Processo nº 399/2020
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
XXX YYY (Macau), Limitada, vem recorrer contenciosamente do despacho do Secretário para a Economia e Finanças que em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a liquidação oficiosa adicional de imposto sobre veículos motorizados promovida pelo Director dos Serviços de Finanças.
Devidamente tramitado o recurso pelo Relator do processo, foi oportunamente submetido à discussão e à apreciação em conferência pelo Colectivo o seguinte projecto do Acórdão:
I. RELATÓRIO
XXX YYY (Macau), Limitada, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Exmº Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto contra a liquidação oficiosa M/6 2016/09/800061/6 que havia sido realizada pelo Sr. Director dos Serviços de Finanças, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
1) A Recorrente apresenta recurso contencioso por não se conformar com a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças que determinou a improcedência do recurso hierárquico necessário, acto do qual foi notificada através do Ofício n.º 010/NAJ/MG/2020, mantendo-se desse modo o acto de liquidação oficiosa do imposto sobre veículos motorizados promovido pelo Exmo. Senhor Director dos Serviços de Finanças;
2) Segundo o despacho ora impugnado contenciosamente, a liquidação oficiosa não merece censura “por não ter sido feita prova bastante no processo, o alegado, até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/Chapa de experiência (?) e omissão de registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido primeira matrícula em data posterior, na sequência da venda (...)”, conclusão que, salvo o devido respeito, a Recorrente vê como um absoluto contra-senso considerando o facto do mesmo veículo ser considerado novo por duas vezes pela Administração Fiscal, uma em Março de 2015 e outra em Março de 2016, sendo assim sujeito a uma liquidação inicial e a outra liquidação adicional com base em factos tributários distintos;
3) Com efeito, importa recordar que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, porquanto no dia 25 de Março de 2015 teria lugar a 9ª edição dos “Asian Film Awards”, sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da XXX, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados;
4) Por força do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ou seja, o facto tributário relevante foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados;
5) À data, a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
6) Note-se bem que a liquidação inicial não é posta em causa pelo despacho recorrido, aliás, é do ponto de vista legal um pressuposto necessário para a realização da liquidação oficiosa adicional ora posta em crise;
7) Posteriormente, no dia 11 Março de 2016, a Recorrente vendeu aquele automóvel a um terceiro, conforme se pode constatar da factura junta ao respectivo procedimento administrativo (cfr. o doc. n.º 2 junto com o recurso hierárquico necessário);
8) Na verdade, a transmissão efectuada pela Recorrente para um terceiro, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim, desde logo, a liquidação adicional oficiosa em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à norma de incidência do artigo 2.º do RIVM, devendo ser anulada nos termos dos artigos 124.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC;
9) Em todo o caso, e na sequência dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa com base em omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para o terceiro estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM e, por força da nova tabela de aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015), o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.º, n.º 3, do RIVM;
10) Pelo que haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o montante resultante da perda daquele benefício fiscal, isto é, MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas);
11) Salvo o devido respeito por opinião contrária, mais grave ainda que a tributação pela transmissão de um veículo usado nos termos acima descritos, é a evidente ilegalidade da cumulação de dois factos tributários distintos, um para efeitos de sustentação de uma liquidação inicial e outro, posterior, para efeitos de fundamentação de uma liquidação adicional com base em erros ou omissões;
12) É que o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não sendo admissível que a Administração Fiscal proceda a uma liquidação oficiosa, que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), isto é, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM;
13) Retirando, a posteriori, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
14) Como é evidente, o princípio “tempus regit actum” impede que a Direcção dos Serviços de Finanças efectue uma liquidação pretensamente adicional (por supostos erros ou omissões) que, na verdade, mais não traduz do que a exclusão de um benefício fiscal em virtude de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes com a qual a Recorrente não poderia razoavelmente contar em 22 de Março do mesmo ano;
15) Pelo que o artigo 18.º do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada e não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM;
16) O despacho recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças nunca chega a apreciar esta questão de direito que a Recorrente volta a suscitar perante V. Ex.ªs, Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância, isto é, a ilegalidade da liquidação adicional com base em facto tributário cumulativo e diverso, bem como o agravamento do imposto devido por conta de alterações legais que só entraram em vigor após a liquidação inicial;
17) Em suma, não preenche o conceito de liquidação oficiosa “adicional” a realização de uma nova liquidação com base noutro facto tributário com total desconsideração do facto tributário objecto da liquidação inicial, sob pena de violação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 17.º e 18.º do RIVM, já que uma liquidação adicional só pode ser feita por conta de erros ou omissões na liquidação inicial e tendo por base, obviamente, o mesmo facto tributário;
18) Por outro lado, ainda que não fosse superiormente entendido que a liquidação oficiosa posta em causa não merece censura, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se dirá que não poderiam ser cobrados juros de mora à ora Recorrente;
19) Isto porque o artigo 20.º, n.º 1, do RIVM determina que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.”;
20) Como se deixou claro, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, mas que posteriormente, por efeito de uma liquidação oficiosa por factos ocorridos após a liquidação inicial (!), de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, a Recorrente foi notificada para o pagamento de um montante adicional de MOP$60,000.00;
21) Não se alcançando em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não podendo contar com uma liquidação oficiosa adicional com base em facto tributário diverso!;
22) Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.º do RIVM, pelo que a liquidação de juros é, por si só, anulável nos termos dos artigos 124.º do CPA e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC por conta do vício de lei que a afecta.
Nestes termos e no mais de Direito, deverá o presente recurso contencioso ser julgado integralmente procedente e, consequentemente, deverá ser anulado o acto administrativo impugnado.
Subsidiariamente, caso se entenda legalmente admissível a liquidação oficiosa “adicional” promovida, sempre se dirá que, em todo o caso, deverá o acto administrativo em causa ser parcialmente anulado, na parte relativa aos juros de mora, dado que não se encontram preenchidos os requisitos constantes do artigo 20.º do RIVM conforme demonstrado supra.
Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, nos seguintes termos:
I. DO OBJECTO DO RECURSO
1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, 02.03.2020, exarado na Proposta nº 023/NAJ/MG/2019, notificado à recorrente através do ofício nº 010/NAJ/MG/2020, que indeferiu o recurso hierárquico interposto contra a liquidação oficiosa que havia sido realizada mediante despacho do Exm.º Senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.º 0685/NVT/DOI/RFM2016, conforme consta da respectiva notificação constante no M/6 n.º 2016/09/00061/6 (cf Processo instrutor).
2. Tratando-se de um recurso contencioso de mera legalidade, ele limita-se a solicitar a “anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica” - Cfr. artigo 20.º do CPAC.
3. Assim sendo, o que há a discutir nos presentes autos é a verificação ou não dos alegados vícios do acto administrativo, ora impugnado - Cfr, artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) a e) e n.º 2 do CPAC.
4. Fundamenta-se o presente recurso em alegados “vícios de facto e de direito”
A) POR IMPUGNAÇÃO
5. Por não se mostrarem idóneos a operar o efeito pretendido pela recorrente, impugnam-se os fundamentos invocados pela recorrente bem como toda a matéria vertida na petição de recurso.
6. As regras do regulamento do imposto sobre os veículos motorizados são claras, designadamente no que tange ao momento da exigibilidade previsto no artigo 4º que responde as múltiplas factualidades possíveis.
7. Alega a recorrente que disponibilizou 25 veículos, enquanto concessionária da XXX, e a título de “patrocínio”, para serem usados para transporte dos “convidados” da 9ª Edição dos “Asian Film Awards”.
