Campo, o lado sul é Casa n.º 2, e o lado oeste é o Beco da Porta.
2. Após a aquisição do direito de propriedade do terreno por via sucessória, B pediu, em Outubro de 1992, junto da DSCC a demarcação do terreno e a emissão da planta cadastral. Em 16 de Outubro de 1992, B referiu aos trabalhadores responsáveis pela demarcação do terreno que o terreno se situava no Alto de Coloane, junto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 111.848 m2.
3. Em 2 de Setembro de 1993, a DSCC respondeu ao B que não foram encontrados quaisquer dados que pudessem determinar os limites e a área do terreno, e que a localização do Beco da Porta não podia ser determinada. Para além disso, o mapa da década de 30 não mostrava a localização actual da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van. Além do mais, o terreno que B alegou possuir incluía vários terrenos concessionados pelo Governo. Assim sendo, aqueles Serviços recusaram a emissão da planta cadastral.
4. Foi ainda indicado na resposta da DSCC que, segundo as “confrontações” do terreno que constavam no registo predial, o terreno sob a descrição n.º 6150 não era possível tratar-se do terreno indicado pelo B, porque o lado leste do referido terreno que constava no registo predial era a Estrada do Campo, mas o B tinha indicado que o lado oeste do seu terreno era a Estrada do Campo, sendo assim completamente contrário à localização que constava no registo predial.
5. Em 16 de Setembro de 1993, B voltou a pedir a demarcação do terreno. A alegada localização do terreno desta vez era, em princípio, a mesma como a anterior, só que a área foi reduzida para 57.300 m2, excluindo em particular o terreno da Aldeia da Esperança do Instituto de Acção Social de Macau, os terrenos concessionados pelo Governo e uma grande parte do terreno do Alto de Coloane.
6. Em 27 de Outubro de 1993, a DSCC voltou a responder a B, indicando que no registo predial não constava a área do terreno, e na ausência de limites concretos e na falta de quaisquer documentos comprovativos, os limites do terreno não podiam ser determinados, além disso, a alegada localização do terreno não correspondia obviamente às confrontações que constavam no registo predial, pelo que aqueles Serviços recusaram, mais uma vez, a emissão da planta cadastral.
2) Determinação da área e da localização e emissão da planta cadastral
1. Em Dezembro de 1993, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF emitiu uma certidão de transcrição, referindo que B tinha apresentado um impresso de “Participação de ocorrências diversas” de contribuição predial (M/10) e, para os efeitos de avaliação de terreno, B declarou que o terreno sob a descrição n.º 6150 tinha uma área de cerca de 56.592 m2.
2. Em Janeiro de 1994, o advogado, F, em representação de B e C, apresentou ao Tribunal a referida certidão emitida pela DSF e, tendo como fundamento a referida certidão, solicitou a rectificação da relação de bens que constava do processo de habilitação de herdeiros, acrescentando que “o terreno tem uma área de cerca de 56.592 m2”. O referido pedido foi autorizado por juiz em 26 de Janeiro de 1994.
3. Em Fevereiro de 1994, após a inserção da referida frase relativamente à área do terreno na relação de bens, o advogado F pediu junto do Tribunal uma certidão do processo e, tendo como fundamento a referida certidão, requereu à Conservatória do Registo Predial um averbamento no registo, indicando que a área do terreno era de 56.592 m2. O respectivo pedido foi admitido.
4. Foi assim que uma área do terreno que anteriormente não tinha qualquer suporte documental comprovativo, através uma série de operações, nomeadamente por via da declaração do B no impresso de contribuição predial, da alteração da relação de bens que constava do processo do Tribunal relativo à habilitação de herdeiros e do pedido de averbamento no registo predial, ficou no fim “comprovada” com um documento oficial.
5. Em Julho de 1994, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF emitiu mais uma certidão, a qual referia que o advogado F tinha apresentado um impresso de contribuição predial (M/10) e, para os efeitos de avaliação de terreno e de pagamento da diferença de imposto de sisa, o advogado F actualizou a localização do terreno (confrontações) sob a descrição n.º 6150 naquele impresso.
6. De acordo com a referida certidão, F alegou que a localização original do terreno era a seguinte: o lado noroeste era a Estrada do Campo, o lado sul era Casa n.º 2, e o lado leste era o Beco da Porta, enquanto a localização actualizada referia que: o lado noroeste era a Estrada do Campo e a Estrada de Seac Pai Van, o lado sudeste era a Estrada Militar e a habitação sem número policial, e o lado nordeste era o Parque de Seac Pai Van e a Aldeia da Esperança.
7. Em Agosto de 1994, a Sociedade E voltou a pedir a demarcação do terreno com aquela certidão, a qual não tinha qualquer identificação do imóvel nem quaisquer efeitos probatórios e cujo conteúdo era apenas declarado pela parte interessada, com informações desconformes com aquelas que constavam no registo predial. No entanto, a DSCC considerou que as dúvidas existentes anteriormente já tinham sido eliminadas, pelo que emitiu a planta cadastral do referido terreno em Outubro de 1994.
8. Segundo a planta cadastral emitida pela DSCC, o terreno sob a descrição n.º 6150 situava-se no terreno do Alto de Coloane junto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 53.866 m2. A actual planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane emitida pela DSSOPT e o anteprojecto do referido projecto de construção aprovado têm por base a localização e a área que constavam na referida planta cadastral.
3) Certidões da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF
1. Em Setembro e Outubro de 1993, a DSCC recusou duas vezes a emissão da planta cadastral, tendo como principal fundamento que a parte interessada não conseguiu fornecer qualquer documento que permitisse comprovar a área e a localização do terreno sob a descrição n.º 6150, para além da desconformidade manifesta entre a localização do terreno que alegou possuir e as “confrontações” constantes no registo predial.
2. Relativamente aos documentos que a Sociedade E apresentou em Agosto de 1994 quando pediu, pela terceira vez, a demarcação do terreno, verifica-se que o que comprovava a área do terreno era o averbamento no registo predial e o que comprovava a localização do terreno era a certidão emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF. Entretanto, o que fundamentou o averbamento no registo predial foi a relação de bens que o Tribunal alterou segundo a certidão da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF.
3. Isto mostra que quando a parte interessada pediu a planta cadastral pela terceira vez, os documentos comprovativos relativos à área e à localização apresentados eram, no fundo, todos derivados das certidões emitidas pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF. Entretanto, estas duas certidões eram transcrições, feitas pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, do conteúdo dos impressos de “Participação de ocorrências diversas” de contribuição predial (M/10) preenchidos por B e F.
4. O impresso de contribuição predial (M/10), preenchido pela parte interessada, serve só para efeitos declarativos, nomeadamente para o que se refere à alteração de endereço. Os factos que constam no impresso não ficam comprovados com a apresentação do impresso, sendo que o próprio impresso não tem qualquer efeito probatório. A Delegação de Finanças das Ilhas da DSF não possuía, de facto, a capacidade de confirmação da veracidade do teor das declarações de B e F, nem a competência para emitir qualquer certidão relativa aos elementos de identificação do bem imóvel.
5. A emissão de uma certidão do impresso de contribuição predial (M/10) por parte da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF afigura-se não só uma prática estranha mas também rara. O objectivo de transcrever, na forma de certidão, o conteúdo preenchido pela parte interessada num impresso de declaração não passa de um acto de “embrulhar” o conteúdo de uma declaração prestada pela parte interessada como se se tratasse de um documento comprovativo emitido por um serviço público, face à circunstância da falta de documentos comprovativos, de investigação e de recolha de provas.
6. Foi em conformidade com a certidão emitida pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF que o Tribunal aprovou a alteração da relação de bens e foi segundo o documento alterado pelo Tribunal que a Conservatória do Registo Predial procedeu ao averbamento no registo. Através desta série de operações de “branqueamento”, a área do terreno, relativamente à qual originalmente não se encontrava qualquer documento comprovativo, foi inserida expressamente no registo predial.
