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Processo n.º 1030/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 28 de Janeiro de 2021

Assuntos:

- Arrendatário e infracção administrativa de alojamento ilegal
     
     
SUMÁRIO:
     
I – Uma vez que a norma do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 (de 2 de Agosto) estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma (...)" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos, isto é, a lei satisfaz-se como conteúdo da segunda proposição formulada, independente da primeira, bastando, por isso, para ser responsabilizado, quem controlar (directa ou indirectamente) uma fracção e aí se pratique alojamento ilegal.
II - A arrendatária da fracção que detém o controlo e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ao permitir que outrem ali se aloje e ao não se inteirar da qualidade dessa pessoa e de outras em termos de legalidade de permanência na RAEM e permitir que essas pessoas ali instalem, sem que continue sem se inteirar da situação legal dessas pessoas em termos de imigração, permanência ou residência, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado.
III - Comete a infracção de alojamento ilegal, prevista no artigo 10º, com referência ao artigo 2º, todos da Lei n.º 3/2010, de 2 de Agosto, a pessoa que celebra um arrendamento e, não morando aí, por essa via faculta que outrem ceda a terceiros para que estes nele se alojem aí, não residentes, moradores estes que não têm qualquer relação excludente do alojamento ilegal prevista no n.º 1 e 2 do referido artigo 2º, a arrendatária é responsável por esta violação da lei.
     
     
O Relator,

_______________
Fong Man Chong













Processo n.º 1030/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 28 de Janeiro de 2021

Assuntos:

- Arrendatário e infracção administrativa de alojamento ilegal
     
     
SUMÁRIO:

I – Uma vez que a norma do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 (de 2 de Agosto) estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma (...)" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos, isto é, a lei satisfaz-se como conteúdo da segunda proposição formulada, independente da primeira, bastando, por isso, para ser responsabilizado, quem controlar (directa ou indirectamente) uma fracção e aí se pratique alojamento ilegal.
II - A arrendatária da fracção que detém o controlo e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ao permitir que outrem ali se aloje e ao não se inteirar da qualidade dessa pessoa e de outras em termos de legalidade de permanência na RAEM e permitir que essas pessoas ali instalem, sem que continue sem se inteirar da situação legal dessas pessoas em termos de imigração, permanência ou residência, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado.
III - Comete a infracção de alojamento ilegal, prevista no artigo 10º, com referência ao artigo 2º, todos da Lei n.º 3/2010, de 2 de Agosto, a pessoa que celebra um arrendamento e, não morando aí, por essa via faculta que outrem ceda a terceiros para que estes nele se alojem aí, não residentes, moradores estes que não têm qualquer relação excludente do alojamento ilegal prevista no n.º 1 e 2 do referido artigo 2º, a arrendatária é responsável por esta violação da lei.
     
     
  O Relator,

_______________
Fong Man Chong















Processo n.º 1030/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 28 de Janeiro de 2021

Recorrente : AXX (AXX)