8. Que a mesma não dispunha desse número de “veículos registados” em seu nome.
9. E que foi alegadamente por isso que teve que “matricular provisoriamente” alguns veículos novos, afectando-os assim, para uso próprio.
10. Ora nada do alegado tem qualquer evidência em sede processual, que comprove essa factualidade.
11. Apenas se sabe, cotejado o processo instrutor, que o veículo em questão, objecto da licença de importação n.º******/2014 teve, após requerimento ao abrigo do disposto no artigo 53.º do Regulamento do Transito Rodoviário, Aprovado pelo Decreto-Lei n.º l7/93/M, a chapa, em “regime de experiência” EX- ***.
12. Como postula o mesmo artigo:
“1. Durante as formalidades de matrícula dos automóveis e motociclos, podem estes ser autorizados a circular em regime de (Experiência) por um período de 15 dias, para o que será fornecida chapa própria pelo DSAT, a pedido do interessado, mediante preenchimento de impresso apropriado e pagamento das respectivas taxas.
2. As chapas de experiência só podem ser utilizadas nos veículos para que foram requeridas, sob pena de multa de 1.500,00 patacas, devendo a respectiva matrícula ser requerida no prazo de 10 dias, sob pena de multa de 1.500,00patacas.”
13. A própria recorrente reconhece que não matriculou o veículo nem o registou dentro do prazo legal, como estava obrigada em conformidade com a sua alegada “afectação para uso próprio” este processo de matrícula foi abortado.
14. E não logrou a mesma demonstrar sequer o uso efectivo nesse acontecimento público, pelo que, não pode o mesmo ser atendido por mero efeito declarativo.
15. Na data em que a recorrente liquidou o IVM, em 22 de Março de 2015, ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2º do RIVM tal parecia conforme com a possibilidade da recorrente, como concessionária que, enquanto agente económico no circuito da comercialização de veículos motorizados pode afectar veículos para uso próprio.
16. Mas para tanto tem que cumprir com as formalidades legais obrigatórias de matrícula e registo do veículo em seu nome.
17. Não o tendo feito e tendo vendido o veículo a um particular resulta que o seu propósito inicial mudou e haverá que ser feita liquidação em conformidade com as normas em vigor na data da venda, como postula a alínea 1) do artigo 4.º do RIVM.
18. As regras e tabelas das normas ecológicas de emissão de gases poluentes foram alteradas, por via da publicação do Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8 de Abril, o que teve implicações na elegibilidade para efeitos da “redução da taxa” do IVM previsto no nº3 do artigo 16º do RIVM.
19. Todas estas regras são claras, designadamente as que respeitam as questões transitórias decorrentes da alteração e sucessão das regras e sua aplicação no tempo, como se pode verificar claramente no aludido despacho.
20. Em conformidade com o que antecede, e tendo sido detectado um movimento anómalo de cancelamento de “chapas de experiência” por parte da recorrente, sem que os mesmos veículos tenham sido matriculados e registados em nome da mesma, em conformidade com a propósito declarado de afectação dos mesmos para uso próprio enquanto agente económico no circuito de comercialização de veículos motorizados, foi determinada pela autoridade tributária uma Fiscalização Externa, realizada pelo respectivo núcleo na acção n.º015/NVT/DOI/RFM.
21. E foi na sequência desta fiscalização, bem como da ulterior venda do veículo, em Março de 2016, ao particular, que foi desencadeado o acto de liquidação oficiosa, prevista no artigo 18.º do RIVM.
22. Efectivamente, apenas com a factualidade superveniente, supra evidenciada, é que a Administração Fiscal teve conhecimento de que a recorrente tinha mudado de ideias quanto ao destino de um lote de veículos, no qual se integra o sub judice, em face disso, (Cf Processo instrutor a páginas 31 e 32)
23. bem como da alteração das regras e tabelas das normas ecológicas de emissão de gases poluentes foram alteradas, por via da publicação do Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8 de Abril, este veículo deixou de beneficiar da “redução da taxa” do IVM previsto no nº3 do artigo 16º do RIVM, em MOP60.000,00
24. E, em face da venda a particular na data supramencionada importa efectuar a liquidação do valor em falta, decorrente da não efectivação da afectação do veículo para uso da recorrente com a devida e necessária promoção do procedimento de matrícula e registo a seu favor no prazo legal.
25. A prática descrita pela recorrente corresponde a uma inadmissível tentativa de fraude à lei fiscal mas também à lei e ao regulamento do trânsito rodoviário e ao comércio jurídico da venda de veículos.
26. Sem a concretização da matrícula e do respectivo registo em favor da recorrente a mesma actuou de modo equivalente ao ter adquirido o lote para armazenamento para venda futura com o benefício indevido do valor reduzido da taxa de IVM prevista na alínea 3) do artigo 16º do RIVM.
27. Isto porque este benefício está dependente, quando há sucessão de normas, como é o caso da alteração nas tabelas operada pela entrada em vigor do Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8 de Abril, ao momento da exigibilidade do imposto que, in casu passou a ser o momento da transmissão do veículo para o consumidor, conforme dispõe a alínea 1) do artigo 4.º do RIVM;
28. Efectivamente, o veículo em termos legais ficou como novo por não ter sido feito o registo do veículo para obtenção de matrícula e subsequente registo em favor da recorrente no prazo de 30 dias nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 49 /93/M.
29. E o aproveitamento que foi feito, por motivos de economia processual, do montante da liquidação feita pela recorrente em Março de 2015 em nada prejudicou esta, muito pelo contrário, foi apenas uma forma expedita de modo a evitar o incómodo à contribuinte com pedido e processamento da devolução do montante e subsequente pagamento de valor maior em total em dívida. Deste modo pagou apenas a diferença em falta.
30. O veículo, contrariamente ao alegado pela recorrente, não foi considerado novo duas vezes, porquanto ao não ter sido requerida a matrícula e o registo o veículo nunca chegou a constar na titularidade e esfera jurídica da recorrente, sendo apenas matriculado e registado como novo na esfera jurídica do particular adquirente.
31. A ser admitida a prática defendida pela recorrente ficaria aberta a possibilidade de todos os importadores e YYY, perante uma futura alteração das normas ecológicas, importar massivamente lotes de veículos mais poluentes para ficarem armazenados e irem sendo vendidos até com a publicitação desse benefício ilegítimo: “Comprem que estes ainda tiveram a redução de MOP60.000 de IVM!”
32. Ora isto seria uma inquestionável fraude a lei fiscal bem como das políticas da RAEM de promoção da qualidade ambiental, dando esse beneficio apenas em função de uma cada vez melhor economia energética e redução das emissões poluentes.
33. Contrariamente ao vertido no ponto 27.º da P.I. a entidade recorrida não considera provado o alegado “Uso próprio”, admite outrossim um eventual uso circunstancial, quiçá até simulado para dar a aparência, mas conformado com o que a seguir citamos da notificação da recorrente do despacho da entidade recorrida no âmbito da decisão do recurso hierárquico necessário - Cf oficio n.º010/NAJ/MG/2020:
“4. Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM, com base no alegado “uso próprio” do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
5. Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de “chapa de Experiência” na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o “registo do veículo – 1º pedido” na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
6. Ora não tendo logrado nem em sede de reclamação, nem em sede do presente recurso hierárquico juntar a documentação comprovativa dos actos necessários a prova dos actos supra mencionados, a qual lhe competia demonstrar, considera a administração fiscal que não ficou demonstrado o alegado.