7. Na certidão da Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, encontra-se ainda uma menção especial que refere que “Para os efeitos de avaliação de terreno, é necessário apresentar a planta emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia”. Isto quer dizer que se a parte interessada não apresentar a planta, a certidão em questão não serve sequer para “efeitos de avaliação de terreno”. No entanto, a mesma serviu como fundamento para alterar um documento processual e pedir registo predial.
8. Quando a inserção da menção “o terreno tem uma área de cerca de 56.592 m2” na relação de bens foi aprovada pelo Tribunal, o valor do terreno declarado pela parte interessada no processo foi de 57.000 patacas. Se não for falsa a declaração prestada pela parte interessada, então deve ter havido lapso no valor do terreno declarado, porque não é possível o valor do terreno em Coloane na altura ter um preço tão baixo, concretamente de apenas uma pataca por metro quadrado.
9. Por outro lado, nas suas duas recusas da emissão de planta, a DSCC já tinha apontado que existia uma desconformidade manifesta entre a localização do terreno que B alegou possuir e as “confrontações” constantes no registo predial porque, segundo o registo predial, no lado leste e no lado norte do terreno encontrava-se a Estrada do Campo, no entanto, a oeste do Alto de Coloane tinha a Estrada do Campo, e a norte tinha a Estrada de Seac Pai Van e o Parque de Seac Pai Van.
10. Em Julho de 1994, quando o advogado F preencheu as “confrontações” originais do terreno no impresso de contribuição predial (M/10), intencionalmente ou não, mudou inesperadamente a localização do terreno, passando a referir que “a nordeste situa-se a Estrada do Campo” para “a noroeste situa-se a Estrada do Campo”. Apesar de a diferença ser de uma só palavra, “leste” e “oeste”, produziu o efeito de que, na prática, o terreno teria “atravessado” a Estrada do Campo e “transferido-se” para o Alto de Coloane.
11. A declaração que F prestou no impresso de contribuição predial (M/10), tendo “invertido o leste e o oeste”, foi transcrita na certidão pela Delegação de Finanças das Ilhas da DSF, ignorando o erro que estava na declaração. A DSCC, por sua vez, mudou a sua posição anterior e aceitou com “facilidade” esta “certidão” emitida pelos serviços fiscais, contendo informações desconformes com as constantes no registo predial, como documento que permitiu definir a localização do terreno, tendo assim emitido a respectiva planta.
4) Falsificação de dados relativos à localização e área contidos na planta cadastral
1. De acordo com as confrontações constantes do registo predial, temos a Estrada do Campo na parte leste e na parte norte do terreno descrito sob o n.º 6150, pelo que se infere que o aludido terreno se deve situar na Estrada do Campo, perto da zona onde se situam actualmente o Posto de Saúde de Coloane e a Escola Superior das Forças de Segurança, e não na actual localização no Alto de Coloane, na medida em que a Estrada do Campo se encontra situada a oeste e a sul do projecto de construção do Alto de Coloane.
2. As confrontações constantes do registo predial inicial de 1903 eram as seguintes: a norte e a leste situava-se a Estrada do Campo, a sul situava-se a “Casa n.º 2”, a oeste situava-se o Beco da Porta. Para poder determinar a localização correcta do referido terreno, para além da Estrada do Campo, é necessário determinar a localização da “Casa n.º 2” e do Beco da Porta.
3. Atendendo que o registo predial apenas mencionava que a sul do terreno se encontrava a “Casa n.º 2”, não especificando em que rua concreta se situava a referida “Casa n.º 2”, o mesmo não tem grande utilidade para efeitos de determinação da localização correcta do terreno. No entanto, se for possível determinar a localização concreta do Beco da Porta, poder-se-á determinar também a localização correcta do terreno através do ponto de intersecção entre a Estrada do Campo e o Beco da Porta.
4. Embora seja difícil encontrar qualquer simbolização relativa ao Beco da Porta nos dados constantes do mapa actualmente existente, o certo é que de acordo com os dados dos censos de 31 de Dezembro de 1878, publicados no «Boletim Oficial do Governo» da época da administração portuguesa, existiam nessa altura habitações e residentes no “Beco da Porta”. Pelo menos, isto mostra que existia ainda, em 1903, o “Beco da Porta” na altura da aquisição do terreno e de uma habitação por D1.
5. Aquando da aquisição, em 1903, do terreno da Estrada do Campo por D1, este último adquiriu igualmente três habitações situadas na Rua dos Negociantes. Actualmente, a Rua dos Negociantes encontra-se localizada perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane. De acordo com a escritura pública da altura, as confrontações relativas a uma dessas habitações com número policial 40 da Rua dos Negociantes eram as seguintes: a norte encontrava-se o “Beco da Porta”, a sul a habitação n.º 38 da Rua dos Negociantes, a leste a Estrada do Campo, e a oeste a Rua dos Negociantes.
6. Isso demonstra que o “Beco da Porta” se situa no extremo sul da Estrada do Campo, perto da Rua dos Negociantes. Considerando que a norte e a leste do terreno descrito sob o n.º 6150 fica localizada a Estrada do Campo e a oeste fica o “Beco da Porta”, o terreno em causa deve estar situado perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane, e não no terreno do Alto de Coloane ao lado da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van.
7. As confrontações actualizadas pelo advogado F através do impresso de declaração de contribuição predial (M/10) indicavam: a noroeste situavam-se a Estrada do Campo e Estrada de Seac Pai Van, a sudeste situava-se a Estrada Militar e a habitação sem número policial, a nordeste situava-se o Parque de Seac Pai Van e a Aldeia da Esperança. Assim, para além de inverter o leste e o oeste da Estrada do Campo, fez desaparecer a “Casa n.º 2” e o “Beco da Porta”.
8. Esta “inversão” e “omissão” não devem ter sido efectuadas de forma “desintencional”, porque, mesmo hoje em dia, o terreno do Alto de Coloane encontra-se despovoado, sendo por isso impossível afirmar existir um lugar onde se localizam a “Casa n.º 2” e o “Beco da Porta”. Por outro lado, em 1903 não existia ainda a Estrada de Seac Pai Van e a Estrada Militar em cima da montanha, nem existia o Parque de Seac Pai Van e Aldeia da Esperança.
9. No âmbito do projecto de construção do Alto de Coloane existe uma casamata militar, sendo que de acordo com as informações providenciadas pelo Instituto Cultural, a dita casamata era uma instalação militar auxiliar da Fortaleza de Coloane construída em 1884, fazendo parte do sistema militar geral de Coloane na altura. O que significa que em 1903, ano em que D1 adquiriu o terreno da Estrada do Campo, já a referida casamata devia existir.
10. Se o terreno adquirido por D1 se localizasse mesmo no terreno do Alto de Coloane, então, devia incluir a casamata que se encontrava em funcionamento. Tendo em conta o contexto histórico da altura, esta situação é difícil de imaginar. Se nessa altura não existisse ainda a casamata, não seria razoável a sua construção posterior num terreno privado, nem o facto de o proprietário não ter levantado qualquer objecção.
11. Relativamente ao registo predial feito em 1903, não foi indicada a área do terreno descrito sob o n.º 6150. Todavia, através de outras propriedades que D1 adquiriu e registou no mesmo período, pode-se estimar aproximadamente a área deste terreno. Na altura, D1 adquiriu o terreno da Estrada do Campo pelo preço de 300 patacas, e o mesmo adquiriu as outras três habitações situadas na Rua dos Negociantes pelo preço de 200 ou 300 patacas.
12. Na altura, o preço pelo qual D1 adquiriu a habitação com os números policiais 32-34 da Rua dos Negociantes era de 300 patacas. A habitação foi vendida em 1923 e, segundo o registo predial, a mesma tinha uma área de 252 m2. Daí, não é difícil estimar que, no mesmo período e com o mesmo preço, a área do lote do terreno sito na Estrada do Campo não teria uma grande diferença. Se o referido lote do terreno tiver uma área de 56.592 m2, tal seria não só desproporcional, como absurdo.