Entidade Recorrida : Directora dos Serviços de Turismo


* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
AXX (AXX), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 10/07/2020, que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida que lhe aplicou a multa no valor de MOP$200,000.00, pela violação do artigo 10º/1 da Lei nº 3/2010, de 2 de Agosto, dela veio, em 06/10/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 191 a 205, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso da sentença proferida a fls. 165 e ss. dos presentes autos que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pelo ora Recorrente em 10 de Julho de 2020, e, consequentemente, manteve o acto recorrido;
II. O acto recorrido consiste na Decisão Sancionatória proferida em 15 de Outubro de 2018 pela Directora da Direcção dos Serviços de Turismo na sequência do Auto de Notícia n.º 137/DI-AI/2016, mediante despacho exarado no Relatório n.º 620/DI/2018, de 9 de Outubro de 2018, que aplicou à Recorrente uma sanção pecuniária de MOP$200.000,00, por, alegadamente, controlar a fracção autónoma do 8° andar C do Edifício ......, situado na Avenida ......, n..º ......, utilizada para a prestação de alojamento ilegal e, portanto, violar o disposto do n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010;
III. Ora, salvo o devido respeito, crê-se, em primeiro lugar, que a questão não se resume, como fez o meritíssimo juiz a quo, a uma questão civilística de validade do contrato de arrendamento e de quem se encontra formalmente vinculado pelo mesmo, concluindo que tal contrato é válido e produziu efeitos na esfera jurídica da Recorrente, que actuou no mesmo contrato como um mandatário sem representação, nos termos do artigo 1106° do CC;
IV. Na verdade, estando em causa uma sanção, sujeita aos princípios de direito penal, o que é relevante é a verificação de estarem ou não preenchidos todos os elementos do tipo desenhados na norma sancionatória, isto é, se estão ou não reunidos todos os requisitos de que depende a aplicação da sanção;
V. E, a verdade é que face aos factos provados, não estão preenchidos todos os requisitos, no que se refere à Recorrente;
VI. Resulta tanto da sentença recorrida como da decisão sancionatória que a punição da Recorrente se baseou no facto de a mesma, enquanto arrendatária, ter o controlo da fracção onde se prestou alojamento ilegal;
VII. Porém, tendo-se provado, como de resto admite a sentença recorrida e a própria entidade recorrida, que a Recorrente apenas actuou como testa de ferro do Sr. BXX BXXe que, assim, verdadeiramente, nunca chegou a ter controlo da fracção onde era prestado alojamento (veja-se paragrafo 1°, 5°, 6° os factos dados como provados e assentes e bem assim o relatório n° 620/DI/2018, que o juiz a quo refere na sentença, designadamente os pontos aí mencionados) lógico seria concluir que não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação da norma sancionatória à Recorrente;
VIII. Na verdade, a norma do artigo 10°, nº 1, da Lei 3/2010, utilizada para punir a Recorrente, ao usar a expressão "controlar por qualquer forma" prédio ou fracção autónoma onde é prestado alojamento ilegal, pretende abranger qualquer forma de controlo sobre o imóvel utilizado para a prestação ilegal, independentemente da existência de qualquer título formal que legitime esse controlo;
IX. Mas essa abrangência tem o seu reverso, que é o de também excluir do âmbito de aplicação da norma quem, tendo um título formal que lhe legitima um controlo sobre o imóvel onde é prestado alojamento ilegal, não seja efectivamente o detentor de qualquer controlo. Ou seja, para a norma sancionatória em causa, a existência de um título formal de legitimação do controlo é absolutamente irrelevante, importando antes, o efectivo controlo;
X. Assim, se a qualidade de proprietário ou arrendatário, dados os direitos e obrigações inerentes a tais qualidades, permite presumir que os mesmos têm um controlo sobre o imóvel onde é prestado alojamento ilegal, nada impede, antes resulta claro da norma em questão, que essa presunção não possa ser afastada, quando, como in casu se verifica, que, a final, não têm controlo sobre o imóvel;
XI. E tal assim é por estarmos no âmbito de uma infracção administrativa, sujeita aos princípios básicos de direito penal, designadamente, o princípio da legalidade e da tipicidade;
XII. Assim, estando assente que foi Sr. BXX BXX (i) quem efectivamente arrendou a fracção onde se prestou alojamento ilegal, inclusivamente foi ele quem pagou as rendas e a caução directamente à proprietária, que ele deslocou-se ao escritório de advogados, juntamente com as agentes imobiliárias com quem contactou para celebrar o contrato de arrendamento e que a Recorrente apenas actuou como testa de ferro do tal Sr. BXX BXX (cfr. pontos 5 e 6 dos factos provados e bem assim e o relatório n° 620/DI/2018, designadamente os pontos mencionados na sentença), só se pode concluir que a Recorrente, ainda que tivesse o título formal de arrendatária, não tinha efectivamente um controlo sobre a fracção utilizada para a prestação de alojamento ilegal, pelo que, relativamente a si, não estavam preenchido os pressupostos de aplicação da norma;
XIII. Mas, mesmo analisando a questão sob o ponto de vista formal e civilístico - como fez o meritíssimo juiz a quo - a verdade é que, salvo o devido respeito, a Recorrente nunca teve qualquer controlo, mesmo formal, sobre a fracção utlizada para a prestação de alojamento ilegal já que o contrato de arrendamento por ela celebrado com a proprietária é nulo em relação a si, por simulação, e assim, nunca chegou a produzir quaisquer efeitos;
XIV. Na verdade, dos factos provados resulta que houve um acordo de todos os intervenientes no contrato de arrendamento que a Recorrente ficaria a constar no mesmo como arrendatário, mas que o verdeiro arrendatário seria o Sr. BXX BXX, que foi quem pagou a caução e a renda e que seria quem ocuparia efectivamente a fracção;