7. Em conformidade com o que antecede, que é reforçado com os indícios de que o uso foi, no limite, meramente circunstancial, do lote de 25 veículos, no qual se incluí o que respeita ao acto ora recorrido, porquanto foi imediatamente cancelada a chapa de experiência,
8. O que teve como consequência que aquando da aquisição pelo efectivo consumidor final, o mesmo efectuou o pedido e obteve a matricula do mês e ano do momento da aquisição e efectuou o registo do veículo com a data correspondente a Março de 2016, sendo que, como decorrência o veículo não tem, como devia, junto ao processo qualquer sinal registral ou administrativo de ter tido o alegado uso por parte do importador, ora recorrente.”
34. Improcede de igual modo o alegado no ponto 48.º da P.I. A recorrente é que pretende o melhor dos dois mundos, qual seja o de ter pago antecipadamente o valor do IVM, beneficiando das regras de redução de MOP60.000 em Março; mantendo o veículo novo em face da virgindade em termos registrais e de matrícula na DSAT (a qual beneficiou da obtida conforma a numeração a data posterior a venda em Março de 2016.
35. Como supra se disse o valor do IVM corrigido pela liquidação oficiosa respeita ao facto tributário real que foi a venda do veículo ao particular e não a simulada ou não concretizada aquisição para uso próprio da recorrente, tendo sido considerado, por razões de economia processual que beneficiam a recorrente que o valor seja pago pelo montante em falta, ou seja, pelo pagamento da redução de MOP60.000 a que não tinha direito.
36. Foi a recorrente que, com a sua actuação, em desconformidade com as normas legais imperativas, quer se considere uma simulação do alegado “uso próprio” quer tenha mudado de intenção supervenientemente, por o(s) veículo(s) afinal não terem sido necessários para o fim inicial pretendido, deu origem a necessidade de liquidação oficiosa.
37. Se a Administração Fiscal tivesse procedido, como parece defender a recorrente no ponto 49º e 50º, anulando a primeira liquidação e procedendo a uma nova, teria dado o mesmo resultado em termos de valor porquanto o veículo foi vendido sem ter averbado qualquer registo de propriedade em favor da recorrente nem tão pouco tendo uma matrícula anterior a definitiva obtida após a venda ao particular em Março de 2016.
38. Continua a recorrente sempre na sua tese olvidando que foi a própria quem, erroneamente, requereu a liquidação de Março de 2015, com base em factualidade e juridicidade falsos, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, de 30 de Março, foi publicado no Boletim Oficial no dia 8 de Abril, tendo entrado em vigor no dia seguinte.
39. Pelo que foram cumpridas todas as normas tributárias e muito se estranha que a recorrente venha agora contestar o aproveitamento processual da liquidação de Março de 2015, e dado que o sujeito passivo é sempre a própria recorrente, nos termos da norma de incidência pessoal do artigo 3.º do RIVM, simplesmente tendo-se constatado a venda ao particular sem se ter consolidado na ordem jurídica o registo do veículo para “uso próprio” prevalecendo assim a verdade material tributária, ou seja a alínea a).
40. Pugnar por um purismo tributário quando foi a mesma quem deu origem a desconformidade consubstancia uma ofensa à boa fé decorrente de um “venire contra factum proprium”, A Administração Fiscal confia na declaração do contribuinte ... até ter prova em contrário, como foi o caso sub judice.
41. É um pouco como, metaforicamente a criança que apanhada a furtar o chupa chupa na mercearia vir pedir, em reconvenção, uma indemnização por ter tido uma dor de barriga ...
42. Que teria ganho a recorrente com a anulação da primeira liquidação e a liquidação subsequente pelo valor devido a data da venda ao particular? Zero!
43. Outrossim sucederia, o que não se concede, se fosse acolhida a tese do pretenso uso próprio e venda do veículo usado ao particular.
44. Ora nem sem sede de recurso hierárquico nem na petição inicial nos presentes autos a recorrente consegue arguir qualquer facto que obste ao entendimento supra mencionado bastamente em ambas as sedes, qual seja:
“Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM em Março de 2015, com base no alegado “uso próprio” do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só O pedido de “chapa de Experiência” na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o “registo do veículo -1º pedido” na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
45. A mesma factualidade, relativamente a outro veículo da recorrente, foi julgada recentemente - Cf Acordão do TSI, de 28 de Maio, p.p, processo nº27/2019 no qual o colectivo julgou improcedente o recurso porquanto:
“Ora, não é difícil perceber que enquanto a transmissão contemplada na alínea 1) do art.2º do RIVM é aleatória por natureza, a importação para uso próprio e a afectação para uso próprio dependem, predominantemente ou até exclusivamente, da vontade de importares ou de agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização referidos nas alíneas 2) e 3) do art.2º citado, por isso e nesta medida, as situações tipificadas nas alíneas 2) e 3) são controláveis pelos correspondentes sujeitos passivos.
Assim, e visto que as três modalidades da incidência real estabelecidas no mencionado art.2º correspondem aos momentos da exigibilidade diferentes (art.4º deste diploma legal), a prevenção e combate com evasão fiscal exigem imperativamente que o uso próprio tenha de ser real, efectivo e duradouro, não seja meramente ocasional e episódico, designadamente não possa ser manobra ou pretexto da fraude fiscal.
No vertente caso, sucede que a recorrente solicitou ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego que “作為贊助亞洲電影大獎於2015年3月25日接載嘉賓之用,現該活動已圓滿結束,所以特函貴局申請取消該試車牌,並願意繳付有關費用” (doc. de fls.34 do P.A. sublinha nossa.). Reconheceu ela, e bem, que o referido patrocínio tivera também em vista a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados (art.7º da petição inicial).
Sem embargo do merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que tal patrocínio não constitui nem equivale à afectação para uso próprio definida na alínea 3) do art.º 2.º do RIVM, portanto, é irrelevante para os efeitos consagrados na alínea 3) do art.4º deste RIVM. O que implica que o momento da exigibilidade do imposto recaiu em 12/11/2015 data da venda aludida no art.º 16º da petição. E não existindo real afectação para uso próprio nem matrícula e registo efectivos até 12/11/2015 acima, os veículos utilizados tão-só para concretização do dito patrocínio não deixam de ser novos para efeitos do imposto sobre veículo motorizados.
Tudo isto impulsiona a inferir que a venda ocorrida em 12/11/2015 constitui a primeira disposição dos veículos para os efeitos consignados na alínea 3) do art. 4.º e no n.º3 do art.16.º do RIVM, pelo que ao caso sub judice se deve aplicar o Despacho n.º59/2015 do Chefe do Executivo que entrou em vigor desde 09/04/2015 - dia seguinte à sua publicação, e revogou as Tabelas I e II anexas ao Despacho n.º41/2012 do mesmo.
Sendo assim, e na medida em que a liquidação em 22/03/2015 pela recorrente se baseou na inexistente afectação para uso próprio e provocou prejuízo à RAEM, o director da DSF pode e deve proceder à liquidação oficiosa adicional dentro do prazo de cinco anos contado a partir da sobredita venda em 12/11/2015 (arts.18º/1 e 19º do RIVM).
Nesta linha de raciocínio e tendo em conta que em 20/10/2016 o Sr. director da DSF proferiu o despacho que ordenou a liquidação oficiosa adicional (doc. de fls.1 a 3 do PA.), não podemos deixar de colher que a mesma liquidação oficiosa que viu confirmada e mantida pelo despacho ora em questão é por completo legal e legítimo, não infringindo nenhuma norma mencionada na conclusão 17) da petição.”