13. Na sequência da investigação, o CCAC considera que no procedimento de demarcação e de emissão da planta cadastral do terreno descrito sob o n.º 6150, existem erros óbvios ou mesmo situações de fraude. O terreno em causa não se encontra situado no terreno do Alto de Coloane que fica ao pé da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, mas sim localizado perto do Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane, e a área em causa não é de 53,866 m2, sendo que deverá ter, no máximo, apenas algumas centenas de metros quadrados.
14. Tendo em conta que os dados que servem como base para a demarcação do terreno estão em desconformidade manifesta com a realidade, o acto administrativo de reconhecimento da demarcação do terreno é desprovido de fundamentos de facto, sendo que os respectivos fundamentos constituem elemento essencial de um acto administrativo, pelo que de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, a planta cadastral do terreno descrito sob o n.º 6150, emitida pela DSCC em 1994 é inválida, sendo que as plantas de alinhamento requeridas e o anteprojecto do plano de obras aprovado com base naquelas informações cadastrais são igualmente inválidos.
15. O actual lote de terreno onde se encontra localizado o projecto de construção do Alto de Coloane deve ser terreno vago e não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial, e de acordo com o artigo 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, o referido terreno faz parte dos terrenos do Estado. O CCAC considera que o Governo da RAEM deve recorrer aos devidos procedimentos e vias legais, com vista a reaver o terreno em causa.
Parte IV: Problemas no âmbito da autorização do plano de
aproveitamento do projecto de construção
Durante a investigação, o CCAC descobriu que existiu violação das Circulares no procedimento da emissão da planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane por parte da DSSOPT. Verificou-se também que existiram problemas relativamente à falta de enquadramento legal no procedimento da avaliação do impacto ambiental, das paisagens e dos espaços verdes por parte da DSPA e do IACM.
1) Violação de Circulares na emissão da planta de alinhamento do projecto de construção
1. Em Junho de 1999, a Sociedade E requereu a emissão da planta de alinhamento do terreno sob a descrição n.º 6150. Foi indicado no relatório da análise dos serviços de obras públicas que, o plano de aproveitamento daquele lote de terreno devia cumprir as condições previstas no “Plano de ordenamento de Coloane”, nomeadamente o disposto relativamente à altura máxima permitida para a construção de edifícios, no entanto, devido à existência de litígio sobre o índice de utilização do solo determinado pelo referido “Plano”, foi sugerido que não se cumprisse a respectiva disposição relativa ao índice de utilização do solo.
2. De acordo com a planta de alinhamento emitida pelos serviços de obras públicas, o titular do terreno podia apenas construir, ao longo da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, edifícios de 7 pisos com uma altura até 20,5 metros, e com uma cota altimétrica máxima que não podia exceder 33,4 metros. Para além disso, não se podia escavar uma grande parte das colinas no âmbito da referida construção, porque o terreno sito no Alto de Coloane, com a área de 20.000 m2, próximo da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, foi classificado como zona de proibição de construção destinada a espaços verdes.
3. Após a aquisição do direito de propriedade do terreno em 2004, a Sociedade A pediu a emissão de nova planta de alinhamento em Março de 2009. De acordo com o plano de estudo preliminar do desenvolvimento do terreno, a Sociedade A tencionava construir 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e 9 blocos de edifícios destinados a habitação com 115 metros de altura. No decorrer da análise do referido pedido por parte da DSSOPT, surgiu dúvida sobre se o respectivo lote deveria ser regulado pelo “Plano de ordenamento de Coloane”, ou não.
4. Em 1987, a DSSOPT considerou que, era necessário tomar algumas medidas preventivas e restritivas antes da elaboração do planeamento urbanístico da vila de Coloane, pelo que emitiu a Circular n.º 7/87, no sentido de integrar a zona da Rua da Cordoaria, da Avenida da República, da Avenida de Cinco de Outubro e da Estrada do Campo no plano específico, e determinar a altura máxima permitida para a construção de edifícios sitos nas diversas vias.
5. Em 9 de Dezembro de 1997, o então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas aprovou, por despacho, o “Plano de ordenamento de Coloane” elaborado por uma empresa especializada contratada para o efeito. Através do referido “Plano”, foram planeadas detalhadamente as zonas da vila de Coloane, de Ká-Hó e de Hac-Sá, e determinou-se uma série de requisitos que devem ser cumpridos na construção de edifícios, nomeadamente no que diz respeito ao índice de ocupação do solo, ao índice de utilização do solo e às classes de altura dos edifícios.
6. Todo o lote do projecto de construção do Alto de Coloane já se encontra integrado no “Plano de ordenamento de Coloane”, sendo assim, quando a Sociedade E pediu a emissão da planta de alinhamento em Agosto de 1999, a DSSOPT indicou claramente que na elaboração do plano de aproveitamento do respectivo lote do terreno, deveriam cumprir-se as condições determinadas no referido “Plano”. Aquele “Plano” não só restringiu a altura máxima permitida para a construção de edifícios em até 20,5 metros, mas também classificou uma grande dimensão do terreno sito no Alto de Coloane como zona de proibição de construção destinada a espaço verde.
7. No entanto, há entendimentos diferentes no seio dos serviços de obras públicas no que diz respeito à eficácia do “Plano de ordenamento de Coloane”. Para além disso, existem também práticas diferentes em relação à necessidade, ou não, de cumprimento das condições previstas no Plano aquando da aprovação dos projectos de construção em Coloane. Em resposta à solicitação de prestação de esclarecimento pelo CCAC, a DSSOPT referiu que o “Plano de ordenamento de Coloane” aprovado tem apenas carácter de referência interna, não é vinculativo no que diz respeito às condicionantes urbanísticas do respectivo lote de terreno.
8. Em Abril de 2009, a Circular n.º 01/DSSOPT/2009 foi aprovada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, estabelecendo a regulamentação relativa à altura dos edifícios e outras condicionantes urbanísticas. O seu Ponto 15 estabelece as disposições referentes à vila de Coloane, e o seu conteúdo é, basicamente, idêntico ao da Circular n.º 7/87 vigente anteriormente, prevendo regulamentação relativa à altura dos edifícios e às outras condicionantes urbanísticas para os edifícios a serem construídos na zona.
9. Relativamente ao pedido da Sociedade A, a DSSOPT considerou que o “Plano de ordenamento de Coloane” podia ser um dos factores de ponderação essencial na elaboração da planta de alinhamento, mas não era necessário ser regida pelas condições constantes do Plano. Pelo exposto, nos termos da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, foram determinadas as alturas dos edifícios da vila de Coloane e as restantes condicionantes urbanísticas, emitindo-se assim a planta de alinhamento para o projecto de construção do Alto de Coloane.
10. Em Dezembro de 2009, a DSSOPT emitiu uma planta de alinhamento do terreno, nos termos da qual o planeamento referente ao lote do terreno em causa seria efectuado com a divisão de três partes, A, B e C, sendo o índice de utilização do solo (IUS) máximo permitido fixado em 5:
- Parte A: perto da Estrada de Seac Pai Van, com a área de 28.066 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada na cota altimétrica de 80 metros;
- Parte B: perto da Estrada do Campo, com a área de 2.821 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada em 8,9 metros;
- Parte C: perto da Estrada do Alto e Estrada Militar, com a área de 19.743 m2, sendo a altura máxima permitida para a construção de edifícios fixada em 9 metros.
11. O relatório de análise da DSSOPT referiu que como a parte B do lote do terreno perto da Estrada do Campo estava na área de intervenção da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, a altura máxima permitida para a construção de edifícios era limitada a 8,9 metros, enquanto que no lote do terreno sito no Alto de Coloane, perto da Estrada do Alto e da Estrada Militar, só podiam ser construídas vivendas com altura de 9 metros tendo nas áreas envolventes da construção zonas verdes.