XV. Sendo assim, no que se refere ao contrato de arrendamento da fracção autónoma, não se está perante um mandato sem representação, que apenas pressupõe um acordo entre o mandante e o mandatário, que pode ou não ser do conhecimento do terceiro que intervém nos negócios praticados pelo mandatário sem representação, mas perante um caso de simulação relativa, por interposição fictícia da Recorrente, que funcionou como testa de ferro na assinatura do mesmo contrato, quando na verdade o que se quis e efectivamente se celebrou foi um contrato de arrendamento entre proprietária da fracção e o referido Sr. BXXBXX;
XVI. Conclui-se pois que o contrato de arrendamento entre a Recorrente e a proprietária da fracção usada para alojamento ilegal é nulo, em relação à Recorrente, por simulação, nos termos dos artigos 232° e 233°, n.º 1 do Código Civil e nunca teve qualquer validade relativamente à pessoa da Recorrente, valendo apenas no que se refere à proprietária e o Sr. BXXBXX, de quem a Recorrente foi apenas um testa de ferro ou "homem de palha";
XVII. Assim sendo não era a Recorrente o verdadeiro sujeito dos direitos e obrigações de arrendatário decorrentes do contrato de arrendamento que subsistiu - negócio dissimulado - mas sim o Sr. BXXBXX;
XVIII. Tal é, de resto condizente com todos os factos provados dos quais resulta que era o Sr. BXXBXXquem ocupava efectivamente a fracção e prestava alojamento ilegal (vide paragrafo 1º dos factos provados);
XIX. Nestes termos, também parece fácil concluir, tendo também em conta apenas os factos provados, que não foi a recorrente o verdadeiro sujeito da infracção cometida já que não tinha nenhum controlo, quer material, quer formal sobre a fracção utilizada para alojamento ilegal;
XX. Em suma, a Sentença Recorrida deve ser revogada por violação dos princípios de legalidade e de tipicidade e da norma do n.º 1 do artigo 10° da Lei n.º 3/2010, e, bem assim, dos artigos 232°, 233° e 1106°, todos do Código Civil.
*
A Entidade Recorrida, Directora dos Serviços de Turismo, veio, 22/10/2020, ofereceu a resposta constante de fls. 207 a 216, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Em sede de recurso, a Recorrente vem alegar que estamos perante uma simulação relativa o que determina que o contrato de arrendamento celebrado com CXX é nulo em relação a ela, Recorrente, na medida em se limitou a actuar como "testa de ferro" de BXX;
II. A história da "testa de ferro" foi combinada entre a Recorrente e BXX para contornar uma condição imposta pela proprietária que exigiu que o arrendatário fosse portador de documento de identificação de Macau o que, aliás, muitos arrendatários de Macau exigem desde a entrada em vigor da Lei n.º 3/2010;
III. A simulação constitui vício de vontade descrito no Código Civil como uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, por acordo simulatório entre declarante e declaratário e com o intuito de enganar terceiros;
IV. Na simulação relativa, o acordo simulatório envolve necessariamente as partes reais no contrato simulado e também a parte aparente;
V. No presente caso não existe simulação uma vez que não estão preenchidos os requisitos da simulação: não há nem acordo simulatório, nem tão pouco um "terceiro" enganado;
VI. Mas Recorrente não percebeu isto ao invocar o vício da simulação pois deve achar que é bastante o acordo simulatório entre ela própria e BXX, nada referindo nem provando quanto ao conluio com outra parte real do contrato, ou seja, a senhoria;
VII. Não se provando o conluio simulatório no contrato de arrendamento com a senhoria, CXX, falta um elemento essencial para poderem estar preenchidos os requisitos da simulação; ou seja, sem esse conluio, não há simulação!
VIII. Existiu, sim, uma interposição real de pessoas sem simulação, por acordo apenas entre uma das partes no contrato (a Recorrente) e a pessoa que supostamente o queria celebrar (BXX), o que se reconduz a um mandato sem representação como muito bem qualificou a sentença recorrida;
IX. Acresce que, a lógica da figura da simulação pressupõe que a invocação da nulidade dos negócios simulados pertence aos terceiros, àqueles que possam ter sido enganados ou lesados com esses negócios; o legislador, ao determinar a nulidade dos negócios simulados, não estava a querer proteger os próprios simuladores, mas sim eventuais terceiros que fossem vítimas do logro;
X. Mas temos a própria Recorrente, uma das "simuladoras" de acordo com tese por ela agora apresentada, que na altura aceitou de bom grado e de livre vontade assumir a qualidade de arrendatária, invocar em sede de recurso este suposto vício, ou seja, a tentar beneficiar de uma situação que ela própria criou;
XI. A Recorrente resolveu trazer à baila esta figura jurídica da simulação sem ter quaisquer fundamentos nem apresentar quaisquer provas do que alega, numa tentativa vã de se eximir das consequências que sobre ela recaíram com a instauração do processo sancionatório pela DST;
XII. Não sendo o contrato de arrendamento simulado, insistimos no que já foi defendido em sede de contestação, ou seja, a qualidade de arrendatária atribuiu à Recorrente o controle da fracção, ou seja, todo um acervo de poderes que lhe permitiam, entre outros, ter acesso, usar e gozar a fracção, controlar quem lá entrava e permanecia, rescindir o contrato, etc; e claro, também daí advieram deveres como o de manter a fracção em bom estado de conservação, de zelar por ela e de a afectar a bom uso, nomeamente o dever de lhe dar o uso a que se destinava nos termos legais e regulamentares, a saber a habitação;
XIII. E o facto de ser controladora constitui matéria bastante para integrar a infracção prevista no n.º 1 do artigo 10.° da Lei 3/2010;
XIV. A sentença posta em causa no presente recurso não padece, pois, de quaisquer vícios que afectem a sua validade, não se vislumbrando a violação dos princípios da legalidade e da tipicidade nem tão pouco o n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010 nemos artigos 232.°, 233.º e 1106.º do Código Civil;
XV. Os factos dados como provados foram os necessários e relevantes para a decisão da causa tendo sido também correctamente subsumidos à norma jurídica aplicável pelo tribunal a quo;
*
O Digno. Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer (fls. 225 a 227):
Nos termos previstos na norma do artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se nos termos que seguem:

1.
AXX, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pela Directora dos Serviços de Turismo datado de 15 de Outubro de 2018 que aplicou à recorrente uma multa no valor de 200.000,00 patacas pela prática da infracção administrativa prevista no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 165 a 168 foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformada com a dita sentença, veio a Recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional, sustentando, em síntese, que o Tribunal recorrido errou na interpretação da norma do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 porquanto, apesar de, formalmente, a Recorrente ser a arrendatária da fracção autónomo onde era prestado alojamento ilegal, a verdade é que não tinha sobre ela o «controlo» a que a lei se refere uma vez que ela apenas actuou como testa de ferro de BXX, esse sim, o verdadeiro arrendatário da dita fracção.
A Entidade Recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

2.
Salvo o devido respeito por opinião, parece-nos que o recurso merece provimento, embora por fundamento jurídico que só em parte coincide com o invocado pela Recorrente.
Procuraremos demonstrar porquê.
O acto administrativo recorrido aplicou à Recorrente a multa de 200.000,00 pela prática da infracção prevista no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010. Aí se preceitua:
«Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas».
É pacífico que a Recorrente não prestou ilegalmente alojamento nos termos tipificados no artigo 2.º do citado diploma legal.
A sua responsabilização e punição pela Entidade Recorrida foi feita porque esta considerou que a Recorrente controlava a fracção autónoma que era utilizada para a prestação ilegal de alojamento na medida em que era arrendatária da mesma.
Não é assim, no entanto.
Como efeito, resulta da matéria de facto provada que a Recorrente celebrou com CXX um contrato de arrendamento da fracção autónoma situada no 8.º andar C do Edifício ......, situado na Avenida ......, n..º ......, em Macau que viria a ser utilizada para a prestação ilegal de alojamento.
Essa intervenção da Recorrente, como também resulta da própria sentença, foi feita no interesse de um terceiro, BXX, sendo que foi este quem, ab initio, efectuou junto da senhoria o depósito da caução e bem assim o pagamento das rendas.
Em nosso modesto entendimento, após a formalização do contrato de arrendamento, a Recorrente cedeu a sua posição no dito contrato de arrendamento ao referido B.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 1006.º do Código Civil, a cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos artigos 418.º e seguintes, sem prejuízo, no entanto, das disposições especiais previstas no capítulo quo o Código Civil dedica à locação.
Olhemos essas disposições especiais.
Segundo o disposto no artigo 983.º, alínea f), do Código Civil, constitui obrigação do locatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica.
Por sua vez, do artigo 1034.º, alínea f) do Código Civil resulta que o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário «(…) ceder a sua posição contratual nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1020.º».
Estabelece-se nesse artigo 1020.º do Código Civil: «o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do artigo 983.º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este».
Da conjugação destes normativos decorre, segundo cremos, que a cedência da posição contratual, ainda que ilícita, inválida por falta de forma ou ineficaz em relação ao senhorio, justamente porque não pode constituir fundamento para a resolução do contrato por parte do senhorio, não deixa de produzir efeitos quando este tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal. O reconhecimento por parte do senhorio do beneficiário da cedência torna juridicamente irrelevantes a ilicitude, a invalidade ou a ineficácia da cessão.
Ora, no caso em apreço, como já dissemos, flui inequivocamente da matéria de facto provada que a Recorrente cedeu a sua posição no dito contrato de arrendamento ao referido BXX. Na verdade, não é controvertido que este, e não a Recorrente, passou a gozar a coisa locada e que, em contrapartida, também ele, e não a Recorrente, passou a pagar as rendas devidas por esse gozo da coisa.