…
“Em face do disposto nos art.ºs 2º e 4º do «Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados», não é tida como integrante em qualquer das situações previstas nas várias alíneas desse art.º 2º a afectação pelo importador, a título temporário e não translativo da propriedade, de veículos novos como forma do patrocínio em espécie no determinado evento, com vista à promoção da imagem da marca do veículos que comercializa e/ou do seu fabricante, nem o momento da tal afectação considerado o da exigibilidade do imposto a que se refere o citado art.º 4º.”
46. Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que se requer a V.Exª que seja o presente recurso declarado improcedente e, consequentemente, mantido o acto recorrido.
As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas o que ambas fizeram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer concluindo pela procedência do recurso e anulação do acto recorrido.
Foram colhidos os Vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Em 23.03.2015 a ora Recorrente com base na afectação para uso próprio feita por agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização (artº 2º al. 3) do RIVM) realizada em 22.03.2015, do veículo importado sob a licença ******/2014 e chassis nº ......, liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados no valor de MOP358.000,00 o qual foi pago na mesma data tudo conforme consta de fls. 47 a 491 do processo administrativo apenso;
b) A Recorrente alega que enquanto patrocinadora da 9ª Edição dos “Asia Film Awards” e concessionária da XXX, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados e também, para promoção e publicidade dos veículos por si comercializados. Uma vez que o número de carros registados em nome da Recorrente não era suficiente para as necessidades do evento a Recorrente afectou a uso próprio alguns veículos novos de modo a poder matriculá-los provisoriamente para os fins supra indicados;
c) Em 11.03.2016 a Recorrente vendeu o automóvel com o chassis nº ...... a A conforme documento a fls. 33 do processo administrativo apenso;
d) Em 20.10.2016 o Director do Serviço de Finanças procedeu à liquidação adicional do imposto de MOP178.400,00 e juros compensatórios de MOP9.770,00, conforme despacho da mesma data exarado na proposta nº 0685/NVT/DOI/RFM/2016 cujos fundamentos aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos, tudo conforme consta de fls. 36 a 40 do processo administrativo apenso;
e) Pela ora Recorrente foi interposto Recurso Hierárquico Necessário do indeferimento da reclamação por si apresentada contra a indicada liquidação – cf. fls. 22 e seguintes do processo administrativo apenso -;
f) Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 02.03.2020 exarado na proposta nº 023/NAJ/MG/2019 foi o Recurso Hierárquico Necessário interposto pela Recorrente indeferido nos termos que constam de fls. 26 a 40 (traduzido a fls. 52 a 70), cujo teor é:
«Eu próprio, usando da competência conferida pela Ordem Executiva no. 181/2019, concordo com o teor da presente proposta e indefiro o presente recurso hierárquico.
Secretário para a Economia e Finanças,
(ass. – vide original)
ZZZ
Aos 02 de Março de 2020
Da proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
“XXX YYY (MACAU), LIMITADA, contribuinte n.o ********, com sede em Macau, na Rua ......, n.o ...-..., R/C, notificada da resposta à reclamação apresentada contra a liquidação oficiosa do Imposto sobre Veículos Motorizados efectuada na sequência da recepção da Guia n.o 2016-09-******-0-0.
Alega a recorrente que:
1.o Nos termos da notificação n.o 2016/09/800061/6, de 25 de Outubro de 2016, foi dado conhecimento à ora Recorrente da liquidação oficiosa determinada por despacho do Exmo. senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.o0701/NVT/DOI/RFM/2016, ao abrigo do artigo 18.o, n.os 1 e 2, do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (“RIVM”).
2.o Segundo a referida notificação, tal liquidação oficiosa ficou a dever-se a omissões ou erros, dos quais resultou prejuízo para a RAEM, sendo que ao imposto já anteriormente pago no montante de MOP$275,500.00 (duzentas e setenta e cinco mil e quinhentas patacas), competia ainda liquidar a título de imposto a quantia de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), acrescida de MOP$5,209.00 (cinco mil duzentas e nove patacas) a título de juros compensatórios.
3.o A ora Recorrente apresentou reclamação desta decisão no dia 11 de Novembro de 2016, vindo a mesma a ser indeferida conforme se extrai do ofício com a referência n.o 2350/NVT/DOI/RFM/2016, de 28 de Novembro de 2016 (Doc. n.o1).
4.o Resulta do sobredito ofício que:
“1. De acordo com uma carta de resposta da vossa empresa datada de 26 de Maio de 2015, em que se manifestou que, com o objectivo de promoção e publicitação, acordou disponibilizar 25 veículos de luxo para receber os convidados, como patrocínio, à 9ª edição dos “Asia Film Awards”, uma vez que o número de carros de luxo registados em nome da Recorrente não era suficiente para as necessidades do evento, foi necessário matricular provisoriamente alguns veículos novos, nos termos acima explicitados em apoio à 9.a edição dos “Asian Film Awards” para receber os convidados em 25 de Março de 2015 e logo após o evento, foi cancelada a respectiva matrícula provisória em 27 de Março de 27 do mesmo ano.
2. Além disso, de acordo com as informações da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego e da Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis, revelaram-se também que o proprietário do veículo era Leong Io Hong e não a vossa empresa, assim se provou a data de transmissão contida do respectivo modelo M/4, ou seja, 22 de Março de 2015, foi cancelada a afectação para uso próprio do veículo. Tendo em conta que o veículo só pode circular na via pública depois de ser legalmente emitida a matrícula provisória, por outras palavras, o respectivo veículo, após o cancelamento da matrícula provisória, ainda se encontrava armazenado, segundo a opinião jurídica, não se considerava haver ocorrido o facto da transmissão, no momento em que foi novamente requerida a matrícula provisória em 09 de Outubro de 2015, assim se considerou que foi efectivamente efectuada a transmissão do referido veículo para o consumidor, pelo que, o facto de tributação do veículo em causa não está preenchido o reconhecimento do modelo das normas ecológicas de emissão de gases poluentes aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.o 59/2015, razão pela qual não pode gozar de redução fiscal”.
as normas ecológicas de emissão de gases poluentes
5.o Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal decisão padece de vícios de facto e de direito que implicam a invalidade do acto ora impugnado.
Senão vejamos,
II. DOS VÍCIOS DE FACTO E DE DIREITO
6.o Em primeiro lugar, importa referir que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.
7.o Com efeito no dia 25 de Março de 2015 teve lugar em Macau a 9ª edição dos “Asia Film Awards”, sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da XXX, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados.
8.o Uma vez que o número de carros registados em nome da Recorrente não era suficiente para as necessidades do evento, foi necessário matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os assim para uso próprio, nos termos acima explicitados em apoio à 9.a edição dos “Asian Film Awards”.
9.o Como “Nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou que beneficia de isenção.” (artigo 21.o, n.o 2, do RIVM), a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido, como se disse, nos termos da alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.
10.o Daqui resulta que o facto tributário, isto é, a situação de facto concreta prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados.
11.o Situação que não mereceu qualquer censura ou oposição por parte da Administração Fiscal, que procedeu à respectiva cobrança junto da Recorrente.
12.o Importa ainda mencionar que a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012.
13.o Na sequência do pagamento do IVM nos termos acima descritos, veio o veículo em causa a ser utilizado no âmbito da 9.a edição dos “Asian Film Awards”, após o que foi cancelada a respectiva matricula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
14.o Entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.o 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015.
15.o E no dia 24 de Dezembro de 2015 entraram em vigor as alterações ao RIVM promovidas pela Lei n.o 14/2015, entre as quais uma nova tabela de imposto (artigo 3.o anexo da Lei n.o 14/2015).