12. Após a recepção da referida planta de alinhamento, a Sociedade A solicitou novamente a emissão de nova planta em Março de 2010. Nesse pedido, a Sociedade A solicitou que se aligeirassem as exigências das condicionantes urbanísticas, e que fosse autorizado que a altura máxima permitida para a construção de edifícios fosse fixada na cota altimétrica de 198 metros (63 pisos), em vez de 80 metros, e que o índice de utilização do solo (IUS), fixado no valor de 5, fosse substituído pelo índice líquido de utilização do solo (ILUS) de 9.
13. O relatório de análise da DSSOPT considerou que, em relação à planta de alinhamento emitida anteriormente, o fundamento que levou à divisão do lote do terreno em três partes não era suficientemente claro. Para além disso, a determinação da altura dos edifícios por zona a que pertencem tem de ter em consideração alguns factores, tais como a proporção entre o comprimento e largura das torres e a sua orientação, a protecção da configuração da montanha, os fluxos de ar, o projecto de recuperação e compensação de ecossistema integrado. Por isso, em vez de determinar a altura das torres por zona, sugeriu-se a determinação de uma altura máxima permitida para a construção de edifícios.
14. No que respeita ao índice de utilização do solo, segundo o referido relatório, embora o pedido de substituição do índice de utilização do solo (IUS) fixado no valor de 5 pelo índice líquido de utilização (ILUS) de 9 apresentado pelo proprietário se encontre dentro do limite máximo fixado pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009, no entanto, tendo em conta as condicionantes urbanísticas dos projectos de construção à volta do lote de terreno em causa e outros factores de limitação, tais como a área de sombra projectada, a altura dos edifícios, o índice de ocupação da construção, a distância mínima entre os edifícios, foi sugerido que o índice de utilização do solo (IUS) fosse fixado em 9.
15. O director da DSSOPT proferiu despacho sobre o dito relatório de análise, determinando que aquando da tomada de decisão sobre o projecto de desenvolvimento do terreno em causa, deve-se ter em conta a natureza do terreno, isto é, o facto de o mesmo ser um terreno de propriedade privada e não um terreno concedido por arrendamento; e quanto à determinação do índice de utilização do solo, deve-se considerar o índice publicado na Circular, pelo que deve o índice líquido de utilização (ILUS) ser fixado em 8, o que corresponde aproximadamente ao valor 12 do índice de utilização do solo (IUS).
16. Em Abril de 2011, a DSSOPT emitiu uma nova planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane, nos termos da qual a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros e o índice líquido de utilização do solo (ILUS) máximo permitido foi fixado em 8. Determinou-se ainda que uma parcela do terreno fosse revertida para o domínio público e que fosse destinada à construção de vias públicas e zonas verdes. O plano de obras do actual projecto de construção do Alto de Coloane tem por base essa planta de alinhamento.
17. Se fizermos uma comparação entre a dita planta de alinhamento e as duas plantas de alinhamento emitidas em 1999 e 2009, para além da verificação de um aumento significativo de quase 12 vezes mais do índice de utilização do solo fixado em 5, o controlo da altura das edificações deixou de ser efectuado em função das configurações do terreno, sendo que a cota altimétrica para a altura máxima permitida para a construção de edifícios foi fixada em 100 metros, o que significava que se iria proceder à escavação de uma grande parte das colinas no âmbito da referida construção.
18. A parte do extremo sul do terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, perto da Estrada do Campo, pertencia ao âmbito de planeamento da Circular n.º 01/DSSOPT/2009, a altura máxima permitida para a construção de edifícios deveria ser de 8.9 metros, no entanto, de acordo com a dita planta de alinhamento, a altura máxima permitida para a construção de edifícios em causa foi fixada em 100 metros, violando assim, de forma notória, a determinação imposta pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009.
19. De acordo com o artigo 38.º do “Regulamento Geral da Construção Urbana”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, todos os projectos de obras necessitam de obedecer às determinações do planeamento urbanístico e dos respectivos regulamentos e instruções, caso contrário, deve-se indeferir o pedido de aprovação do projecto. Deste modo, o CCAC considera que, como a planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane não obedeceu às condicionantes urbanísticas impostas pela dita Circular, a DSSOPT deveria indeferir o pedido de aprovação do projecto em causa.
20. Se, em relação ao terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, não existissem problemas relacionados com a sua propriedade, localização, área, etc., o proprietário poderia requerer a emissão de uma nova planta de condições urbanísticas ao abrigo da “Lei do planeamento urbanístico” e iniciar os subsequentes procedimentos de autorização. No entanto, atendendo a que aquele lote do terreno é um terreno do Estado, a questão da validade da planta de alinhamento torna-se um problema secundário.
2) Falta de fundamentos legais na avaliação relativamente ao impacto ambiental e aos espaços verdes
1. Devido ao facto de o desenvolvimento do projecto de construção do Alto de Coloane ter por base a escavação de grande parte das colinas, e a altura dos edifícios a construir poder atingir os 100 metros, surgiram preocupações, por parte de todos os sectores da sociedade, face à eventual destruição do ambiente natural de Coloane. No decorrer da autorização do projecto, a DSSOPT solicitou à DSPA e ao IACM a emissão de pareceres relativamente àquele projecto, que tivessem em conta, nomeadamente, a avaliação do impacto ambiental, a paisagem e os espaços verdes do mesmo.
2. Em Março de 2009, a Sociedade A apresentou o programa de construção do terreno, com vista à construção dos 9 blocos de vivendas com 22 metros de altura e dos 9 blocos de edifícios com 115 metros de altura. A DSPA considerou que, “devido a que o desenvolvimento do projecto poderá provocar a escavação de grande parte das colinas, a perda dos espaços verdes e a destruição da função de colinas relativamente ao filtro de contaminantes, sugere-se uma nova avaliação, relativamente ao nível do impacto no ambiente ecológico resultante da execução da obra”.
3. O IACM considerou que: “O projecto de construção a desenvolver situa-se nas colinas entre a Estrada do Alto de Coloane - a Estrada Militar e a Estrada de Seac Pai Van – a Estrada do Campo, sendo que a diferença da altura destas áreas atinge 60 metros. Assim, para que tenha lugar a aquisição do terreno plano, é necessário escavar as colinas, o que poderá provocar grandes danos na estrutura das colinas e na vegetação, resultando na perda de uma grande dimensão dos espaços verdes, sendo as colinas escavadas substituídas por taludes de betão”.
4. O IACM considerou ainda que: “Os 9 blocos de edifícios destinados a habitação a construir terão 115 metros de altura, quando em comparação com a Estrada Militar que se situa na cota altimétrica de 60 metros, regista-se um aumento de 55 metros, assim sendo, a vista em direcção a Hengqin, tanto na Estrada Militar, como no Trilho de Coloane, será prejudicada. A Ilha de Coloane tem sido sempre o local principal onde se situa a floresta de Macau, pelo que é necessário analisar de forma cautelosa se o desenvolvimento deste projecto é contrário ao planeamento urbanístico ou não”.
5. Apesar de a DSPA e o IACM se mostrarem preocupados com o possível impacto resultante da escavação de grande parte das colinas do Alto de Coloane para a construção de edifícios altos, no entanto, de acordo com a planta de alinhamento emitida pela DSSOPT em Abril de 2011, a altura dos 13 edifícios foi fixada na cota altimétrica de 100 metros, o que demonstra que as opiniões da DSCC e do IACM não tiveram efeito vinculativo em relação à autorização do projecto.
6. Em Fevereiro de 2013, de acordo com as condicionantes urbanísticas da planta de alinhamento, a Sociedade A apresentou, junto da DSSOPT, o anteprojecto da obra de construção e os relatórios de avaliação relativos ao impacto ambiental e à paisagem arquitectónica. Desde então, a DSPA e o IACM emitiram propostas de alteração apenas para os relatórios profissionais apresentados pelo proprietário, mas finalmente, acabaram por aceitar os relatórios da avaliação relativamente ao impacto ambiental e à paisagem daquele projecto de construção.