Como parece evidente, isso só pode significar que a Recorrente cedeu ao BXX sua posição jurídica de arrendatária. O que se compreende bem na economia de um mandato sem representação que, como a sentença recorrida sagazmente assinala, terá existido entre a Recorrente e o B, porquanto na sequência de um tal mandato, o mandatário, no caso a Recorrente, ficou obrigado a transmitir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (cfr. artigo 1107.º do Código Civil). O que efectivamente fez através da cedência já falada.
Em todo o caso, para o que agora interessa, mercê da dita cedência, ficou o BXX investido na posição de arrendatário, em lugar da Recorrente.
Tal cedência, como também já dissemos, ainda que meramente verbal, obteve a inequívoca anuência da senhoria da senhoria a qual, sem qualquer dúvida, reconheceu o beneficiário da cedência como tal, ao receber dele não só a caução como também as rendas que constituíam a contrapartida pelo gozo da fracção autónoma. De resto, a senhoria sempre soube que a Recorrente era apenas a testa de ferro do dito B (neste mesmo sentido de que o recebimento de rendas equivale ao reconhecimento do beneficiário da cedência por parte do senhorio, veja-se PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, 4.º edição, reimpressão, Coimbra, 2011, p. 387).
Perante este circunstancialismo, impondo-se a conclusão de que a Recorrente cedeu a sua posição de arrendatária a favor do BXX e que essa cedência foi reconhecida pela senhoria em termos de tornar irrelevante a sua eventual invalidade formal nos termos que decorrem da conjugação das normas dos artigos 1020.º e 1034.º alínea f) do Código Civil, parece-nos que o acto administrativo recorrido fica sem suporte que o sustente.
Na verdade, a multa foi aplicada à Recorrente exclusivamente com fundamento no facto de a mesma ser arrendatária da fracção autónoma utilizada no alojamento ilegal e de, por isso, ter o controlo da mesma, enquadrando-se, por isso, na previsão do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010.
Demonstrando-se, como pensamos ter demonstrado, que a Recorrente não era, sequer formalmente, arrendatária da fracção, por isso que cedeu a sua posição contratual ao BXX, falece o dito pressuposto para a aplicação da multa aqui em causa.
Podemos concluir, pois, que a douta sentença recorrida, com todo o respeito que é devido, errou ao decidir pela legalidade do acto recorrido.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ 2016年11月17日,旅遊局巡查小組人員進入澳門......馬路...號......8樓C座單位以調查該單位涉嫌被用作非法提供住宿事宜。當時有DXX、EXX、FXX、GXX及BXX5名人士在該單位內,其中DXX聲稱BXX安排其住宿於廳間其中一個床位,BXX向其表示每晚住宿費用為港幣100.00元,但其仍未繳付任何住宿費用。EXX聲稱每晚住宿費用為港幣200.00元,其已繳付了兩晚的住宿費用合共港幣400.00元。FXX及其妻子GXX聲稱每晚住宿費用為港幣150.00元,兩人已繳付了兩晚的住宿費用合共港幣300.00元。而BXX聲稱其同鄉HXX排其住宿在其中一個床位,其否認曾向DXX提及收取廳間之住宿費用每晚港幣100.00元及否認曾向DXX收取任何住宿費用。五人均未能出示該單位的租賃合同。因有強烈跡象顯示該獨立單位正被利用向公眾非法提供住宿,旅遊局督察就上述事宜制作編號137/DI-AI/2016實況筆錄 (見行政卷宗第12頁至第45頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
‐ 上述五名人士皆為持有效中華人民共和國往來港澳通行證入境的非澳門特別行政區居民 (見行政卷宗第35頁至第39頁)。
‐ 上述獨立單位業權人為CXX,物業取得登記於2004年3月30日作出,登記用途為居住用途,且沒有獲旅遊局發出經營酒店場所的執照 (見行政卷宗第2頁至第3頁及第44頁)。
‐ 上述業權人CXX與司法上訴人於2016年7月26日簽訂涉案單位的租賃合同,租賃期為1年,由2016年7月28日起至2017年7月27日止,每月租金為港幣17,000.00元,租賃合同後附有BXX的身份證明文件副本(見行政卷宗第201頁與第107頁至第109頁及背頁)。
‐ 在查看涉案獨立單位及簽署上述租賃合同時,BXX均在場(見行政卷宗第100頁及第201頁)。
‐ 在簽署上述租賃合同時,BXX即場以現金方式支付承租涉案獨立單位的按金及首月租金共港幣51,000.00元 (見行政卷宗第100頁及第201頁)。
‐ 2018年2月26日,被上訴實體在編號89/DI/2018報告書上作出批示,同意對司法上訴人提出控訴,並於同年3月1日發出第94/AI/2018號通知令將上述決定通知司法上訴人及要求其提交書面答辯 (見行政卷宗第182頁至第193頁及背頁)。
‐ 2018年3月9日,司法上訴人向旅遊局提交書面答辯 (見行政卷宗第195頁至第197頁)。
‐ 2018年10月15日,被上訴實體同意編號620/DI/2018報告書的建議,決定按第3/2010號法律第10條第1款規定,因司法上訴人控制位於澳門......馬路...號......8樓C座獨立單位非法提供住宿,對其科處罰款澳門幣200,000.00元 (見行政卷宗第199頁至第209頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
‐ 2018年10月19日,被上訴實體發出第678/AI/2018號通知令,將上述決定通知司法上訴人 (見行政卷宗第210頁至第211頁及背頁)。
‐ 2019年2月25日,司法上訴人透過委任訴訟代理人以圖文傳真方式針對上述決定向本院提起本司法上訴。
* * *
    IV – FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório

Recorrente AXX (AXX), melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade recorrida Directora dos Serviços de Turismo, que, pelo seu despacho exarado no relatório n.º 620/DI/2018, de 15/10/2018, determinou a aplicação à Recorrente, de uma sanção pecuniária no valor de MOP200,000.00, nos termos do art.º 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos de fls. 27 a 50 e l04 a 105 dos autos, em síntese
- a ilegalidade do acto recorrido pelo erro manifesto nos pressupostos de facto que determinam a aplicação da multa,
Concluiu, pedindo que seja anulado o acto recorrido.
*
A Entidade recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 111 a 133 dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto recorrido, concluiu no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
*
Foram inquiridas as duas testemunhas indicadas pela Recorrente.
*
Apenas a Entidade recorrida apresentou alegações facultativas a fls. 154 a 159 dos autos, mantendo as conclusões anteriormente formuladas.
*
A digna Magistrada do M.º P.º emitiu douto parecer no sentido de ser julgado improcedente o presente recurso, com os fundamentos a fls. 162 a 164 dos autos.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação

1. Matéria de facto
Dos autos e do P.A. anexo resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
(...)

***

2. Matéria de direito

Alega a Recorrente que não estão preenchidos os pressupostos do acto recorrido, uma vez que ela se limitou a apor sua assinatura no contrato de arrendamento da fracção em causa, no interesse do BXX (BXX), a fim de garantir a este um lugar de moradia quando se encontrasse em Macau.

E por isso, a Recorrente não detinha o controlo da referida fracção, que competia ao BXX (BXX), quem contactou os agentes imobiliários, solicitando os seus serviços mediadores, quem pagou à proprietária da fracção em causa uma caução e as rendas e quem alojou os hóspedes naquela fracção.
Importa ver que a Entidade recorrida, no acto recorrido, não impugnou de forma expressa a veracidade dos referidos factos que tinham sido invocados na fase de procedimento administrativo, donde resultaria que BXX (BXX) tinha uma intervenção acentuada na prática da infracção administrativa que foi imputada à ora Recorrente, como se demonstra nos pontos 44, 45, 46, 48, 50, 52, 53 e 54 da relatório n.º 620/DI/2018, junta a fls. 199 a 209 do P.A.

Aliás, o mesmo sucede na contestação da Entidade recorrida, que por um lado, admitiu serem verdadeiras as alegações da Recorrente, e que por outro lado, as considerou irrelevantes para a decisão da causa, sobretudo conforme o alegado nas alíneas 71) a 78) da contestação. Ou seja, no seu entender, o que nos concerne para aferir a existência ou não do domínio da Recorrente sobre a fracção seria apenas o facto de ela ser a única signatária do contrato de arrendamento.

Vejamos se lhe assiste a razão.

Logo à partida, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 3/2010, constitui a prestação ilegal de alojamento sancionável com facto ilícito administrativo, a actividade de 1) prestação de alojamento ao público, 2) sem possuir a licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros, em prédio ou fracção autónoma não destinado a fins de actividade hoteleira e similar, 3) cujo ocupante é não residente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), ao qual não foi concedida autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não residente.

Ora no caso dos autos, os requisitos normativos acima referidos encontram-se preenchidos na decisão recorrida, como se segue:
- A fracção 澳門......馬路...號......8樓C座 em causa, com fim habitacional, foi destinada ao alojamento, sem que esteja dotada de licença para exploração de estabelecimento hoteleiro.
- A dita fracção foi utilizada para alojar os não residentes da RAEM, que não tinham qualquer autorização especial de permanência.
Quanto a isto, a Recorrente não discordou, circunscrevendo a sua impugnação à questão da qualificação do infractor determinada pela Entidade recorrida.

Estabelece-se, nos termos no disposto do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, o seguinte:
“Artigo 10.º
Infracções administrativas
1. Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas.
2. Quem angariar pessoa com vista ao seu alojamento em prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 20 000 a 100 000 patacas.
…”

Foi a norma do n.º 1 que servia à sanção aplicada nos autos, segundo a qual a Recorrente, sendo arrendatária da referida fracção autónoma utilizada para a prestação ilegal de alojamento, exercia o controlo sobre esta fracção.