16.º Posteriormente, no dia 11 de Março de 2016, a Recorrente vendeu aquele automóvel ao Sr. A, conforme resulta da factura que ora se junta sob o Doc. n.o 2.
17.o A coberto dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa, por omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para o Sr. A estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.o do RIVM.
18.o Ora, com a nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.o 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015], o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.o, n.o 3, do RIVM.
19.o Pelo que, segundo a Administração Fiscal, haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o momtante (sic.) resultante da redução das taxas de IVM, isto é, MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas).
20.o Por outro lado, por força das alterações do RIVM constantes da lei n.o 14/2015, que entrou em vigor no dia 24 de Dezembro de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela recorrente em 22 de Março de 2015, há um agravamento em MOP$118,400 (cento e dezoito e quatrocentas patacas) no montante total de IVM devido pelo automóvel em causa ao abrigo das novas taxas de imposto.
21.o Ao fim e ao cabo, a Direcção dos Serviços de Finanças, arbitrariamente, passou a considerar como facto tributário a transmissão para o Sr. A, socorrendo-se para tanto da alínea 1) do artigo 2.o do IVM e, uma vez que essa transmissão ocorreu não só depois da entrada em vigor da nova tabela de valores-limite das emissões de bases poluentes mas também após a Lei n.o 14/2015 que provocou um agravamento do IVM devido, razões pelas quais o imposto anteriormente pago (ao abrigo de um outro facto tributários!) não só não poderia gozar de uma redução nos termos do artigo16.o, n.o 3, do RIVM como devia ainda ser agravado ao abrigo da nova tabela das taxas de IVM!
22.o Como é bom de ver, tal interpretação efectuada pela Direcção dos Serviços de Finanças não tem base legal, o que se diz sem prejuízo de melhor opinião.
23.o Desde logo, porque o veículo já havia sido afectado para uso próprio da Recorrente, tendo por isso pago o competente IVM, não sendo por isso um veículo motorizado novo conforme exige a norma de incidência real prevista na alínea 1) do artigo 2.o do RIVM, mas antes um veículo usado.
24.o Até porque não se oferecem quaisquer dúvidas quanto à natureza mutuamente excludente das diversas alíneas do artigo 2.o do RIVM, já que um veículo motorizado só pode ser novo por uma única vez.
25.o Donde se retira que a transmissão efectuada pela Recorrente para o Sr. A, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim a liquidação adicional oficiosa em erro nas pressupostos de facto e de direito.
26.o Mais relevante ainda, o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.o do RIVM!
27.o Não poderia, pois, a Administração Fiscal efectuar agora uma liquidação oficiosa que se pretende adicional com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), qual seja, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1 do artigo 2.o do RIVM.
28.o Desse modo retirando, a posterior!, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.o, n.o 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012.
29.o Por outro lado, é também claro e inegável que não há quaisquer erros ou omissões se, no momento inicial da liquidação, a Recorrente gozava de um benefício fiscal que deixaria de usufruir de acordo com regras em vigor em momento posterior.
30.o Pelo que o artigo 18.o do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso pela Direcção dos Serviços de Finanças, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada.
31.o E não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.
32.o Acresce que são ainda contabilizados pela Autoridade Tributário juros compensatórios no total de MOP$5,209.00 (cinco mil, duzentas e nove patacas).
33.o Ainda que fosse de entender que a Administração Fiscal pode, arbitrariamente, alterar o facto tributário relevante, o que só por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que a lei já permitiria liquidar juros compensatórios neste tipo de situações.
34.o Com efeito, diz o artigo 20.o, n.o 1, do RIVM que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação do imposto devido. a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.”.
35.o No presente caso, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.o do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, pelo que o imposto foi devidamente cobrado.
36.o Sucede que apenas posteriormente, por alteração dos pressupostos de facto, de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, veio a ser efectuada uma liquidação oficiosa (alegadamente) adicional nos termos descritos acima.
37.o Não se compreendendo em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.
38.o Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.o do RIVM.
39.o Em suma, a liquidação oficiosa “adicional” padece de erros nos pressupostos de facto e de lei que conduzem à sua anulabilidade ao abrigo do artigo 124.o do Código do Procedimento Administrativo, designadamente porque a coberto de uma pretensa liquidação adicional oficiosa, a Administração Fiscal vem, efectivamente, realizar uma nova liquidação com base num suposto facto tributário que só teria ocorrido já depois da devida liquidação do IVM nos temos da alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.”
Confrontando o alegado pela recorrente com a factualidade que a mesma ofereceu aos autos e o respectivo enquadramento legal:
1. O Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados, doravante RIVM, aprovado pela lei n.o 5/2002 consagrou uma regra de incidência real, no artigo 2.o, que dispõe que o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
2) As importações de veículos motorizados novos para uso próprio do importador;
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores.
2. E a norma de incidência pessoal prevista no artigo 3.o determina que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que:
1) Transmitam veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado;
2) Procedam à importação de veículos motorizados novos para uso próprio;
3) Procedam às afectações para uso próprio referidas na alínea 3) do artigo 2.o;
3. Finalmente no que concerne ao momento da exigibilidade do imposto o artigo 4.o dispõe que o imposto é exigível;
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
2) Na data da notificação, pela Direcção dos Serviços de Economia, da emissão da licença de importação, nos casos de importação para uso próprio;
3) No momento da afectação para uso próprio efectuado pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
4. Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM, com base no alegado “uso próprio” do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
5. Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de “chapa de Experiência” na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o “registo do veículo – 1º pedido” na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
6. Ora não tendo logrado nem em sede de reclamação, nem em sede do presente recurso hierárquico juntar a documentação comprovativa dos actos necessários a prova dos actos supra mencionados, a qual lhe competia demonstrar, considera a administração fiscal que não ficou demonstrado o alegado.
7. Em conformidade com o que antecede, que é reforçado com os indícios de que o juso foi, no limite, meramente circunstancial, do lote de 25 veículos, no qual se inclui o que respeita ao acto ora recorrido, porquanto foi imediatamente cancelada a chapa de experiência.
8. O que teve como consequência que aquando da aquisição pelo efectivo consumidor final, o mesmo efectuou o pedido e obteve a matrícula do mês e ano do momento da aquisição e efectuou o registo do veículo com a data correspondente a Outubro de 2015, sendo que, como decorrência o veículo não tem, como devia, junto ao processo qualquer sinal registral ou administrativo de ter tido o alegado uso por parte do importador, ora recorrente.
9. Tendo sido, como reconhece e é público, publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.o 59/2015, em 8/4/2015, que Alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012 (que por sua vez Aprovou as《Normas Ecológicas de Emissão de Gases Poluentes por Automóveis Ligeiros Novos》), o mesmo entrou em vigor no dia 9 de Abril.
10. Por último, e em conformidade com o que antecede foi efectuada a liquidação oficiosa (adicional) ao abrigo do disposto no artigo 18º do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas) acrescido de MOP$5,209.00 (cinco mil, duzentas e nove patacas) a título de juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 20.o do mesmo diploma. Isto em decorrências das normas ecológicas em vigor a 12 de Novembro de 2015 – porquanto, nos termos do disposto nos artigos 2.o 1) e 4.o 1) após te chegado ao conhecimento da Administração Fiscal a notícia da venda do veículo ao consumidor final – A – sem que a recorrente tivesse promovido o registo e matrícula do veículo em stock.