7. No âmbito da investigação, o CCAC constatou que, quer a avaliação do impacto ambiental realizada pela DSPA, quer a avaliação das zonas verdes e da paisagem realizada pelo IACM relativas ao referido projecto de construção do Alto de Coloane, não estão sujeitas a nenhuma regulamentação jurídica concreta, existindo apenas um conjunto de instruções emitidas pelos serviços públicos. Por exemplo, foi por via de instruções que a DSPA definiu as situações que carecem de uma avaliação do impacto ambiental, os critérios de avaliação do impacto ambiental, e o respectivo procedimento operacional, entre outras matérias.
8. Atendendo a que a DSPA e o IACM não possuem as respectivas competências legais, as opiniões técnicas emitidas sobre a protecção ambiental, a paisagem e os espaços verdes, entre outras, não têm força vinculativa em relação ao pedido do projecto de construção e ao procedimento de autorização instruído pela DSSOPT, inexistindo também um mecanismo legal com efeito vinculativo de fiscalização e de examinação da implementação concreta, por parte do promotor, das condições definidas, e aceites pelo mesmo, nos relatórios profissionais, nomeadamente sobre a avaliação do impacto ambiental.
9. No decorrer da investigação realizada pelo CCAC, o pessoal da DSPA e do IACM afirmou que, sendo o Alto de Coloane um projecto de desenvolvimento privado, o pessoal daqueles serviços não podia entrar no terreno em causa para realizar inspecções ou confirmações in loco, podendo apenas realizar avaliações com base nos elementos providenciados pelo promotor e solicitar à DSSOPT que assegure o cumprimento das sugestões decorrentes da avaliação do impacto ambiental e de outras avaliações, por parte do promotor, nas fases de execução e de funcionamento da obra.
Parte V: Opiniões e Sugestões
1. Através da presente investigação, o CCAC descobriu que um terreno com mais de cem anos, sito na vila de Coloane, foi “deslocado” para o Alto de Coloane da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, tendo a área do mesmo sido ampliada para cerca de 100 vezes mais, destinando-se em breve à construção de edifícios de 100 metros de altura. É claro que não se exclui a possibilidade de ter havido quem tivesse praticado actos de fraude e actos suspeitos da prática de crimes, no entanto, verifica-se também a existência de problemas como o da falta de clareza na investigação e o do exercício de funções de forma negligente por parte dos serviços públicos naquela altura.
2. Entre os factos ocorridos, a Delegação de Finanças das Ilhas da DSF violou a prática de trabalho pré-determinada e as suas competências legais enquanto serviço público, tendo emitido a chamada “Certidão de transcrição” do impresso de contribuição predial, a qual serviu para encobrir uma declaração do interessado desprovida de comprovação ou tendo até mesmo sido falsificada, fazendo com que aquela declaração se tornasse um documento dos serviços públicos, o que serviu como documento comprovativo para efeitos de alteração dos documentos no âmbito da acção judicial e da demarcação dos limites do terreno.
3. A DSCC violou as disposições legais e o senso comum profissional, aceitando a certidão emitida pelos serviços de finanças como fundamento de reconhecimento da localização do terreno e ignorando os erros existentes na documentação respectiva. O mesmo serviço pensava poder livrar-se do problema pela remissão da sua responsabilidade para documentos emitidos por outros serviços públicos, revogando a sua posição anterior de recusa, por duas vezes, de emissão da planta cadastral, acabando por promover assim a dita “deslocação” do terreno.
4. Apesar de o caso ter ocorrido maioritariamente antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau e de se saber que, hoje em dia, o funcionamento do sistema e da sua fiscalização se encontrarem relativamente mais aperfeiçoados, sendo pouco provável que situações semelhantes se possam repetir, os serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau e os seus trabalhadores devem estar sempre cientes de que o desempenho fiel das suas funções não é apenas um “slogan”. Qualquer negligência ou erro existente no âmbito de um procedimento administrativo ou de uma decisão pode vir a implicar no final uma lesão irreparável para a Região Administrativa Especial de Macau.
5. Por outro lado, o CCAC considera que os serviços de obras públicas devem cumprir rigorosamente o princípio da legalidade no âmbito da autorização de projectos de construção, incluindo necessariamente no que respeita às respectivas Circulares. Os serviços de protecção ambiental e de assuntos municipais devem aperfeiçoar, com a maior brevidade possível, a legislação relacionada com a avaliação do impacto ambiental, a paisagem e as zonas verdes, a fim de poder haver legislação que possa ser verdadeiramente cumprida no âmbito da protecção do ambiente natural e da criação de espaços verdes nas colinas.
Pelo exposto, e na sequência da investigação sobre o projecto de construção do Alto de Coloane, o CCAC apresenta as seguintes conclusões e sugestões:
1. O terreno descrito sob o n.º 6150 não se encontra situado no terreno do Alto de Coloane que fica ao pé da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, mas sim perto do actual Largo do Presidente António Ramalho Eanes na vila de Coloane. A área em causa não é de 53,866m2, sendo que a mesma deveria ter, no máximo, apenas algumas centenas de metros quadrados.
2. A planta cadastral, emitida pela DSCC, do terreno descrito sob o n.º 6150 é inválida, sendo que as plantas de alinhamento requeridas e os anteprojectos do plano de obras aprovados com base naquelas informações cadastrais são igualmente inválidos.
3. A planta de alinhamento do projecto de construção do Alto de Coloane violou as condicionantes urbanísticas impostas pela Circular n.º 01/DSSOPT/2009. A DSSOPT deve indeferir o pedido de aprovação do projecto em causa.
4. O actual lote de terreno do projecto de construção do Alto de Coloane, localizado perto da Estrada do Campo e da Estrada de Seac Pai Van, faz parte dos terrenos do Estado na RAEM, pelo que o Governo da RAEM deve, com recurso aos devidos procedimentos e vias legais, proceder em conformidade com vista a reaver o terreno em causa.
…”.
*
IV – Fundamentação
Entende a Recorrente que o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- Incompetência do autor do acto;
- Erro no pressuposto de facto; e
- Erro no pressuposto de Direito.
Cumpre agora apreciar se lhe assiste razão.
1. Da incompetência:
Na óptica da Recorrente, a Entidade Recorrida não tem competência para determinar a desocupação do terreno, uma vez que se trata duma competência exclusiva do Senhor Chefe do Executivo e é indelegável nos termos do artº 208º da Lei nº 10/2013 (Lei de Terras).
Por outro lado, ainda que admitisse, por hipótese, que tal competência fosse delegável, o acto de delegação, feito através da Ordem Executiva nº 113/2014, seria nulo por não ter especificado os poderes ou actos que o delegado pode praticar, o que viola o artº 39º do CPA.
Quid iuris?
Antes de mais, é de realçar que em lado algum da Lei nº 10/2013 diz que a competência para determinar a ordem da desocupação do terreno prevista no nº 1 do artº 208º da mesma Lei é indelegável.
Tanto este TSI (Acs. nos Procs. nºs 827/2015, 626/2016 e 1122/2017) como o TUI (Acs. nos Procs. nºs 10/2017, 39/2017, 30/2018 e 41/2018) já se pronunciaram no sentido de que pela ordem Executiva nº 113/2014, o Sr. Chefe do Executivo delegou na Entidade Recorrida as competências executivas em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artº 6º do Regulamento Administrativo nº 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território, pelo que também estava delegada a competência prevista no nº 1 do artº 179º da Lei nº 10/2013 (competência para ordenar o despejo do concessionário ou do ocupante após a declaração da caducidade da concessão do terreno).
A razão de ser consiste no seguinte (Ac. do TUI, de 07/06/2017, Proc. nº 10/2017):
“…
A terceira questão suscitada pela recorrente é a seguinte:
O acto recorrido sofre de incompetência do Secretário para as Obras Públicas e Transportes, já que a competência está prevista no artigo 179.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2013, competindo ao Chefe do Executivo.