Aqui, como se vê, a lei não distingue a forma de controlo exercida pelo prestador – de acordo com a jurisprudência constante do tribunal superior, tem-se entendido que basta a qualidade de arrendatário para lhe atribuir o poder de controlo da fracção – cite-se como por exemplo, o Acórdão do TSI de 05/11/2015, Processo n.º 424/2015, no seguinte:
“…Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa…”
(No mesmo sentido, veja-se melhor, os Acórdãos do TSI de 29/11/2012, Processo n.º 693/2012; de 25/09/2014, Processo n.º 45/2014; de 27/11/2014, Processo n.º 262/2014 e de 05/11/2015, Processo n.º 424/2015).

A questão passa por saber se não obstante a assinatura do contrato de arrendamento aposta pela Recorrente, ela pode se desresponsabilizar pelo facto de agir no interesse de BXX (BXX), como testa de ferro deste, com o conhecimento da proprietária da fracção autónoma.

Com o devido respeito, não vemos como aderir a tese da Recorrente.

Desde logo, é evidente que o seu acto da outorga do contrato de arrendamento constitui o suporte bastante para lhe conferir o estatuto de arrendatário, com os direitos e deveres que lhe advém daí, em especial, o direito de gozo do apartamento arrendado. Esse direito de gozo, uma vez adquirido, passa a estar colocado ao dispor da Recorrente, o qual não tem de ser forçosamente exercido.

A partir daí, é irrelevante saber se os hóspedes alojados naquela fracção conheciam ou não a Recorrente que poderia até não habitar nem frequentar aí, sem que esse facto lhe retirou a qualidade de arrendatário, e por consequência, a possibilidade de exercer o controlo sobre a fracção em causa.

Por outro lado, nem tampouco relevante o argumento de que ela actuava sempre no interesse do terceiro, e não sendo portanto arrendatária verdadeira daquela fracção.

Trata-se aí de uma situação enquadrável no denominado mandato sem representação em que o mandatário pratica actos em seu próprio nome, mas por conta do terceiro mandante, cujos efeitos produzem na esfera jurídica deste.

Nos termos do artigo 1106.º do CCM, prevê-se o seguinte: “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.” (sublinhado nosso).
Nesse caso, é perfeitamente admissível a interposição do mandatário, como testa de ferro, na celebração do negócio que não é fictícia ou simulada. Daí a ocultação do interessado real não é ilícita nem significa simulação, no ponto de vista do direito civil, porque não há qualquer obrigação de a manifestar, nem disso deriva prejuízo injusto para os outros (cfr. Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, Coimbra Editoria, p. 825 a 826).

Nesta conformidade, inexiste motivo para a invalidação do negócio celebrado pela Recorrente, deve ser ela contratualmente vinculada em face ao destinatário, assumindo assim o estatuto de arrendatário.

Por conseguinte, não se tendo verificado qualquer erro no pressuposto de facto, e sendo a decisão recorrida baseada nos elementos fácticos suficientes, devidamente comprovados, não se pode afirmar que esta violou o princípio de indubio pro reo.

Tudo visto, resta-nos decidir julgando improcedente o recurso contencioso.
***

III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso contencioso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
*
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 5UC, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Registe e notifique.