Conclusões
1. O imposto sobre veículos motorizados incide sobre as importações ou afectações para uso próprio de veículos motorizados novos ou sobre as transmissões para os consumidores de veículos motorizados novos efectuadas na RAEM, sendo sujeitos passivos as pessoas que exerçam a actividade de venda de veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado, e os que procedem à importação ou afectação de uso próprio de veículos motorizados novos.
2. A Recorrente alega que, no dia 22 de Março de 2015, liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.o do RIVM.
3. A Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria, na data da “autoliquidação” prevista no artigo 17.o do RIVM, com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012.
4. Na sequência do pagamento do IVM alega que o veículo em causa foi utilizado no âmbito da 9.ª edição dos “Asian Film Awards”, após o que foi cancelada a respectiva matrícula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
5. Ao ter cancelado a matrícula provisória não cumpriu os requisitos legais decorrentes da alegada “importação de veículos novos para uso próprio do importador”, a saber o registo do veículo para obtenção de matrícula e subsequente registo em favor da recorrente no prazo de 30 dias nos termos do disposto no no 2 do artigo 5º do Decreto-Lei n.o 49/93/M.
6. Pelo que não pode ser considerado, por não ter sido feita prova bastante no processo, o alegado, até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/Chapa de experiência e omissão de registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido primeira matrícula em data posterior, na sequência da venda, em 11 de Março de 2016, a A que obteve a primeira matrícula e, posteriormente, obteve o primeiro registo da propriedade do veículo na conservatória do registo comercial e de bens móveis da RAEM.
7. Tendo entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, sido publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.o 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.o 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015, tendo sido promovida pela Administração fiscal a liquidação oficiosa, adicional, efectuada em conformidade com a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 18º do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), acrescido de MOP$5,209.00 a título de juros compensatórios nos termos do disposto no artigo 20.o do mesmo diploma.
De tudo o quanto se explanou, não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa, uma vez que, estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos nos artigos 1º, 2º, 4º,16º, 17º, 18º e 20º do RIVM, que motivam a revisão oficiosa do acto tributário e determinam a correcção da matéria colectável tendo a Sociedade sido notificada correctamente e nos termos do artigo 2º, do DL n.o 16/84/M.
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V. Ex.a que seja negado o provimento ao mesmo.
Caso superiormente assim se entenda, este é, salvo melhor, nosso parecer.”
Pelas razões expostas, o senhor Secretário para a Economia e Finanças, no uso das competências delegadas pelo senhor Chefe do Executivo através do n.o 1 da Ordem Executiva n.o 181/2019, exarou o despacho de concordância com a proposta e negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto.
Mais se comunica a V. Ex.a que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.o da Lei n.o 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.o 9/2004, e no artigo 7.º da Lei n.o 15/96/M, de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Apresento os meus cumprimentos.
g) Notificada daquela decisão em 16.03.2020 veio a Recorrente interpor este recurso contencioso em 04.05.2020.
b) Do Direito.
É o seguinte o teor do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal:
«1.
XXX YYY (Macau), Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico necessário oportunamente apresentado e manteve a liquidação oficiosa adicional de Imposto sobre Veículos Motorizados no montante de 60,000.00 patacas e de juros compensatórios no montante de 5,290.00 patacas efectuada pelo Director dos Serviços de Finanças.
2
2.1
A questão que vem colocada no presente recurso é, em formulação sintética, a de saber se é legal a liquidação adicional e oficiosa de imposto sobre veículos motorizados (IVM) efectuada pela Administração fiscal.
De acordo com a Recorrente, tal liquidação é ilegal uma vez que, em 22 de Março de 2015, já havia procedido à liquidação nos termos previstos nos artigos 2.º alínea 3), 4.º, alínea 3) e 17.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM) aprovado pela Lei n.º 5/2002, no momento em que afectou o dito veículo ao seu uso próprio.
Como tal, prossegue a Recorrente, «não poderia a Administração Fiscal efectuar agora uma liquidação oficiosa que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, qual seja a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do mesmo Regulamento» (artigo 31.º da petição inicial do recurso contencioso).
A Administração fiscal, por seu lado, na fundamentação do acto recorrido considerou que apesar de a Recorrente ter alegado que o veículo em causa foi utilizado no âmbito da 9.ª edição dos «Asian Film Awards», não pode ser considerado o alegado, por não ter sido feita prova bastante no processo, «até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/chapa de experiência e omissão do registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido a primeira matrícula em data posterior (...)».
2.2
De acordo com o artigo 2.º do RIVM, «o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
(...)
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores».
Por outro lado, nos termos da norma do artigo 4.º do mesmo Regulamento, «o imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
(...)
3) No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
(…)».
No caso, a Recorrente alegou que em virtude do apoio que concedeu à 9.ª edição dos «Asian Film Awards» se viu obrigada a matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os ao uso próprio e que, por via dessa afectação, procedeu à liquidação do respectivo IVM dado que, como resulta do artigo 21.º, n.º 2 do RIVM, nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou beneficia de isenção.
A Administração fiscal efectou a liquidação oficiosa (adicional) aqui impugnada porque considerou que, quando a Recorrente procedeu à venda do veículo automóvel aqui em causa a um terceiro estava obrigada a proceder à liquidação do IVM, uma vez que essa transmissão estava sujeita a imposto nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, dado que o veículo estava como novo.
Todavia, com todo o respeito pela opinião contrária, nomeadamente, a que foi acolhida no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 27/2019, parece-nos que, ao actuar desta forma, a administração fiscal incorreu em violação de lei.
(i)
Em primeiro lugar porque ao liquidar imposto pela transmissão do veículo automóvel ao terceiro nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, a Administração fiscal está a desconsiderar a anterior afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente ou, mais rigorosamente, a anterior declaração de afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente e com base na qual foi efectuada a primeira liquidação de imposto.
No entanto, a legalidade da desconsideração dessa declaração por parte da Administração fiscal com a consequente liquidação oficiosa com base noutro facto tributário, estava dependente da prova de que a Recorrente não efectuou tal afectação ao uso próprio e de que, por isso, a declaração em causa não deveria ter originado a liquidação de imposto por consubstanciar uma operação de planeamento fiscal abusivo e por isso ineficaz a qualquer título.
Como é evidente e constitui entendimento pacífico, o ónus dessa prova dos factos constitutivos do direito de liquidar oficiosamente o IVM ou, dito de outra forma, dos factos integradores dos pressupostos dessa actuação agressiva da Administração recai sobre esta.
Acontece que a Administração fiscal não fez qualquer prova, nem em sede do procedimento tributário que culminou com a prática do acto agora impugnado nem em sede contenciosa, de factos que pudessem justificar a desconsideração da afectação do veículo ao uso próprio que foi declarada pela Recorrente e com base na qual esta liquidou o imposto.
É certo que a Recorrente, depois de obter a matrícula provisória não obteve a matrícula definitiva nem registou a aquisição na Conservatória competente. No entanto, daí não resulta que não tenha sido sua intenção afectar o veículo ao uso próprio, como, infundadamente, concluiu a Administração fiscal e, sobretudo, não significa que não o tenha utilizado enquanto tal. O que sucedeu foi que, face à efémera utilização do veículo no âmbito da 9.ª edição dos «Asian Film Awards», não se justificaria, na perspectiva da Recorrente, desenvolver outras formalidades, nomeadamente registrais, tendo por objecto tal veículo, uma vez que o mesmo se destinava a ficar armazenado para, no futuro, ser vendido a terceiros.