Não teria o Secretário para as Obras Públicas e Transportes competência para praticar o acto?
Antes de mais, é exacto que a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da actual Lei de Terras comete ao Chefe do Executivo a competência para ordenar o despejo do concessionário quando tenha havido declaração de caducidade da concessão.
Porém, alega a entidade recorrida que o acto foi praticado ao abrigo de delegação de poderes, sendo a lei habilitante da delegação o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto (e não o Decreto-Lei n.º 84/84/M, como se diz no acórdão recorrido) e constituindo o instrumento de delegação a Ordem Executiva n.º 113/2014, publicada no Boletim Oficial, I Série, de 20 de Dezembro de 2014.
O Decreto-Lei n.º 85/84/M estabeleceu as bases gerais da estrutura orgânica da Administração Pública de Macau.
Dispõe o seu artigo 3.º:
“Artigo 3.º
(Delegação de competência)
1. O Chefe do Executivo pode delegar no Comandante das Forças de Segurança e nos Secretários, ou nos directores dos serviços dele directamente dependentes as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos.
2. A tutela das câmaras municipais rege-se pela legislação aplicável e pode ser delegada nos termos do n.º 1.
3. A delegação de competência prevista no n.º 1 envolve a decisão em matérias das atribuições próprias dos serviços públicos, bem como em matérias de gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais.
4. O Chefe do Executivo pode autorizar a subdelegação das competências delegadas no pessoal de direcção dos serviços.
5. As delegações e subdelegações de competência previstas neste artigo constarão de portarias e despachos, respectivamente, produzirão efeitos a contar da data da publicação no Boletim Oficial e cessarão por revogação expressa ou por exoneração da entidade delegante ou delegadas, mas manter-se-ão em vigor sempre que qualquer daquelas entidades for substituída nos termos legais.
6. A delegação e a subdelegação de competência podem conter directrizes vinculantes para a entidade delegada ou subdelegada e não privam a delegante ou subdelegante dos poderes de avocar processos e de definir orientações gerais”.
Nem o Decreto-Lei n.º 85/84/M foi globalmente revogado nem, em particular, o seu artigo 3.º foi revogado, expressa ou tacitamente, pelo que este preceito vigora na Ordem Jurídica.
Por sua vez, Ordem Executiva n.º 113/2014, estatui o seguinte:
“Usando da faculdade conferida pela alínea 4) do artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 2/1999 e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, o Chefe do Executivo manda publicar a presente ordem executiva:
1. São delegadas no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.
2. São ainda delegadas no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo no âmbito dos assuntos relativos à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
3. As competências executivas ora delegadas abrangem, no âmbito dos procedimentos relativos à realização de obras ou à aquisição de bens e serviços e independentemente do montante em causa, a competência para:
1) Aprovar o caderno de encargos, o programa de concurso e outras peças procedimentais relevantes;
2) Designar os membros das comissões que conduzem os procedimentos de abertura e de apreciação de propostas;
3) Aprovar a minuta do contrato a celebrar e representar a Região Administrativa Especial de Macau na respectiva assinatura.
4. Exceptuam-se do disposto nos números anteriores as competências executivas do Chefe do Executivo que a lei qualifique como indelegáveis.
5. Em matéria de gestão dos recursos financeiros e patrimoniais, as competências executivas ora delegadas têm os seguintes limites:
1) Até ao valor estimado de trinta milhões de patacas, a competência para autorizar a abertura de concursos para a realização de obras ou a aquisição de bens e serviços;
2) Até ao montante de dezoito milhões de patacas, a competência para autorizar despesas com a realização de obras ou a aquisição de bens e serviços;
3) Até ao montante de nove milhões de patacas, a competência referida na alínea anterior quando tenha sido autorizada a dispensa de realização de concurso ou de celebração de contrato escrito.
6. O delegado pode subdelegar nos dirigentes dos Serviços, entidades e Gabinete referidos nos n.ºs 1 e 2 as competências que julgue adequadas ao seu bom funcionamento.
7. A presente ordem executiva produz efeitos desde 20 de Dezembro de 2014”.
Face ao n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, o Chefe do Executivo pode delegar nos Secretários as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos.
E o n.º 3 do mesmo artigo 3.º dispõe que a delegação de competência prevista no n.º 1 envolve a decisão em matérias das atribuições próprias dos serviços públicos. O que é o caso do despejo do concessionário, cuja concessão foi declarada caduca, que pertence às atribuições da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Pela Ordem Executiva n.º 113/2014 o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território.
Estava, portanto, delegada no autor do acto recorrido a competência para a ordenar o despejo em questão…”.
Segundo a mesma lógica, deve entender que a competência para determinar a ordem da desocupação prevista no nº 1 do artº 208º da Lei nº 10/2013 foi delegada pelo Sr. Chefe do Executivo através da ordem Executiva nº 113/2014 na pessoa do Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Em relação à alegada violação do n.º 1 do art. 39º do CPA – onde estatui que “no acto de delegação ou subdelegação, deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os actos que o delegado ou subdelegado pode praticar” – cumpre nos dizer a norma em causa “não impede que a delegação de competências comporte uma delegação de poderes com a dimensão daquela que está contida na Ordem Executiva n.º 113/2014, já que da mesma decorre claramente que foram delegados poderes para praticar o acto ora impugnado.” (cfr. Ac. do TSI, de 19/09/2019, Proc. nº 1122/2017).
Pelo exposto, é de julgar improcedente esta parte do recurso contencioso.
2. Do erro no pressuposto de Direito:
Para a Recorrente, o acto recorrido violou:
- o artº 103º da Lei Básica da RAEM;
- os artºs. 1º, 7º, 25º, 71º, 81º, 120º e 121º do Código de Registo Predial;
- o artº 14º do DL nº 3/94/M;
- o artº 8º do CPA e 284º do CC.
Os preceitos legais supra referidos têm as seguintes redacções:
Lei Básica
Artigo 103.º
A Região Administrativa Especial de Macau protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal.
Esta compensação deve corresponder ao valor real da propriedade no momento, deve ser livremente convertível e paga sem demora injustificada.
O direito à propriedade de empresas e os investimentos provenientes de fora da Região são protegidos por lei.
Código do Registo Predial
Artigo 1.º
(Fins do registo)
O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio imobiliário.
Artigo 7.º
(Presunções derivadas do registo)
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Artigo 25.º
(Harmonização com o cadastro)
1. As descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
2. A apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior, bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.
Artigo 71.º
(Finalidade)
1. A descrição tem por fim a identificação física dos prédios e a referência à sua situação matricial e cadastral.
2. De cada prédio é feita uma descrição distinta.
3. A cada descrição são lançadas as cotas de referência das respectivas inscrições em vigor.
4. As cotas de referência são trancadas e transferidas para registo histórico informático logo que se cancelem ou caduquem as inscrições correspondentes ou quando os efeitos destas se transfiram mediante novo registo.
Artigo 81.º
(Actualização oficiosa das descrições)
1. Os elementos das descrições devem ser oficiosamente actualizados quando a sua alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto ou lavrado com intervenção de pessoa com legitimidade para pedir a actualização.
2. A atribuição ou alteração do número e data da planta cadastral, do artigo de matriz, da denominação das vias públicas ou da numeração policial é oficiosamente averbada à descrição mediante o recurso aos meios informáticos, quando seja possível estabelecer a respectiva correspondência e ainda que o facto averbado represente alteração superveniente em relação aos documentos apresentados.
3. A apresentação do pedido e a realização do registo de penhor sobre empresa comercial são oficiosa e gratuitamente averbadas às descrições dos prédios que, estando inscritos em nome do respectivo empresário comercial, estejam afectados à empresa comercial.
4. Os averbamentos a que se refere o número anterior são oficiosa e gratuitamente cancelados logo que se verifique a caducidade ou cancelamento do registo de penhor sobre a empresa comercial.