*
Quid Juris?
Não é novidade a questão discutida nestes autos, já que sobre ela este TSI já se tem pronunciado em vários arestos: alojamento ilegal por violação do artigo 10º da Lei nº 3/2010, de 2 de Agosto.
Num caso semelhante (Proc. nº 890/2015, de 21/4/2016), foram tecidas as seguintes considerações pertinentes:
“(…)
Na verdade a qualidade de arrendatário, qualidade essa que não se mostra minimamente abalada, atribuiu-lhe, desde Agosto de 2011, a posse da fracção e todo um acervo de poderes e deveres que lhe permitiam ter acesso e dispor da mesma, incluindo os de fazer cessar o contrato se algo ali se passasse e que pudesse deixar de controlar.
Uma vez que ali se desenvolvia uma actividade ilegal de alojamento, não se pode o recorrente colocar numa situação fácil de desculpabilização, alegando que cedeu a fracção a terceiros, a amigos e desligar-se do seu estatuto de arrendatário, omitindo os deveres que lhe advêm dessa situação, para mais se essas pessoas nem se identificam concretamente ou se é possível encontrá-las. (Sublinhado nosso) A admitir-se este tipo de argumentação estaria aberta a porta a toda e qualquer desresponsabilização pela prática de alojamento ilegal, bastando introduzir no terceiro quaisquer pessoas que contactariam com os beneficiários do alojamento.
A interpretação feita, do conceito - controlar por qualquer forma o prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento -, mesmo “luz do pensamento legislativo subjacente a Lei nº 3/2010 não tem de corresponder necessariamente ao sentido de fornecer o objecto (fracção autónoma) e participar directamente na prestação do serviço (prestação de alojamento ilegal), sob pena de por essa via se abrirem as portas à intervenção de terceiros ou auxiliares, defraudando as razões ínsitas à penalização dessas condutas, quais sejam as de evitar o favorecimento de condições para a prática do alojamento ilegal. (Sublinhado nosso)
Na verdade, nem sempre se revela fácil provar quem foi o prestador do alojamento pois, frequentemente, os ocupantes são trazidos para a fracção por angariadores de rua e desconhecem a identidade do explorador. Por isso, como bem salienta a entidade recorrida, o legislador, para permitir à Administração um combate mais eficaz a esta actividade, e para contornar essas situações, optou por responsabilizar, também, aquele que detém a posse do imóvel onde a actividade ilegal teve lugar. (Sublinhado nosso)
Assim se compreende que a responsabilização por infracção administrativa por parte de quem detém a posse é uma forma de incutir no possuidor a necessidade de usar o imóvel no âmbito da sua finalidade própria e de impedir por qualquer forma que terceiros façam uma utilização que extravase essa finalidade, sempre se fechando mais a teia da ilicitude se a censura por actividade ilícita recair também sobre quem é, em última análise o responsável pela coisa, pelo seu estado físico, pelo uso que lhe é dado. A propriedade não deixa de acarretar deveres para o respectivo titular. Donde se justifique a atribuição do mesmo grau de censura a quem controla, por qualquer forma, o prédio ou a fracção autónoma e a quem presta o alojamento, punindo ambas as situações com uma multa de MOP 200 000,00. (Sublinhado nosso)
Também a letra da norma não deixa quaisquer dúvidas. Quanto ao artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, aquele dispositivo estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma (...)" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos, isto é, a lei satisfaz-se como conteúdo da segunda proposição formulada, independente da primeira, bastando, por isso, para ser responsabilizado, quem controlar uma fracção e aí se pratique alojamento ilegal. (Sublinhado nosso)
É evidente que com esta interpretação não se visa uma posição fundamentalista que vá no sentido de punir, sem mais, o dono do prédio que cede por um curto espaço de tempo a sua casa a um amigo e este ali deixa um imigrante ilegal pernoitar por uma noite, sem que aquele de nada saiba. Como em tudo, também aqui se deve ser razoável e todas as proclamações enfatizadas, como princípios, podem ser perigosas. Cada caso é um caso e há que ser prudente e razoável.
É assim que aquela previsão legal não deve deixar de abranger os casos em que o controle sobre a fracção implique o conhecimento ou o dever de conhecimento do que ali se passa e disponibilidade de meios e vontade para reagir, pondo termo ou não consentido nessa actividade ilegal.
(…)”.
Valem estas considerações, mutatis mudantis, para o caso em apreciação.
Pergunta-se, concretamente o que temos no nosso caso?
1) – Se é certo que a Recorrente confessou que tinha assinado o contrato de arrendamento, não é menos certo que ela nunca lá morava, até, aquando da assinatura do contrato, foi uma terceira pessoa que pagou as rendas! Algo estranho e anormal! O que significa que a Recorrente nunca precisava do locado, mas porque e para que o arrendou?
2) – A partir do momento em que ela, enquanto inquilina, assinou o contrato, tinha todas as condições para usufruir e controlar a fracção autónoma, o que aconteceu é que ela não se ligou, deixou de livre vontade o locado para ser usado por terceiros! Daí ela tem de assumir todas as consequências!
3) – Assim, como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, a arrendatária, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizada pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa
*
Na sequência de imodificados os factos considerados assentes pelo Tribunal recorrido, e como a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do disposto no artigo 1º do CPA, é de manter a decisão recorrida.

*
Síntese conclusiva:
I – Uma vez que a norma do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 (de 2 de Agosto) estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma (...)" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos, isto é, a lei satisfaz-se como conteúdo da segunda proposição formulada, independente da primeira, bastando, por isso, para ser responsabilizado, quem controlar (directa ou indirectamente) uma fracção e aí se pratique alojamento ilegal.
II - A arrendatária da fracção que detém o controlo e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ao permitir que outrem ali se aloje e ao não se inteirar da qualidade dessa pessoa e de outras em termos de legalidade de permanência na RAEM e permitir que essas pessoas ali instalem, sem que continue sem se inteirar da situação legal dessas pessoas em termos de imigração, permanência ou residência, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado.
III - Comete a infracção de alojamento ilegal, prevista no artigo 10º, com referência ao artigo 2º, todos da Lei n.º 3/2010, de 2 de Agosto, a pessoa que celebra um arrendamento e, não morando aí, por essa via faculta que outrem ceda a terceiros para que estes nele se alojem aí, não residentes, moradores estes que não têm qualquer relação excludente do alojamento ilegal prevista no n.º 1 e 2 do referido artigo 2º, a arrendatária é responsável por esta violação da lei.

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Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Custas pela Recorrente que se fixam em 6 Ucs, sem prejuízo da dispensa no âmbito do apoio judiciário concedido.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 28 de Janeiro de 2021.

(Relator)
Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

Mai Man Ieng
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