Com todo o respeito, não vemos que a lei exija que a afectação ao uso próprio seja duradoura ou permanente como se diz na fundamentação do acto recorrido. Apenas exige, a nosso ver, que ela seja efectiva como no caso foi (aliás, a este propósito sempre se poderia questionar o que significa permanente ou duradouro. Será que se os «Asian Film Awards» tivessem durado 10 dias e durante esses 10 dias o automóvel tivesse sido utilizado no âmbito dessa iniciativa se poderia considerar que o veículo continuava a ser novo, para efeitos do seu enquadramento na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM? Parece que não. E, no entanto, também aí não se poderia dizer que a afectação ao uso próprio teria sido permanente ou duradoura. Donde, a utilização deste critério para caracterizar a afectação ao uso próprio fiscalmente relevante acaba por se mostrar interpretativamente desinteressante, com todo o respeito pela opinião contrária o dizemos).
Diremos, portanto, que o facto de o automóvel ter sido usado no âmbito do «Asian Film Awards» retirou-lhe a característica de «veículo novo», afastando a tributação à luz da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM.
Também não se vislumbra que a lei determine em alguma norma que o registo seja condição necessária para se considerar que existiu afectação a uso próprio.
De resto, do ponto de vista do combate à fraude e à evasão fiscal, não vemos que diferença faz entre tributar a afectação ao uso próprio e tributar a transmissão de um veículo novo a um consumidor, na medida em que o imposto a pagar numa e noutra situação é exactamente o mesmo.
Mais. Parece-nos que a tributação da afectação do uso próprio foi legalmente prevista para, justamente impedir situações de evasão fiscal.
O que no caso aconteceu foi que, a diferença que se verificou no montante do imposto liquidado decorreu, não do facto de a Recorrente ter afectado o veículo ao uso próprio, mas de uma circunstância aleatória e conjuntural que foi a da alteração do quadro legal. Se essa alteração não tivesse ocorrido antes da transmissão do veículo a terceiro, não haveria qualquer diferença na tributação, o que só por si demonstra a falta de fundamento para enquadrar esta situação na norma do artigo 18.º do RIVM, nos termos da qual a liquidação oficiosa depende da verificação da falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau.
Diz a Entidade Recorrida, apenas em sede contenciosa é certo, que no caso terá havido uma «inadmissível tentativa de fraude à lei fiscal». No entanto, não cuida de demonstrar em que é consistiu essa fraude nem como é que a Recorrente sabia ou podia estar certa de que iria haver uma alteração da tabela das taxas do IVM e que essa alteração ia ser no sentido agravador das taxas, sendo que tal conhecimento era essencial para o êxito da dita operação de planeamento fiscal fraudulento, uma vez que se essa alteração não ocorresse o imposto a pagar no momento da transmissão do veículo ao consumidor final seria exactamente o mesmo. Em regra, as operações de planeamento fiscal fazem-se tendo em atenção o quadro legal existente num determinado momento.
Finalmente, é incontornável que, face ao disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a matrícula provisória, indispensável à circulação do veículo, dependia do pagamento do imposto, pelo que este não podia deixar de ser liquidado e pago pela Recorrente como efectivamente foi e não se vê de que outra forma isso pudesse ser feito senão através da sua afectação ao uso próprio.
Não cremos, portanto, que a Administração fiscal tenha logrado demonstrar os pressupostos da liquidação oficiosa de IVM que efectuou.
(ii)
Além disso, a Administração fiscal, apesar de considerar que a Recorrente não terá provado a alegada afectação o veículo ao seu uso pessoal e que, portanto, não se verificava o facto tributário tipificado na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ainda assim não deixou de manter essa liquidação e de efectuar uma liquidação oficiosa que tem natureza adicional. Fê-lo, todavia, com base num facto tributário diverso daquele que justificou a primeira liquidação: já não a afectação do veículo ao uso próprio, mas antes a transmissão para o consumidor de um veículo motorizado que, no dizer da Administração fiscal, «ficou como novo» não obstante a anterior matrícula provisória.
Como facilmente se compreende, isto não pode ser.
Na lição de ALBERTO PINHEIRO XAVIER, o acto tributário adicional «é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida» (cfr. do Autor citado, Conceito e Natureza do Acta Tributário, Coimbra, 1972, pp. 127-128).
Isso mesmo é o que resulta do artigo 18.º do RIVM, nos termos do qual «o director dos Serviços de Finanças promove oficiosamente a liquidação sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau».
Como se vê, portanto, o acto de liquidação adicional é determinado em razão da verificação de uma omissão de que resultou a fixação de um quantitativo de imposto inferior ao devido. No entanto, quando está em causa um imposto de obrigação única, como é o caso IVM, o facto tributário que subjaz ao acto de liquidação adicional não difere do que justificou a prática do acto tributário primitivo. Se for outro, a liquidação já não será adicional: ela não será um plus, mas, antes, um aliud.
Porém, no caso, a Administração fiscal não constatou qualquer omissão ou erro no primeiro acto de liquidação e, portanto, não estava legitimada a actuar ao abrigo da norma do artigo 18.º do Regulamento. Entendeu, diferentemente, que o facto tributário subjacente à liquidação efectuada pela Recorrente não se verificou. Ora, se o facto tributário se não verificou, a consequência a extrair pela Administração fiscal só poderia ser a da anulação da referida liquidação com a consequente efectivação de uma nova liquidação tendo por base um outro facto tributário, no caso, a transmissão do veículo ao consumidor final. O que não podia era manter a liquidação anterior e efectuar, oficiosamente uma liquidação adicional com base num facto tributário diverso.
Ao contrário daquilo que a Entidade Recorrida parece sustentar na sua alegação facultativa, não se trata de «purismo tributário» (seja isso o que for …) mas da estrita observância da lei.
Do ponto de vista jurídico não é inócuo falar-se- de uma liquidação adicional ou de uma liquidação que não é adicional. Com efeito, uma de duas: ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM (afectação do veículo a uso própria) ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM (transmissão do veículo novo a um consumidor final). Não podem ter ocorrido os dois factos tributários; eles excluem-se mutuamente. Se o veículo foi afectado a uso próprio do comerciante, a subsequente transmissão a um terceiro deixa de constituir um facto tributário.
Portanto, se a Administração fiscal manteve a primeira liquidação é porque considerou que ocorreu o facto tributário que a justificou e se assim é, parece-nos evidente que não pode efectuar uma liquidação adicional da qual resulte a aplicação a esse facto tributário ocorrido em Março de 2015 da nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, publicado em 8 de Abril de 2015 e que entrou em vigor no dia seguinte, dessa forma eliminando, retroactiva e, por isso, ilegalmente, o benefício fiscal resultante do n.º 3 do artigo 16.º do RIVM que havia sido considerado na primeira liquidação.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, a qual em termos conclusivos se reconduz a:
1. O Imposto Sobre veículos Motorizados, apenas pode, e tem de, ser liquidado nas situações previstas no artº 2º e 4º do RIVM, pelo que, pretendendo usar os veículos a que se reportam os autos não tinha a Recorrente outra solução que não fosse proceder à afectação do veículo a uso próprio, liquidar e pagar o imposto que fosse devido;
2. O imposto sobre Veículos Motorizados é liquidado apenas uma vez consoante a situação que ocorra primeiro das previstas nas indicadas disposições legais;
3. Não fosse a alteração legislativa ocorrida entre a liquidação do imposto por afectação a uso próprio e a data da venda do veículo a um terceiro e o montante a liquidar seria igual num e noutro momento;
4. Quando o imposto foi liquidado inicialmente não ocorre nenhuma das situações previstas no artº 18º do RIVM;
5. Caso a Administração Fiscal entendesse que não ocorreu o facto tributário que determinou a liquidação do imposto por afectação a uso próprio haveria de ter procedido à anulação dessa liquidação e proceder a uma nova liquidação com base no facto tributário que entendesse ser o fundamento para a liquidação;
6. Ao não proceder à anulação do imposto inicialmente liquidado não pode a Administração Fiscal vir proceder a uma liquidação adicional com base no fundamento que o facto tributário é outro que não aquele que serviu de fundamento à realização da mesma.