Artigo 120.º
(Rectificação por acordo)
1. Suscitada a inexactidão ou nulidade do registo indevidamente lavrado e não sendo a rectificação requerida por todos os interessados, o conservador, por sua iniciativa ou a pedido de qualquer deles, convocará, por carta registada com aviso de recepção, uma conferência de todos para deliberarem sobre a rectificação, sob cominação de que a não comparência ou não dedução de oposição até à conferência equivale a acordo à rectificação.
2. O requerimento é apresentado, juntamente com os documentos, e a pendência da rectificação é averbada, em qualquer caso, ao respectivo registo.
3. A conferência será convocada com a dilação mínima de 15 dias sobre a data de expedição da última carta, nos termos do n.º 1.
4. Não sendo deduzida oposição e se o conservador e todos os interessados presentes acordarem na rectificação, lavrar-se-á auto de acordo.
Artigo 121.º
(Rectificação judicial)
1. Não se efectivando alguma das notificações previstas no n.º 1 do artigo anterior ou na falta de acordo, pode a rectificação judicial ser requerida por qualquer interessado.
2. Não sendo requerida no prazo de 8 dias, deve o conservador promover oficiosamente a rectificação, quando reconheça que o registo é inexacto ou foi indevidamente lavrado, ou, no caso contrário, cancelar o averbamento a que se refere o n.º 2 do artigo anterior.
Decreto-Lei n.º 3/94/M
Artigo 14.º
(Valor jurídico das plantas definitivas)
1. A planta cadastral definitiva é título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações.
2. A planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados no número anterior.
3. Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1.
Código Civil
Artigo 284.º
(Inoponibilidade da nulidade e da anulação)
1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição do terceiro for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Preenchidos os pressupostos do número anterior, os terceiros que tenham adquirido direitos de quem, nos termos constantes do registo, tivesse legitimidade para a sua disposição só vêm os seus direitos reconhecidos se a acção de nulidade ou anulação não for proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido.
3. Caso à data da aquisição do terceiro não existisse qualquer registo relativamente ao bem em causa, os direitos do terceiro só são reconhecidos se a acção de nulidade ou anulação não for proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio inválido.
4. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.
No caso em apreço, acto recorrido foi praticado em consequência da rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992, segundo a qual o terreno descrito sob o nº 6150 deixou de ser localizado na zona inicial; tal zona passou a ser demarcado como terreno vago omisso na CRP.
Como é sabido, a planta cadastral é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno.
Uma vez que a planta cadastral rectificada atesta que o terreno descrito sob o nº 6150 não se localiza naquela zona, a Recorrente não pode continuar a ocupar tal zona na qualidade da proprietária do mesmo.
O artº 7º da Lei Básica da RAEM estipula que “Os solos e os recursos naturais da Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau”.
Por outro lado, o nº 1 do artº 208º da Lei nº 10/2013 manda o Sr. Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação em caso da ocupação ilegal do terreno, quer do domínio público ou do domínio privado, competência essa que foi delegada à Entidade Recorrida através da Ordem Executiva nº 113/2014, conforme já supra referimos.
Assim, o acto recorrido não é mais do que uma actuação da Entidade Recorrida em conformidade com o artº 7º da Lei Básica da RAEM, artº 208º da Lei nº 10/2013 e o artº 14º do DL nº 3/94/M.
Trata-se portanto de um acto resultante do poder-dever da Entidade Recorrida, consistente numa actividade administrativa vinculada.
Sendo acto vinculativo, o princípio da tutela de boa fé não é operante.
Também não se verifica a alegada violação do artº 103º da Lei Básica da RAEM, do artº 284º do Código Civil e dos artºs. 1º, 7º, 25º, 71º, 81º, 120º e 121º do Código de Registo Predial, já que o acto recorrido não põe em causa que a Recorrente é proprietária do terreno descrito sob o nº 6150, o que está em causa é simplesmente que, com a rectificação da planta cadastral, o terreno descrito sob o nº 6150 deixou de se localizar naquela zona, pelo que a Recorrente não pode continuar a ocupar tal zona.
Face ao exposto, este argumento do recurso não deixará de se julgar improcedente.
3. Do erro no pressuposto de facto:
Compulsados os autos, verifica-se que as plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004 (fls. 95 dos autos), 08/05/2008 (fls. 97 dos autos) e 22/02/2013 (fls. 113 dos autos), todas referentes à planta nº 3854/1992, identificavam o prédio descrito sob o nº 6150 com as seguintes confrontações:
NE – Terreno junto à Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane (nº 22624), terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane;
SE – Terreno junto à Estrada Militar (nº 19323), terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada Militar e Estrada do Alto de Coloane e Estrada Militar;
SW – Terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada do Alto de Coloane e Estrada do Campo;
NW – Terreno que se presume omisso na C.R.P., junto à Estrada de Seac Pai Van, Estrada de Seac Pai Van e Estrada do Alto de Coloane.
As referidas plantas cadastrais foram emitidas após o Despacho nº 10/SATOP/98, pelo qual se converteram todas as plantas da freguesia de S. Francisco Xavier do Coloane que não se encontravam em situação de suspensão ou reclamação.
Pressupõe-se, assim, que os limites definidos nas plantas acima referidas correspondem aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva.
Segundo a planta cadastral nº 3854/1992 entretanto emitida, o terreno da Recorrente descrito sob o nº 6150 localizava-se:
No entanto, a DSCC, na sequência da interpelação da Entidade Recorrida, veio, pelo ofício nº 1701/CADIV/02.01.107/3854/2018, datado de 29/10/2018, dizer que na planta cadastral nº 3854/1992, emitida em 16/10/2018 (com as mesmas confrontações), correspondem aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho nº 10/SATOP/98, da qual consta que o terreno demarcado na mesma se presume omisso na CRP, deixando portanto de consignar como o prédio descrito sob o nº 6150.
Tendo em conta que a planta cadastral é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno, este TSI solicitou oficiosamente à DSCC para esclarecer o seguinte:
a) os limites definidos nas plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta nº 3854/1992, correspondem ou não aos elementos de identificação física da planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho nº 10/SATOP/98?
b) Em caso negativo, em que circunstâncias foram emitidas tais plantas?
c) Em caso afirmativo, quais são os fundamentos de facto e de direito que justificaram a alteração da planta emitida em 29/10/2018? Houve ou não a rectificação da planta a que se alude o artº 18º do DL 3/94/M?
Em resposta, a DSCC informou o seguinte:
“….
1. As plantas cadastrais emitidas em 28/07/2004, 08/05/2008 e 22/02/2013, todas referentes à planta cadastral RGCU n.º 3854/1992 (anexos 1 a 3), foram emitidas nos termos dos artigos 19.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana», tratando-se de plantas cadastrais oficiais na escala 1/1000, adiante designadas por "plantas cadastrais RGCU". Nos termos do «Regulamento Geral da Construção Urbana», as plantas cadastrais RGCU só servem para pedidos de aprovação de projectos e têm um prazo de validade de 12 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do Regulamento. As plantas cadastrais RGCU em causa foram emitidas com base na primeira planta cadastral RGCU emitida em 14 de Outubro de 1994 (anexo 4).
2. Por despacho do Chefe do Executivo n.º 132/CE/2018, de 11 de Setembro de 2018, exarado no "Parecer sobre o terreno relacionado com o projecto de construção do Alto de Coloane" do Ministério Público, a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), de acordo com o referido despacho, apresentou a Informação n.º 33/DIR/2018, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 5). Ao abrigo do artigo 18.º do Decreto-Lei nº 3/94/M, a DSCC rectificou oficiosamente as respectivas informações cadastrais, retirando a descrição predial n.º 6150 constante no n.º de cadastro 1210.005, rectificando a situação jurídica do terreno como terreno do Estado, cujos elementos de identificação física não sofreram alterações, correspondendo aos elementos de identificação física constantes na planta cadastral publicitada e convertida em definitiva pelo Despacho n.º 10/SATOP/98.