Destarte, entendendo-se que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, nos termos do artº 124º do CPA é o mesmo anulável, sendo de proceder o recurso com a consequente anulação do mesmo.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso anula-se o acto de liquidação adicional impugnado.
Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
Registe e Notifique.
Discutido e apreciado em conferência, este projecto não foi acolhido pela maioria do Colectivo.
Assim, o 1º Adjunto do Colectivo passou a encarregar-se de elaborar o seguinte Acórdão de acordo com a posição de vencimento:
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
As questões ora suscitadas nos presentes autos são exactamente iguais às questões já tratadas no Acórdão do TSI de 28MAIO2020, tirado no Processo nº 27/2019, de que é Relator o 1º Adjunto deste Colectivo, em que as mesmas foram apreciadas e decididas nos termos seguintes:
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu, em sede de vista final, o seguinte parecer pugnando pela improcedência do presente recurso:
Na petição e nas suas alegações, a recorrente solicitou a anulação do despacho referido e transcrito no ofício n.º062/NAJ/MG/2018, argumentando que não se preenchem in casu o conceito da liquidação oficiosa adicional, nem os pressupostos da aplicação do art.20º do RIVM.
Exarado na Proposta n.º016/NAJ/MG/2018, o despacho em causa reza “同意建議,駁回本訴願”. Nos termos do preceito n.º1 do art.115º do CPA e de acordo com a brilhante jurisprudência (cfr. Sumário I do Acórdão do TSI no Processo n.º334/2017), a declaração de “同意建議” implica que tal despacho acolhe e absorve todo o conteúdo daquela Proposta.
Quid juris?
*
Ora, não é difícil perceber que enquanto a transmissão contemplada na alínea 1) do art.2º do RIVM é aleatória por natureza, a importação para uso próprio e a afectação para uso próprio dependem, predominantemente ou até exclusivamente, da vontade de importares ou de agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização referidos nas alíneas 2) e 3) do art.2º citado, por isso e nesta medida, as situações tipificadas nas alíneas 2) e 3) são controláveis pelos correspondentes sujeitos passivos.
Assim, e visto que as três modalidades da incidência real estabelecidas no mencionado art.2º correspondem aos momentos da exigibilidade diferentes (art.4º deste diploma legal), a prevenção e combate com evasão fiscal exigem imperativamente que o uso próprio tenha de ser real, efectivo e duradouro, não seja meramente ocasional e episódico, designadamente não possa ser manobra ou pretexto da fraude fiscal.
No vertente caso, sucede que a recorrente solicitou ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego que “作為贊助亞洲電影大獎於2015年3月25日接載嘉賓之用,現該活動已圓滿結束,所以特函貴局申請取消該試車牌,並願意繳付有關費用” (doc. de fls.34 do P.A. sublinha nossa.). Reconheceu ela, e bem, que o referido patrocínio tivera também em vista a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados (art.7º da petição inicial).
Sem embargo do merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que tal patrocínio não constitui nem equivale à afectação para uso próprio definida na alínea 3) do art.2º do RIVM, portanto, é irrelevante para os efeitos consagrados na alínea 3) do art.4º deste RIVM. O que implica que o momento da exigibilidade do imposto recaiu em 12/11/2015 data da venda aludida no art.16º da petição. E não existindo real afectação para uso próprio nem matrícula e registo efectivos até a 12/11/2015 acima, os veículos utilizados tão-só para concretização do dito patrocínio não deixam de ser novos para efeitos do imposto sobre veículo motorizados.
Tudo isto impulsiona a inferir que a venda ocorrida em 12/11/2015 constitui a primeira disposição dos veículos para os efeitos consignados na alínea 3) do art.4º e no n.º3 do art.16 do RIVM, pelo que ao caso sub judice se deve aplicar o Despacho n.º59/2015 do Chefe do Executivo que entrou em vigor desde 09/04/2015 – dia seguinte à sua publicação, e revogou as Tabelas I e II anexas ao Despacho n.º41/2012 do mesmo.
Sendo assim, e na medida em que a liquidação em 22/03/2015 pela recorrente se baseou na inexistente afectação para uso próprio e provocou prejuízo à RAEM, o director da DSF pode e deve proceder à liquidação oficiosa adicional dentro do prazo de cinco anos contado a partir da sobredita venda em 12/11/2015 (arts.18º/1 e 19º do RIVM).
Nesta linha de raciocínio e tendo em conta que em 20/10/2016 o Sr. director da DSF proferiu o despacho que ordenou a liquidação oficiosa adicional (doc. de fls.1 a 3 do P.A.), não podemos deixar de colher que a mesma liquidação oficiosa que viu confirmada e mantida pelo despacho ora em questão é por completo legal e legítimo, não infringindo nenhuma norma mencionada na conclusão 17) da petição.
*
Ora, a recorrente não realizou nem requereu liquidação adicional no prazo de 15 dias seguintes à venda ocorrido 12/11/2015, portanto parece-nos que é inatacável a (1) proposta no ponto 7 da Proposta n.º0701/NVT/ DOI/RFM/2016 (doc. de fls.1 a 3 do P.A.), no sentido de que “根據《機動車輛稅規章》第18條第1﹑2款及第20條之規定,依職權結算車輛之機動車輛稅差額,並加收補償性利息,利息計算期間由有關車輛申領試驗車牌日(13/11/2015)後15日(自應結算稅款之期間屆滿之翌日01/12/2015至本次局長之批示日止”.
O que nos leva a concluir que se verifica in casu o pressuposto da aplicação de juros compensatórios (arts.17º, n.º2 e 20º do RIVM), daí que é legal o despacho recorrido na parte de confirmar a aplicação de juros compensatórios à recorrente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
II
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Para nós, todas as questões efectivamente colocadas e delimitadas nas conclusões de recurso já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.
Em conclusão:
Em face do disposto nos artºs 2º e 4º do «Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados», não é tida como integrante em qualquer das situações previstas nas várias alíneas desse artº 2º a afectação pelo importador, a título temporário e não translativo da propriedade, de veículos novos como forma do patrocínio em espécie no determinado evento, com vista à promoção da imagem da marca do veículos que comercializa e/ou do seu fabricante, nem o momento da tal afectação considerado o da exigibilidade do imposto a que se refere o citado artº 4º.
Não se vê razão para não manter a posição já assumida por este Acórdão do TSI de 28MAIO2020, tirado no Processo nº 27/2019, é de produzir aqui toda a fundamentação do Acórdão tirado nesse processo, para, mutatis mutandis, servir de fundamentos no presente Acórdão, julgando improcedente o presente recurso contencioso.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 28JAN2021
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
Vencido pelos fundamentos constantes do Acórdão na parte em que fui relator.
Mai Man Ieng
1 Sendo fls. 49 para fazer a correspondência entre o número da licença de importação indicado nas declarações M/4 e M/5 a fls. 47/48 e o número de chassis indicado na factura a fls. 33.
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399/2020-1