3. Pelo ofício da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), de 11 de Outubro de 2018 (anexo 6), para a resolução de um caso de ocupação ilegal, foi solicitada à DSCC a emissão de uma planta cadastral de um terreno junto à Estrada do Campo, em Coloane. Os elementos de confrontações, localização e identificação física do terreno referido no respectivo ofício correspondem à da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. As informações nela constantes já tinham sido actualizadas de acordo com a supracitada Informação n.º 33/DIR/2018; assim, a planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, emitida em 16 de Outubro de 2018 (anexo 7), foi emitida com base nos elementos de identificação física e informações cadastrais actualizadas da planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005. Os elementos de identificação física do terreno constantes na planta, correspondem tanto: às das plantas cadastrais RGCU n.º 3854/1992 emitidas anteriormente, à planta cadastral definitiva com o n.º de cadastro 1210.005 elaborada nos. termos do Decreto-Lei n.º 3/94/M, assim como, ao do processo de cadastro, não tendo sido alterados.
4. Pelo ofício de 19 de Outubro de 2018 (anexo 8), a DSSOPT solicitou à DSCC, que informasse sobre planta cadastral RGCU n.º 3854/1992. Em resposta, a DSCC remeteu em 29 de Outubro de 2018, uma cópia da planta cadastral RGCU n.º 3854/1992, de 16 de Outubro de 2018 (anexo 9)…”.
Como se vê, o acto recorrido foi praticado na sequência da rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992, operada pela a DSCC, segundo a qual o terreno da Recorrente, descrito sob o nº 6150, deixou de existir no local inicial, razão pela qual se determinou a ordem da desocupação.
Num primeiro momento, aparenta que o acto recorrido não padeça do vício do erro no pressuposto de facto, visto que a Entidade Recorrida limitou-se a agir em conformidade com a nova planta cadastral, a qual é, nos termos do artº 14º do DL nº 3/94/M, título bastante para identificação física do terreno,
No entanto, não se nos afigura que a resposta seja tão linear.
Repare-se, a lei apenas permite a rectificação oficiosa da planta cadastral sem intervenção do interessado no caso de que “o simples erro que se patenteie da própria planta e cuja rectificação não possa prejudicar os direitos dos titulares do prédio a que respeita a planta ou dos prédios confinantes” (artº 18º, nº 2 do DL 3/94/M).
Quando “o erro proveniente de deficiente demarcação ou que envolva alteração da planta no que respeita à área ou delimitação do terreno só pode ser rectificado mediante a produção de prova demonstrativa da inexactidão das operações no terreno ou na respectiva representação cartográfica e com a concordância de todos os interessados que possam ser prejudicados com a rectificação” (artº 19º, nº 1 do DL 3/94/M).
Não havendo concordância dos interessados, a rectificação da planta cadastral que é susceptível prejudicar os interesses dos mesmos tem de ser feita por via judicial, promovida pelo Director da DSCC ou por qualquer interessado, pois o nº 2 do artº 19º do DL 3/94/M preceitua que “Não havendo concordância, tanto o director da DSCC como qualquer interessado podem promover a rectificação judicial, anotando-se a pendência da rectificação nas plantas envolvidas e promovendo-se o registo da respectiva acção”.
Não é difícil compreender a razão da previsão do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, que é justamente atribuir uma melhor garantia aos interessados que possam ser prejudicados com a rectificação, através da intervenção do órgão judicial, que é imparcial e independente, com atribuições da defesa da legalidade e da justiça.
No caso em apreço, a rectificação da planta cadastral nº 3854/1992 é susceptível de prejudicar os direitos/interesses da Recorrente e ela nunca participou no procedimento de rectificação nem deu concordância para o efeito.
Assim, nos termos do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, a rectificação em causa só pode ser feita por via judicial e não via administrativa.
Qual será então a consequência jurídica desta ilegalidade?
Salvo o devido respeito da opinião em sentido contrário, entendemos que a rectificação oficiosa da DSCC é nula por vício de usurpação de poder (cfr. al. a) do nº 2 do artº 122º do CPA), em virtude de que a mesma deve ser feita, nos termos do nº 2 do artº 19º do DL nº 3/94/M, pelo poder judicial e não pelo poder executivo.
Nos termos do nº 1 do artº 123º do CPA, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da nulidade.
Por outro lado, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
Tendo a rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 um acto de pressuposto do acto ora recorrido, a nulidade daquele implica a nulidade deste (cf. al. i) do nº 2 do artº 122º do CPA).
Assim se conclui pela nulidade do acto recorrido, o que determina a procedência do presente recurso contencioso.
Salienta-se que a nulidade do acto de rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 ora verificada nada impede que o Director da DSCC, no uso da faculdade prevista no nº 2 do artº 19º do DL 3/94/M promover a competente acção de rectificação judicial.
Caso esta acção vier a ser julgada procedente, a Entidade Recorrida pode voltar a praticar o novo acto com o mesmo conteúdo.
4. Da cumulação do pedido:
A Recorrente, em sede das alegações facultativas, cumulou, ao abrigo da al. a) do nº 1 do artº 24º do CPAC, o pedido de que seja ordenada “a Direcção de Serviços de Cartografia e Cadastro a enviar à Conservatória do Registo Predial a Planta Cadastral nº 3854/1992 com indicação da descrição nº 6150, para que, ao abrigo do artigo 81º do Código de Registo Predial, a descrição nº 6150 seja oficiosamente actualizada com os elementos constantes da planta cadastral em causa”.
Dispõe a al. a) do nº 1 do artº 24º do CPAC que “Qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado”.
É fácil de ver que o pedido cumulado não preenche o requisito legal da al. a) do nº 1 do artº 24º do CPAC, já que mesmo com a declaração da nulidade do acto recorrido, a Entidade Recorrida não está vinculada a praticar o acto peticionado pela Recorrente.
Não existe qualquer normal legal que exige “a Direcção de Serviços de Cartografia e Cadastro (que nem é parte do processo) a enviar à Conservatória do Registo Predial a Planta Cadastral nº 3854/1992 com indicação da descrição nº 6150, para que, ao abrigo do artigo 81º do Código de Registo Predial, a descrição nº 6150 seja oficiosamente actualizada com os elementos constantes da planta cadastral em causa”.
Bem pelo contrário, como já supra referimos, a nulidade do acto de rectificação oficiosa da planta cadastral nº 3854/1992 ora verificada nada impede que o Director da DSCC, no uso da faculdade prevista no nº 2 do artº 19º do DL 3/94/M promover a competente acção de rectificação judicial.
E caso esta acção vier a ser julgada procedente, a Entidade Recorrida pode voltar a praticar o novo acto com o mesmo conteúdo.
Por outro lado, “é na petição inicial do recurso contencioso que o recorrente, além do pedido principal de feição anulatória, pode acumular outro de feição condenatória à prática do acto devido, não o podendo formular nas alegações facultativas.” (Ac. do TSI, de 04/10/2018, Proc. nº 290/2017), pois “as alegações facultativas previstas no artº 68º do CPAC destinam-se para as partes fazerem uma análise crítica dos dados recolhidos nos autos até àquela fase, subsumindo-os ao direito aplicável, nas quais a Recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente (cfr. nº 3 do artº 68º do CPAC), mas nunca formular um novo pedido” (Ac. do TSI, de 21/06/2018, Proc. nº 152/2017).
Como é sabido, “vigora no contencioso administrativo o princípio da estabilidade da instância previsto no artº 212º do CPC, segundo o qual uma vez citada a parte contrária, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Face ao expendido, não é de admitir o pedido cumulado.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- julgar procedente o presente recurso contencioso, declarando a nulidade do acto recorrido nos termos acima consignados; e
- não admitir o pedido cumulado.
*
Custas pela Recorrente pelo indeferimento do pedido cumulado com 5UC taxa de justiça.
Sem custas por parte da Entidade Recorrida por gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 25 de Fevereiro de 2021.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Mai Man Ieng
1
110
658/2019